O Ceifador (Remake)



Rio de Janeiro - 2015 

Em plena noite de Halloween, quatro amigos que dividiam uma sala no último ano do ensino médio possuíam um propósito à parte em comum especificamente para evitar da ocasião passar em branco de tão ávidos que sempre estiveram em comemorar a data festiva de uma maneira que surrealmente nem os americanos mais fanáticos por tudo que circunda o feriado sonhariam vivenciar. Pedro, um rapaz negro de cabelo meio raspado usando blusa vermelha, é quem liderava a operação "Encontro com a Morte". Flávia e Lívia, as presenças femininas que se diferenciavam na disposição de estarem ali, naquele cemitério, formando um círculo ao redor de uma cuia contendo objetos de entes queridos já falecidos. O último dos amigos, o menos receptivo a ideia de reunir-se tão tarde na calada da noite, André engolia a saliva o tempo todo com expressão de temor com o que estavam prestes a realizar no meio do cemitério nem um pouco sofisticado. Pedro foi passando uma garrafa de tequila para Lívia após encher seu copinho. Lívia passou para Flávia que passou para André, o geralmente tachado de certinho, receoso em provar de bebida alcoólica pela primeira vez quando ainda nem tinha 18 anos.

— Qual é, André? Deixa de moleza, vai, bota uns dois dedos aí. — incitou Pedro — E se... hoje for a última noite das nossas vidas? Teremos passado dessa pra uma melhor sem experimentar nem que seja um pouco de álcool correndo no sangue? Nossas vidas, além de curtas, terão sido chatas demais sem a gente se abrir a uma primeira vez pra alguma coisa. 

— Vai nessa, André, podia ser pior. — disse Flávia, garota branca de cabelos pretos lisos com uma comprida e realçada mecha rosa na frente — Pedro podia se aproximar dos caras da boca de fumo da rua dele pra nos oferecer uns pozinhos e ficarmos loucões. Eu adoraria morrer chapadona, caso tudo desse errado. 

— Eu sinceramente não gostaria nadinha de estar aqui, mas não sou de negar favores a ninguém, tampouco aos meus queridos amigos que talvez eu não veja novamente mesmo se sairmos daqui vivos. — disse Lívia, uma loirinha com postura temerária bem equivalente a de André — Eu quero partilhar disso com vocês. Seja ou não a última vez que nos reunimos. 

— Muito bem, ao meu comando. — disse Pedro erguendo seu copinho de vidro cheio de tequila — À nossa amizade. Eterna enquanto durar. 

Tomaram num único shot, mas não puderam ignorar André se engasgando e tossindo após sentir a bebida descer pela garganta, rindo dele. Em seguida, prepararam-se para o ritual invocatório a que se destinaram na finalidade de comprovar se a lenda que ronda aquele cemitério em relação ao sinistro ser vagueante, ninguém menos que o ceifador de almas, a mais absoluta personificação da morte, a criatura de aspecto precário e macabro usando mortalha esgarrapad e portando uma longa foice como todos visualmente conheciam. Pedro leu no papel dobrado as palavras em latim arcaico a serem recitadas como o chamado para serem contemplados pelo mensageiro mortífero. Depois, o autoproclamado líder do grupo jogara um isqueiro aceso sobre os objetos pessoais dos defuntos de suas famílias que queimaram após serem banhados com um pouco da tequila. 

— E é só isso? — indagou Flávia, entediada — Cadê os efeitos especiais? Não seria agora que nosso convidado de honra iria aparecer? 

— Deixa de ser besta, Flávia. — retrucou André — É um ritual de invocação. Se há um roteiro a ser seguido pra isso, ele acaba aqui. O que vem depois nenhum de nós é capaz de prever exatamente. Ou você tá sendo cética demais ou imediatista demais. 

— Só tô ansiosa pra ver no que essa porra vai dar, não precisa querer dar uma aula pra mim. — reclamou ela, se enfezando — E cadê esse maldito ceifador? Será que devemos chamar por ele? Será que tá se escondendo? Invisível? 

Flávia andava para trás, afastando-se dos amigos e correndo os olhos em volta do assombroso cemitério com lápides de pedra em estado pouco apresentável. Pedro não gostou da atitude dela. 

— Flávia, pra onde cê tá indo? A gente tem que ficar junto, nunca se sabe...

— Ah, dá um tempo, Pedro. Só tô conferindo pra ver se ele tá mesmo presente. Vai ver ele quer brincar de cabra-cega. 

— Ela não tá levando isso nem um pouco a sério. — disse Lívia, preocupada — Alguém faz ela parar. E se ela esbarrar realmente numa coisa invisível que possa talvez ser...

Os olhos de Lívia fitavam algo que justificou sua interrupção. Pedro e André acompanharam o olhar e viram uma densa névoa formar-se em torno deles. Flávia percebeu e voltou correndo.

— De onde veio esse nevoeiro? — indagou ela. 

— Com certeza não desse mundo. — respondeu André, tentando controlar a tensão — Eu quero ir pra casa! Pedro, tira a gente dessa! 

— Não tem mais volta, cara. É daqui pra encarar o desgraçado ou direto pra cova! — disse Pedro, tão nervoso quanto. 

— Eu não quero ser enterrada num cemitério que parece mais um terreno baldio qualquer! — disse Lívia, amedrontando-se — Socorro!

— Lívia, cala a boca! — pediu Flávia — É só névoa, vai passar. Anda, vem aqui, fica do meu ladinho... Eu te protejo. Por favor, só te peço pra ter não mais daquelas crises nervosas que te fazem vomitar. Meus tênis são novos e foram caríssimos. 

Irrompendo do nevoeiro branco-acizentado, um visto negro toma a forma ao se aproximar flutuando a poucos centímetros do chão.

— Galera... É ele. — disse Pedro num misto de tensão e resistência ao medo. 

O vulto revelou-se como o próprio ceifador, o manto rasgado esvoaçando ao vento e sua foice de lâmina comprida e pontiagudo segurada como se fizesse menção de golpeia-los. 

— Cometemos o maior erro das nossas vidas! — determinou André, quase chorando. 

Diante do ser sobrenatural se aproximando, Lívia não pôde se conter na sua crise, desviando o rosto para vomitar quase tudo o que comera ao longo do dia. A névoa os cercava prestes a engoli-los, o ceifador reduzindo a distância junto. Ele brandiu a foice com os quatro imaginando ser ali que seus destinos finais seriam irremediavelmente selados. Porém, a névoa cobriu toda a visão fazendo o ceifeiro sumir. Estavam todos de olhos bem fechados, aguardando a sentença. Mas o instante que tinha-se por último durou mais que deveria.

Quando reabriram os olhos, a névoa dissipara, embora o cemitério não parecesse de todo o mesmo. Se havia resquício de nevoeiro, estava baixo, na altura da canela, além de brando. Andaram com olhares exploradores e curiosos, na sensação de que o lugar onde estavam possuía um ar mais gélido do que anteriormente. Pedro acabou pisando num ponto que teria acionado uma armadilha mortal. Uma lâmina parecendo um cutelo gigante emergiu do solo e partiu Pedro em dois verticalmente, deixando à mostra as entranhas, órgãos e a massa encefálica. Flávia, Lívia e André recuaram com gritos de pavor, as meninas cobrindo suas bocas devido ao horror presenciado. André não continha seu pasmo ao ver as metades do amigo caíram ao chão pelos lados. 

— Ei, ei, parem de gritar! O que foi que deu em vocês! Parece até que o ceifador enfiou a foice pelo meu cu e me rasgou em dois até a cabeça! — disse Pedro, intacto na visão deles, estranhando as reações dramáticas. 

— Mas você foi... rasgado em dois! — disse André, permanecendo em choque. 

— Como assim? Você tá inteiro de novo! Que merda foi essa? A gente... alucinou ou o quê? — questionou Flávia, perturbada. 

— Piscamos e de repente você se recompõe. — disse Lívia, os olhos arregalados de apreensão  

— O que tinha na tequila? — perguntou André. 

— Galera, seja o que for... — disse Pedro aproximando-se deles — ... só indica que não estamos mais no cemitério onde entramos. Não sentem um clima diferente aqui? Mais sinistro?

— O cheiro de carniça é bem pior. — comentou André. 

— Mas... parece tanto com o cemitério. — disse Lívia.

— Vocês tiveram a ilusão de me verem morrer e não coloquei nada na bebida pra termos uma experiência afrodisíaca. — disse Pedro.

— Como vamos saber se não colocou, sei lá, Ayahuasca? — perguntou André, insinuando acusação à Pedro que indignou-se. 

— Tá achando que eu seria doido de misturar uma bebida dessas com a tequila?! Talvez eu mataria vocês! Claro que não faria uma merda desse tamanho! Eu tomei aquela porra e não me  vi ser cortado em dois.

— Vimos claramente uma lâmina bem grande sair do chão e fatiar você em duas metades. — esclareceu Lívia — Então se você não viu nada...

— É melhor ter cuidado aonde pisa pois pode acontecer de morrermos realmente aqui. — disse Pedro — Tipo, eu sei que pisei numa pedra que afundou um pouco. Isso fez vocês pensarem que ativei uma armadilha, só que não. Isso é uma prova incontestável de que esse cemitério aqui não é nosso mundo normal. Aquela névoa...

A fala de Pedro foi interrompida quando correntes enferrujadas saltaram como serpentes dando bote nas presas. Os quatro amigos viram-se presos nos braços e na pernas tentando desesperadamente libertarem-se. Outras correntes emergiram, estas se enrolando nos seus corpos, tendo uma ponta que se cravou diretamente nas suas nucas. Logo surgiram seres das trevas voadores, parecendo sombras materializadas de aspecto humano com olhos brancos, redondos e brilhantes. As sombras flutuantes estavam em grande número, passeando de um lado para o outro em círculos como abutres sobrevoando uma carcaça morta. 

O ceifador logo reapareceu saindo de baixo levitante e austero com sua foice ameaçadora. Bateu com a ponta do cabo no chão fortemente. De repente, o quarteto, refém das correntes torturantes, a experiência ainda mais dolorosas com as que fincaram nas suas nucas, sofreu com visões enlouquecidoras apresentando infinitas piores maneiras de como poderiam morrer que se encontravam no subconsciente dos pesadelos de cada um. Pedro viu a si mesmo ser metralhado por traficantes da sua rua, seu corpo chacoalhando com os múltiplos disparos que faziam buracos sangrentos até fazê-lo encostar numa parede. O último tiro acertou no meio da testa, fazendo-o tombar manchando a parede com seu sangue e morrer de olhos bem abertos. 

Flávia sentiu estar no mar num banho temporariamente gostoso quando uma horda massiva de piranhas nadava acima alvejando-a. Soltou um grito ecoante ao sentir os dentes dos pequenos carnívoros marinhos morderem seu corpo, tingindo o azul da água em vermelho sangue até fazê-la submergir agoniada lutando por sua vida. Lívia viu-se atropelada por um caminhão, seu rosto batendo forte no parabrisa e trincando-o com vestígios de sangue, logo sendo arrastada por baixo dele em direção a um posto de gasolina. O robusto veículo colidiu com a bomba de combustível causando uma impactante explosão. Já André tivera um pesadelo peculiar em relação aos demais, amarrado numa cama pelas mãos e pelos pés, sua boca fechada por uma fita adesiva cinza, estando inteiramente nu enquanto era intimidado por uma mulher em roupa de sadomasoquismo e armada com uma faca. A mulher insana cujo rosto estava embaçado aproximou-se, decepando brutalmente seu genital e o separando do corpo para pega-lo. 

As inúmeras visões passavam como curtos filmes de terror em sequências sobre como suas vidas poderiam se findar das formas mais horripilantes possíveis. Mas puderam ser interceptadas graças à tiros disparados contra o ceifador e seus asseclas que se dispersaram afugentados. Um homem de porte atlético trajando sobretudo preto veio cuspindo balas no ceifador que recuava lentamente, os tiros esburacando sua mortalha decrépita. As correntes soltaram-se dos quatro jovens que caíram de joelhos tocando em suas nucas. Não sentiram orifícios ao tatearem, aliviados. O salvador desconhecido os amparou, ajudando-os a levantar. Os quatro sentiram ter despertado de uma compilação de pesadelos intermináveis. 

— Quem é você? — perguntou Pedro, se recompondo. 

— Olavo. — disse ele, a voz num tom grave, porém soando amigável. 

— Olá pra você também. — disse André meio zonzo. 

— Idiota, ele disse que o nome dele é Olavo. — falou Flávia dando um tapinha no rosto do amigo — Acorda.

— A gente agradece muito, se você não tivesse aparecido, todos aqueles pesadelos iam consumir a gente. — disse Lívia — Eu nunca senti tanto medo antes, parece que vivi tudo aquilo, senti morrer várias vezes...

— Verdade, foi uma doideira que pareceu muito real. — disse Flávia — Eu odeio piranhas. 

— Eu acho que vou me assumir gay. — disse André, balançando a cabeça para se reorientar.

Olavo se apresentou ao grupo, sério e controlado. 

— Não deviam me agradecer ainda. Olhem, pra começo de conversa, eu... estou tão preso aqui quanto vocês. Sou um caçador de monstros que travou uma batalha contra as forças das trevas desde muito jovem, praticamente comecei da idade de vocês. Por que tinham que fazer o maldito ritual? Jogarem suas vidas fora? 

— Queríamos passar o Halloween de uma forma inesquecível. — disse Pedro — Mas pelo visto fomos bem inocentes. Ficar frente a frente com a morte, rir da cara dela e viver pra contar. 

— Vai, tiozão, pode meter bronca, somos um bando de adolescentes que quis se divertir sem medir consequência. — disse Flávia.

— Você é um caçador de assombrações? Como veio parar aqui? — perguntou André. 

— Eu tentei impedir alguém de cometer o mesmo erro que vocês. Só tentei mesmo. — disse Olavo andando devagar enquanto contava — O nevoeiro apareceu, já era tarde demais. Já estávamos fora do cemitério. Mas o ceifador, o senhor supremo deste mundo, ficou insatisfeito. Vi aquela pobre criança ser trucidada na minha frente e eu escapei, mas nunca sai daqui. 

— E faz quanto tempo isso? — perguntou Pedro.

— Sessenta anos. 

Os quatro reagiram completamente espantados.

— Como você sabe exatamente quantos anos passaram se aqui, aparentemente, é só noite? — questionou Lívia. 

— É bizarro, eu ainda mantenho minha noção de tempo, sei quando é dia e noite mesmo que o tempo pareça não passar. Ainda por cima, conservo minha jovialidade. Esse lugar nada mais é que uma dimensão fora do espaço-tempo para a qual o ceifador e seu exército foi banido há muito tempo. — revelou Olavo olhando para cada um deles, preocupado.

— E como fugimos daqui? — perguntou Pedro.

— Se eu soubesse, vocês acham que eu ainda estaria aqui? 

— André... O que foi? — indagou Lívia vendo que o temeroso amigo estava com a cabeça baixa convulsionando — Fala comigo, o que você tem?

— Sai de perto, garota chata! — disse André dando uma bofetada em Lívia que a derrubou. 

— Cê tá maluco, cara? — indagou Pedro indo ajudar Lívia — Tá tudo bem, Lívia? 

Olavo notou primeiro que havia algo terrivelmente errado com André captando os maus sinais em vista dos trejeitos e na maneira como falou. Flávia fez menção de ir repreende-lo, mas Olavo a barrou com a mão esquerda. 

— Não se aproximem dele, esse não é mais o amigo que conhecem. — alertou Olavo. 

André ergueu a cabeça exibindo olhos brancos e brilhantes com um sorriso largo que sugeria insanidade total. Sacou um canivete do bolso da bermuda e selecionou uma navalha curta com o polegar. 

— O amigo de vocês mandou avisar que sentirá muitas saudades! 

— André, não faz isso! — disse Pedro avançando contra o amigo a fim de contê-lo. 

— Não é ele, mas um espectro, um dos subordinados do ceifador, ele claramente está possuído! — disse Olavo num tom emergencial que parecia ignorado — Me deixem ajudar! 

— Sai do corpo dele, coisa escrota! — disse Pedro segurando a mão que levava o canivete. O espectro usou de sua força elevada para soltar-se das mãos de Pedro, logo desferindo um corte no rosto dele que pegou na têmpora esquerda. Pedro caiu de joelhos sendo socorrido pelas garotas enquanto o espectro aproximava a navalha ao pescoço do hospedeiro. 

— Hora de dizer adeus!

O espectro usava a mão de André para esfaquear sucessivas vezes o pescoço, na área da garganta, fazendo uma cascata de sangue e sujar a camisa branca do rapaz de escuro vermelho. Durante o ato psicótico, ele soltava gargalhadas histéricas com os olhos brancos luminosos esbugalhados.

— Não! Não! Não! — gritava Lívia que foi segurada por Olavo antes que chegasse perto numa esperança vã de evitar que o pior ocorresse. Flávia encarava terrificada com a mão cobrindo a boca, o corpo frio e trêmulo e os olhos encharcados. Pedro levantou-se, atônito.

— André! — berrou o nome do amigo prolongadamente. O corpo de André caíra ao passo que o espectro despossuía-o. Um outro surgiu e com o primeiro levara o cadáver dali. 

— Não, não, não... Pra onde estão levando ele? — perguntou Lívia enquanto chorava. 

— Vocês precisam vir comigo. — disse Olavo. 

Flávia tivera um assomo de fúria implacável contra o caçador, acusando sua inércia. 

— Por que? Hein, me fala, por que? Por que ficou aí parado sem fazer nada? Por que? Por que? — questionava ela batendo com as mãos abertas em Olavo que tentava defender-se, mas logo precisou segura-la com força pelos dois braços. 

— Não houve tempo! O exorcismo só funcionaria antes dele enfiar aquela faca na garganta! 

Um breve silêncio entre eles se fez. Flávia foi solta e afastou umas mechas do cabelo na frente do rosto, ofegante com abalo sufocando o peito. 

— Então é isso? Vamos morrer aqui, um a um? — perguntou Lívia, desolada — Eu não quero perder mais ninguém!

—  Calma, Lívia, vai ficar tudo bem... — disse Pedro. 

— Não vai, não vai ficar nada bem, já estamos mortos aqui! — rebateu ela em descontrole emocional e iniciando um choro copioso. Pedro a abraçou para conforta-la. Enquanto Lívia soluçava no ombro de Pedro, Lívia reprimia lágrimas. Olavo parecia sentir a culpa pesando.

— Eu me responsabilizo. Não agi a tempo. Vocês tem razão em me recriminar. É tarde para salvarmos o André, mas ainda podemos impedir o ceifador de realizar o ritual de corrupção. 

— Mas como? Nem você em anos preso aqui deu conta de derrotar ele, quem dirá nós, meros adolescentes condenados a morrer nessa merda de dimensão das trevas! — disse Pedro, furioso.

— Precisam vir comigo, agora. — reafirmou Olavo.

— Pra quê? Por que devíamos confiar em você? — perguntou Flávia.  

— Porque eu acredito que juntos possamos arruinar o plano-mestre do ceifador.

Os jovens foram sendo guiados pelo caçador pelo cemitério numa área com algumas árvores secas e rochas em meio às lápides. 

— Nenhum de vocês deveriam estar aqui. — disse Olavo. 

— Agora conta uma novidade. — disparou Flávia friamente. 

— Sabem porque a criança que não consegui salvar foi morta pelo ceifador? Como eu disse, ele ficou insatisfeito. Ele exigia quatro almas que um dia adentrassem aqui para servirem ao plano. E o dia desse infeliz acontecimento chegou. A morte do amigo de vocês foi apenas a primeira etapa. A alma foi escolhida. 

— Escolhida pra quê? — indagou Pedro — Tá falando do tal ritual? 

— O ritual de corrupção é a chave que o ceifador mais precisa para rasgar o véu que separa a dimensão das trevas e o mundo dos vivos. 

— Mas nós vimos ele bem na nossa frente quando o nevoeiro começou. — disse Flávia — Ele já não consegue atravessar a barreira?

— Aquilo foi uma mera projeção astral, um dos truques ilusionistas dele. — disse Olavo desviando de uma árvore — Falei que ele tinha sido banido, certo? Então... Tudo aconteceu na época dos imperadores. Um clã de bruxas manipulou o ceifador a atacar vilarejos e gerar uma onda de mortes que pareciam inexplicáveis. Um grupo rival de bruxas o selou nesta dimensão pois tiveram seu povo atacado. 

— Existia uma guerra de bruxas rolando enquanto o Brasil era governado por Dom Pedro? — perguntou Flávia. Lívia era apenas silêncio devido ao luto imensurável. 

— Mais precisamente o segundo. — respondeu Olavo — Há um castelo nesta dimensão, é pra lá que estamos indo já que será lá onde o ceifador irá drenar a alma de André. Ele foi o sacrifício. Vocês três são úteis pra outros propósitos. 

— Se ele precisa de nós pra concluir o ritual, então deveríamos estar fugindo, não? — perguntou Pedro. 

— Fugir não vai torna-los imunes. Assim que ele extrair a alma de André, vai estar tudo perdido.

— Quer saber? Pra mim chega. — disse Flávia tomando um rumo aleatório — Vocês que lutem, eu não vou participar desse show de horrores. 

— Flávia, precisamos ficar juntos. É a alma do André que iremos salvar! Cadê a sua empatia? Pois saiba que você tá sendo muito egoísta! Você é uma vaca egoista, isso que você é! — esbravejava Pedro, desapontado com a atitude da amiga que mostrou os dois dedos do meio em resposta — Ela não se importa com mais nada. E você, Lívia? Vai deixar essa maluca ir assim? Virar as costas pra nós sem consideração? 

Flávia parou abruptamente, olhando uma rocha. Viu finas e negras pernas de uma aranha do tamanho de uma moto subindo por detrás da pedra. O rosto de Flávia empalideceu com a face preenchida pelo medo. Ela tivera o impulso de correr de volta aos gritos apavorados. A aranha pulou para captura-la, mas Olavo dera um toro ceteiro com seu rifle que a repeliu. Outras surgiram das rochas em volta indo ao ataque grupal. Olavo atirava em todas que se aproximavam. Pedro e Lívia ficavam atrás em recuo. Lívia voltava correndo arrependida.

— Acho que devo agradecer as aranhas. — disse Pedro. 

— Vão na frente! — disse Olavo atirando continuamente. Havia uma subindo pelos galhos de uma árvore seca bem atrás deles, pronta para saltar sobre eles e cravar seus dentes pontudos. Olavo viu na mesma hora que ela dera o salto, a aranha emitindo um asqueroso grunhido que parecia seu grito de guerra. O caçador atirou acertando-a em cheio, a derrubando vitoriosamente. A vantagem numérica daquelas aranhas gigantes aumentava consideravelmente. Olavo repetiu seu pedido mais intensamente. 

— Sigam em frente! Se eu não voltar, ainda assim sigam direto, o castelo está logo ali! 

Os três relutaram, mas logo cederam vendo que seriam inúteis na batalha. Ao tomarem boa distância, pararam preocupados com o caçador.

— Aquelas aranhas horrorosas deram fim nele! — disse Lívia — E como a gente fica? 

— Não aconteceu nada com a gente ainda. — disse Pedro — Ele falou que não ficamos protegidos longe do ritual se fugirmos. Então o ceifador ainda não começou essa porra toda de ritual macabro. Vamos esperar. 

— O Olavo voltar, né? — indagou Flávia — Ele tem que voltar, não pode deixar ser comido por aqueles monstros. 

— E se tiver acabado a munição dele? — teorizou Lívia. 

— Um pouco de otimismo não vai fritar o cérebro de vocês! Se acalmem, ele vai vir. 

Esperaram o que pareceram horas e nada de Olavo reaparecer são e salvo. Pedro já considerava desistir da ideia de invadir o castelo e aguardar o malfadado destino que o ritual da corrupção lhe reservava. Contudo, eis que de repente via-se uma figura humana se avizinhar correndo até eles pela névoa amena e baixa. Pedro deu um fraco sorriso ao ver Olavo aparentemente ileso do ataque das aranhas carnívoras.

— Quem é vivo sempre aparece. — disse Pedro — Que demora foi essa, cara? 

— Eu quem pergunto: Por que ficaram aqui me esperando? Pedi que fossem sem mim. 

— O que faríamos sem você ao nosso lado? — perguntou Lívia — Estaríamos indefesos se tentássemos impedir o ritual por nossa conta. 

— Lembrem-se que vocês são importantes para o ceifador, não seriam mortos com a chance dele extrair a alma de André ainda no jogo. Mas caso botassem tudo a perder pra ele, estariam seriamente encrencados, então aí que eu deveria entrar. Podemos retomar nossa caminhada ao castelo agora. Depressa, perdemos muito tempo.

O grupo prosseguiu na andança rumo ao castelo onde o corpo de André repousava numa mesa de ferro. Avistaram o castelo rústico de aspecto medieval e apertaram o passo. Com um chute pesado na porta dupla, Olavo adentrou na opulenta estrutura seguido dos jovens. Não tiveram reações nada positivas com o que viram.

— Essa não, chegamos tarde demais! — disse Pedro vendo o ceifador sobre o corpo ensanguentado de André sugando a alma como se aspirasse a partir da boca dele. O processo fazia com que a face de André ficasse borrada e aos poucos o corpo apodrecida numa decomposição acelerada até ficar esquelético. Os espectros rondavam por cima, mas estranhamente quietos. 

— Não estão nos atacando. — disse Flávia — Viemos pra impedir e... não estão tentando nos deter. O que significa isso? É porque somos tão importantes assim pro ceifador?

— Isso também. Mas é principalmente por ser tarde demais. — disse Pedro, desanimado — Ferrou tudo, pessoal. Nosso amigo não vai descansar em paz. — derramou uma lágrima. 

— Pois é, uma pena... acabar desse jeito pra vocês. — disse Olavo virando-se para eles com olhos totalmente brancos e brilhantes como faróis de carro.  Pedro e as meninas estremeceram de pavor com a péssima surpresa.

— Não pode ser... É mentira, isso não tá acontecendo! — disse Lívia, desesperada. 

— Há quanto tempo possuiu ele? — questionou Flávia, audaz. 

— Acho que eu sei a resposta. — disse Pedro, sério ao encarar Olavo possuído pelo espectro — O Olavo tinha munição suficiente pra detonar com aquelas aranhas e voltar pra gente em menos tempo do que ficamos esperando. Ele nem ao menos justificou a demora! Ele teria dito o porquê! Aquelas aranhas foram só um atraso. 

— Errado, humano desprezível. — disse o espectro modificando a voz de Olavo em um tom monstruoso com um sorriso sacana — Vocês deviam me agradecer desde que chegaram.

Pedro levou um instante para pensar um pouco em retrospecto. 

— Então... O Olavo nunca esteve conosco... Nunca nem mesmo o conhecemos. Vai saber se o nome dele é esse mesmo!

— Era você o tempo todo. — disse Flávia, estupefata com a verdade — Usou o corpo e a mente dele pra nos trazer até aqui, seu monstro!

— Por isso não moveu um dedo pra evitar a morte do André. — disse Lívia, enojada. 

— Coitadinhos, largados a própria sorte. Honestamente, eu nem acho que ele se esforçaria em salva-los sabendo que é inevitável ser vencido pela morte. Lamento desaponta-los, mas é aqui o final do caminho de vocês como seres humanos normais. Preparem-se.

O espectro despossuiu o corpo de Olavo, saindo pelas costas do caçador como uma sombra obscuramente assustadora e logo juntando-se aos seus pares. Subitamente, a foice do ceifador desceu violenta sobre a cabeça careca de Olavo fazendo espirrar sangue nos rostos de Pedro, Flávia e Lívia. Com o golpe brutal, dava pra se ver pedaços de massa encefálica em meio a carne agredida. Revirando os olhos, Olavo tombou falecendo imediatamente. Da foice gotejava sangue com um pedacinho de cérebro pendurado. O ceifador, logo após nutrir-se da alma de André na mesa de ferro que possuía um símbolo ritualístico preenchido com o sangue do rapaz, esticou sua mão direita empurrando com telecinesia Flávia e Lívia ao chão e as imobilizando.

— Pedro! Foge daqui! — disse Flávia — Merda, não posso me mexer! O que vai fazer com a gente! 

— Vai, Pedro! Você tem que sobreviver! — disse Lívia — Coloca sua vida em primeiro lugar! 

Pedro ficara confuso sobre o que fazer, pondo as mãos na cabeça, sentido que ficaria louco. As peles das garotas ganhavam uma cor azulada meio escura e suas vestes transformavam-se em túnicas negras como sombras se materializando. Nas mãos cresciam unhas com garras afiadas e os olhos avermelhavam. Pedro teve como única opção fugir do que assistir o fim daquela transformação assombrosa. Correu para fora do castelo, mas foi perseguido pelo ceifador munido de sua foice, arrastando a lâmina da mesma no chão, produzindo faíscas. Ele deixava um rastro de brisa fria de dar calafrios por onde passava.

O som do ruído da foice riscando o solo rochoso atormentava Pedro que tapou os ouvidos enquanto corria desenfreadamente. A morte iria abocanha-lo e nada podia ser feito para alterar o curso natural das coisas. A única absoluta certeza da existência de tudo que é agraciado com a dádiva divina da vida. O mal irremediável, inescapável e implacável. 

Para refrear a fuga de sua derradeira vítima, o ceifador ergueu a foice com a mão direita como um maestro conduzindo a orquestra com a varinha. Pedro parou quando sentiu a terra tremer. De todas as direções, veio tsunamis arrebatadoras de caveiras humanas, milhares delas, senão trilhões, tingidas pelo azul escuro do céu da dimensão das trevas. Engolido em cerco pelo amontoado de crânios, Pedro tentava subir, pulando sobre as caveiras, mas sua força não comparava nada a avassaladora pilha móvel de ossos que pareciam estar vivos e teleguiados a devorarem-no. Gritando agoniado, Pedro afundava na pilha de caveiras, a mão direita esticada como uma súplica ao ceifador para desatola-lo daquele mar de crânios. Mas o ser sombrio apenas o observou ser tragado para bem fundo no monstro de ossos. Dá perspectiva de Pedro, seu grito persistente de sofrimento se abafava conforme os crânios fechavam aos poucos sua visão distante do ceifador levitando alto e assistindo sua queda esmorecida. 

Flávia e Lívia juntavam-se ao ceifador como suas recém-formadas servas juramentadas ao seu dispor. O balaurde da morte ergueu o corpo inconsciente de Pedro com sua telecinesia. Em seguida, deixou sua foice pairando, se metamorfoseando em uma espécie de fumaça, logo entrando pelo corte no rosto de Pedro feito pelo canivete de André. O rapaz abriu os olhos na hora, logicamente não mais sendo ele. Uma nova mortalha foi materializada, esta trazendo detalhes em vermelho. Chamou a foice para suas mãos sem dizer uma palavra. Na verdade, enfim pôde desfrutar do dom da fala ao possuir o corpo do mortal que tentou desafiar a própria morte. 

Ao lado de suas subalternas, anteriormente Flávia e Lívia, o ceifador subiu para o alto de um morro contemplando a imensidão metropolitana da venerada cidade maravilhosa. 

— Este receptáculo nunca irá se degradar, é perfeito. — disse o ceifador com a voz de Pedro, mas com tom cavernoso e inumano, piscando um brilho vermelho dos olhos, o capuz negro da mortalha deixando uma sombra sobre eles — Finalmente poderei honrar meu maior propósito. Quantificaram o número total? 

— Sim, senhor. — disse a que antes foi Lívia. 

— Cerca de 2 bilhões. — afirmou a que antes foi Flávia — Devemos iniciar o abate? 

— Iremos esvaziar este mundo de todo o flagelo multiplicado e excessivo. — disse o ceifador, logo batendo o cabo da sua foice no chão para proferir categoricamente a ordem — Que o fim comece! 

                                            XXXX

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: [1]

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