Frank - O Caçador #6: "A Morte Pode Esperar"



Escola Hans Norbet

A sala de aula da classe 3-B estava ocupada por somente duas pessoas após o fim da última aula. As carteiras, organizadas com nomes dos alunos em papéis colados conforme se dava o mapeamento, eram todas voltadas para destros. Em uma delas, praticamente no ponto central do recinto, estava sentada uma das alunas autuada por uma travessura contra um garoto de duas classes abaixo. A cena do "crime" resumia-se em um lamentoso adolescente queixando-se de uma coceira perturbadora devido a uma grande quantidade de pó especial colocado por dentro sua calça por um dos rapazes aliados da garota detida. Ela fingia não se incomodar com a presença quase intimidadora da diretora Halley, uma mulher de cinquenta bem cuidados anos, com cabelo castanho prendido em uma espécie de coque, lábio finos, pele caucasiana, face suave, mas detentora um olhar perfurante como uma estaca - seus óculos pequenos realçavam a grandeza desta habilidade sem igual, capaz de fazê-la obter grandes confissões por parte de intransigentes como a garota que observava pacientemente.

Mas a ocasião distanciava-se longamente de um interrogatório.

Amber Clarkson sentia-se injustiçada, e só provava isso a cada vez que roía uma unha. Halley, por outro lado, dava ínfimas batidinhas com sua unha do dedo anelar da mão esquerda na robusta mesa de madeira bege. A garota de pele morena, cabelos pretos longos e meio ondulados e rosto meio redondo com lábio carnudos e olhos pretos destacantes, fitava a diretora, já não aguentando nenhum segundo a mais permanecendo em silêncio.

- Olha, me dá uma chance. Se abrir uma exceção, juro, pelo respeito que tenho pela senhora, que vou ajuda-la a encurralar aqueles idiotas. - prometeu Amber, olhando-a com carência.

- Bajule-me mais um pouco. - disse Halley, exibindo um sorriso cínico. - Vai estar piorando sua situação, ao contrário do que pensa.

Sem forças nem paciência para argumentar, Amber recostou-se na carteira,. cruzando os braços.

- Sabia que várias cidades já aboliram a detenção para o Ensino Médio? - perguntou ela, desafiante. Halley permaneceu indiferente. A garota desviou um pouco o rosto, sorrindo nervosamente e balançando a cabeça em negação. - Olha, sei que é inútil provar agora, mas devo dizer que pegou a pessoa errada. Eu não passo de um bode expiatório. Não fui eu quem pôs o pó no garoto. - voltou-se para a diretora, exasperada. - Tem que acreditar em mim, por favor. Foram eles, eles quem armaram tudo, fui uma cúmplice forçada o tempo todo, nada mais nada menos que isso.

- Se é verdade, então porque parece tão desesperada? - questionou Halley, arqueando uma sobrancelha.

- Tá bom, fui eu quem forneci a droga do pó, mas não estive lá na hora porque eu não quis. - explicou-se Amber, o tom sutilmente exaltado. Passou uma mão no rosto, sinalizando cansaço.

- Não é o bastante. - afirmou a diretora, dando de ombros. - Talvez eu deva solicitar a presença dos seus pais, quem sabe assim maiores esclarecimentos venham a tona.

- Quer que eu esclareça? Aqui vai: O imbecil do James me prometeu uma grana alta se eu concordasse em ferrar com um certo garoto da 8-A por uma vingança infantil e estúpida, ele é assim. - revelou Amber, olhando fixamente para Halley como um apelo por compreensão. - E como a otária que sou, acabei cedendo, porque sou orgulhosa demais para aceitar um dinheiro fácil e que talvez eu nem precise. Os comparsas dele me denunciaram, não foi? Eu sabia. - seus grandes olhos marejaram. - Foi a intenção dele, quis me deixar sozinha para levar toda a culpa. Não chega a ser estranho para a senhora que eles tenham faltado justo hoje?

- Sinceramente, não há mais o que discutir por hoje. - decretou Halley, levantando-se. - Por que não fica em silêncio como todo mundo que já passou por isso?

- Para o seu azar, não sou todo mundo. - retrucou Amber, atrevida.

- Esse é o respeito que tem por mim? - perguntou Halley, encarando com ar decepcionado. - Enfim, não importa. - sua expressão ganhou mais severidade. - Por mais que tente justificar, não anula seu envolvimento nesta tramoia que você e gente da sua laia chamam de brincadeira. - se virou para se encaminhar em direção à porta. - Se lhe serve de consolo, amanhã mesmo pegaremos os responsáveis e vamos tomar as devidas providências. Todos serão igualmente punidos. - determinou, saindo da sala, sem dizer por qual razão. - Nem tente fugir.

- Isso não é justo... - reclamou Amber, colocando-se em uma má postura na cadeira, sentindo-se exausta e faminta. - As vezes, eu só... queria sumir, ser apagada desse mundo. - debulhou-se em lágrimas ao se inclinar para frente, pondo as mãos no rosto aos prantos, seus negros cabelos caindo sobre a carteira.

Alguns ruídos estranhos naquela ambiente a fizeram cessar o choro de repente. Intrigada, Amber erguera a cabeça, vasculhando com os olhos pelo lugar para detectar a origem dos sons atípicos. Parecia um misto de faísca com um ranger inconstante de metal enferrujado.

Percebeu o ventilador de teto, alguns metros a frente, ligar-se subitamente, as pás metálicas ganhando velocidade mais rápido do que costumavam. Amber fitou-o desconfiada, notando algo diferente. Retraiu-se na cadeira, sem tirar os olhos apreensivos do ventilador.

- Di... diretora... - chamou ela, em tom completamente baixo, sabendo que apenas sussurrou para si mesma. Um odor de fumaça infestou o ambiente em segundos. A garota cogitou sair correndo, tendo em vista a má gestão que negligenciava a melhoria ou a substituição de certos itens para melhor conforto no local para os alunos, o que aumentava exponencialmente os riscos de acidentes.

O fio condutor que fixava-se ao circuito no interior do teto e antes invisível para todos, descera repentinamente, deixando faíscas caírem, assim como o ventilador ainda mantendo-se girando e estando a poucos metros do chão - basicamente quase na altura da mesa do professor.

Amber dava pequenos balbucios ao observar com certo temor, mas as palavras pareciam travadas.

O fio fazia o ventilador balançar de um lado para o outro, não para a esquerda ou para direita, mas sim para frente e para trás na visão de Amber.

- O que está acontecendo...? - sussurrou Amber, congelada de medo.

No segundo balanço, o ventilador foi para perto do quadro negro, quase triscando, logo em seguida, mais veloz... indo diretamente para Amber.

Pressentindo o perigo, a jovem gritara estridentemente em puro horror ao ver as pás girando em alta velocidade aproximando-se.

O grito cortou-se no exato instante em que o ventilador decepara a cabeça de Amber de forma brutal.

Cerca de poucos segundos depois, a diretora Halley retornava para a sala. O choque fora instantâneo assim que cruzou a soleira da porta. A mulher sentira o sangue gelar e um arrepio profundo ao se deparar com o corpo decapitado e ensaguentado da jovem ainda sentado na cadeira e a cabeça jazida sobre o chão com os olhos ainda abertos e sangue jorrando de baixo. Ignorou o vai e volta constante do ventilador.

Halley gritara apavorada ao se encostar na parede, quase pondo a mão direita na boca expressando total horror.

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CAPÍTULO 06: A MORTE PODE ESPERAR


6 dias depois

Departamento Policial de Danverous City

Frank, por fim, havia chegado ao local de trabalho no horário exato. Ao entrar em sua sala, estacou logo ao terminar de fechar a porta, fitando uma pilha de papéis em cima de sua mesa. "Mas o quê...?", pensou ele, o cenho franzido, especulando sobre quem teria deixado a tal papelada ali. Não pensou em Carrie por se lembrar da regra fixada: Nunca entrar na sala do detetive especial sem a autorização expressa do diretor, a menos que o detetive solicite a presença da assistente, tendo a liberdade para deixa-la sozinha caso necessário ou cuidando do recinto em sua ausência justificada, mas ainda mantendo suas devidas tarefas.

O detetive olhou os papéis anexados. Cada anexo tinha, no máximo, seis papéis. Folheou cada um deles, a expressão intrigada. Fotos de cadáveres, relatórios da perícia, análises de materiais e trechos de manchetes jornalísticas relacionadas aos casos reportados podiam ser vistos aos montes no pacote.

Quando sentiu alguém entrar na sua sala, já se via olhando o último anexo que logo se juntaria aos outros desorganizadamente espalhados pela mesa. Olhou por cima do ombro, sem surpresa ao ver Carrie.

- Que bom que chegou. O diretor me pediu para mostrar mais uma dessas. - disse ela, com um novo anexo em mãos. Frank se virou para ela, pegando as folhas e lendo-as depressa. - Parece chocado. Viu só como as coisas estão ficando cada vez mais estranhas nesta cidade?

- Nem me fale. - disse ele, lendo um trecho importando mais devagar. Fechou o anexo e olhou para a assistente, desentendido. - Isso aqui... - olhou de soslaio para os papéis na mesa. - Tudo isso aí... aconteceu nos últimos seis dias?! Tem certeza?

- Não poderíamos estar mais certos. - respondeu Carrie, cofiando o queixo, meio nervosa.

Frank andou pela sala passando as mãos no rosto sinalizando preocupação.

- Uma garota morre sendo decapitada pelo ventilador de teto. - disse ele, contando nos dedos, apertando o mindinho esquerdo primeiro. - Uma parte de um viaduto cai por cima de um bandido. Toda a fiação de postes de uma rua desmorona por cima de 20 pessoas e elas morrem eletrocutadas. O microondas explode na cara de um vagabundo que maltratava a mãe, tendo 98% do rosto queimado segundo laudo da perícia. E... - virou-se para Carrie, levantando o indicado direito,o tom enfático. - ...o mais insuperavelmente absurdo: Um cara gira a chave do carro e ele explode.

- E era um estelionatário, de acordo com os registros do pente fino na casa. - disse Carrie, meio pensativa. - Ocorreu há dois dias.

- Estou sentindo um padrão aqui, Carrie. - disse Frank, quase sentando-se na mesa, a expressão séria, sem subestimar a gravidade da situação. - Mortes tão brutais e aparentemente acidentais em tão pouco tempo?! O que você acha que é?

- Pois é, eu também estou igualmente impressionada, até lembra aquele filme lá... - disse ela, sem esconder o nervosismo. - Inclusive, soube de boatos a respeito de pessoas que sonham acordadas e preveem essas tragédias, igualzinho como no filme... - isso levou-a a pensar por um breve instante.

- A única diferença é que não há nenhuma testemunha que previu essas fatalidades. - salientou Frank, revendo um dos anexos. Fechou-o, olhando para o chão, pensativo e suspirando. - Não tem o que investigar. É tão óbvio...

- O que é óbvio? - perguntou Carrie, notando a seriedade incomum na face do amigo. Aproximou-se um pouco dele.

- Isso é coisa do Anjo da Morte. Pronto, falei. - disse Frank, erguendo a cabeça para olha-la.

A assistente estarreceu-se ao ouvir o tenebroso nome.

- Vo... Você acredita mesmo que...

- Não, Carrie, realmente tenho absoluta certeza. - insistiu Frank, assentindo. - Agora sim estamos lidando com ele pra valer. Não há dúvidas.

- Mas... E agora? - indagou ela, sorrindo nervosamente. - É a primeira vez, curiosamente, que você acha o causador de toda a confusão sem investigar nada.

- Sabe o padrão? Estas pessoas... cometeram atos maldosos. - disse Frank, apontando para os anexos.

- Bem, é verdade. A garota decepada, por exemplo, chamava-se Amber, acusada de se envolver numa travessura contra um garoto três anos mais novo. Morta em plena detenção.

- Ele está seguindo um novo protocolo: "Aqui se faz, aqui se paga". - suspeitou Frank, tentando incrustar algum humor que pudesse amenizar o peso da atmosfera proporcionada pelos casos arrasadores. - Punindo pessoas que cometem ações malignas. Desde uma simples travessura até o pior dos crimes. Simples assim.

- Tem que haver algo por trás. - disse Carrie, estreitando os olhos. - Eu pesquisei, inúmeras vezes, sobre o deus da morte, a personificação mais comum dele... e as lendas diziam, todas elas, que apenas pactos com demônios e preguiça de viver são passíveis de punições severas.

- Parte das vítimas eram sedentárias? - perguntou Frank, especulativo.

- Você não leu tudo? - questionou Carrie, arqueando uma sobrancelha, suspeitosa.

- Ler isso tudo ia consumir bem mais tempo do que penso. - disse Frank, olhando para a papelada espalhada. Virou o rosto para Carrie, ainda com uma dúvida em mente. - Foi você quem trouxe?

- Sou diligente o bastante para não invadir o recinto particular do meu estimado parceiro. - disse ela, o tom brincalhão. - Mandei alguém vir deixar. - fez uma pausa, esfregando as mãos de leve. - O que vamos fazer?

- Vou encarar. - disparou Frank, olhando para um canto da sala, moldando um plano arriscado.

Carrie o visualizou com intensa estranheza fundida a apreensão.

- Como é que é?! - indagou ela, assustada. - Tá falando sério?

- Nunca antes falei tão sério. - disse o detetive, enchendo-se com uma determinação que transmitia um efeito oposto à assistente. Dirigiu-se à porta com tranquilidade, mas Carrie o puxara pelo sobretudo.

- Ficou louco? Não sabemos o que realmente é! - argumentou ela, exaltada.

- Eu disse que tenho certeza. - retrucou o detetive, fitando-a com desconforto. - É ele, Carrie. Não vou ficar parado enquanto outras pessoas morrem.

- Mas espera mesmo sair vivo depois de negociar com um inimigo invisível? Se é que pode ser possível falar com essa coisa! - disse ela, tentando convence-lo a não agir precipitadamente.

- Acho melhor você me soltar e se acalmar. - pediu ele - Eu vou direto ao local da última morte, ver se ao menos extraio uma pista.

- Morte esta que aconteceu há... - olhou para o relógio de pulso no braço esquerdo. - ... uma hora. Está nos papéis trazidos por último. - soltou-o, recuando alguns passos e apoiando suas mãos na mesa. - Mas tudo bem. Não preciso estar preocupada, porque meu melhor amigo tem um plano super-brilhantemente suicida. Mas não! Ele acha que vai sair inteiro dessa. Mas um motivo para eu manter minha calma, porque certamente o Anjo da Morte vai concordar com os termos e livrar a cidade.

Frank mordera os lábios, assentindo positivamente.

- Fico feliz que confia nas minhas ideias. - dissera Frank, irônico, girando a maçaneta, abrindo a porta e saindo da sala.

- Ai, que idiota... - disse Carrie, suspirando de olhos fechados, rendendo-se a um medo que se esforçava para conter.

                                                                                             ***

Estacionando seu sedã prata à alguns metros de distância dos carros da polícia local e da perícia, Frank tomou minúcia ao visualizar os detalhes do que parecia ser a porta da garagem cuja parte inferior tinha uma grande mancha semi-circular de sangue. Mais abaixo, aproveitando que um policial se afastou dali, viu um cabeça decepada de um homem, com rosto voltado para cima, comprovando para seu temor repentino.

- Caramba... - disse ele, em um sussurro, espantado com a fatalidade. Abriu depressa a porta do carro, logo descendo e encaminhando-se ao ponto do ocorrido que era, claramente, assumido como um acidente, como o detetive suspeitava que o verdeiro responsável queria fazer transparecer.

Se aproximou de um dos policiais que observava, sacando o distintivo.

- Olá, bom dia. DPDC. - disse Frank, se pondo ao lado dele e mostrando a insígnia do departamento.

- Bom dia. - respondeu o policial, franzindo o cenho para o detetive - Ahn... Acho que nos encontramos no mesmo barco, amigo. Estamos matando tempo aqui. As pessoas dessa cidade às vezes são meio estúpidas quando devem pedir ajuda sobre um caso onde a polícia seja útil. Mas nesse aqui? - se perguntou, fazendo um "pff" com a boca em sinal de gozação.

- Quer dizer então que o cara foi decapitado pela porta da garagem acidentalmente. OK. Talvez eu esteja sendo um pouco teimoso. - disse Frank, soando desapontando consigo mesmo.

- Por que? - perguntou o policial, curioso, mantendo os braços cruzados.

- Nada demais. Eu... - mordeu os lábios - ... só acredito que deveria estar num lugar melhor, trabalhando num caso onde eu sirva pra alguma coisa. Afinal, são apenas meros acidente, não é? Não tem nada de estranho com mais de 15 mortes de mesmo padrão em um curto período de tempo.

- 15 mortes!? - surpreendeu-se o policial, arqueando as sobrancelhas - Para nós essa é a primeira. Mas eu soube de alguns casos nos últimos dias. Não há circunstâncias criminais nem aqui ou nos outros.

- Pois é. - concordou Frank, assentindo, olhando para a fachada da casa.

- E o cara, até onde sabemos, é divorciado. Um vizinho nos disse que agrediu a esposa recentemente.

- Interessante... - disse Frank, reforçando a especulação sobre o obscuro padrão.

- Interessante nada, isso é insano. Alguns objetos estão fora de lugar e aparentemente aconteceu um tipo de... efeito dominó, por assim dizer. A causa da morte pode ter sido um mero descuido que gerou essa reação. Coisas assim podem acontecer com qualquer um. Tipo no caso da garota morta pelo ventilador na escola. É relacionável ao fato de existirem reclamações de alunos e pais sobre a gestão e da estrutura quase precária da instalação elétrica.

- Eu acho muito difícil. - disparou Frank, sério, fazendo o policial fita-lo com estranheza.

Um outro policial vinha a passos largos na direção dos dois, com um saquinho plástico apropriado para a coleta de evidências. Peritos estarrecidos estavam recolhendo o corpo numa maca. A cabeça foi apanhada para um balde branco.

- O que é isso? - perguntou o policial ao lado de Frank.

- Achei perto das caixas de ferramentas. - disse o outro, mostrando o conteúdo: uma pena negra e comprida. - Pode não significar absolutamente nada, mas é meio estranho... o cara não criava pássaros, a porta da garagem só foi aberta segundos antes dela deslizar contra o pescoço dele, então nenhuma ave maluca entrou e, sei lá, bagunçou tudo a ponto de causar esse acidente.

"Acidente, acidente... Parem com isso! Isso foi tudo, menos um acidente!", pensou Frank, revoltado.

- Olha... - intrometeu-se o detetive - Será que dá para eu ficar essa amostra? É que... - um branco total na mente lhe pegou desprevenido e seu emudecimento temporário arrancou olhares suspeitos dos dois homens. - Meu filho adora colecionar penas de passarinhos. É - deu uma risadinha - É isso aí.

- Mas isso aqui não é uma pena de pássaro comum. - retrucou o segundo policial, olhando-o estranho - Posso chutar que é de... um corvo. - deduziu ele, estudando-a.

- Corvos não vem a Danverous City por causa desse clima infernal. - disse o primeiro, tão especulativo quanto o parceiro. Virou-se para Frank - De qualquer forma, não importa. Pode levar.

- Ah, muito obrigado. - agradeceu Frank, recebendo o saco.

- Disponha. Passar bem. - disse o segundo policial, permanecendo desconfiado.

Ao virar as costas, Frank alterou o semblante, tomando seriedade e elaborando uma teoria que estava a um passo de garantir sua plausibilidade. Entrara no carro, logo retirando o celular de um dos bolsos do sobretudo, discando rapidamente o número de Carrie. Infelizmente, caíra na caixa-postal. Mandou uma mensagem por voz:

- Liga pra mim. Sinto que obtive uma prova que me leva a uma teoria crucial, tudo a ver com o Anjo da Morte. E lembra de me responder uma pergunta que esqueci de fazer: Você, alguma vez na sua vida, cometeu alguma maldade, por menor que fosse? Tipo... puxar a cueca de um dos seus irmãos? Vou te aguardar. - enviara, em seguida suspirando pensativo.

Um medo tórrido nasceu a partir da ideia das pessoas mais próximas à sua vida serem vítimas potenciais.

                                                                                     ***

O detetive irrompeu pela porta de sua casa que se abriu com abrupção, ficando escancarada, caminhando a passos largamente apressados em direção à mesa da cozinha onde havia deixado seu atualizado notebook cor preto fechado. A demora pelo feedback de Carrie à mensagem anterior não se comparava ao temor pela resposta que ela daria, dada a nebulosidade do caso que envolvia um criminoso sobrenatural com um modus operandi imprevisível no que diz respeito a possíveis vítimas fatais. Àquela altura, Frank tinha de admitir que chegou ao limite de sua carreira alternativa.

Abriu o laptop, logo em seguida seus dedos digitando em um frenesi veloz. Na tela surgiam várias janelas e ícones na barra de ferramentas. Depois de acessar um aplicativo de rastreamento - cortesia da própria Carrie -, lembrou-se do seu supermoderno medidor de paranormalidade que possuía sensibilidade à variações no campo magnético, precisamente alcançando o pico de 70,000 hertz. A fabricação se deu por sigilo absoluto entre Frank e seu contratado, um engenheiro e aspirante a investigador do sobrenatural que aceitou criar o mais avançado por um bom preço. Frank, no fundo, sentiu um amargor de si mesmo por não ter retribuído o favor ao pegar o aparelho que estava guardado em uma das muitas gavetas dos móveis de seu quarto.

O medidor - da mesma cor do laptop - possuía uma "tomada" acoplada na lateral direita, conectável ao plug no notebook para unificar as funções e otimizar o rastreamento para aquele fim.

- Vamos lá... - disse Frank, deslizando o dedo no painel quadrado do laptop à procura de uma área com atividade e leitura elevadas. Na tela, à medida que Frank avançava no mapa semi-plano de Danverous City, o círculo - um "anel" que a princípio era cinza mas que com o avanço ganhava colorações que correspondiam ao nível de "radiação sobrenatural" - começava a se aproximar do tom esperado. - Será aqui? - se perguntou ele, inclinando-se mais para frente da tela. Deu um zoom no círculo que tinha ficado distante. Estava numa tonalidade vermelho-sangue... um indicativo de extremo que atiçou a curiosidade do detetive ao máximo - Escola pública Hans Norbet. - disse, verificando a localização - A leitura maior... vem do lugar onde a garota foi decapitada pelo ventilador. - isso o deixou reflexivo por uns segundos.

Seus pensamentos foram cortados pelo toque alto do seu celular. Felizmente, era Carrie.

- E aí? Qual a resposta? - quis saber Frank, sem tirar os olhos da tela, a mão esquerda apoiada na mesa.

- Eu nunca toquei num fio de cabelo dos meus irmãos... porque na verdade eram eles que me deixavam louca! - respondeu ela, explicando a verdade como sendo o contrário do que Frank achava.

- Oh, dessa não sabia. - disse Frank, arqueando as sobrancelhas - Mas enfim... Olha, eu só ando preocupado com a sua segurança, não me leve a mal, mas é que...

- Sim, eu sei, Frank, o Anjo da Morte pode querer que eu vire presunto. Se eu dissesse que não haveria uma boa razão estaria mentindo.

O detetive franziu o cenho, intrigado.

- Como é? Tá dizendo que existe uma coisa má que você fez no passado? O que foi? Roubou o namoradinho de alguma colega? Brigou feio com alguma garota implicante e você deu a maior surra nela?

- Olha, quer parar de ficar deduzindo? Você não conseguiu chegar nem perto. - disse Carrie, aborrecida. - O assunto aqui é esse Anjo da Morte, não eu. Então, vamos direto ao ponto. Disse que tinha uma teoria, certo? Pode falar. - a assistente conseguiu desviar o rumo da conversa com êxito.

- Tudo bem, não vou mais perguntar sobre suas travessuras. - disse Frank, cedendo - Não está mais aqui quem falou, mas isso não diminui minha aflição, você sabe que só quero o seu bem.

- Anda logo com isso. Até agora não aconteceu nada de estranho aqui, comigo ou com outros funcionários, eu estou bem, agora diz  logo o que você especulou antes que eu exploda de curiosidade.

- Fui até o local da última morte. Um cara decapitado pela porta da garagem. - informou Frank, mexendo no notebook.

- Pelo visto, nosso anjinho malvado adora ver cabeças rolarem. - disse Carrie, soando desinteressada pelo fato de querer saber dos detalhes de uma só vez.

- E tem mais: Acharam uma pena... Uma pena de corvo. Estou com ela aqui.

- Espera aí, você furtou uma prova? - indagou Carrie - E porque a droga de uma pena de ave é uma prova do caso?

- Os policiais me deram de bom grado. - disse o detetive, sucinto, passando o celular à mão esquerda e desconectando o medidor do laptop - Você deve saber... o que a figura do corvo significa no folclore popular. Impossível você não saber.

- Solidão... azar... maus presságios... principalmente, morte. - disse Carrie, o tom sério. - Nem preciso do deus Boogle pra isso, posso ser uma enciclopédia tão ambulante quanto você.

- Ótimo... - Frank cortara o que iria dizer para dar lugar a um questionamento supérfluo - Espera, você não está na sua sala?

- Ahn... - Carrie tornou seu tom nervoso - Digamos que numa investigação à parte. Nada com que você deva se preocupar ou se envolver. Podemos voltar ao lance do corvo?

- OK... - disse Frank, os olhos estreitados, não minimizando a desconfiança - Não podemos nos basear numa só lenda ou crença, portanto vamos precisar de um material bem aprofundado sobre o simbolismo do corvo.

- Por que? Não acredita que uma ave amaldiçoada possa estar causando essa baderna?

- Olha, só esquece a sua investigação secreta e procura saber o máximo que puder sobre maldições relacionadas à corvos. Não são aves comuns na cidade, mas... não sei, eu preciso tirar uma prova por minha conta e risco.

- Invocar o Anjo da Morte?! - disse Carrie, sua voz alarmada e aguda.

- Não, fica tranquila. Cruzei o rastreamento com o medidor paranormal e... a leitura mais significativa vem exatamente da escola onde a garota perdeu a cabeça pra um ventilador.

- Soube agora há pouco que ela está sendo interditada. - revelou Carrie, direta - O governo decretou suspensão das aulas por tempo indeterminado e luto de três dias pela garota, a Amber. A interdição tem muito a ver com a sequência de mortes acidentais que está chamando atenção da mídia. Não vai demorar muito para chegar a proporções em que as pessoas se vejam compelidas a buscar refúgio fora da cidade. Prevejo um caos nos próximos dias se as coisas continuarem nesse ritmo.

- Não duvido nada disso. - concordou Frank, desligando o laptop - Hoje à noite eu vou até a escola e ver o que descubro.

- Frank, pode ser uma armadilha. - avisou Carrie, parecendo temerosa - Algum tipo de feitiçaria tão macabra a ponto de manipular a realidade, sem escolher alvos. Pode ser um grupo de bruxos querendo favorecer um exílio massivo para assumir o controle da cidade. Eu ouvia histórias de que eles tinha um plano, uma agenda maligna sobre um governo anarquista e opressor. O lance da pena do corvo pode ser uma falsa pista implantada para te conduzir ao rumo que eles esperam que você siga. Tudo se consegue com bruxaria.

- É nessa parte que eu menos gosto de conversar com você. - disparou Frank, honesto - Puxa tudo para o lado das histórias da carochinha que você escutou. Quer saber de uma coisa? Vou seguir meu plano e você faz as pesquisas. Se eu não voltar, você talvez confirme sua "teoria" - fez sinal de aspas com os dedos da mão esquerda - e aí vaza da cidade. Se eu voltar e conseguir algo, tudo bem, vou estar pronto para o que der e vier.

- Sabe o que eu mais odeio em você? Essa sua teimosia! - reclamou Carrie, esbaforida - Ás vezes... sinto até a impressão de que você não confia totalmente em mim. Você lembra dos casos onde lendas se provaram reais e agora que eu chuto uma que pode ter uma ligação com esse massacre você simplesmente acha que pode ser ignorada, que devo me concentrar no que você acredita ser plausível. É isso que detesto em você, Frank Montgrow. Tem que depositar confiança em quem quer seu bem, mesmo que deva contrariar suas opiniões. Sabe porque eu digo isso? Porque... eu não saberia por onde recomeçar minha vida em outro lugar sabendo que você morreu sem dizer um último adeus. Mas se você não sabe ter consideração com o que eu acho, então é melhor fazer a pesquisa sozinho.

- Carrie, não precisa ser assim, tá exagerando...

- A decisão é sua a partir de agora, Frank. Sempre foi do seu jeito. - declarou Carrie, categórica na voz - Tentei ajudar, tentei ser uma boa menina, mas agora chega. Quer arriscar? Vá em frente. Afinal, você trabalha melhor sozinho, só nunca foi honesto o bastante pra dizer isso na minha cara.

A assistente irritada desligara subitamente. Congelado de surpresa, Frank afastou o celular o ouvido lentamente e fechou os olhos em profunda tristeza por como tudo aquilo terminou.

Não bastava ter de enfrentar um inimigo invencível e invisível, ainda teria de lidar com a conturbação de uma das relações mais sólidas que conseguiu manter.

                                                                                       ***

Enquanto o detetive lamentava profundamente o atrito repentino, Carrie ocupava-se em sua " missão ultra-sigilosa-secreta", cujo local de prática era a sala do diretor Duvemport, naquele instante em plena reunião com o Conselho a respeito da pior calamidade desde o último tremor registrado.

Uma brecha perfeita para um plano sorrateiro.

Sentada á mesa do diretor e roendo as unhas em ansiedade, Carrie só tinha olhos para a tela do monitor de LED onde podia-se ver um fundo prateado com uma barra no centro que era preenchida por uma cor verde claro. Na frente dela estava um contador: 90% concluído. Conectado na CPU estava um pendrive novinho em folha e que suportava arquivos amplos.

Já na parte superior da tela estava o nome da secretária do diretor, Megan.

                                                                                       ***

Escola Hans Norbet

Munido de uma lanterna na mão direita e o inaudível medidor na esquerda, Frank vagueava em direção á quadra esportiva com seu olhar afiadamente investigativo esquadrinhando os cantos que mirava com a luminosidade. Contra sua própria moral, teve de nocautear um dos vigilantes que guardava os fundos do colégio a fim de conseguir a chave que abria os portões.

Enquanto a lanterna e sua luz rasgava a escuridão, o visor retangular do medidor apresentava cinco minúsculos traços luminosos verticais e vermelhos (de um total de 20). Cada traço equivalia a uma frequência de 15 hertz.

O detetive pisou seus pés na ampla quadra, desligando e guardando a lanterna e concentrando-se na leitura cujo aumento progredia rapidamente a cada passo. Das janelas do alto das paredes a luz azulada da lua atravessava e banhava o chão do espaço.

Frank passou por um dos fachos do luar, aproximando-se de uma cadeira pequena e estranhando encontra-la por ali no centro da quadra. Assim que alcançou dois metros de distância, os últimos traços do medidor preencheram o visor em um milésimo de segundo. Para dar ênfase ao limite de assinatura, havia um ponto de luz com um vermelho mais vivo na lateral direita do aparelho, piscando intermitentemente.

- Cacete... É aqui mesmo. - concluiu Frank, ora olhando o medidor, ora fitando o centro da quadra. Guardou-o, para depois sacar seu celular. Porém, a mão que entrou no bolso parou antes de toca-lo. A lembrança da divergência com Carrie o fez entender que os ânimos exaltados não afetou o instintivo movimento de ligar para sua melhor amiga logo ao confirmar uma teoria. Ao desistir, suspirou longamente em meio ao silêncio irretocável... estando deste modo até ele escutar um farfalhar veloz de alguma coisa voando atrás dele.

Outro movimento automático foi Frank virar-se sacando sua arma e apontar para cima, da direção que achava ter vindo o rápido barulho.

A "sombra" voadora passara por detrás dele com mais audácia, pouco mais próximo de sua cabeça.

Virando-se com fervor no rosto, Frank trincava os dentes em aborrecimento. Andou até passar pela cadeira, posicionando-se exatamente no centro da quadra.

- Muito bem, espertinho. Não sei se falamos a mesma língua, mas... eu não estou nem um pouco a fim de brincar de esconde-esconde. Então, é melhor você descer, ficar cara á cara comigo e resolvermos isso de uma vez por todas porque vidas humanas estão sendo ceifadas aleatoriamente. Isso é muito covarde, sabia?

- Eu concordo. - disse uma voz soturna que Frank escutara como se tivesse um outro cara em sua mente. O detetive virou-se com o cenho franzido, suas pupilas vasculhando os arredores da quadra. - Aqui embaixo, seu lerdo. - disse ele novamente, em tom provocativo.

Frank olhou para a cadeira à sua frente onde um corvo estava apoiado no encosto. A ave o encarava friamente.

- Foi mal. Eu assustei você? - perguntou ele para Frank que demorou alguns segundos para processar o fato da voz estar vindo do corvo diretamente à sua cabeça.

- O que... O que tá acontecendo aqui? - se perguntou ele, ligeiramente amedrontado. Apontou para o corvo como ar cético - Você não estava aqui antes... - olhou ao redor mais uma vez - De onde está vindo essa voz?

- De mim, seu idiota. Eu, esse corvo que você está vendo bem diante das suas fuças, é quem está te falando isso. Será que dá para você recompor sua posição de investigador para finalmente conversarmos como adultos?

- Você falando comigo... na minha mente?! - apontou para a própria cabeça - Ma-mas... - o detetive esforçava-se para permanecer calmo. Respirou fundo, olhando para o chão - Tudo bem... eu não estou louco, isso não é nenhuma ilusão que o Anjo da Morte está fazendo você sofrer, você está perfeitamente são Frank...

- Ai, ai... - lamentou o corvo, impaciente - Vou precisar te bicar pra você entender que sou eu bem aqui na sua frente que está tentando conversar? Vê se me nota, seu detetive mequetrefe!.

- Opa! Posso ser muitas coisas, menos mequetrefe. Sei fazer meu trabalho e com muita dedicação. Ouviu bem? - disse Frank, com o dedo indicador esquerdo apontado para o corvo.

- Agora melhorou. - disse o corvo, satisfeito - Aliás, eu estava esperando por você.

- Espera aí, por mim? - indagou Frank, franzindo o cenho.

- Sim, a pessoa que viria para fazer o pacto. - disparou o corvo, sem dar maiores detalhes para o enfezamento do detetive.

- O quê? Pacto?! Que pacto? - questionou Frank, irritado - Ou você é o Anjo da Morte em carne e osso ou não passa de um emissário. Afinal, como ditam as lendas, corvos possuem ligação com a morte. Daí, no meio da investigação, coincidentemente me aparece um e que misteriosamente consegue falar por telepatia e, além disso, é um baita de mal-educado ao passar perto de mim como se fosse uma assombração... - parara de falar ao notar a presença não muito distante de um dos poucos sem-teto que ocuparam a escola secretamente e a usam como um lar. O homem era negro e possuía uma barba cinza volumosa, roupas esfarrapadas e um gorro cinza. Ele encarava Frank com suspicácia.

Desconcertado, o detetive sorria nervoso para o mal-trapilho homem.

- De vez em quando... eu falo com os animais... como se eles fossem... - deu de ombros, sem ideias - ... meus amiguinhos imaginários. Vício de infância que arrastei até essa idade, sabe... - seu sorriso forçado ia desfazendo ao dar-se conta de que pouco convencia.

O homem balançou devagar a cabeça, como que desaprovando-o e retomou seu caminho.

Ao andar, os olhos dele converteram-se em um preto intenso, indicando claramente estar possuído por um demônio. Ele sorriu cinicamente.

- Essa cidade está cada vez mais perdida. - disse ele para si mesmo.

- E cuidado com os vigias, hein! - avisou Frank em tom alto, com uma mão aberta perto da boca.

 - Podemos continuar de onde paramos? - perguntou o corvo, apressado.

- Tá legal. Que palhaçada é essa de pacto? - quis saber Frank, reassumindo a face séria. - Por acaso, você é um tipo de porta-voz do Anjo da Morte, recebe recompensa por fazer barganhas? - inclinou-se para ele com rudeza - Por que está aqui? Aliás, o que explica as penas nos locais das mortes? Elas são suas? O Anjo da Morte tá te depenando sem que você perceba?

- Em primeiro lugar: Ele forjou essas penas para que eu saísse incriminado por ter certeza de que eu iria ao seu encontro. E em segundo lugar: Todo esse auê está acontecendo por minha causa. Pelo fato de eu ter vindo a esta cidade.

- Bom saber. Quê mais? "No fim das contas, a Carrie estava com razão sobre provas falsas", pensou.

- E em terceiro lugar: Tive que achar um local apropriado para emitir toda a minha... aura e atrair quem estivesse a par da situação. Quando soube da interdição dessa escola, voei o mais rápido que pude e me instalei aqui para fazer meu chamado. Não estava muito esperançoso, mas... enfim, você chegou, é minha salvação.

- Salvação pra quê? Eu quero saber logo: De que vai servir um pacto com você pra parar as mortes? - perguntou Frank, estreitando os olhos para o corvo.

- Não só para dar um fim na carnificina, mas também salvar a minha vida.

- Seja mais direto. Quero saber da sua ligação com ele. - disse Frank, insistente. Mostrou o medidor - Tá vendo isso aqui? A leitura máxima está vindo de você. Tanta carga pra chamar alguém que você vai confiar uma barganha? Com toda essa marra, o mínimo que eu podia esperar era você peitando ele e não você se escondendo feito um passarinho assustado.

- Não estou com medo. - enfatizou o corvo - O problema está nessa cidade. Assim que cheguei, pude sentir uma energia sobrenatural que me surpreendeu, quase fiz cocô em cima de alguém. Toda essa energia desestabilizou minha ligação com ele e o deixou insano. Quanto mais ele mata, mais fraco me torno. Não vou contar do nosso passado juntos, é uma longa história. Portanto, só foca no que vou te dizer para você fazer.

- Então... é isso. - disse Frank, pensativo por um instante - A falha está emitindo radiação paranormal. E com sua visita, você ligado ao Anjo da Morte, logo o trouxe junto e resultou nesse descontrole.

- E a chave para acabar com isso está em você... Frank. - disse o corvo, impressionando-o ao dizer seu nome. - É, quando eu quero posso invadir a privacidade das pessoas. Enfim... você é a pessoa certa. Não, é a pessoa perfeita. O modo correto de parar a calamidade é tornando você o único alvo potencial.

- Como é que é? - perguntou Frank, não gostando nada do que poderia vir dessa ideia. - Se eu entendi direito... Você quer que eu carregue todo o fardo de ser uma vítima em tempo integral até vir me dizer quando acabou?! Se é assim, eu passo. Não ia durar um dia lá fora.

- Não precisa ser um dia. - salientou o corvo, olhando-o - No máximo, da alvorada ao crepúsculo... de amanhã. Esse ritual é o único jeito de restaurar o equilíbrio. Você sai daqui marcado, sobrevive e volta ao mesmo local com o Anjo da Morte na sua cola. Não podemos nos encontrar por ele ser invisível e cobrir seus rastros, mas se você tiver um ás na manga talvez eu o veja e vamos restabelecer nossa união.

A hesitação em Frank mostrava-se cristalina.

- Por que eu deveria confiar em você?

- Não em mim. Mas em si mesmo. - disse o corvo, lentamente baixando sua cabeça - Você parece um cara legal, mas depois que terminarmos tudo... vou embora daqui para nunca mais retornar. Isso é uma promessa, desde já me desculpa por ter trazido esse problemão pra sua cidade.

- Não esquenta. - disse Frank, aparentando compreensão - Você não sabia.

- O que está esperando? Minha coluna está doendo. - perguntou o corvo. - Basta tocar na minha cabeça e toda a maldição vai recair sobre você. É só seguir como manda o ritual. Depois do anoitecer, volte para essa escola... se sobreviver, é claro.

- Tá, já entendi. - disse Frank, erguendo relutantemente sua mão direita em direção ao corvo - Só que eu não ia adivinhar que pra selar esse pacto tinha que te tocar.

- É, percebi que não é muito esperto. - disse o corvo, provocando-o.

A mão de Frank tocara a cabeça do corvo suavemente. O detetive, com os olhos fechados, sentiu um desconforto percorrer todo o seu corpo. Seus olhos abriram de imediato completamente brancos, em seguida fecharam e se apertaram devido a intensidade da carga a ser suportada.

- Não precisava ser tão pesado.

- Não precisava apertar tanto. - retrucou o corvo, erguendo a cabeça - Agora está pronto. Todos os alvos converteram em um só. Eu sei, é um fardo e tanto. Vai ter que se virar sozinho até o fim. Começando já quando acordar.

- Se eu acordar, né? - disse Frank, ríspido. - De repente, uma bigorna pode esmagar minha cabeça antes que eu abra os olhos.

- É, talvez. - disse o corvo, propositalmente desesperando-o - Brincadeira. Ele não cria coisas do nada pra agilizar o trabalho. Ele é metódico, pensa em cada detalhe. Começa a valer no primeiro segundo depois de você acordar. OK?

Naquele instante, Frank nunca antes sentiu que necessitava da presença de Carrie ao seu lado. Nunca antes sentiu-se tão sozinho. Desviando o olhar do corvo para o nada, o detetive passou lentamente a mão na boca em sinal de preocupação angustiante.

                                                                                          ***

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                                                                                07:42
                                                        _________________________________

Frank derrubara uma porção de cereal em uma tigela branca, tranquilamente em seu balcão da cozinha. Mordiscou um para provar.

Após ter certeza do bom sabor, entretanto ocorreu um inesperado problema.

O detetive começara a tossir gradativamente, sentindo-se engasgado. A tosse aumentara a ponto de fazê-lo ajoelhar-se à medida que ele tentava "regurgitar" o pedaço batendo com a lateral do punho direito fechado no peito. Caso houvesse um espelho ali perto, certamente se espantaria com o quão vermelho estava seu rosto. "Ai, que merda. Então já começou!", concluiu ele, extremamente desesperado.

Ergueu um pouco seu corpo, apoiando-se no balcão com uma mão, a tosse incessante fazendo sua garganta arder agudamente com o ar lhe escapando a cada segundo. Em seguida uma garrafa com leite para sua salvação. Por sorte, estava destampada, logo a pegara embebendo-se desajeitadamente até derramando em sua roupa e no piso.

Suspirou aliviado ao sentir ter finalmente engolido, a boca aberta encharcada de leite. Era apenas uma fração do que estaria reservado para ser o pior dia de sua vida.

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                                                                                  09:25
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Durante sua andança por uma calçada, um dos seus celulares tocara. D. Duvemport estava chamando.

- Alô, diretor. - disse Frank, atendendo com rapidez. A postura do detetive mantinha-se travada e um tanto insegura, afetando até mesmo seu tom de voz que soava meio trêmulo.

Duvemport estava em sua sala, vendo a reportagem mais assistida do momento pelo computador.

- Frank, está em casa?

- Não. Eu estou vo-voltando... - estacou ao ver uma apresentação pública de dois braços mecânicos desenvolvidos por um engenheiro, como um trabalho para arrecadar fundos a uma universidade à beira da falência, que atirava facas em um grande alvo vermelho e branco montado à sua frente. No centro do alvo estavam grudadas algumas maçãs a serem atingidas pelas facas. - Ah, essa não... - disse ao notar a velocidade e a precisão com a qual o "robô" arremessava as lâminas. - O que... O que é que foi? Algum problema, diretor?

- Se está voltando para casa, é uma boa hora para arrumar as malas. - sugeriu Ernest, com urgência. - A situação está completamente fora de controle. Só ontem foram mais de 20 mortes, pessoas estão morrendo em acidentes inusitados, está tudo um verdadeiro caos lá fora!

- Diretor, a Carrie não lhe repassou as informações que consegui?

- Ela não veio hoje, disse que tinha hora marcada no quiroprático. Mas vou relevar essa desculpa por toda essa confusão. Não nos falamos desde ontem. - fez uma pausa, desligando a TV Online - Seja lá o que for, conseguiu provocar um tremendo de um frenesi coletivo.

- Não adianta tentar me convencer, diretor. - declarou Frank, decisivo. - Olha... eu vou ter que desligar, estou tendo um dia péssimo. Nem deveria ter saído de casa.

- Frank, escute-me com atenção. - pediu o diretor, fazendo o detetive revirar os olhos - Como seu chefe, eu ordeno, por sua segurança, que saia da cidade enquanto ainda lhe resta tempo ou enquanto as estradas não estiverem muito congestionadas. Eu, você, qualquer um desse departamento, à medida que o tempo passa, pode se tornar uma vítima dessa força maligna. Tem gente dizendo se tratar do fim do mundo. Lembro que interrogou um demônio que afirmou sobre algo grande afetar a cidade. Será essa tal a profecia apocalíptica dele?

- Di-diretor... Me responde uma coisa: Existem dados estatísticos sobre mortes ocorridas hoje de manhã cedo? - perguntou o detetive, ignorando propositalmente a questão.

- Não que eu saiba. - respondeu Ernest, lacônico - Você não vai dar o braço a torcer, né?

- Se a Carrie aparecer aí diz á ela que... Não, melhor não dizer nada. Tudo vai ficar bem, diretor. Não se contagie com o pânico dessas pessoas. - recomendou Frank, logo encerrando a ligação e respirando fundo quanto a atravessar o obstáculo.

Caminhou hesitantemente para cruzar a perigosa linha. Com a expressão de pavor pelas facas que eram atiradas velozmente perto do seu corpo, o detetive andava de um modo que chamou a atenção.

Logo ao final, uma delas passou de raspão... pelas costas de Frank, fazendo um rasgo no sobretudo. O agente do DPDC caiu devido ao susto.

- Ei, você tá legal? - perguntou o jovem engenheiro, preocupado. - Se machucou?

- Tu-tudo bem... - disse Frank, levantando-se e tocando no rasgão atrás de si - Foi sorte que só na roupa. - falou, sorrindo nervoso para o rapaz.

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                                           10:12
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Naquele momento perambulando por uma rua mais aberta e espaçosa, o detetive tentava persistentemente comunicar-se com Carrie, mas nenhuma tentativa surtia efeito. Perto dali havia alguns tratores e um guindaste equipado com uma grande bola de demolição que destruiria um pequeno prédio de uma companhia de seguros desativada há anos.

- Vamos, Carrie. Para com essa besteira. OK? Me desculpa, não quis menosprezar seu valor. Me liga, tem algo que preciso te falar. - dissera, apertando o botão de enviar mensagem, desistindo de tentar novas vezes.

Antes que pudesse guardar o celular no bolso, Frank olhou à sua direita por conta de um barulho estrondoso e próximo ter o alarmado.

A bola de demolição rompeu da presilha da corda que a sustentava, rolando exatamente na direção do detetive. Os trabalhadores da obra corriam até ela desesperados.

Frank, por sua vez, pulou para o lado rapidamente, batendo seu corpo com força no chão e logo sentindo doer as costelas e o chão vibrar pela bola de aço estar rolando incontrolavelmente.

- Ai... - gemeu em dor, tocando o abdômen, olhando os homens correrem em polvorosa e aos gritos. - Já tá começando a apelar...

                                                                   _______________________________

                                            15:48
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Preso em um engarrafamento em uma via de mão dupla, Frank, com uma só mão sobre o volante, continuava tentando entrar em contato com Carrie por telefone, SMS e redes sociais, mas nada parecia adiantar. "Droga. Ela ficou mesmo irada comigo. Vou até a casa dela? Não, Frank, péssima ideia. Abro o jogo com o diretor e peço pra ele repassar a informação? É o mínimo que eu podia fazer...". O barulho incessante das buzinas abafava até o som de sua própria voz.

- Faz essa fila andar meu povo! - gritou Frank, com a cabeça fora da janela do sedã prata, visivelmente explosivo. Em demonstração de raiva, também buzinou. Não tinha reparado em um numeroso grupo de jovens homens e mulheres que faziam panfletagem. Um deles viera até o detetive.

- Senhor, é um recado da Associação Religiosa de Danverous City sobre o mal que está para emergir. Tenha uma boa tarde e busque os caminhos de Deus. - disse o rapaz, indo embora depressa.

Frank lera cada palavra do relato de um dos membros que fazia apelo para a população abandonar a cidade e salvarem suas almas de serem tragadas pelo diabo.

- Só me faltava essa... - disse ele, estreitando os olhos e julgando o ato como uma estupidez sem tamanho. - O capeta é o ser sobrenatural mais acusado injustamente que existe.

Uma explosão estrondosa fez o chão vibrar intensamente como um tremor de terra de milissegundos.

Um bueiro próximo do sinal vermelho havia explodido de repente, cuja tampa redonda e pesada voara numa trajetória curva decrescente... encaminhando-se na direção do carro de Frank.

O detetive observou a tampa voar ao seu encontro e tentara sair do carro o mais rápido que poderia. Porém, viu as portas trancaram-se sozinhas.

- Ah não, ah não... - dizia ele, frustrado. Sacou sua arma e atirara no vidro da janela á sua esquerda. Rastejando, saíra por ela e foi seguindo de quatro até a calçada. A tampa esmagara brutalmente os vidros retrovisores e a lataria do teto e capô em um impacto que assustara a todos que ali estavam perto - existiam pessoas filmando com o celular.

Vendo seu sedã prata retorcido, Frank sentiu sua sina piorar de um jeito que acreditava estar quase no limite. No entanto, a fumaça densa que saía do motor o fez arregalar os olhos e temer outro efeito.

O amassado carro explodira com estardalhaço que de atrair todas as atenções, a nuvem de fogo subindo. O impulso da explosão fizera Frank ser lançado contra uma vidraça de uma loja fechada, suas costas estilhaçando o vidro em ínfimos pedaços até colidir contra uma parede.

Como se não bastasse, a parte inferior de um poste próximo da loja rachara-se por inteiro, consequentemente ocasionando sua queda para o ponto onde Frank estava sentado se vendo em dores nas costas.

O detetive apenas se limitou ao usar os braços para "se proteger" do teto que desabava. Alguns fios de alta tensão caíam ao seu redor junto a pedaços de concreto. Com o rosto sujo de poeira, Frank assistia a si mesmo em um flerte claríssimo com a morte. O poste quase partiu em dois poucos metros de seu rosto quando achava que a parte superior o mataria eletrocutado - esta caiu além daquele ponto. Respirando pela boca e com dificuldade, Frank tinha certeza que o próximo poderia ser mortal, preciso e definitivo.

Só precisava, naquele instante, arranjar uma maneira de sair dali sem encostar nos fios que estralavam e faiscavam perigosamente se movimentando como serpentes tresloucadas.

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                                         16:52
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A calçada da casa do detetive se encontrava infestada dos mesmos panfletos alarmistas que ele recebeu durante todo o caminho. Os papéis brancos se misturavam ás folhas secas que pairavam com o vento. Um deles voou até Frank, pegando quase no seu rosto.

- Mas que... merda. - reclamou ele, amassando o panfleto e jogando fora.

Os latidos "hiper-sônicos" do pitbull do seu vizinho o fizeram estacar na hora. Olhou à sua direita com temor e fitou o cão latir ferozmente à sua presença, salivando constantemente. A insistência do animal aumentou de modo que a corrente que o prendia estava prestes a romper da parede de sua casinha, muito em função do porte físico dele que era sempre alimentado com rações especiais. Naquele instante, Frank teve certeza absoluta de que o cão tentaria facilitar um ataque.

- Ei, calma aí totó... - disse Frank, erguendo de leve as mãos, mas recuando um passo.

Pelo que pareceu, sua voz o irritou ainda mais com os latidos lhe dizendo ser um alerta vermelho.

A corrente, por fim, rompera-se, promovendo a soltura do cão que imediatamente correu ao ataque.

Frank se lançou até sua casa em disparada, suas pernas correndo tão rápido pela primeira vez em muitos anos. Pulou a cerca baixa de madeira, a ilusão do latido tão potente em seus ouvidos lhe fazendo sentir que o pitbull enfurecido já tinha o alcançado.

Pisando suas botas no gramado banhado pelo sol da tarde, foi em direção à porta da frente sem olhar para trás. Girou a maçaneta, mas a fechadura parecia trancada quando anteriormente não tinha sido.

- Vamos, vamos... - dizia ele, olhando rapidamente pra trás e balançando a maçaneta com toda a força movida pela aflição. O pitbull pulara sua cerca de forma quase atlética. Devido à força aplicada, a maçaneta quebrou-se da porta, espantando-o. - Merda.... - avistou uma pedra do tamanho de um tablet na grama, pegando depressa e jogando-a na janela cujo vidro estilhaçou com grande barulho.

O detetive jogou-se para dentro da casa pela nova abertura criada desesperadamente, porém o pitbull conseguira morder, ao menos sua calça, tentando rasga-la como carne crua.

- Solta! - gritou Frank, sua perna esquerda ainda quase do lado de fora ameaçada de ser mordida. Balançou a perna tentando chuta-lo, mas libertou-se devido a saliva do cão fazendo a calça "deslizar" por entre seus dentes. O detetive levantou-se correndo até a escada, não duvidando que o pitbull entraria e continuasse sua caçada incansável.

Dois lances de escada até o seu quarto. Frank encontrou a porta escancarada para seu alívio. Infelizmente, logo ao entrar e tentar tranca-la, a fechadura não encaixava.

- Caramba! - esbravejou Frank, no limite da agonia. O cão já havia passado a primeira escada, com perigo de proximidade ao quarto. Frank bateu a porta repetidamente, mas era inútil. A última tentativa quase o fez pôr o coração para fora, vendo a mandíbula feroz do cão passar pela brecha. Forçou um empurrão para barra-lo. Conseguiu fechar, mas usando suas costas como "tranca".

- Não vou virar seu jantar hoje. - disse Frank, ofegando, sentindo suas costas serem maltratadas pela porta.

O pitbull batia sua cabeça contra a porta, dobrando o esforço do detetive em mantê-la fechada.

Olhou no seu relógio de pulso. Eram 17 horas em ponto.

- O sol logo irá se pôr. Só mais uma horinha e isso acaba. - olhou para a extensão do quarto - Agora como é que eu saio dessa?

                                                                                        ***

Escola Hans Norbet - 18h22

O ar gélido que indiciava a chegada do inverno estava dando seus primeiros sinais naquele início de noite nada tranquilo para o detetive mais requisitado do DPDC.

Frank, sem lanterna ou medidor, entrara no prédio onde ocorriam as competições esportivas, sendo cauteloso a fechar a porta. Quando ia dar o primeiro passo em direção à quadra, uma mão foi sentida tocando seu ombro esquerdo.

- Ei, você. - disse um sem-teto, não sendo o mesmo que flagrou Frank conversando com o corvo. O detetive se virou estremecido.

- Ei digo eu. - sussurrou Frank, irritado - O que você quer? Não devia estar com sua turma?

- Fiquei para trás e só você pode me dizer onde é a saída. Eu te vi ontem, praticamente nesse horário.

- Ah, então você me espionou falando com o corvo. - arriscou Frank, o olhando com reprovação - Deixa eu adivinhar: Aquele seu amigo com um gorro na cabeça te falou sobre mim, não foi?

- Não, eu saí quando você sacou a arma, pensei que fosse algum tipo de matador sem regras. - disse o homem, sua postura insegura diante de Frank. - Ele saiu agora há pouco, correndo, não quis dizer o porque. Mas me fala aí: O que você veio fazer? Tinha um pássaro voando no teto, mas não ouvi você falar.

- Olha, não é da sua conta. Melhor sair daqui, antes que... - a frase de Frank foi interrompida por um rangido metálico e alto. O detetive ouriçou sua atenção, congelando sua face em apreensão. Tocou o sem-teto no ombro - Anda, sai daqui, é perigoso. - sua voz elevou-se sem que ele percebesse.

O homem cedeu ao pedido motivado pelo quanto o investigador que lhe era misterioso fazia parecer uma ameaça para não ser assistida.

- Seja lá o que tenha sido, vou indo nessa. Essa escola deve ser assombrada! - disse ele, correndo pelos cantos opacos até seus passos ficarem inaudíveis.

Entrando na quadra às pressas, o detetive vasculhou ao redor à procura do corvo.

- Cadê você? - se perguntou Frank, andando lentamente. Os ruídos rascantes voltaram com mais força, fazendo-o olhar para cima. Parafusos caíam aos montes enquanto pedaços das vigas de metal que sustentavam o teto ameaçavam ceder. No entanto, Frank constatou estarem se partindo.

Um parafuso caiu com a ponta para baixo em sua testa, deixando um corte raso. Passou a mão na ferida e seu instinto de sobrevivência o levou a correr pela quadra. Os pedaços de metal começavam a desabar, como se estivessem sendo jogados por telecinesia, tendo o detetive precisar desviar de todos eles, acelerando o passo.

- Disse que tudo estaria acabado quando eu voltasse! Aparece!

Uma viga caíra com impacto poucos centímetros á sua frente, derrubando-o no chão. Levantando-se rápido, Frank correu em direção ao outro lado, mas foi pego de surpreso com um pedaço de ferro comprido cravando em sua perna esquerda certeiramente.

Caiu de frente ao piso bradando um grito de dor ecoante. Nunca antes sentira uma dor tão lancinante.

- Vai me deixar morrer? - perguntou ele, bravo pela suposta traição. Mais duas vigas caíram à sua esquerda e direita. - Se assim for, você não passa de um covarde! Não manteve sua palavra!

Sua ira o estava cegando quanto ao crucial detalhe que escapou de um dos seus bolsos. Quando o enxergou, uma centelha de esperança preencheu todo o vazio que o medo da morte deixava.

- Não pode ser... Cacetada. - disse, sorrindo fracamente ao ver um pequeno cilindro preto bastante familiar.

"Uma bomba luminosa que o Chris me deu de reserva naquele caso do Devorador... é o modelo compacto... e é o Anjo da Morte. Então é oito ou oitenta!". Tal versão funcionava como uma granada.

Tentou esticar o braço o mais longe que pôde para alcançar o objeto. Sentiu um arrepio profundo eriçar todos os pelos da nuca e dos braços que anestesiou temporariamente a dor da ferida na perna. Ao olhar para trás, notou uma sombra se dividir adquirindo formatos de uma mão com unhas enormes e pontiagudas.

Rastejou um pouco para melhorar o alcance antes que a sombra sibilante chegasse aos seus pés. Mas a dor voltara a tortura-lo ao menor movimento, fazendo-o apertar os olhos e os dentes.

Pensou ter escutado um farfalhar conhecido... Não estava alucinando devido ao medo ou a dor...

Olhou para cima e viu as estonteantes asas negras do corvo baterem em sua direção.

- Toma! - disse a ave, baixando o voo e batendo as asas para criar um impulso de vento forte o suficiente para aproximar a bomba ao detetive.

- Valeu! - agradeceu Frank, pegando-a e logo em seguida retirando a tampa com a boca. Passou-a para a mão esquerda e, enfim, a jogou no ponto onde a aterrorizante sombra serpenteava.

Uma explosão instantânea fizera a noite na quadra da escola virar dia.

A luz branca refulgiu por todo o espaço, com fachos atravessando as janelas para o lado de fora.

Frank se esforçou para ignorar a claridade e observar, por um curtíssimo tempo, a verdadeira forma do temível Anjo da Morte. A sombra estava numa forma humanoide que se afastava para uma parede, destacada pelas asas quebradiças e parecidas com as de morcegos que se contraíam progressivamente... até, finalmente, "destruir-se" por completo diante da potência da luz.

Todo o fulgor cegante diminuiu em rápida velocidade com o esgotamento da bomba.

Frank sentia o sangue escorrer e gotejar da ferida dolorosa, expressando desconforto no rosto.

- Foi mal pela demora. - disse o corvo, pousando no chão.

- Pensei que tinha amarelado. - disse Frank, brincalhadamente provocando-o.

- Lembra de algum momento em que admiti estar com medo? Não. Agora está me devendo um favor.

- Como disse? - indagou Frank, olhando-o com estranheza - Não ficou satisfeito com o que acabei de fazer? Tinha dito que as ações do Anjo da Morte faziam você estar com os dias contados. Eu salvei sua vida!

- Tudo bem, vou pensar em algo melhor depois. - disse o corvo, enigmático. - Pode sair pelos fundos, a barra está limpa.

- Com essa coisa na minha perna? Vai ser moleza.

- Sem problema. - disse o corvo, olhando fixamente para o ferro cravado na panturrilha esquerda do detetive. O emudecimento repentino da ave foi explicado quando Frank sentiu o pedaço de metal se mover dentro da ferida... como se estivesse saindo.

Após desencravado, o ferro caiu no chão com um ruído ínfimo.

Frank o fitou por alguns segundos, impressionado.

- O que você é, afinal? - questionou ele, intrigado.

- Sou alguém que sente falta de ajudar pessoas como eu faria com você. - respondeu ele, sem estar muito à vontade para falar sobre sua história.

- Isso não me responde minha pergunta, mas... - sorriu de canto - O que importa? Obrigado, mais uma vez.

- Agora são dois favores. - disse o corvo, propositalmente fazendo-o olha-lo de cara feia. - Brincadeira. Você salvou minha vida. Estamos quites.

- Me tira uma dúvida: O Anjo da Morte pareceu ter sido... desintegrado. Ele morreu? Eu tive um dia terrível hoje, mas tenho a sensação de que... não sei, fui presenteado com uma sorte absurda.

- Isso explica eu ter dito que você era a pessoa perfeita. Você é certinho demais. - disse o corvo. - Até certo ponto, ele só punia pessoas que cometeram atos que vão do extremo ao médio nível. No mais, um período de 8 dias seria o máximo para ele chegar a alvejar criancinhas que matam formigas por diversão.

- Peraí, então quer dizer que faltou isso aqui - disse, fazendo sinal de "menor" com o polegar embaixo do indicador - para ele chegar a matar crianças pimentinhas? Nossa... Mas tem um detalhe: Se eu fui tão correto essa minha vida toda, logo não faria sentido fazer o ritual, eu estaria imune o tempo todo, porque... eu simplesmente podia ter invocado o Anjo da Morte e mata-lo com a bomba.

- Mata-lo? Você quer me matar de rir falando assim, não é? - disse o corvo, debochado.

- Eu não o matei? - perguntou Frank, meio desanimado - Fiz só... despacha-lo?

- O baniu por tempo indeterminado. Mas quando voltar, já terei ido embora daqui há tempos. - explicou o corvo, direto. - Ele é uma força da natureza, não pode ser destruída por meios tão... convencionais, por mais que seja verdade que a luz seja a fraqueza das trevas sendo ele um ser devotado às trevas, sua bombinha não basta para aniquila-lo.

- OK, entendi. - disse Frank, meio desapontado com os fatos - Tenho que ligar pro meu chefe... preciso de uma carona. - olhou para o corvo com pretensão - A menos que você saiba se teletransportar.

- Foi recolhido do pacote. Lamento. - disse o corvo, preparando-se para alçar voo. Virou a cabeça para o detetive - Toda a barulheira chamou atenção, então a polícia ou os bombeiros não vão demorar pra apanhar todo esse lixo. - disse, referindo-se às vigas de aço cravadas no chão.

- Ainda vou te ver de novo? - perguntou Frank, interessando-se em conhece-lo.

- Não nesse território fragilizado. - disse o corvo, querendo sair dali rapidamente.

- Você tem um nome? - quis saber Frank, curioso.

- Costumava ter. - respondeu o corvo, misterioso.

- Bem, já que aparentemente você não lembra ou não quer dizer seu nome real, vou te dar um. - disse Frank, fazendo um suspense - Que tal... Raveno?

- Eu pareço um bicho de estimação?

- Não, mas pode ser tão companheiro quanto um.

- Não se engane, as únicas pessoas que apreciam minha companhia são os cadáveres que não querem ser zumbificados.

- Então, você mora num cemitério? Ou numa floresta com seus amigos carniceiros?

- Bem, tecnicamente moro de favor lá. - respondeu o corvo - E minha dieta é balanceada. Além disso, meus dois únicos amigos são um coveiro mal-humorado e uma garota órfã, costumo contar minhas histórias pra eles, acho que devia conhece-los. Viaje para a Inglaterra e procure pelo cemitério mais precário da capital.

O detetive não conteve a risada.

- Londres, não é? Interessante, ganhei um amigo britânico. Pode deixar, eu vou visita-lo. É uma promessa. - deu uma piscadela à ele.

- Então a gente se vê. - despediu-se o corvo, batendo as asas e voando em direção indefinida para alguma brecha que pudesse atravessar para sair da escola. Suas asas ganharam um tom admirável ao passar pela luz da lua.

Frank ficou a observar por um tempo... sentindo uma satisfação genuína sobre aquele novo e peculiar amigo.

                                                                                     ***

Confessionário

Sou obrigado a admitir com veemência: Hoje foi, definitivamente, o pior dia que já vivi. Estou gravando isso aqui à força, acabei de voltar do pronto-socorro depois da última sequência de tentativas da morte me fisgar feito isca no anzol. Sim, não ouviram errado, eu enfrentei a morte e driblei seus esforços. Não fosse pela minha experiência, modéstia à parte, teria sido mais um número nas estatísticas. Vocês que ficaram antenados nas notícias, devem ter lembrado de um filme, certo? Aquele do cara que prevê a explosão do avião. Acho que até eu lembro de ter visto uma vez. 

A questão que fica em vocês, caros ouvintes, é de como eu escapei. Bem, descobri uma receita secreta para fugir da morte sempre que uma loucura dessas voltar a acontecer. Mas saibam que ela não gosta de ser enganada. Não mesmo. Portanto, nada de ir procurando rituais de invocação para benefícios próprios. Estabelecer contato com forças ocultas deixa sequelas irreversíveis. Fiquem avisados, mantenham distância de qualquer influência quanto a isso. 

Mas... nenhum desses perrengues infernais que passei hoje se compara à uma amizade abalada.
Não acho que a perdi... eu sei que essa harmonia vai se reerguer, uma hora ou outra, de um jeito ou de outro. O que estou fazendo? Falando dos meus problemas pessoais desviando do assunto... Me desculpem se o caso de hoje não lhes pareceu tão interessante. E se alguém achou interessante, siga meu aviso. 

Até breve. 

                                                                                        ***

A secretária eletrônica de Frank emitiu seu bipe indicando estar ligada.

Sentado no sofá, o detetive, usando uma camisa branca, aproximou sua boca ao auto-falante para proferir a mensagem, numa nova e não tão esperançosa tentativa de retomar contato com Carrie. Viu aquilo como a última chance, embora soubesse que a veria de qualquer forma quando voltasse ao DPDC após se recuperar do ferimento na perna - algo que caiu como uma luva justo na época das festas de fim de ano que se aproximavam que significava o recesso do departamento, atribuindo a responsabilidade pela segurança da cidade à polícia comum nesse período. Por um lado, era chato para Frank ter de ser prisioneiro na própria casa até o início do próximo ano, sem ter que tradicionalmente ir à caça de monstros em aproveitamento daquela deixa indispensável. Mas por outro... imergir numa zona de conforto como uma variação esperadamente benéfica até que não lhe caía mal.

Tinha abaixado o volume da TV para concentrar-se no recado. O noticiário ainda não havia começado. Pigarreou fraco, pronto para dizer.

- Eu não tenho certeza se vai ouvir o que tenho pra falar, mas ainda sim vou insistir mais um pouco. Você tinha razão sobre mim. Fui um tremendo de um desonesto. Eu agi feito um babaca com você ontem, então, por favor... me perdoa. Você se tornou uma das coisas mais importantes que pude ter na vida. Não, não quero que pense que eu esteja querendo confessar outras... coisas que as pessoas andam suspeitando, eu só preciso mesmo esclarecer tudo entre nós. Senti falta... de ouvir sua voz nas ligações onde eu tentava chama-la, eu... Realmente houve um momento no qual sua presença seria um porto seguro, onde eu me sentiria confortado... talvez protegido. Foi aí que me dei conta... de que meu trabalho sem o seu não significa nada. Você é a coisa mais importante que soma ao meu trabalho, à minha missão de vida... Missão que foi confiada à mim pelo meu pai. E sobre honestidade... é hora de você ouvir umas verdades que mantive ocultas até agora e também explica aquela minha reação quando disseram que iam colocar uma tornozeleira em mim na semana passada. Meu pai... ele foi morto por uma criatura sanguinária que ronda a cidade de Vanderville. Em algum momento próximo, eu vou dar cabo desse monstro em vingança pelo meu exemplo de vida. E ninguém vai me impedir. É uma missão suicida, mas é o meu destino executa-la sem ter medo de como vai acabar. Se quiser saber o resto da minha mortífera aventura com o Anjo da Morte, é só me ligar, sei que essa briguinha boba não fez você apagar meu número. Por favor, me desculpa.

Enviara. Depois restava apenas aguardar a improvável resposta.

Frank sentou-se melhor, pegando o controle e aumentando o volume da TV.

- O quadro preocupante em relação às consecutivas mortes acidentais amenizou consideravelmente da madrugada de ontem para hoje."

"Que bom, pelo menos ele tinha razão sobre o ritual".

"No entanto, A Associação Religiosa da Danverous City permanece batendo na tecla de que a cidade sofre de uma influência promovida por um mal que se esconde abaixo de nós, enquadrando os tremores de terra como um dos efeitos primários os quais muitos deles estão chamando de "primeira tribulação", logo as tragédias dos últimos seis dias são consideradas a segunda de um total de sete, como descrevem as escrituras sagradas. A falha externa foi vulgarmente apelidada de "boca do inferno". Grupos opositores atacaram a Associação acusando-os de alienação em massa e intencional estimulação de pânico devido aos avisos de teor alarmista sobre um possível e vindouro apocalipse tendo nossa cidade como o marco zero. Porém, os opositores foram tachados de hipócritas por usarem de teorias conspiratórias voltadas aos supostos objetivos escusos da ARDC e disseminarem tais ideias para fomentar uma visão pública negativa acerca da rival visando alguns minutos de fama. Estaremos ao vivo cobrindo o debate entre as duas... "

O detetive mudara de canal, balançando a cabeça negativamente sobre a rivalidade.

- Malucos.

                                                                                     ***

À noite, Carrie chegara em sua casa transparecendo exaustão. Largou sua bolsa de couro cor bege na mesa da sala de estar, logo sentando no sofá bufando com a boca emanando todo o seu cansaço, bem próximo da secretária eletrônica que piscava uma luzinha vermelha. Desviando o olhar cansado para o aparelho à sua direita cujo visor dizia: "Nova mensagem de Frank Montgrow" ao lado do nome estava o número da secretária do detetive.

Atentou-se para ouvir como que por reflexo, mas seu dedo parou antes que apertasse o botão. Sua mágoa ainda doía no peito pelo sentimento de inferioridade.

Escolheu o botão logo ao lado. O de Excluir. Logo em seguida apertou em "Gravar nova mensagem".

- O diretor me disse que se safou do Anjo da Morte, bom trabalho. Mas, sinceramente, não estou a fim de ouvir sua voz hoje. Talvez nem mesmo olhar pra você. Perdeu tempo gastando sua saliva acreditando que fosse ser mole colar os cacos da confiança que tinha por sua pessoa. Eu só digo que estou cansada. Apenas isso. Cansada. Não desse trabalho... mas do jeito que você lida com minha serventia. Sabe o que eu pensei quando desliguei naquela hora? Eu não passo de uma simples "garota de recados" pra ele. Mas depois fiquei confusa. Sem saber se o problema morava em mim ou em você. Não consigo achar a resposta. - fez uma pausa, limpando uma lágrima - Será o primeiro Natal em que não iremos festejar juntos. E isso tudo serviu para fazer as coisas mudarem e sinto que devem. - fizera uma longa pausa - Eu tomei uma decisão.


                                                                                        -x- 


N.A¹: O Anjo da Morte da série e o do conto "Acho que Vi um Anjo" não possuem correlações, nem ambas as histórias se passam no mesmo universo (se quiser saber mais a respeito de como funcionam os universos das sagas, séries e minisséries do blog acesse a página Biblioteca).

N.A²: O apelido do corvo dado por Frank é uma referência boba à personagem da DC Comics Ravena.

N.A³: Como Frank - O Caçador inicialmente seria uma minissérie em 6 capítulos, logicamente este seria o último capítulo da série, no qual ele enfrenta a ameaça sobrenatural mais letal de toda a sua carreira.




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