Quando não me dão o devido valor
Prazer, meu nome é Stella, tenho 24 anos, e sou uma cineasta aprendiz praticamente em ascensão por alguns trabalhos expostos nos últimos 7 meses, sendo três deles um divisor de águas na minha carreira ao me garantirem uma vaga no concurso de curtas da universidade. Tremi de felicidade quando me deram a notícia. Minha família, pela primeira vez em anos, se orgulhou de mim.
Bem, só restava uma pessoa tão importante quanto eles que precisava ser convidada para minha apresentação. Eu considerava a irmã que minha mãe não pariu. Caroline e eu éramos como almas gêmeas, do tipo de amigas que não se desgrudavam por nada que acontecesse para nos separar, sempre fomos muito fortes juntas. Ela verdadeiramente me apoiava, fazendo questão de me ajudar com o material, que era boa parte pago por ela... ai, eu tinha a tanto a retribuir!
Mas me veio outro susto nesse dia.
Nem sequer passava pela cabeça a possibilidade da Carol se unir ao grupo de jurados que avaliariam os candidatos ao prêmio que era uma bolsa para a filial da universidade no exterior que aumentaria a velocidade do meu aprendizado em 50%.
Nos abraçamos, super-animadas. Nem parecia verdade. Minha melhor amiga iria assistir meu trabalho num dos dias mais importantes e decisivos da minha vida.
Ela me deu uma orientação simples: Controle-se.
Desculpa, é que eu... digamos, tenho um espírito competitivo mais atenuado que o normal, desde um joguinho de Uno até... uma ocasião como essa onde seu futuro como profissional ganharia um degrau a mais na escada. Mas era a Carol. Com certeza me esforçaria intensamente só pra agrada-la.
Quando chegou a minha hora ela sorriu abertamente pra mim com aplausos, tão orgulhosa. Já eu, encabulada, baixava a cabeça, sorrindo com timidez enquanto ia para o palanque apresentar o meu filme de 5 minutos e 42 segundos que narrava a história de um garoto de 10 anos que desvenda mistérios sobre o passado oculto do seu pai e sobre o qual a mãe sempre escondeu. Os atores que escalei eram os meus vizinhos que aceitaram de bom grado, sem cobrar nada.
No momento das notas, meu suor descia quase frio. 7,0... 7,5... 8,0... 7,0... 7,0... e, por último e não menos relevante, a nota da Carol.
Um mísero 6,0. Os jurados estavam em consenso quanto à montagem e apenas. Já a Carol só elogiou a atuação dos personagens, argumentando que não necessitava inserir filtro preto e branco para enaltecer a atmosfera sombria da história. E daí? A trama se passava nos anos 30, droga! Só quis casar a "paleta de cores" com a época e a trama, não tem nada de errado nisso. Filmes em preto e branco faziam os olhos dela doerem?! Era só ter dito. Deve ter odiado Casablanca quando o pai dela fez aquela sessão de cinema quando éramos crianças.
Por causa desse maldito 6,0 fiquei com o maldito terceiro lugar. Seria humilhante ver as pessoas apontando e dizendo "Olha, aquela não é a Stella do terceiro lugar? Vamos lá dar os parabéns pelo filme mais odiado da premiação".
Carol e eu nos encontramos no banheiro. Se aproximou de mim enquanto eu retocava maquiagem após os rios de lágrimas que transbordei. Eu perguntei, ao me sentar no chão do banheiro ainda arrasada, o que ela realmente achou do curta, pedindo honestidade feito mendigo pedindo esmola.
Ela ficou rindo baixinho, lavando as mãos, dizendo que se emocionou com a história. Eu perguntei: "Sério?", quase recompondo as esperanças. E ela respondeu: "Claro. Senti uma gota escorrendo pelo meu rosto. Mas quando fui ver no espelho... era sangue."
Ela riu daquilo como se tivesse contado uma piada imbatível. Só fiquei olhando pra ela em estado de choque. Era pra fazer me sentir melhor? Eu tinha que rir daquela merda? Me levantei e, explodida de raiva. gritei mandando ela tomar naquele lugar antes de sair do banheiro fechando a porta com força. Umas duas pessoas da plateia estavam nos boxes e com certeza ouviram.
Peguei minha bolsa e continuei andando, chorando mais uma vez o meu fracasso, tentando ignorar os olhares curiosos das pessoas. Pensei ter ouvido gritos de alguém chamando pelo meu nome desesperadamente, mas fingi ser coisa da minha cabeça.
O lugar daquela medalha de bronze era numa lata de lixo bem fedorenta. Tomei coragem e joguei aquela porcaria depois de cuspir nela.
Como ela pôde fazer isso comigo? Comigo??
Só atendi uma ligação no dia seguinte em vez das inúmeras mensagens da Carol e não estava com a melhor paciência pra apagar uma por uma.
Era o meu agente de filmografia, me avisando que fui eleita finalista no "mata-mata" que ia acontecer em dez dias. Bastante tranquilizador. Os jurados iam escolher o vencedor definitivo nessa competição pensada de última hora por causa de um empate. Ao menos era um tempo fácil de ser otimizado.
Mais aliviada, fui até a casa da Carol prestar minhas desculpas e minha compreensão. Aquele nosso abraço de reconciliação até parecia ser o nosso último antes do fim do mundo. Para demonstrar que sentia muito pela "piada" ter soado tão ofensiva, ela se demitiu do corpo de jurados e aceitou ser a atriz principal do meu novo curta. Quanta prova de amizade para um só coração que acabava de ter seus pedaços recolocados.
Estimei a gravação do novo filme em apenas 24 horas. O curta-metragem com o tempo de produção mais curto da minha carreira.
No dia da gravação, recebi uma ligação da mãe da Carol perguntando onde ela havia se metido e porque não voltou há horas. Expliquei tudo, dizendo que ela, por livre e espontânea vontade, resolveu dormir na minha casa pra me ajudar com o projeto da faculdade.
No dia D, os mesmos jurados chatonildos estavam lá, sentando seus traseiros de críticos profissionais. Ao chegar minha vez, nenhum deles ousou em me lançar um sorrisinho irônico por estarem certos da minha auto-confiança bem estampada na minha cara.
A Carol, de início, pareceu receosa com o tema que escolhi, mas a convenci de que ela tinha o calibre de uma boa atuação, ainda que amadora, mas o que valia era a intenção. Não ia vencer sozinha.
A história de uma garota que se depara com sua amiga morta em circunstâncias misteriosas.
A protagonista narra toda a história enquanto está andando por um corredor escuro, segurando uma lanterna. Fica em silêncio, entra no toalete e aponta a luz para a banheira. Lá ela encontra sua amiga com o corpo nu estraçalhado da cabeça aos pés, em cortes profundos tornando-a quase irreconhecível e arranhões que pareciam ter sido feitos por uma fera carniceira. De seus olhos abertos jorrava sangue que se misturava ao dos cortes na bochecha e nas laterais da boca.
Mal posso acreditar... Mal posso conter essa emoção!
O julgamento foi unânime. A medalha de ouro é minha e eu vou pro exterior.
Ganhei o primeiro lugar por ter caprichado no realismo.
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*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: https://spiritfanfics.com/historia/fanfiction-naruto-lagrimas-de-sangue-403792/capitulo4
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