Você acha que conhece o Inferno?


AVISO: A HISTÓRIA ABAIXO É CATEGORIZADA COMO +18, LOGO NÃO É DESTINADA NEM RECOMENDADA À MENORES DE IDADE OU PESSOAS SENSÍVEIS A ESSE TIPO DE LEITURA POR POSSUIR CONTEÚDO DE CUNHO PESADO/CHOCANTE. 


Não era pra ser desse jeito, mas acho muito mais que não era pra ter dado certo.

A pergunta que eu não devia fazer era: "O que fiz pra merecer isso aqui?". Porque certamente eu mereci. Sou uma daquelas pessoas que numa família não faz diferença estar ali ou não. Tenho essa perspectiva desde os meus 13 anos. Tudo bem, sei que família não se escolhe, se atura. E já aturei muita coisa nessa casa. Especialmente minha prima mais velha que mora vizinha à nós e que pra mim é o ser mais insuportável da face da Terra. O problema é que... sei lá, ela é muito imbecil, muito... efusiva, animadinha demais, fala demais, fala alto demais, ri demais por coisas bobas e idiotas, não respeita o espaço dos outros, é invasiva, inconveniente e uma porção de outros defeitos que faria questão de apontar se eu estivesse mais calma, só que agora estou péssima e querendo arrancar minha pele mesmo sendo impossível. A gente quase não fazia contato, nem se cumprimentava direito. Ou ela me odiava por dentro ou sentia vergonha ou pena de dizer oi a uma garota anti-social.

Mas eu odeio ela, essa é a verdade. Odeio a voz dela, parece uma galinha sendo estrangulada, é um horror. Já reclamei tanto disso pra minha mãe e ela sempre vinha com o papinho raso dela de "aceitar as pessoas como elas são", até parecia disco arranhado. Ela me incomodar mesmo não intencionalmente quer dizer que já torna obrigatório eu aguentar calada? Eu não cedia de jeito maneira.

Isso tinha que acabar de um jeito ou de outro. Uma de nós não devia estar aqui. Eu decidi que era ela. Foi minha reflexão final. Podia não ser me sentir tão amada ou importante, mas precisava lapidar meu espírito com toda minha autoconfiança que estava tão fria por uns tempos. Canalizei esse espírito para a raiva, mas uma raiva justificada.

Se eu era diferente, podia fazer a diferença. Nem minha mãe a suportava direito, porque eu tinha que fazer melhor do que ela? Vai à merda. Sorte que a internet me deu uma solução. Digitei lá: "Como é realmente o inferno?". Parecia perguntinha estúpida que geralmente se faz quando diz que vai dormir mais cedo. Cliquei no primeiro resultado que dizia "vem que eu te mostro o inferno real".

Achei que fosse uma trollagem, pois a página era de um site genérico de relacionamentos com milhares de fotos de homens e mulheres sorridentes e atraentes num fundo rosa e púrpura. Um grande porém eu vi. A milagrosa seta vermelha e piscante à direita iria me guiar ao meu destino. Em cima estava escrito "A passagem é por aqui. Sou o Caronte, siga-me". Saquei a referência logo de cara, eu era uma quase expert em mitologia. O Caronte era o barqueiro do submundo de Hades que conduzia as almas pelo rio Aqueronte, então isso me aliviou. Fiz o que ele (ou ela) pediu.

Carregou uma página bem pesada, ela tinha um fundo preto com símbolos estranhos em vermelho em colunas nas laterais (não eram pentagramas) e depois uma caixa de texto apareceu sob o título "envie seu desejo". O site era pobre, cheio de anúncio (sem o x de fechar) de pornografia infantil e, pasme, de tráfico de garotas menores. Quanto mais apareciam mais deixavam a página pesada e quando eu digitava uma frase só aparecia depois de uns dois minutos. Era preciso atualizar toda vez que a navegação piorava e o texto continuava lá até onde parei, voltava a escrever, apareciam mais anúncios nojentos preenchendo a tela e começava de novo...

Que sacrifício. Já nem lembrava direito do que escrevi de tantas bundas expostas, genitálias com pênis entrando, fotos de meninas de 15 a 17 anos fazendo sexo oral melhor do que muita mina adulta por aí... Isso cansava, teve uma hora que pensei em desligar o computador, mas aquilo não podia esperar.

A resposta veio mais rápido que um flash. O cara disse que entendi perfeitamente minha situação e que minha prima irritante ao cubo sofreria o seu pior inferno na medida que a situação exige. Não, não era um site de macumbaria, não era "pai de santo online", era... algo inédito, diferente e perturbador. Fiquei até com medo de permanecer naquele site além da meia-noite. O mais sinistro foi quando a página ganhou um efeito tipo sangue escorrendo pela parede até embaixo e depois, sem eu clicar em nada, saí da página. O prazo que ele deu foi de 24 horas. Até aí tudo OK.

Voltei da faculdade e nem lembrava que o tempo tinha esgotado. Deixei meu fichário cair dos meus braços, sem acreditar no que eu estava vendo diante dos meus olhos. O mundo congelou ao meu redor.

Minha mãe... chorando aos gritos na porta da casa e abraçada ao meu pai e às minhas duas tias. Que porra... aquilo foi triste. Mamãe só olhou de relance pra mim. Talvez achando estranho que só eu estava quase sem reação ali parada como uma zumbi pálida. Na sala de estar vi uma enorme mancha de sangue se estender na parede tão branca e a mão esquerda imóvel da minha prima estendida em cima de uma parte da poça de sangue fresco. O que caralhos tinha acontecido, afinal?

Meu pai disse apenas que o namorado dela tinha voltado pedindo reconciliação. Correção: EX-namorado! O filho da puta agredia ela na minha frente quando "namoravam" na sala e eu presenciava as humilhações, os abusos e as agressões dele fingindo estar concentrada no meu celular vendo vídeos de gatinhos e fazendo posts no facebook. Um cara daqueles não merecia ser considerado um amor pra um vida, tinha que ser chamado de filho da puta mesmo, da pior espécie.

E eu não dava o braço a torcer. Sabe... lá no fundo, uma parte de mim queria partir pra cima daquele cara e dar uma lição nele em defesa dela. Mas o orgulho falou mais alto que a compaixão. Se me culpei? Nem passou de raspão, não senti nada...

Minha prima foi morta com um tiro bem no meio da testa feito pelo monstro que ela chamou de amor por cinco anos em um romance - abusivo, machista e controlador - que não evoluía nunca. Ele sumiu depois do término que ele aceitou, eu lembro bem. Como um fantasma desses retorna assim e causa uma tragédia arrasadora como se não tivesse superado nada?

O calhorda se matou com um tiro no coração e as poças de sangue se misturaram. O corpo da minha prima de olhos abertos e o dele com olhos fechados. A calça jeans dela estava meio abaixada e deu pra ver a calcinha dela melada de sêmen... acho que ele a estuprou antes de mata-la. Meus pais trabalham à tarde e ela sempre fica de babá do meu sobrinho de 4 anos, o coitadinho viu toda a cena do crime com certeza e não parava de chorar também.

Não fiquei pra esperar alguém, a polícia ou sei lá quem mais, recolhê-los. Na desculpa de pegar um ar puro e sem querer falar com nenhum dos meus familiares, corri abalada, 50% pela morte dela e 50% pelo fracasso do plano. Isso não foi coisa minha. Não, tecnicamente foi sim. Mas eu desejei que ela desaparecesse como se nem tivesse nascido! Eu especifiquei errado? O cara que mexeu com as forças lá interpretou como desejo de morte!

Disse que gostaria dela ser mandada para um universo paralelo completamente silencioso e que perdesse a voz. Esse era pra ser o inferno que imaginei pra ela, não uma morte brutalmente literal! Isso me torna uma pessoa má? Não sei mais de nada, nem quem eu sou, nem pra onde vou.

Sobre o dia seguinte... não lembro de ter completado a passagem pro outro lado da rua ao ir à faculdade. Acordei na minha casa. Sozinha. Sozinha mesmo, sem ninguém por perto. É a mesma rua da minha casa... só que não tem nenhuma alma viva caminhando além de mim

Mas ao escutar um som distante e bem familiar, caí em si. Era um caminhão buzinando alto sem interrupções.

O motorista estava bêbado e caiu adormecido sobre o volante.

Veio na minha direção. E por alguma razão não me mexi pra correr.

Quando o som parou e não senti nada, abri os olhos e vi a resposta estatelada no asfalto.

A resposta era só eu morta com bastante sangue no corpo e as entranhas esparramadas e com moscas varejeiras zunindo e voando por cima prontas para depositarem suas larvas na carne apodrecida.

Agora ouço a voz da minha prima dando sua risada detestável e que me fazia ter a vontade passageira de mata-la. Também a vejo por aí falando ao celular sem parar como se me perseguisse, já até decorei todas as frases de cada assunto fútil e irrelevante que eu escutava sempre revirando os olhos e bufando de ódio.

Não faça nada de que se arrependa.

Este é o meu Inferno. Qual será o seu? Já parou pra pensar uma vez na sua vida?

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Este conto foi escrito e publicado exclusivamente para o Universo Leitura. Caso o encontre em algum outro site com créditos e fonte ausentes, não hesite em avisar! 


*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: https://blogdodcvitti.com/2012/04/22/numa-rua-deserta/

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