Frank - O Caçador (Especial #4): "Histórias Cruzadas"

CAPÍTULO ESPECIAL: HISTÓRIAS CRUZADAS

1ª FASE: O CAÍDO ESQUECIDO

Já passava da meia-noite e a espera longa parecia não estar valendo a pena. Aquele homem de meia-idade olhava pela janela afastando um pouco a cortina a fim de notar a presença de alguém que viesse trazendo um pacote de papelão que encomendara há poucos dias. Uma vez fora do prazo de entrega, as consequências iriam recair no incumbido à tarefa. Ele espiava com a cara fechada, zangado pela demora. Bufou raivoso e afastou-se para andar de um lado para o outro na sala num último esforço de conter a ansiedade. Foi até um cômodo que seria um quarto se não morasse sozinho. 

Observou o cadáver jazendo sobre uma mesa de madeira até que ouvira a campainha e apertou o passo para atender. Para o seu contentamento, era o entregador lhe dando o pacote combinado. 

- Não precisa pedir pra eu fazer bom uso. - disse o homem, o tom duro. 

- Sei que fará. - respondeu o outro, um homem jovem com cabelos pretos espessos - Por isso não ia pedir. 

- Só imaginei que diria isso. - retrucou o homem, austero. 

Ambos ficaram se encarando por um breve instante. 

- O que tá esperando? Presentinho de troca? Some daqui. - ordenou o homem, carrancudo. 

O rapaz virou as costas indo embora, enquanto o homem fechava a porta com as costas já desembrulhando o pacote. Retirou um anel feito de puro ouro com um símbolo talhado em dourado. Tratava-se de um hexagrama de dois triângulos entrelaçados, um virado para cima e outro para baixo. Sorriu ao mesmo tempo que seus olhos enegreceram completamente num preto tão escuro quanto o céu noturno. Retornou ao aposento onde estava o cadáver que exalava um intenso odor pútrido insuportável para um olfato humano. Do bolso da camisa tirou um papel dobrado que logo desdobrou, em seguida pondo o anel sobre o corpo decrépito. Leu em voz alta os escritos na folha:

- Ego Creare Variationem Inter Homines. Ego Autem Fetus Magna!

O anel flutuara e moveu-se com o hexagrama voltado para o defunto. O símbolo iluminou-se levemente num amarelo alaranjado e o cadáver começava a adquirir uma aparência mais horrenda como se transmutasse-se num novo ser. O demônio aproximou-se após o anel cair e com o movimento da mão esquerda para pega-la de volta pôde sentir que o ritual funcionou ao ouvir a respiração do corpo de tons cinzentos e detalhes grotescos como duas fileiras de dentes pontudos salientes num lado do rosto. Antes que pudesse tocar no anel, a mão esquerda do corpo ergueu-se agarrando a dele. 

A criatura levantou com os olhos abertos fitando aquele que o libertou. 

- O que está fazendo? - perguntou o demônio, não entendendo a atitude agressiva. 

- O que um mero demônio estava pensando ao me arrancar do meu cárcere? - perguntou a criatura. 

- Há planos maiores para o senhor! Por favor, piedade, estou cumprindo ordens! Poupe minha vida!

- Ordens de quem? Se me conhecesse realmente, ninguém da sua laia imunda teria mandado fazer. 

- Suplico por misericórdia! O senhor é o único que pode restituir a ordem no submundo que foi tomado de assalto por dois usurpadores! - dizia o demônio, o preto de seus olhos parecendo aumentar com o terror que sentia.

- Alguém da minha casta?

- Não sei dizer... E-eu não o conheço como deveria. 

- Pouco me importa o inferno... - disse a criatura, ameaçadora - O que eu mais quero está bem na minha frente.

- Como assim? O que quer dizer? - perguntou o demônio, sofrendo com a dor do aperto no braço. 

A criatura abriu sua bocarra rasgando o outro lado que parecia tapado de pele e carne, exibindo presas finais e afiadas. O demônio tivera sua essência drenada como uma fumaça negra saindo pela boca do seu hospedeiro. 

- Uma pena pra vocês. - disse o monstro ficando de pé diante do corpo do recipiente do demônio caído no chão - Porque tenho meus próprios planos. - olhou à sua frente - Preciso de algo mais... puro e mais forte. 

Notou o anel de Salomão caído no chão e o pegou analisando-o. Mas logo desprezou-o e jogou no chão. O anel deslizou até parar embaixo de uma cômoda velha. Saíra pela porta do quarto a passos desajeitados. Seus pés produziam ruídos de "crek" a cada passo como de ossos estralando. 

- Onde será que estão? Os meus antigos irmãos que me jogaram no abismo! 

                                                                            ***

Departamento Policial de Danverous City

Com mais um expediente concluído, Frank assobiava com a chave do carro na mão ao caminhar pelo estacionamento um tanto vazio. Percorreu perto de uma parede numa área escura para dobrar na direção em que seu sedã prata estava. Ao passar pela escuridão, Adrael encontrava-se andando à sua esquerda. 

O detetive interrompeu o assobio ao olhar de soslaio e logo se espantar quase que pulando em afastamento. 

- Caramba, o que é isso? Já não te falei uma vez pra não aparecer desse jeito... sinistro? Se não quiser que eu tenha um infarto, melhor dar um sinal de que você tá entre os pobres mortais. - reclamou Frank - E aqui não é nada apropriado.

- Pode ser um pouco estúpido o que vou pedir pra você agora... ainda mais depois do que fui obrigado a fazer. 

- Ah não, nem vem, acabei de encerrar meu turno. Se vira, não vou descascar abacaxi de ninguém. 

- Frank, é urgente. - disse Adrael, controlando seu humor estável. 

- Aham, a sua cara não engana. Que lance envolvendo você e sua turma não é urgente? 

- Parece que vou ter de provar pra você do modo forçado. - disse o anjo, rapidamente tocando no ombro direito de Frank, logo o teletransportando para um casa abandonada ocupada por três centuriões deitados no chão num estado nada bom - Aí está. Alguns dias atrás, eles foram afetados por algum tipo de... enfermidade. Parece bem grave.

- Quê? Desde quando anjos ficam doentes? O que eles tem? - questionou Frank olhando-os. 

- Ninguém sabe ao certo. Há outros desaparecidos. 

- A água da fonte sagrada do mundo celestial... não pode curar? 

- Já tentamos, foi inútil. - disse Adrael virando-se para ele - Jamais lidamos com algo assim... 

Frank sabia que ele não terminara a frase e o olhou com suspeita.

- É a primeira vez em muito tempo, né? O que tá rolando? Vamos, vai, você deve ter uma ideia. Espera aí, tive uma: Que tal contatar aquele anjo elegante e todo pomposo? O... - tentou lembrar - Raguel! Foi ele quem me revelou o nome real do Malvus. Ele me parecia ser muito sábio. De alguma forma, ele pode ajudar, talvez saiba de um antídoto pra esse mal. 

- É difícil obter acesso à encolha dos ofanins. - informou Adrael, pesaroso - A menos que sejamos solicitados. 

- Então o que quer que eu faça? 

- O que faz de melhor: Investigue. Procure pistas que esclareçam a questão. 

- É meu chefe agora? Um detetive não sai sem ter por onde começar, sem um rumo pra seguir. 

- Então eles vão morrer.... - disse Adrael demonstrando estar sentindo uma dor de cabeça.

- Ei, o que foi? Adrael, tá tudo bem? 

- Perdi mais um irmão. - disse ele reabrindo os olhos - Eles estão fracos, impotentes, mal conseguem iluminar seus olhos... 

O celular de Frank tocara naquele momento. Enfiando a mão no bolso do sobretudo, pegou o aparelho.

- Carrie, e aí? Tá ligando de onde? 

- Ainda no batente. Sabe que encerro às onze e meia toda quarta-feira. 

- Valeu por me lembrar. Ligou pra quê? 

- Um museu de acessórios lendários foi roubado há uma semana. Um anel valioso ... Mas não qualquer anel. Conhece o anel mágico do Rei Salomão, certo? 

- Aquele com a estrela de Davi entalhada? Sei sim. Esse museu guardava essa relíquia?! 

- Olha, tô sentindo que ficou a fim de tê-lo na sua coleção, mas é melhor você ir voando pra casa da pessoa que encomendou o anel de alguém supostamente ligado ao roubo. 

- E você quer que eu chegue lá pedindo com jeitinho que ele entregue o anel pras autoridades?

- Não. Que você pegue o anel porque... o cara morreu. 

- E como não acharam o anel? - perguntou o detetive, franzindo o cenho. 

- Pode estar escondido ou foi roubado pela coisa que matou esse cara, mas torça pra que seja a primeira opção. Estão apostando em mal súbito. Vou te mandar agora o endereço pelo SMS. 

- Peraí, Carrie, como sabiam que esse cara tinha encomendado justo o anel de Salomão? 

- Parece que um informante vazou tudo, mas não me contaram nada aprofundado dessa parte.

- Beleza, te ligo quando tiver chegado lá pra gente formular nossas teorias.

- Minhas teorias, você quer dizer. - corrigiu ela, enfática - Eu o cérebro, você os músculos. 

Frank sentiu vontade de dar uma risadinha, porém a situação dos companheiros de Adrael refreou a emoção. 

- Ai, ai... Mais uma treta paranormal envolvendo anel... Ótimo, até mais tarde. - desligara - Foi mal, Adrael. O dever chama.

A princípio, Frank não fazia associação com o caso dos anjos por ainda considerar cedo. Ele mal estava preparado para a surpresa que seria a conexão.

                                                                             ***

Reduzindo a velocidade ao alcançar poucos metros diante da casa do destinatário da encomenda, Frank saiu do carro já sacando seu grampo na mão aproveitando o silêncio noturno e o vazio das ruas para uma averiguação invasiva. Enfiou o grampo na porta da frente trancada e executou o truque com a maestria de sempre, embora atento, olhando para os lados, quanto a possíveis flagras inconvenientes. Destrancou e abriu tão vagarosamente como ia adentrando. 

Não acendeu luz alguma, preferindo explorar o ambiente quase às escuras. Pegou seu medidor de campo eletromagnético para extrair uma leitura que viesse de qualquer canto como seu guia. Direcionou-se ao quarto onde anteriormente jazia o corpo fétido. Embaixo de uma cômoda vinha a leitura mais elevada. Frank abaixou-se e viu o anel entre emaranhados de poeira e sujeira. Pegara-o e levantou-se, assoprando para limpa-lo. Seu celular tocou naquele exato momento de supetão. 

- Fala Carrie. - disse ele examinando o hexagrama minuciosamente. 

- Dei uma pesquisada no anel de Salomão e acho que não tem com o que se preocupar em relação à ele.

- Bem, ele foi criado por um rei extremamente ambicioso que venerava outros deuses e não lia a Bíblia todo dia. Não sei se dá pra confiar. Achei embaixo duma cômoda. O quarto onde tô agora fede à enxofre puro, ou seja, tem demônio na parada. Mas também tem outro cheiro... de carniça, bem forte, os dois fedores juntos, nem sei qual é o pior.  

- Tapa o nariz e fala com uma voz anasalada. 

- Fiz isso uma vez e você ficou rindo. Eu aguento. - disse Frank, lutando para não vomitar seu café, almoço e jantar. 

- Pois bem, diz nessa fonte que o anel protegerá seu portador do ataque de forças malignas diversas. 

- E você espera que ponha ele no meu dedo pra servir de blindagem contra monstros? Por mais que se fale bem dele, da utilidade e tudo mais, melhor não arriscar. E tem uma coisa me encucando: O cheiro de carniça. Sacrifício humano?. 

- Muito provável. Mas e o informante? Demônios não são de delatarem os planos uns dos outros, são? 

- Demônios são independentes, são leais apenas a si mesmos. Se estão trabalhando pra alguém... 

- Frank, põe esse anel, por favor, tá óbvio que é um problemão daqueles. Salomão foi a prova da eficácia. Nunca foi atormentado. 

A hesitação de Frank diminuía forçosamente. Ele olhou para o anel novamente e engoliu a saliva. 

- Mas que... bosta. - disse ele, logo pondo-o no dedo anelar direito - Você era mais cética, sabia?

- Qual é? Minha intuição de pesquisadora diz que a magia protetora desse anel não é duvidosa. 

- Bom que não seja. O problema vai ser andar com ele por aí sem que ninguém reconheça, porque senão vão gritar "pega ladrão". - falou o detetive, olhando mais uma vez para o artefato inestimável. 

                                                                                ***

Antes de voltar ao carro, Frank parou ao lado do veículo para fechar os olhos e fazer uma prece. 

- Adrael, se estiver... me ouvindo, faz o imenso favor de vir até aqui porque... preciso trocar uma ideia rápida com você. Não é nada sobre o que anda adoecendo seus amigos, mas mesmo assim... 

- Frank, diga-me o que é logo. - disse Adrael, surgindo imediatamente no outro lado do carro. 

- Isso aqui. - respondeu Frank mostrando o anel. Adrael estreitou os olhos, rapidamente reconhecendo. 

- Onde encontrou isso? 

- Tava naquela casa. O morador encomendou o anel que foi roubado e teoricamente pagou por isso. Até especulei que fosse o fantasma de Salomão somando à evidência de que o cara tava possuído por um demônio que supostamente praticou um ritual com um corpo. - Frank estranhou a reação do anjo - O que é? Que cara assustada é essa? 

- Nunca pensei que... voltaria a pronunciar o nome dele outra vez após tanto tempo. 

- Dele quem? - indagou Frank, impaciente. 

- Kokabiel. - respondeu Adrael, um tanto temeroso - Um anjo caído com o qual Salomão firmou um pacto para construir seu palácio. Salomão o escravizou e quando Kokabiel decidiu se rebelar, matou muitos de seus súditos o que obrigou o rei a tranca-lo no anel com uma magia que o subjugou. Muitos humanos chamam Kokabiel de Lix Tetrax.

- O nome não me soa estranho... - disse Frank - Então provavelmente a coisa que o demônio...

- Kokabiel se corrompeu doando um pouco de sua essência para outro anjo ferido em batalha, uma violação grave de conduta. O expulsaram quando descobriram, jogando-o no submundo. Mas ele não tornou-se qualquer anjo caído. Era um serafim como eu, mas ainda ameaçador. O crime que cometeu moldou a natureza dele. - de repente, Adrael pareceu fora de foco como se imergisse em pensamentos - Há uma instabilidade no abrigo. Preciso que venha comigo, Frank. 

- O quê? - perguntou Frank. O anjo veio na direção dele depressa - Peraí, o que... 

Adrael tocara no ombro esquerdo do detetive, teleportando-se com ele de volta ao esconderijo. 

Eis que um deformado Kokabiel estava diante dos três centuriões deitados e enfermos com sua boca aberta para drenar suas essências. Frank logo sacou sua arma num impulso e disparou nas costas dele.

O anjo caído virou-se, exibindo sua face horrível, e resolveu avançar contra ambos. Adrael sacou sua espada e intencionou ataca-lo, mas recebeu uma cabeçada e fora jogado para uma parede ao lado com a mesma facilidade com que se joga um boneco de pano. O serafim caiu sobre uma mesa com pratos de barro cheios de água da fonte celestial que havia sido usada para reduzir a febre nos doentes. Kokabiel foi aproximando-se de Adrael que reerguia-se, mas não achava sua espada. Frank a encontrara largada perto de um dos anjos doentes e correu para pega-la vendo que Adrael seria uma distração. Kokabiel agarrou-o pelo pescoço tirando-o do chão. Frank estava gostando de ser ignorado pelo anjo caído por conferir uma brecha.

- Por que propósito voltou, abominação? - perguntou Adrael, tentando desvencilhar o braço de Kokabiel de seu pescoço. Em seguida, antes que o Lix Tetrax abrisse sua boca para absorver a ess~encia de Adrael, uma lâmina de centurião cravou-se fundo nas suas costas. Urrando de dor, Kokabiel soltara Adrael e correra em direção à janela tentando remover a lâmina e a retirou devagar, logo fugindo. Frank ajudou Adrael a levantar-se e os dois observavam os adoentados felizmente ilesos. 

- Eu tinha visto aquele rosto desprezível somente em desenhos feitos pelos nossos tutores. - disse Adrael. Andou até os doentes com ar de preocupação. Depois tivera a certeza - Não pode ser...

- Afundei a lâmina nas costas dele o máximo que pude e ainda assim o desgraçado só sentiu dor. - disse Frank.

- Existe um ponto vital pra apunhalar e mata-lo que nem mesmo eu sei qual. - revelou Adrael - Frank...

- O que foi? Eles pioraram ou...

- Não! - disse Adrael virando o rosto para o detetive com um misto tristeza e aflição no semblante. 

- Então... - disse Frank olhando-os tristemente. 

- Estão mortos. - disse Adrael, abalado - Morreram antes que ele terminasse o que começou. 

Compadecido, Frank tocara no ombro esquerdo do anjo. 

- Sinto muito. Eu juro que vou rasgar o ponto fraco daquele miserável. Eu compro essa briga. 

Adrael ficou a encara-los com uma lágrima escorrendo, mas uma determinação crescia dentro dele.

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2ª FASE: O CARRASCO DOS ÍMPIOS

Logo ao sair de casa para mais uma jornada de trabalho num dia de sol, Frank pisou em algo que não recebia há tempos. 

- Jornal?! - disse ele, a testa franzida devido ao estranhamento de ter uma mídia impressa na porta de sua casa como em velhos e distantes tempos. Pegara o jornal, tirou a liga e começou a folheá-lo. Parou numa manchete que considerou chamativa - "Membros de suposto culto satânico são encontrados mortos em boate." - pegou seu celular para ligar para Carrie - Bom dia, Carrie. Você já tá no DPDC?

- A caminho. E você? Ué, porque tá ligando? Aconteceu.... alguma coisa diferente hoje? - perguntou a assistente no seu carro. 

- É que assim que saí, agora há pouco, dei de cara com um jornal na minha porta. Até onde eu sei, só andam entregando jornais hoje em dia pra quem é assinante. O entregador deve ter se confundido. 

- Não mesmo, ele entregou certinho. - disse a assistente num tom que levantou suspeita em Frank. 

- Carrie... Você não aprontou mais uma sem meu consentimento, né? Olha, você tem que entender... 

- Vai reclamar do quê, bobão? Um jornalzinho na sua porta cedo da manhã pra você ficar antenado. Quem sabe você não sabendo a parte essencial de um caso antes de ler toda a papelada que eu te dou?

- Ah, quer dizer que você fez uma assinatura pra mim da Gazeta Danverous pra que eu evite a fadiga com os dossiês, né? Assim eu pulo umas páginas. Gostei da ideia, mas precisava ter pedido minha opinião.

- A sua opinião seria claramente "não". Você prefere mais é ver telejornal. Não vai me agradecer? 

- Valeu por sua imensa contribuição pra que eu reduza o tedioso trabalho de ler os dossiês inteiros e poder economizar tempo pra investigação. - disse Frank soando irônico para Carrie - Agora todo dia vou receber uma edição nova do melhor jornal da cidade.

- Para de sarcasmo, já sei que tá super grato. Viu algo que pareça um caso da alçada especial? 

- Bati o olho numa notícia aqui sobre mortes de supostos satanistas numa boate. Três vítimas: Dois rapazes e uma moça. Não apenas desse tipo que a polícia vem registrando. Tem de quase tudo: viciados em drogas, traficantes de beco, assaltantes e até pessoas de uma comunidade ateísta que faz ativismo em nome da quebra de padrões da sociedade. Todos com suas gargantas cortadas. E o mais interessante, tipo lance de serial killer: O assassino deixou textos nas paredes nos locais, mas precisamente... versículos bíblicos.

- Era só o que faltava: Depois de enfrentar o diabo em pessoa de peito aberto, agora te aparece um matador de gente degenerada e contrária aos ensinamentos cristãos. E o mandamento do "não matarás"?

- Pois é, parece que um fanático surtou e resolveu dar uma de justiceiro praticando "carnificina do bem". - disse Frank fechando o jornal - Vou passar no DPDC, espero te encontrar lá pra me repassar a localização da última morte. 

- Tá certo, vou tentar chegar primeiro... se o trânsito colaborar. - disse Carrie travada no meio de um congestionamento. Buzinou quatro vezes e falou em voz alta - Suas carroças, andem logo! 

Frank afastou o celular do ouvido tamanho o volume e a brabeza combinadas. 

O detetive, após dar uma passada rápida no DPDC, se dirigiu com seu sedã prata até o local da última morte, um beco próximo a um clube noturno onde comumente reuniam prostituas, clientes e contratantes. 

- Ei, você aí. - disse Frank avistando uma jovem parada de frente à parede aparentemente chorando. 

Ela virou a cabeça olhando para o detetive e enxugou o rosto para disfarçar seu pranto. Ajeitou o gorro de lã marrom claro e voltou a cruzou os braços. Frank aproximou-se dela e viu os escritos na parede. As letras foram feitas a sangue.

"A mulher exemplar é a coroa do seu marido, mas a de comportamento vergonhoso é como câncer em seus ossos." - Provérbios 12:4 

- Amiga sua? - perguntou Frank. 

- Mais que uma simples amiga, eu diria. - respondeu a garota - Éramos sócias, parceiras, irmãs... 

- Desculpa, mas... Sabia que ela levava esse tipo de vida? 

- Sabia porque também levo. 

- Quantos anos você tem? - questionou Frank, consternado. 

A jovem relutou por um instante em dizer, um tanto envergonhada. 

- Dezessete. Eu vi ela ser arrastada pelos cabelos por aquele filho da mãe até aqui. 

- Testemunhou o assassino matando ela? 

- Você acha que tive coragem pra ficar e assistir? - perguntou ela olhando-o - Tínhamos saído de um encontro... e de repente ela ouviu uma voz. Depois ele se mostrou e foi dizendo coisas horríveis pra ela. Por que não eu? É a pergunta que me faço desde que corri quando sabia o que ele pretendia fazer. 

- Já pensou em sair dessa vida? 

- Já pensou em cuidar da sua? - retrucou a garota, logo andando para ir embora. 

- Olha aqui, deixa eu te avisar: Pro seu próprio bem, melhor cancelar os próximos encontros e se trancar em casa até esse assassino ser enquadrado. Pessoas como você que... Enfim, acho que tô sendo bem claro. 

- Como se eu acreditasse na justiça dessa cidade. - disse a jovem, virando as costas. 

- Ei, só um minuto. - chamou Frank - Pode me descrevê-lo? Do que você lembra?

- Ele usava uma batina de padre, sem aquele colarinho branco... e, sei lá, um tipo de crucifixo dourado na mão direita. Isso é tudo. Tô liberada? 

Frank ficou pensativo e fez que sim com a cabeça. Um pouco da imagem mental do assassino estava formada, mas não esperava que pudesse ser algo tão visualmente óbvio para um fanático religioso. 

                                                                            ***

Numa caminhada solitária durante a noite, Frank se enveredava para o prédio onde se reuniam membros ativistas da comunidade ateia a fim de alerta-los, por mais que não concordassem com seus métodos e posicionamentos, muito menos com a descrença total em seres divinos e anjos da guarda. 

Sentiu estar sendo perseguido e desviou do seu curso para uma rua mais estreita. Quando o perseguidor imaginou que o detetive o tivesse despistado após tantos desvios, eis que um braço envolvia seu pescoço.

- Vai explicando o motivo dessa perseguição toda se quiser que eu te solte. - disse Frank, ameaçador.

- Não podemos fazer isso pacificamente? Eu não vim com más intenções. 

- Não veio com más intenções, OK. Perseguindo um detetive na calada da noite significa o quê? 

- Se não quebrar meu pescoço, vou contar a razão pela qual fui mandado. 

Frank o virou para a sua frente e o fitou com enfezamento. 

- Quem é você? Tá querendo o quê de mim? 

- Sou da Irmandade dos Cruzadores. O nosso líder deseja que você se apresente. Apenas na presença dele é que um sondado pode aceitar ou recusar a proposta de erradicar o mal desta cidade para purifica-la. - dera um cartão à Frank.

- Entendi, você é aliado do assassino que anda passando a faca nas pessoas que ofendem a moral cristã. Tá de sacanagem comigo? Vê se vou participar de um grupinho de extremistas que agem com a desculpa de estão fazendo isso pelo bem da humanidade. Tô lidando com alguém parecido de certa forma atualmente, mas pelo menos ele não sai matando geral e com vocês o meu tratamento não vai ser de pegar leve. Avisa pro teu chefe que eu tô fora. 

- O Missionário não vai gostar de um sondado tão promissor rejeitando a oferta. 

- Promissor... O que tá...

- Sabemos do que você é capaz contra seres das trevas que estão espalhados por aí feito baratas. 

Frank balançou a cabeça, comprimindo os lábios.

- Eu trabalho sozinho. Se sou bom no que faço, não tem razão pra ser parte de um grupinho que tem um líder que manda e desmanda como bem entender e todos os membros baixam as cabeças. Vocês escolheram o cara errado pra uma coisa mais errada ainda. - disse Frank, logo virando-se para uma direção - E se o fato dele não gostar for uma ameaça... avisa também que eu tô pouco me lixando. Mas vou guardar o cartãozinho caso eu precise fazer uma visita, só que não vai ser das boas. 

O membro da irmandade olhou para Frank se distanciar com uma seriedade misturada a insatisfação.

                                                                          ***

Adentrando no corredor que dava para o recinto onde os membros da comunidade ativista se reuniam para discutirem ideias de próximas manifestações, Frank logo se deparou com a porta entreaberta. Já imaginando o que pudesse significar, o detetive sacara a arma levando em conta o risco do invasor ainda estar dentro do prédio. Também pegou uma lanterna, usando-a na mão esquerda. Entrara apontando a arma e a lanterna para várias direções. O facho de luz iluminou corpos dos integrantes da comunidade, todos com profundos cortes na garganta dos quais saíam sangue profusamente. 

A luz subiu para uma parede perto de uma estante. Movendo o facho para a direita, Frank logo notara escritos à sangue. 

"Em sua presunção o ímpio não o busca; não há lugar para Deus em nenhum dos seus planos" - Salmos 10:4

- Alguém tem que parar esse maluco. - disse Frank certo de que se fazia urgente frear as investidas do Missionário naqueles que consideravam uma ameaça para a religião. 

Enquanto isso, o líder da Irmandade dos Cruzadores retornava para a catedral cujo espaço alugaram sob algum pretexto muito bem inventado. O Missionário era um homem jovem com cabelos pretos meio encaracolados e barba por fazer. Os seguidores aguardavam sua chegada no salão onde via-se destacadamente um homem amarrado num tronco com os braços para cima. Fizeram reverência ao vê-lo entrar. O Missionário cumprimentou a todos e logo se pôs a ouvir um dos seus lacaios. 

- Estávamos todos ansiosos. Veja só quem se atreveu a nos delatar para atrasar nossos planos.

Vários deles afastaram para o lado e mostrar o homem no tronco descamisado e suando bastante. O Missionário deu um sorriso leve de canto com um olhar maldoso. Aproximou-se do homem amarrado e virado de costas. 

- Como se sente ao saber que esta é a última vez que ouvirá minha voz? A voz que você se negou a seguir por egoísmo. Ou terá sido raiva? O que fizemos pra você expor nossa cruzada desse jeito e ciente das consequências?

- Não tenho que prestar contas... com nenhum de vocês, vermes! - retrucou o homem - Vão pro inferno!

- O inferno é um tormento que você sofrerá primeiramente aqui. - disse o Missionário, frio. De imediato, uma lâmina retrátil saiu de seu crucifixo dourado que utilizava como arma para degolar suas vítimas e desferiu cortes velozes nas costas do traidor que emitia gritos tamanha a dor. Formou com os cortes um pentagrama invertido na pele com gotas de sangue escorrendo das linhas - O açoite! 

Um seguidor viera trazendo um chicote, dando-o para o seu líder. 

- Sem clemência para traidores. O nosso código é seguido à risca porque o temor é fundamental para testar sua comunhão. E você foi reprovado. - disse o Missionário preparando o chicote preto de três pontas e começou a açoitá-lo repetidas e repetidas vezes sem o menor escrúpulo pelo sofrimento que provocava. 

Os gritos de agonia do informante ecoavam por diversas partes da catedral. 

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3ª FASE: ROTA DE COLISÃO

Seguindo em alta velocidade no seu sedã prata, Frank ligara para Carrie em meio a uma noite chuvosa.

- OK, revisando tudo o que foi passado: gente desaparecida, diocese suspeita, relatos de testemunhas que não quiseram se identificar mas que depois se escafederam... - disse Frank - É, pelo visto é uma quase repetição do caso de possessão demoníaca naquele igreja lá onde exorcizei um arcebispo e ferrei um demônio com óleo santo pra ele queimar até a morte. Tomara que não seja um déja vú total. 

- Talvez as pessoas desaparecidas... - disse Carrie, teorizando - ... tenham sido levadas para um sacrifício. Frank, eu vinha reparando em certos detalhes nesses últimos dias. Não se teve mais notícias do tal anjo caído que foi liberto do anel de Salomão. Muito menos das matanças do Missionário. .

- Sem contar que o Adrael não deu mais as caras, nem ouviu mais minhas preces. 

- O seu amiguinho anjo? 

- Nós não somos exatamente amigos. Ele é meio ocupado com os problemas lá do mundo celestial. 

- Mas você prometeu vingar os amigos, não foi? Era pra ter deixado pra lá, sendo bem sincera. Se não o considera um amigo, então que obrigação tinha de assumir as rédeas de um problema que não é seu?

- Carrie, pirou de vez? Tomou café coado com meia suja? O meu trabalho é, de uma forma ou de outra, se meter nos problemas dos outros. Ele me pediu um favor pra lidar com o Kokabiel. 

- Sim, é evidente pra mim, mas... falo de problemas... desse nível de dificuldade. 

- Não me peça pra prometer nada que você queira só pra me manter longe disso, tá? Eu comprei a briga e vou leva-la até o fim. Na primeira oportunidade, assim que aparecer um vestígio, evidência ou o que for, vou atrás do Kokabiel com a lâmina que o Adrael me emprestou e dou cabo dele. 

- Mas se à essa altura as coisas estão silenciosas demais... não é porque tem um jogo muito maior por trás sendo arquitetado? - questionou Carrie - É bom lembrar que você quase foi morto pelo Malvus, um anjo caído mais poderoso. Embora esse tal de Kokabiel venha de uma casta inferior, você não pode se jogar pra cima dele com tudo. Os detalhes de que eu queria falar são sobre os dois casos. 

- Quer chegar em qual conclusão? 

- De que muito provavelmente estão interligados. Houve um informante no caso do anel. Frank, encara como um conselho: Dá meia-volta e esquece isso. 

- Tá me incentivando a largar um caso?! Não vou jogar tudo nas costas do Adrael, ele não vai segurar essa barra sozinho sendo que o Kokabiel tá faminto pra comer energia de anjo pra ficar fortinho e nutrido. Não se preocupa demais, tá legal? Tô com a lâmina aqui, sei me defender com ela. E tô com o anel de Salomão, lembra? Confiando nele, tá confiando em mim. 

- Tomara que seja mesmo apenas um caso de exorcismo. Me liga mais tarde... pra eu conseguir dormir.

- Pode deixar, mamãe. - disse Frank, logo desligando. 

Ao chegar na diocese, o detetive pusera a lâmina num bolso mais alto do sobretudo. Entrando na enorme sala cerimonial, não viu ninguém, exceto um homem ajoelhado diante de uma imagem de Cristo crucificado. Frank andou na direção dele cautelosamente com desconfiança no olhar. 

O Missionário, sentindo sua presença, sorriu ao abrir os olhos. Levantou-se e fizera o sinal da cruz.

- Deixa eu adivinhar: É o Missionário? O homem que acredita estar fazendo o que faz em nome de Deus? 

- E você deve ser... - disse ele virando-se - ... Frank Montgrow. - olhou-o de cima à baixo - O homem que escolheu ser solitário na sua jornada contra o mal. Alguma vez já se pegou pensando que é utópico demais? 

- Nunca tive pretensão de acabar com todo o mal da face da Terra. Não como você e sua seita carniceira tem.

- Ah, não nos entenda mal, também achamos que nunca atingiremos nossa meta. Mas alguém tinha que se levantar e bradar um grito de guerra. Veja ao nosso redor: A degeneração está levando os filhos do Altíssimo a caminhos sem volta. 

- Já chega, não tô afim de ouvir você justificar os crimes que você vem cometendo. Se acha no direito de castigar com morte os que não seguem os caminhos ensinados pela Bíblia! Até mesmo quem denuncia o que essa irmandade é por dentro. É podre e maligna como o próprio mal que vocês dizem combater! 

A lâmina do crucifixo dourado preso à mão direita do Missionário saíra produzindo um som agudo.

Frank sacara sua lâmina que fora emprestada por Adrael logo que o matador de incrédulos avançara contra ele. As lâminas chocaram-se. O Missionário rapidamente tentava esfaquear o corpo de Frank que ora desviava, ora defendia-se com a lâmina de anjo. 

- Que treinamento foi esse que você recebeu? - perguntou Frank. 

- A irmandade é maior do que seus olhos podem alcançar! - respondeu o Missionário, ávido para fincar aquele lâmina pequena e afiada em alguma parte do corpo - Por desafiar nosso sonho, vai morrer como aqueles devassos.

Um som de palmas batendo interrompeu a luta. Os dois viraram os rostos antes de recomeçarem o duelo. Na escadaria que dava para o terceiro e último andar vinha um homem elegante de terno preto sem gravata. Desceu tranquilamente observando-os. 

- Podem continuar à vontade, eu só estava... apreciando o show. - disse ele num tom claro de deboche. 

- E você? Quem é? - perguntou Frank encarando-o.

- Ajoelhe-se diante da presença de um enviado do Senhor! - disse o Missionário para o detetive - O que está esperando? Ou talvez eu possa pedir pra que ele o obrigue...

- Não, não há necessidade. - disse o homem que possuía cabelos meio loiros e espetados, além de barba por fazer e um rosto branco e um tanto robusto - Eu vim pra discutir nosso acordo uma última vez. 

- Acordo?! - disse Frank exasperado - Dá pra me explicarem o que é que tá pegando entre vocês?

- Olá, Frank. Obviamente não está me reconhecendo nessa aparência . - disse ele sorrindo de canto.

- Você... - disse Frank tendo um estalo de compreensão. Fechou os olhos por um segundo como se quisesse segurar suas emoções e desviou-os para o Missionário e novamente para o elegante homem - É o Kokabiel, né? E os dementes da tal irmandade fizeram algum tipo de pacto cabuloso contigo. Pra quê?

- Meça suas palavras, está frente a frente com um servo legítimo e impecável do Senhor! - redarguiu o Missionário transtornado com o modo de se portar do detetive - Um milagre nos apareceu quando mais precisávamos. 

- Milagre vai ser quando botarem a mão na consciência e se arrepender de terem derramado tanto sangue achando que isso agrada a Deus. - rebateu Frank - Quer saber? Eu não sei qual dos dois aqui é o mais sujo. 

- Está dizendo que cometemos um erro de julgamento? - perguntou o Missionário intencionando apontar a lâmina para Frank. 

- Tá legal, eu desisto de você, seu doente. Se bem que eu não ia te matar nem te ferir, porque honestamente acho mais adequado você dividir cela de manicômio com a sua cambada. E quanto à você, ô comedor de...

Kokabiel fizera um gesto com a mão direita para silenciar Frank que sentiu sua garganta fechar. 

-Não me importo com o que acontece a esse sujeito que impetuosamente feriu a honra da irmandade com sua língua ferina. - disse o Missionário - Qualquer castigo ainda será pouco. O inferno e seu fogo o esperam, Frank Montgrow. A menos que se arrependa agora e será salvo. - virou-se para Kokabiel - Eu queria lhe fazer um pedido. Eu... gostaria que me mostrasse... a sua imponência santa. Claro, depende de sua vontade, sei que não sou digno de contemplar sua graça. 

Kokabiel deu um risinho infame para a incompreensão total do seu sócio.

- Está bem. Feche os olhos. - disse Kokabiel tirando seu paletó e em seguida desabotoando a camisa branca. A asfixia de Frank passara e o detetive recuperava o fôlego caído no chão olhando o anjo exibir suas fortes asas de penas negras. Kokabiel brilhou seus olhos em luz branca - Muito bem, pode abrir. 

Abrindo os olhos, o Missionário tivera uma onda de estupor seguida de um arrepio intenso. Estremecido, tinha olhos focados nas asas cor de ébano que se mostravam imponentes. 

- Não estou entendendo... Onde está a luz resplandecente? Onde está... a pureza na face? 

- É sério isso? Pensou que anjos fossem iguais às das figuras nos livrinhos infantis? Só falta me perguntar onde está minha harpa, minha auréola ou minhas asas brancas. Que patético vocês terem caído na minha conversa de comunhão de bens quando triunfássemos sobre o mal. Mas aqui neste mundo isso normalmente é feito quando duas partes rompem seus vínculos. E estamos tendo isso agora! Porém, não tem nada pra ser compartilhado. Então, nesse caso... 

Kokabiel ergueu sua mão direita e usara telecinese para jogar o Missionário contra a grande janela de vitrais coloridos a fim de retira-lo do espaço. Voltou sua atenção para Frank com mais infâmia. 

- Viu só? Eu me cansei dessa relação que mal havia começado e já se desgastou. Pra quê súditos leais humanos quando posso dominar o submundo comandando bilhões de demônios? 

- Além de mudar seu plano, ainda tem prazer de iludir um bando de malucos extremistas. 

- Vai defendê-los agora? 

- Um erro não justifica o outro. - disse Frank, segurando firme sua lâmina de centurião.

- Os humanos servem exatamente para esse fim mesmo. Serem usados e ludibriados até se entorpecerem com as próprias ilusões que desejam tanto alimentar. Foi muito prazeroso testar essa fraqueza. Mas parte de mim também se enganou, eles não eram bons o suficiente ou aguerridos o suficiente. Tudo que eu mais queria eu sempre negava por medo de que a impotência que aquele maldito rei gerou sobre mim acabasse interferindo na minha motivação. Mas agora o jogo virou. 

- E o anel? - perguntou Frank, irritando-se com a postura soberba do anjo. 

- Ah, essa coisa imprestável que você tá usando? Pois bem, alguns demônios tiveram a ideia de me trazer de volta sem conhecer direito a minha história, daí surrupiaram o anel. Prova que estão bem desesperados por um líder que faça jus ao anterior, não a droga de um nefilim que só está lá porque matou o diabo com aquele tridente que todos os anjos caídos cobiçavam para traí-lo e assumir a governança num golpe, justamente por isso ele foi tão bem escondido. Os anjos estão seguros rastreando qualquer sinal que possa vir deste mundo sobre um possível candidato a expulsar o atual governante. Os demônios, por outro lado, estão bem divididos sobre quem apoiar. Concordo que isso deve ser resolvido de uma forma mais democrática. Eu posso ter matado vários deles pelo caminho, mas não importa, muitos me querem naquele trono. 

- Você não vai sentar em trono nenhum, seu safado. Vai cair no Esquecimento como todos os monstros. 

- E quem terá a ousadia de me mandar pra lá? - indagou Kokabiel num sorriso cínico - Você? 

- Paga pra ver! - disse Frank, logo avançando contra Kokabiel para espeta-lo com a lâmina. O anjo apenas pegara a mão de Frank e depois desferiu um golpe no tórax o afastando, mas o detetive investiu novamente. Frank levara três socos, um chute na perna e outro na barriga tão forte que o fez voar para suas costas irem de encontro a um espelho de piso que se estilhaçou inteiro com o impacto. 

Frank rastejou para pegar a lâmina ao vê-la largada poucos metros. No entanto, antes que pudesse aproximar sua mão direita esticada, Kokabiel levitou a espada para finca-la diretamente no dorso da mão do detetive. Frank cerrou os dentes e abafou um grito pela dor lancinante. O anjo caído rindo do sofrimento do detetive, aproximou-se dele para arrancar o anel de Salomão. 

- Minha pior lembrança desde que fui traído por aquele reizinho imprestável. - disse Kokabiel olhando o anel - Eu paguei o preço da compaixão por alguém que escolhi ajudar. Mas aí vieram os bastiões da virtude e da moral me julgarem. Tentei várias vezes explicar que por um irmão se faria qualquer coisa pra evitar sua morte, mesmo quebrando regras. - apertou o anel e o incinerara - E reduziram minha dignidade a pó. - deixou as cinzas do anel caírem ao chão. 

- Afaste-se dele. - disse Adrael surgindo inesperadamente - Eu não vou mais permitir que você siga nessa ânsia doentia de poder. A trilha de sangue que você deixou termina aqui. 

- Olha só, se não é meu querido irmão Adrael. - disse Kokabiel vindo até ele - Feliz em me rever como eu era antes?

- Eu sei que você matou muitos do grupo daquele homem obcecado pela fé... mas tão corrupto quanto você depois que se tornou numa coisa degradante que jamais voltaria a chamar de irmão. 

- E veio até aqui pra me dar uma bronca ou assistir a morte do seu humano de estimação?

- Somos só eu e você agora, poupe a vida desse homem. - pedira Adrael que escondia algo atrás de si. 

- Quer me convencer disso apenas falando? Tática errada, irmãozinho. Ele vai sofrer, chorar e gritar e sofrer mais até eu sugar cada partícula da alma dele. 

- Não se eu oferecer algo em troca. - disse Adrael mostrando o que havia escondido. Kokabiel de início reagiu com estranhamento com o objeto esférico e de pedra lisa que ele segurava. 

- O que é isso? Me presenteando com o quê? 

- Almas humanas são o último nutriente que falta pra você restabelecer seu poder total, certo? Aqui está.

- Não acredito... Eu realmente não consigo acreditar. - disse Kokabiel formando um sorriso largo - Meu pacato irmão ultrapassou a linha da ética. Sacrificou sua dignidade por mim. Quanta coragem, obrigado. - pegou o objeto e afastou a tampinha e logo tomou o conteúdo de energia branca. 

Frank olhava para Adrael desconfiado, embora fazendo expressões que indicavam estar suportando a dor. O frasco esférico de pedra lisa caiu e despedaçou-se quando Kokabiel começou a sofrer reações adversas. Suas asas murchavam, tornando-se secas. Sua pele ficara quebradiça, rachando-se. 

- Minhas asas... - disse ele atordoado ao ver as penas caírem - O que fez comigo? - perguntou furioso. 

Nas fissuras de sua pele saíam fachos pequenos de luz branca. Adrael direcionou-se à ele, tocando-o no ombro para teleporta-lo. Ambos foram para um lugar pedregoso e deserto. Kokabiel fora jogado contra uma rocha e caíra fragilizado pelo poder destrutivo do conteúdo que ingeriu. 

- Não eram... almas humanas! - disse Kokabiel cada vez mais em frangalhos. 

- Que bom que percebeu. - disse Adrael. 

- Você... despejou sua própria essência, não foi? 

- Sabia que uma hiperdose de essência angelical sobrecarregaria sua estrutura, você estava no limite. - disse Adrael - Adeus, irmão. - teleportou-se desaparecendo da vista de Kokabiel que urrara para o céu segundos antes de explodir como uma bomba avassaladora. 

Voltando para a catedral, Adrael agachou-se para ajudar Frank.

- Aguente firme. Isso vai doer. - disse ele pegando no cabo da espada e levantando a lâmina para removê-la do dorso ferido. Frank mais uma vez reprimiu um grito de dor. Em seguida, o anjo pousou sua mão esquerda, curando o ferimento - Tudo bem agora. Ele se foi. Kokabiel foi definitivamente aniquilado. 

- Que história é essa de almas humanas? - perguntou Frank, levantando-se e passando os dedos da mão esquerda onde estivera a ferida. 

- Na verdade, essência de anjo. Aliás, minha essência. Nunca ia ferir os preceitos sagrados. 

- Mas você derramou sua essência... 

- Disse que doar a essência era um crime. Eu consegui, Frank. Chamei a atenção de Raguel.

- O quê? O que aconteceu pra ele vir atender seu chamado?

- Passei os últimos dias orando por uma ajuda. Orei incansavelmente até ele aparecer. Fizemos um acordo: Eu tiraria uma grande quantidade da minha essência para enganar Kokabiel que àquela altura havia passado para as almas humanas, o que explica ele ter usado aqueles homens. Ele desenvolveu um prazer maligno pela traição. 

Frank fez um meneio positivo com a cabeça. 

- Esperto... Muito esperto. Fico te devendo essa. 

- Ah, se me permite... - o anjo pretendia curar os hematomas no rosto de Frank. 

- Não, Adrael, eu tô legal. Quase levei uma surra tão pior quanto a do Malvus, mas você fez o bastante.  Tô te poupando, gastou muita energia pra matar aquele palhaço. - fez uma pausa, sorrindo de leve - Vê se me atende quando eu chamar hein. Em outras palavras, não seja como o Raguel.

- No que estiver dentro das minhas possibilidades, conte comigo. Até mais. 

O anjo desapareceu num piscar de olhos. Frank começava a rever sua perspectiva de relação com Adrael ao ir embora da catedral. Um amigo para todas as horas ou somente um anjo egoísta e indiferente aos problemas mundanos? 

                                                                               ***

O Missionário corria por um campo gramado até entrar numa floresta. Mas tropeçara e caíra rolando por uma parte íngreme. Ao estar de barriga para cima, acabou deparando-se com figuras aberrante, sombras vivas e materializadas com dentes pontiagudos cercando-o. 

- Afastem-se de mim, criaturas hediondas! - disse ele tomado pelo medo e afastando-se sentado. Levantou-se para correr, porém, dois demônios barraram sua passagem e outros lhe seguraram. 

- Um dos nossos foi morto pelo seu sócio anjo. - disse um deles - Não encontramos mais dos seus, então sobrou apenas você. 

- O que vão fazer comigo? - perguntou o Missionário.

- Apresenta-lo ao nosso rei. 

O líder da Irmandade dos Cruzadores foi transportado direto para o submundo com mais demônios o cercando. Uma boa parte deles abriu caminho para aquele que veneravam como o governante. 

- Quem é esse aí? - perguntou Fred usando vestes de um querubim.

- Soubemos que ele tentou matar seu irmão. - disse um demônio - O caçador investigava os crimes dele. Matava pessoas que viviam vidas erradas, liderava uma seita de fanáticos... Acho que isso basta.

- Não... Você não pode ser ele! - disse o Missionário. 

- Não sou. - respondeu Fred - Sou só o cara que foi forçado a aceitar um destino terrível.

- Qual o problema, filho? - perguntou Kezabel vindo por trás de Fred e acariciando-o nos ombros e no rosto - Não vai aplicar o castigo que ele merece? Ele tentou assassinar Frank, seu próprio irmão.

Os olhos de Fred tornaram-se de um castanho claro para um vermelho escarlate. Esticou sua mão direita e a fechou. O Missionário teve seu corpo erguido do chão e o mesmo foi torturado com dores internas que pareciam agulhadas múltiplas em cada órgão do seu corpo. Seu grito de agonia parecia agradar aos ouvidos do mais novo príncipe do submundo. 

                                                                           -x-

A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.

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