Frank - O Caçador #20: "A chamada do sétimo dia"


No relógio os ponteiros estavam todos no 12. A rua estava plenamente deserta naquele período e a única alma viva a vagar por entre as luzes brancas dos postes era um homem de terno marrom caminhando apressado à uma cabine telefônica envolta de faixas amarelas com os dizeres "Não violar". Entrara e discou rapidamente um número. Apertou o fone contra o suado ouvido. Ele tinha em torno dos 40 anos, cabelo castanho claro e cavanhaque. A saliva foi engolida com mais força.

Alguém atendeu. O sinal era um sussurro chiante.

- A-Alô. - fez uma pausa - Eu sinto muito. Não trouxe o que me pediu. - ele prendia o desespero.

- Então você falhou? - perguntou a voz de uma menina - Diga a verdade.

- Eu juro por tudo que me é mais sagrado... Eu... não... sei!

- Você teve todo esse tempo para me dar uma verdade. A verdade sobre a morte. O que é a morte?

- Como acha que vou saber dar um significado universal pra uma coisa tão...

- Complexa? Mas nós humanos somos complexos, isso não devia ser impossível.

- Eu ia dizer relativa. Mas pelo visto você é uma garotinha muito limitada pra compreender. - disse o homem, debochado - Que se dane o meu grande desejo, você não é um deus disfarçado.

- Não sou Deus. - disse a menina, friamente - Mas posso punir como o diabo.

O homem franziu o cenho e ignorou balançando a cabeça. Desligou achando tudo uma perda de tempo. Porém, ao se virar para sair da cabine, a porta da mesma trancou-se imediatamente sozinha. Ele afrouxou a gravata ao sentir ao ar rareando de pouco em pouco. Ofegava mais forte...

As lâmpadas dos postes começaram a tremeluzir. O homem batia na cabine tentando gritar por socorro, mas só saíam arfadas. Caiu de joelhos, a boca aberta querendo sugar uma partícula de oxigênio que não havia ali dentro. A falência dos pulmões não tardou a vir.

No outro lado da rua uma garotinha de vestido branco e longos cabelos negros observava o sofrimento da vítima na cabine. Sua imagem tremeu como se quisesse apagar até que desapareceu completamente.

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CAPÍTULO 20: A CHAMADA DO SÉTIMO DIA

Departamento Policial de Danverous City


Naquele horário era um tanto estanho Carrie não ser encontrada na sua sala tomando seu café. Para que não resultasse numa perda maior de tempo, Frank se dirigiu ao único lugar imaginável onde ela poderia ter se enfurnado. Um lugar pouco frequentado por funcionários. Reaberturas de casos era algo raro. Era disso que servia o depósito de arquivos engavetados. A assistente não podia ter simplesmente sumido. Ao abrir a porta, o detetive sentiu a lufada de ar frio com poeira excessiva.

- Aí está você. - disse ele, entrando - Rodei quase o prédio inteiro te procurando. Tá fazendo o quê?

- Xeretando uma pilha de casos esquecidos. - disse ela, mexendo numa estante com várias pastas organizadas - Ah, finalmente! Achei... - retirou uma caixa retangular meio pesada - São essas mesmo.

- Não tem nada pra mim hoje? Um assassinato comum? - questionou Frank.

- Não, hoje é dia de voltarmos no tempo. - disse Carrie, abrindo a caixa - Veja, estas fitas aqui... são gravações de testemunhas de um caso envolvendo uma garota morta numa cabine telefônica há oito anos. Você sabe quem é James Rockywood?

- Tá falando do... advogado que ajudou na soltura do cara acusado de estupro coletivo com uma menina de 10 anos? Não, fala sério... - disse Frank, não escondendo seu desprezo pelo homem - O que aconteceu com esse babaca? Foi vítima de um atentado? Qual relação isso tem com a garota?

- Rockywood está morto. - disparou Carrie - A notícia correu em todos os portais de notícias, na TV e internet, em qualquer lugar, há três dias, e como ontem estive de folga não pude antecipar. Ele foi achado com a boca aberta e dentro da cabine.

- Espectros talvez? - conjecturou Frank - Mas tem a garota morta nisso tudo...

- A cabine foi interditada, mas os responsáveis nunca tiveram coragem de recolhe-la. Tipo... borraram feio nas calças. - disse Carrie, pegando nas fitas - Isso nunca impediu de outras pessoas entrarem nela. E é sobre essas pessoas que devemos tratar, por ora. Nunca ouvi esses relatos.

- O fantasma da garota é o catalisador. - disse Frank, pensativo. Desviou o olhar para Carrie, decidido - Me passa essas fitas, vou ouvir todas.

- São 10 fitas com uma hora e meia de duração ao todo. Você tá tão livre assim?

- Se é pra ressuscitar um caso, vou até as últimas consequências.

- Frank, falando assim não tranquiliza nem a mais auto-controlada das pessoas. - disse Carrie, relutando.

- Anda, Carrie. Coragem é o que nunca me falta. Sabe disso melhor do que ninguém.

- Conheço esse olhar... - disse ela, suspeitosa - É um convite? - fez uma pausa - Tá legal...

Ambos foram até a sala de interrogatórios sem pedir permissão ao diretor Duvemport. Mas não importava, era um procedimento de trabalho. Com os gravadores na mesa, um de frente ao outro, puseram os fones headset e deram o play nas fitas que escolheram ouvir. Cinco fitas depois, Frank mostrava-se meio cansado, passando a mão no rosto.

- Quer parar? Se é assim, eu também paro. - disse Carrie, logo tirando o fone - Nossa, que horror...

- Era o que me faltava. Um fantasma que cumpre desejos se resolver um enigma em sete dias.

- Percebeu o quanto foram vagos sobre o lance do jogo?

- Pois é, como se ainda temessem uma represália da garota-fantasma. Mas preciso de mais apurações. Achei que esses relatos fossem facilitar. Não tô te acusando de ter me enganado, você não sabia...

- Tudo bem, Frank. O importante é que... foi um primeiro passo bem dado. Agora é só com você.

- Se as luzes começassem a piscar enquanto ouvíamos... Você ia fazer o quê?

- Já encarei uma fantasma de peito aberto. Você apareceu como um ano passado me dando uma baita susto.

- Bem, eu quis dizer fantasmas vingativos, os poltergeists que nunca descansam. - disse Frank. De repente, a lâmpada da sala realmente deu umas piscadas bem rápidas. Carrie gelara - É disso que eu tava falando. - o detetive ria por dentro.

- Tá, não quero te sugar mais tempo formulando teorias. Tem que ir à casa da família dela.

- Verificou o endereço antes? A mãe da garota ainda vive por lá?

- Sim, aparentemente mora sozinha. Ela se chama Wanda. Soube que recusou se pronunciar na época.

- OK. - disse Frank, assentindo - Chega de ouvir desgraça. Digo... Ah, enfim, vamos esquecer isso e focarmos no presente. Essa gente escapou, é ótimo. Wanda terá de me contar tudo, querendo ou não.

                                                                                     ***

Frank batera delicadamente na porta com o objeto em forma de ferradura prendido. A casa era relativamente antiga por isso a arquitetura pouco se assemelhar às outras reformadas da rua. O detetive olhou no relógio e esperou. "Vamos, aparece aí. Não quero me forçar a entrar furtivamente de novo.", pensou ele, meio nervoso. A porta fora aberta e Wanda o atendera.

A mãe de Emily esboçava um aspecto de abatimento, era uma mulher de 41 anos com cabelos compridos de um loiro escuro. A sua face denunciava noites mal-dormidas.

- Em que posso ajuda-lo? Sei que é da polícia, sua aparência pouco engana.

- Será que podemos ter uma conversa sobre... a sua filha? Sei que fazem anos, mas é que...

- Está bem. - disse ela, acolhedora - Ultimamente tenho precisado de companhia. Tem sido difícil.

- Obrigado. - disse Frank, entrando.

Sentaram nos sofás tranquilamente. A casa parecia mais empoeirada que o normal com visíveis teias de aranha nos móveis e no teto. Wanda mostrava um pouco de resistência à presença de Frank.

- Acredita mesmo que seja o espírito da Emily falando ao telefone?

- Sim, absoluta certeza, não tenho dúvidas. Ache absurdo, diga que sou insana... Jamais consigo fazer alguém entender a minha dor. Se é delírio ou verdade, está me fazendo bem, só que... é real.

- Olha, Wanda... Eu poderia ter todas as razões do mundo pra duvidar de você, mas não. Na verdade, eu realmente sei que está sã o bastante pra afirmar isso com tanta convicção.

- Acredita em fantasmas, detetive?

- Se acredito? - indagou ele, logo dando uma risadinha nervosa - Vi mais do que gostaria. Enfrentei mais do que deveria. Mas não quero falar sobre mim. Como é esse tal enigma que a Emily diz?

- Parece uma questão simplória, mas no fundo é maior mistério da existência. - disse Wanda olhando fixamente para Frank - Emily quer mais do que tudo saber o que é a morte. Conversamos por telefone inúmeras vezes. Ela sempre me exigia uma resposta que fosse perfeita e insuperável. A maior de todas. Na minha condição psicológica afetada pelo luto, me sentia incapaz de ajuda-la. Por um milagre estou viva. Não me passa pela cabeça minha própria filha se rebelar à mim.

- Fantasmas na condição dela são muito imprevisíveis de um jeito perigoso. Teve muita sorte até agora. - disse Frank.

- Não é uma questão de sorte, ela me poupou. Nosso vínculo é o mesmo. Sou a exceção à regra.

- O que acha da sua filha estar matando pessoas que não conseguem resolver o enigma?

- É trágico, é terrível, eu vou na cabine uma vez por semana... ela nunca toca nesse assunto. Emily só está com medo de ficar confusa e afundar numa loucura eterna. Só tem 10 anos, mas não aprovo seus atos.

- Ela é um espírito vingativo, por isso age dessa forma. - disse Frank, enfaticamente - Como ela morreu? A causa da morte ficou desconhecida desde a época do achado do corpo, além do fato de você ter se fechado para entrevistas e se negou a contribuir com as investigações. Odeio ter que dizer isso, mas... A morte da Emily virou um arquivo morto por sua causa.

Wanda abaixara a cabeça sentindo as lágrimas voltarem nos seus ardidos olhos.

- Está bem, eu entendo. Me perdoe, detetive. A última coisa que eu quero... são mais pessoas caindo nas armadilhas da Emily que inventa ser um deus que concede desejos à quem a contacta em troca da resposta.

- Por que não solicitou a companhia telefônica pra cortar a linha da cabine?

- Aí é que está o outro problema... - disse ela, enxugando o rosto - Eles já fizeram isso há 8 anos.

                                                                                         ***

Frank entrara na sua casa como se não houvesse mais tempo para nada que consideraria importante a fazer. A prioridade máxima no momento era mergulhar no árduo jogo e apostar todas as fichas.

Sentou na mesa da cozinha pegando um bloco de papéis e uma caneta, imergindo em pensamentos.

- Definição mais do que perfeita à morte... Como seria? Vai Frank, você é inteligente, com certe...

O toque do celular arruinou a tentativa de concentração. Ele hesitou por alguns segundos.

- O que foi, Carrie? Boas ou más notícias?

- Notícias velhas, pra ser direta. - disse a assistente - Posso saber por que demorou a atender?

- Olha, Carrie, tô no meio de... uma tarefa de extrema importância. Sem brincadeira. Não dava pra ter enviado uma mensagem, torpedo, pombo correio e o escambau?

- Não, pelo fato incontestável de você demorar a visualizar. Ligar é mais prático ao seu caso.

- E o que foi dessa vez? Descobriu o quê?

- Não tô gostando desse tom. Se está irritado comigo é por uma boa razão e quero saber já.

- Não tem nada a ver com você, te garanto. Eu só... - suspirou pela boca, sentindo-se perdido.

- OK, vejamos... Wanda escapou por pouco de não ser enquadrada por obstrução da justiça. Peguei o telefone de um investigador que assumiu o caso da morte da Emily na época e alegou que Wanda mentiu sobre ter se mudado, até forjou uma escritura com nome de um inquilino falso e que não tinha direitos de recombinar o contrato de moradia. Na verdade, ela se instalou num hospital psiquiátrico.

- Como é? Não, isso é furada, tem que ser... Nós ouvimos os relatos, além disso a própria Wanda parece mais uma mulher em crise depressiva do que uma doida varrida que travou no terceiro estágio de luto porque contacta um fantasma.

- O laudo psicológico consta que não houve registro de psicopatologia. O que nos leva a pensar que...

- Ela pode ter se internado por espontânea vontade... - disse Frank - Talvez fugindo de algo.

- Da polícia, obviamente. Ela devia ter cooperado. Foi declarada sã após o caso ir pra geladeira.

- Não quis dizer isso. Mas sim que... ela pode ter fingido se tratar por conta de algo omitido.

- Disse que ela parecia depressiva. Você não tá inventando pra limpar a barra dela né?

- Olha, sei que reprova a atitude da Wanda, mas pra mim ela é vítima. Não tenho tempo a perder, Carrie. Vou desligar, falei que estava no meio de uma coisa importante.

- E o que diabos é? Fala logo, vai me deixar louca! - exigiu Carrie claramente irritada.

- Desculpa por isso. Eu preciso jogar o jogo da Emily pra ver se ela finalmente cessa com as mortes.

- O quê?! Vo-você endoidou, Frank? Pirou de vez? E se não...

O detetive não estava nada apto a ouvir objeções da assistente, desligando o celular.

Voltou sua atenção ao papel tentando elaborar a resposta que satisfaria Emily para sempre. Porém, o telefone fixo tocara fazendo-o bufar raivosamente. Levantou-se depressa totalmente frustrado.

- Alô?

- Detetive, é o senhor?

- Wanda!? Ah sim, sou eu... Te dei um dos meus números. Algum problema?

- Espero que não fique ressentido por eu não ter falado antes. Não quis desenterrar o passado.

- Não ter falado o quê? - indagou ele, franzindo o cenho meio desconfiado - Wanda, tô cansado de disfarçar, então vou abrir o jogo contigo. Eu sei que você deixou uma lacuna na história de propósito.

- Exato, me culpe à vontade. Faltei com minhas obrigações fugindo da dor. Agora é tarde demais. Saí do hospital com a esperança de estar livre, mas só tinha vencido uma batalha pelos motivos errados. O que aconteceu à Emily tem relação com David, meu ex-marido... o pai dela. Era um cretino vagabundo que se meteu com uma gangue de vendedores de narcóticos e caiu no tráfico. Quando a conta chegou na nossa porta, ele não tinha como pagar. Até então não sabíamos como ele obtinha grana fácil pra nos sustentar. Foi aí que... - Wanda começara a chorar em soluços baixinhos - ... colocaram um alvo na Emily e chegou o dia que a levaram de mim depois que David falhou numa negociação desesperada. Os gritos de socorro da Emily me atormentam todas as noites. O desgraçado levou ela até a cabine... David chegou atrasado para salva-la e a viu ser asfixiada com um saco na cabeça e deixada lá como lixo. Ele veio até mim contando tudo. E simplesmente... foi embora.

Frank havia imaginado um filme passando na sua cabeça - como uma dramatização - enquanto Wanda contava o fatídico caso. O detetive mostrava-se tocado pela situação.

- Eu vou ajudar a Emily. Não se preocupe, todo esse sofrimento vai acabar. Eu juro.

- Detetive, por favor, não faça isso, é suicídio. Por que seria diferente?

- Confie em mim. Já ri na cara de muitos perigos nessa vida. Até mais. - desligara. Retornou rapidamente à mesa, desta vez mais preparado na escrita. Pensara um pouco e logo iniciou.

                                                                                 ***

Para melhor garantia de que ninguém poderia estar por perto àquela faixa-horária, Frank aguardou no carro mantendo-se vigilante. Pelo visto não tinha alguém na sua frente na fila. Saíra do carro, encaminhando-se diretamente à cabine, logo retirando e desdobrando o papel com a resposta. Ao entrar, sacou o medidor eletromagnético, deixando-o ligado.

Após a discagem de número aleatório, pôde ouvir chiados abafados. Frank apertou o fone ao ouvido.

- Olá. - disse Emily, o timbre seco e sussurrante.

- Estou falando com Emily Jones?

- Sim. Imagino que veio ansioso por um desejo. O que você mais deseja?

- Tenho uma ideia melhor: Podemos pular essa parte desnecessária e ir logo pro que interessa.

- Do que está falando?

- Não se faz de tonta, garota. Sou alguém que você mal podia esperar. Não estranhe minha confiança.

- Não quer ter seu desejo realizado?

- Não antes de conseguir realizar o seu. Ouça atentamente... - se preparava para recitar a descrição da maior certeza de toda a existência. Porém, um som agudo transpassou os tímpanos de Frank. O detetive recuou apertando os olhos e trincando os dentes devido à onda sonora - O que você fez?

- Não me irrite. - disse Emily - Quem manda sou eu. Então você sabe. Sobre a morte.

- Era isso que eu estava prestes a falar... Eu tenho a resposta, Emily. Sua mãe e eu tivemos uma conversa, eu posso te livrar dessa, a paz eterna existe e você merece.

- Então traga a resposta daqui à sete dias. Se vier antes ou desistir, mato você.

- Escuta aqui, é melhor você... - Frank se interrompeu ao saber que ela desligou. Batera com o fone no gancho. Olhando para o papel, notou que a insistência naquela resposta custaria sua vida. - Entrei pelo cano. - disse ele, amassando a folha.

                                                                                         ***

6 dias depois

Alguém batia persistentemente na porta da casa de Frank pela manhã bem cedo. O detetive abrira logo se deparando com a presença sempre austera do diretor Duvemport mesmo em roupas sociais.

- Santa mãe, você está péssimo. - disse ele, visualizando Frank num estado um tanto degradante estando abatido e claramente um pouco mais magro - Tem dormido e comido nos últimos dias?

- Diretor, eu sugiro pro senhor não ficar metendo o bedelho na cilada que me meti, melhor ficar longe. - disse ele, querendo fechar a porta. Mas Ernest barrou com seu pé esquerdo.

- Nem pensar. Acha que não sei a razão pela qual seu histórico de faltas aumentou?

Após convida-lo para entrar, Frank sentou-se no sofá não escondendo seu cansaço físico e mental.

- Que bagunça. - disse Ernest, abrindo uma garrafa de uísque - Faltou forças pra recolher até esses papéis? - ofereceu um copo à Frank - Não se molhe nessa tempestade sozinho.

- São oito da manhã ainda. - retrucou Frank.

- São oito da noite em algum lugar. - rebateu Ernest, virando um gole - Carrie está preocupada.

- Diga-me uma coisa que não sei.

- Quando religar seu celular verá um número exorbitante de chamadas ignoradas. Eu a proibi de vir até aqui encher sua paciência por respeitar sua ideia. Um caçador que não mede riscos nem sempre é tão precipitado. Sua coragem é admirável, Frank. Imagino que foi bem desgastante.

- O senhor não faz ideia. Nenhum significado que penso é bom o bastante. A bagunça na minha cabeça não tá maior do que essa casa. Um dia a mais e vou me internar no sanatório.

- Na minha gestão de prefeito, o Eisenhauer será demolido. Vou adorar ouvir os protestos.

- Dá pra focar na minha situação, por favor? Hoje é o penúltimo dia. Cometi um erro tremendo.

- Não, Frank, você agiu certo. Tem o espírito necessário para reverter tudo isso. A garota pode não ser tão inocente quanto você pensava, mas não acho que exista alma mais impura que não possa ser iluminada. - disse Ernest, aconselhando-o, em seguida bebendo outro gole - Você é capacitado.

- Quase uma semana de falta e o senhor me bajulando. Já posso crer no fim do mundo?

- Não, mas sim voltar a crer no seu potencial. Ah e tem mais uma coisa... - retirou algo do bolso - Esses dois recortes eu peguei do arquivo. - jogara-os na mesinha de centro - Duas mortes por asfixia coincidentes com as datas em que as vítimas sobreviventes prestaram depoimentos gravados.

- Não, não pode ser... Todo fantasma se fixa ao seu local de morte. Ela não pode tê-los matado à distância com a força do pensamento, sei lá... A menos que Wanda tenha ocultado mais um detalhe.

- Negativo, eu falei com ela ontem.

- Sério? Ela acrescentou alguma coisa?

- Só me repassou o que tinha dito à você. O canalha do ex-marido deu no pé mesmo.

- Sem fantasma número 2 na jogada. Menos mal. Só que tô esgotado. Não sei mais o que fazer.

- Sabe o que você fará? Vai tirar esse roupão velho, tomar um banho, se arrumar e finalizar o caso. Porém, antes precisa reconquistar a sua fé em si mesmo. Depende somente de você, Frank.

O detetive sorriu torto com uma risadinha rápida, logo aceitando uma dose.

Na noite daquele dia, uma mulher de cabelos loiros cacheados entrava na cabine bastante nervosa.

Fizera a chamada acometida por uma tensão acentuada.

- Alô? É a Emily? Bem, eu tenho a resposta certa. - fez uma pausa - A morte... é uma ponte para uma outra vida. A vida eterna. Sem medos, preocupações, problemas... O que nos liga ao etéreo.

- Não me convenceu. - disparou Emily - Tenho pena de você.

- Não... Por favor, reconsidere. É a melhor resposta que consegui achar.

- O que significa que você não é muito inteligente. É fraca. Como todos os outros que tentaram.

A mulher não suportara a enorme pressão, largando o fone imediatamente e saindo da cabine correndo. Mas não alcançou metros de distância para uma fuga eficaz. Tropeçou e antes que levantasse sentiu uma força descomunal puxar suas pernas, arrastando-a de volta para a cabine.

- Não! Socorro! - gritara, as unhas arranhando no chão. A porta fechara sozinha. A moça ergueu a cabeça e do lado de fora viu à sua frente a figura colérica de Emily encarando-a. Estendeu a mão direita para a mulher e a movimentou rápido como se desse um tapa. Havia quebrado o pescoço dela instantaneamente com telecinesia. O fantasma desaparecera sem se importar em ter modificado o modus operandi.

                                                                                    ***

Na noite do último dia, Frank aparecera de supetão na casa de Wanda sem ao menos bater, assustando-a rapidamente. O detetive exibia uma face de completo desespero.

- Wanda, preciso que me tire uma dúvida.

- Detetive, o que faz aqui à essa hora? O senhor não me parece...

- Sim, sim, eu... Já quero me desculpar por ter parecido ir contra o meu dever nesses últimos dias.

- Só seja direto, por favor. Com certeza não chegou dessa forma aqui pra fazer uma pergunta simples.

- Olha, mil perdões ter surgido assim... Preciso que saiba. - tocara nos ombros - Eu aceitei ser desafiado pela sua filha. Mas não surte. Aliás, estou à beira de um surto se continuar questionando.

- Questionando... o sentido da morte? Detetive, por que? Ninguém é capaz de convence-la.

- Ninguém descobre se não tentar. O que você diria?

- Crianças sempre querem explicações satisfatórias pra tudo, mas a morte... é complexa demais pra que ela entenda já que morreu tão nova e não está pensando direito.

- A forma como alguém morre influencia no seu comportamento quando se torna uma fantasma. - disse Frank, de repente olhando para o seu anel. Uma lembrança renasceu. "A morte é só um caminho intermediário para algo melhor", pensou ele - Acho que encontrei a resposta. Fica aí. Eu vou voltar.

Frank saíra da casa às pressas sem fechar a porta. Acelerou com seu carro preocupando Wanda.

O que ele estava prestes a realizar sinalizaria uma mudança de plano, mas era cedo para julgar.

Freou barulhadamente na rua mirando a cabine com um olhar fixado. Respirou fundo, segurando firme o volante com alta segurança. Posicionou o pé no acelerador e pisara.

No entanto, o movimento do carro fora barrado e as rodas giravam levantando fumaça. Frank quase chutava o pedal tamanha era sua descrença pela falha do plano.

- Merda! - mas depois clareou as ideias. Ajeitou o retrovisor interno e constatou Emily sentada no banco de trás o encarando furiosa com os cabelos tapando metade do seu branco rosto. O cinto de segurança se enroscou no pescoço de Frank sob telecinesia. O aperto se intensificava e o detetive estava com a face vermelho pedindo e não podia soltar o volante temendo que Emily o libertasse nesse momento e o carro acelerasse descontrolado até a cabine ou desviasse provocando acidente.

A agonia alcançava um pico extenuante. O detetive tirou a mão direita do voltante para pegar sal no porta-luvas enquanto Emily focava-se em mata-lo lentamente. Quebrou o pote na porta e pegara um pouco do sal, logo jogando-o para trás. Emily desapareceu numa fumaça dissipante.

Com as veias do pescoço desobstruídas, Frank retomou a direção e o acelerador voltara a funcionar. O carro disparou em grande velocidade indo de encontro à cabine, destruindo-a completamente. O airbag fora acionado, salvando-o de quebrar o nariz.

A lucidez retornava aos poucos à medida que a respiração normalizava. "Ainda não acabou.".

Girou o volante ao dar a partida, dando a ré e depois voltando pelo caminho que viera mesmo com os faróis danificados. Emily realmente podia se deslocar para fora do ponto de atividade central.

Na casa de Wanda, o telefone tocara. Ao atender, reconheceu os chiados e afligiu-se.

- Emily, é você? Diga alguma coisa, querida. Mas espere... Por que está se comunicando comigo por aqui? Nosso limite não era cabine?

- Não é mais. - respondeu ela, denotando raiva - Você mandou aquele homem vir atrás de mim né?

- O detetive... Não, escute: Filha, é tudo pelo seu bem. A última coisa que quero é compartilharmos essa dor pelo resto da vida. Quando eu morrer talvez eu não me junte à você no plano eterno...

- Não existe essa baboseira de paz. Quero que me dê a resposta. Dessa vez é proibido recusar.

Wanda instintivamente pegou o celular para enviar uma mensagem urgente à Frank. Porém, a garota aparecera atrás dela, percebendo que fazia um chamado de socorro. Sua força mental fez desligar o celular. Wanda virou-se, surpreendendo-se. Era a primeira vez em 8 anos que via sua filha.

Emily aplicou sua telecinesia jogando sua mãe contra a parede. Felizmente, Frank chegara arrombando a porta munido de uma espingarda carregada. Wanda levantou-se e gesticulou para que não fizesse nada. O detetive olhara ambas, pensando um pouco durante uns segundos. Largara a arma no chão e resolveu aproximar-se de Emily, mas mantendo cautela.

- Emily, eu e sua mãe te pedimos encarecidamente... que você desista dessa fúria.

- Ninguém pode me dizer o porque. - disse Emily, erguendo e fechando a mão direita sufocando Wanda - Todos merecem morrer. Não existe salvação pra mim.

- Mas é claro que existe. Quem te disse isso? O que te fez pensar nisso? Os caras que te pegaram? O seu pai não arcou com consequências do problema que se enfiou e nem sua mãe, nem ninguém... merece pagar pelos atos deles, pela maldade que fizeram à você. Só tá aumentando seu tormento. Agindo assim, sua mãe, a coisa mais importante que você tem agora, não fica nada orgulhosa. Então por favor, Emily... Não descarregue sua raiva em quem não teve chances de evitar sua morte. Acredite, ela faria de tudo para impedir que você morresse da forma como morreu. Eu nunca tive filhos, mas... iria até o fim do mundo pela vida de alguém que eu amo. Estamos implorando.

- Mas a morte... - disse Emily fragilizando emocionalmente - ... queria tanto entende-la.

- E acha que somente você gostaria de saber o que vem no pós-vida? Nós suportamos o desejo de querer nossos entes queridos de volta, pensamos em coisas ruins, mas seguimos em frente... Você não precisa ter medo. O seu espírito é o que importa. O que deixou pra trás... é só uma casca fraca e degradável que carregamos até a chegada da morte. E quando essa casca dá falhas... nossa alma se desconecta dela e dependendo de alguns fatores ela pode se prender à Terra ou à Eternidade.

Emily escutava com atenção máxima, sem perceber que livrou sua mãe da punição.

- Diga ao papai... se um dia tiver a sorte de encontra-lo... que sinto saudades. Eu o perdoo.

Wanda assentia positivamente, chorando. Uma forte luz branca despontou do peito de Emily e a envolveu. Ela ascendeu ao teto se expandindo por toda a casa e tão logo se reduziu.

O respiro de alívio dado por Frank era genuíno. Seu cansaço era nítido, o que deixava Wanda com dó.

- Detetive, não acha melhor ir pra casa? Reconheço uma cara de insônia. Eu que o diga.

- Estou bem. Melhor agora que Emily finalmente se purificou. É uma menina abençoada.

- O senhor tem jeito com crianças. - disse Wanda, sorrindo desajeitado - Meu maxilar está meio atrofiado... Obrigada, detetive. Por me trazer de volta o sorriso que não dou desde que ela se foi.

Ela abraçara Frank apertadamente. O detetive fechou os olhos sentindo um calor humano afável aliado à satisfação inestimável de enobrecer uma alma confusa e perdida de si.

                                                                                    -x- 

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: http://www.aconteceuipu.net/2015/12/incrivel-video-chocante-de-um-fantasma.html

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