Rostos Falsos (Remake)

Era chegada, enfim, a noite da tão celebrada data da fundação de Peycock, cidadezinha pacata onde o tão reverenciado prefeito resolveu prestar uma homenagem singela na forma de um baile de máscaras ambientado na sua mansão herdada como cortesia tradicionalmente graças a eleição ganha. A filha deste prestigiado homem, Elizabeth, seguia-se numa demora que a certo ponto foi tida como proposital por parte de alguns convidados, todos íntimos do pai, e também do próprio que em determinado momento cogitou bater na porta do espaço privado da filha para lhe questionar se viria ou não juntar-se aos seus pares de classe social. 

Elizabeth prorrogava sua arrumação penteando seus longos cabelos loiros, lisos fios ondulados, olhando-se no espelho da penteadeira, seus carnudos lábios sem disposição de esboçar sorriso de acordo com a ocasião. Temia ouvir batidas na porta a qualquer instante vir perturbar-lhe num esforço pressionador. A jovem de 18 anos sentia que explodiria de ansiedade angustiante devido a uma suspeita fortalecida por indícios capturados com seus intuitivos olhos em poucos dias antecedentes a festividade. Parou, sem querer, de pentear as madeixas douradas ao se pegar novamente ruminando as teorias que soavam paranoicas acerca do que depreendeu dos traços comportamentais de várias das pessoas de seu círculo em meio ao qual via-se cercada como uma presa contemplada por predadores ao invés de acolhida fraternalmente como de costume. 

Que verdade tão sombria se revestia sob aqueles perfis claramente fora do habitual na visão de Elizabeth? Desconfiada por natureza, ela reacendia a dúvida tortuosa e iria sana-la naquela noite nem que fosse ser tachada de insana pelos pais ou amigos dele. "Não fiquei louca, sei que tem alguma coisa errada. Essa cidade não é mais a mesma", pensou ela levantando-se após passar mais uma camada de maquiagem. Uma mensagem no celular a freiou enquanto se dirigia a porta. "Já tô te esperando aqui embaixo. Não me deixa plantado. A menos que tenha voltado atrás, me responde pra ir vazando logo daqui, se seus seguranças me pegam, sou um homem morto", dizia o curto texto de Jake, namorado de Elizabeth, preterido pela família abastada da moça por não se encaixar nos moldes exigidos de um bom partido. Elizabeth preferiu não responder, mesmo sabendo que descumpriria a promessa de fugir com ele para livrar-se das amarras que a celebração impunha ela a aceitar. 

Saiu do quarto em postura firme e segura ostentando seu elegante vestido azul claro com babados. Ao descer a escada, via com expressão discretamente desdenhosa todo aquele povaréu trajando sofisticadas indumentárias e dançando uma suave valsa com suas máscaras cobrindo o rosto inteiro num semblante neutro de olhos vazios como a escuridão mais profunda. Justamente as máscaras em particular que despertaram a atenção de Elizabeth para uma possível corroboração de suas suspeitas. Não deveriam ser máscaras de aspecto carnavalesco, daquelas que mascaravam da testa ao topo do nariz, a princípio? A jovem parou num degrau, correndo os olhos pela multidão, séria e pronta para arrancar a verdade de quem fosse.

— Parem já essa música, agora! — bradou ela em tom enfurecido que cortou o ar como uma flecha muito bem disparada ao alvo. A música cessou. 

Atônitos, os convidados voltaram-se a Elizabeth que ganhara a máxima atenção. O pai não tardou em manifestar sua incompreensão. 

— Filha, mas que tremenda falta de compostura é essa sua? O que deu em você pra ditar uma ordem nesse tom? Desça já aqui e se desculpe. 

— Eu cansei, pai. Cheguei no meu limite. Não posso conviver com esse mistério todo. 

— Mas que mistério, Elizabeth? Por favor, una-se a nós, sua mãe e eu estávamos tão ansiosos esperando por você. Onde está sua máscara, a propósito? 

— Que bom que perguntou. Eu não vi máscara nenhuma. 

— Como não viu? Deixei a caixa em cima da sua cama. Ficaria tão bela a usando. 

— Eu não abri a caixa. — disparou Elizabeth, a voz fria — Muito menos vou me desculpar pelo modo como dirigi a palavra. Nada do que vem do senhor, da mamãe ou de quem quer que seja desta cidade será aceito por mim. Todos vocês com seus ternos e vestidos de luxo, se achando acima da moral e dos bons costumes, agindo de falsa cordialidade, superficiais e mesquinhos, não vão me convencer de absolutamente nada. 

— Vou pedir só mais essa vez, Elizabeth: desça já aqui e peça desculpas. Estamos envergonhados com esse desrespeito aos nossos convidados. Qual o seu problema, afinal? Tem andado tão distante e quieta... O que há de errado com você?

— O que há de errado comigo?! O que há de errado com vocês? Eu não reconheço mais ninguém faz uns dias. É como se todos tivessem morrido e fossem substituídos por... monstros. Estou diferente porque passaram a agir diferente, principalmente você e a mamãe! 

Um silêncio se fez perdurante para Elizabeth que olhava de um jeito tenso para todos os presentes que confabulavam em cochichos sobre a conduta inadequada e petulante da filha do estimado prefeito de Peycock. 

— Eu só tenho mais um pedido a fazer. — disse Elizabeth — Tirem essas máscaras. 

O pai a encarou por trás de sua máscara branca de rosto vazio de expressão. 

— Está bem, filha, como quiser. — disse o prefeito retirando a máscara. Os convidados também o fizeram. Num arquejo de pânico, Elizabeth não poda controlar sua vontade de sair correndo dali sem olhar para trás. 

Todos, sem exceção, mostravam faces vazias de olhos, boca, nariz... vazias completamente de vida de tão pálidas quanto as próprias máscaras. Elizabeth recuava, atemorizada e perplexa. 

— Eu reitero meu pedido, filha: Desça aqui, junte-se a nós para celebrarmos uma nova era para esta cidade. — disse o prefeito, a voz saindo daquele rosto desprovido de face humana. 

— Eu não sou sua filha. — rebateu Elizabeth. 

— Então se não vier por bem... — disse o prefeito aproximando-se da escada — Terá de vir à força. 

Tanto ele quanto os convidados fizeram surgir bocas inumanas de sorrisos largos com dentes pontudos e lábios vermelhos ressecados. O horror de Elizabeth somente agravou-se. 

— Sabe porque esperamos tão ansiosamente por você, querida? É a única residente legítima da cidade a passar pela nossa renovação como seus viventes. A sua vida pertence ao mestre, Elizabeth. Ele não anseia apenas seu belo rosto... mas sua alma também! 

Elizabeth tomou o ímpeto de subir correndo a escada, enojada com a monstruosidade que testemunhou usando os corpos de seus pais e convidados da festa que não passou de um ardil para convoca-la a iniciação como um daqueles seres abomináveis. Pulou a janela do quarto, ignorando Jake que ainda a esperava. Ele a indagou sobre o que havia ocorrido para ela fugir sem ele e sem rumo algum traçado. 

— Elizabeth! — gritava Jake na perseguição.

Ele parou numa calçada numa rua de comércios deserta aquela hora da noite, deixando-a trilhar seu caminho imprevisível para além da fronteira de Peycock em lágrimas de desilusão e terror. 

A parte mais humana de Jake concordou em permiti-la seguir sozinha, liberta da assembleia maligna de seres devotos a uma força contagiosa que instalou-se na cidade de nascença da amada.

— Sei que um dia verei novamente seu rosto, Elizabeth. Um dia ele será inteiramente meu. E nossas almas serão uma só. — disse Jake olhando para o seu reflexo no vidro de uma loja, exibindo sua face branca, sem olhos, dotada da mesma boca medonha dos presentes na festa, com a brutal diferenca de tentáculos de ébano saindo de suas costas enquanto ele sorria esperançoso de um dia rever o rosto mais belo que já vira. 

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.

*Imagem retirada de: [1]


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