Frank - O Caçador #68: "Parado na Encruzilhada"

Em mais um a volta do seu trabalho de garçonete, Virginia subia o último lance de escadas para chegar ao seu apartamento sentindo-se esgotada. Ela checou as mensagens no celular esperando que Frank tivesse enviado algo. Nada. Suspirou de cansaço, guardando o celular. Ao erguer o olhar para sua porta, tomara um susto que a fez estacar e encarar fixamente com aflição. A porta estava entreaberta em alguns centímetros. Controlando sua tensão, Virginia entrou torcendo para que a porta não rangesse tanto, por isso abriu bem devagar olhando o interior com atenção. 

Manteve entreaberta no caso do invasor ainda estar lá dentro e ela poder escapar. Acendeu a luz da sala e não viu ninguém escondido entre os móveis, em seguida apagando. Aparentemente nada foi roubado, mas ela sabia que muito provavelmente era um certo indivíduo que vinha a perseguido fazia semanas. Pegou o celular novamente, desta vez ligando para Frank. 

- Vai, atende, atende, atende... - disse ela cedendo ao desespero, quase que querendo cair em prantos. 

Infelizmente deu sinal de ocupado. 

- Droga. - disse ela tirando o aparelho do ouvido. Subitamente uma mão tapou sua boca agressivamente. 

- Tava ligando pra quem, loirinha? - perguntou o ESP-47 agarrando-a por trás e falando praticamente em sussurros - Me deixa ver... - tomou da mão direita dela o celular - Ah, o seu guarda-costas. Que pena você não poder chamar pelo seu herói. Agora me escuta: Você será de extrema importância nas próximas 24 horas. Bem, isso também significa que você tem 24 horas de vida. A menos... que o meu gêmeo bonzinho venha te resgatar em troca da peça do triângulo que eu sabia o tempo todo que você tinha guardada. Só não peguei porque meu foco era a célula-matriz, então reservei pra outro momento. 

Virginia queria falar, mas apenas gemia de medo. 

- É fácil prever que ele vai dar a parte do triângulo. Portanto, é bom aceitar meus termos. 

A esper balançou a cabeça num "sim". 

- Ótimo. - disse o clone sorrindo - Vamos fazer um passeio. E nem ouse gritar ou... repenso seu caso. 

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CAPÍTULO 68: PARADO NA ENCRUZILHADA

Frank andava devagar de um lado para o outro no aguardo de uma visita especial num sentido bastante amplo. 

Ouviu um som de batidas na porta e foi praticamente correndo atender.

- E aí, como vai minha bruxa favorita? - perguntou Frank abrindo para Lisbell, a pessoa que contatou para fazer uma pequena inspeção mística na sua cicatriz que já denotava sinais alarmantes de inflamação - Qual é? Não faz essa cara de estranheza. Tudo que temos feito desde que nos conhecemos foi um pelo outro e nunca um contra outro. 

- É, sei muito bem disso, tanto que não recusei seu convite quando requereu meu impecável serviço de exame de feridas por causas sobrenaturais. - disse a bruxa de cabelos castanhos lisos que nesta noite vestia um casaco de couro roxo por cima de uma blusa listrada preto e branco - Mas ainda assim... fica um gostinho agridoce pois... caçadores e bruxas são inimigos naturais. Prometa que faremos o possível pra sermos exceções à regra. E então, vamos brincar de médico?

Frank esboçou um semblante de constrangimento. 

- OK, direto pra inspeção. - disse Lisbell numa expressão de malícia contida. 

O detetive a permitiu entrar e logo tirou sua camisa branca sentando-se na poltrona. Lisbell dava umas olhadelas enquanto deixava sua bolsa no sofá. A bruxa não disfarçava o interesse de observar o físico atlético de Frank. 

- Tá um garotão pra um quase cinquentão. - disse ela aproximando-se. 

- Vai ficar me passando cantada ou vistoriar minha cicatriz nojenta? Olha isso aqui... - mostrara ele. 

- É, não tá uma paisagem. - disse Lisbell visualizando a cicatriz inflamada com atenção e ojeriza. 

- Admite que é a única parte feia do meu corpo? - perguntou Frank testando o interesse dela. 

- Admito sim. - disse ela dando um sorrisinho de canto - Como isso aconteceu? 

- Contar a história de cabo à rabo vai levar essa noite toda. Apenas tenta diagnosticar que tipo de efeito ela vai ter no meu organismo, tem doído bastante, é como se... a dor fosse uma coisa viva dentro da cicatriz, escolhendo hora pra doer mais e pra doer menos. Não é como a mordida de um lobisomem ou de um vampiro que desaparece depois da transformação. 

Lisbell baixava sua mão direita sobre a cicatriz que continha minúsculas veias vermelhas contornando-a. Fechou os olhos ao toca-la exercendo a mágica de inspeção para definir o caráter sobrenatural da ferida. Frank ora olhava para ela ora para a mão dela na cicatriz, esperando uma reação rápida. De início, a bruxa não viu nada nas impressões energéticas, mas um minuto depois imagens diversas de um mundo vermelho e desolado bombardearam sua mente, muitas delas mostrando criaturas horrorosas com fisionomias monstruosas e dantescas. Frank tensionou os músculos ao ver a resposta no rosto dela.

Os monstros terríveis com presas afiadas e chifres vermelhos com diferentes formatos, parecendo besouros rinocerontes demoníacos, passavam em flashes velozes. Lisbell retirou sua mão da cicatriz rapidamente dando um grito e se afastando. 

- Ei, ei, peraí, o que foi? Respira fundo, se acalma. - disse Frank, levantando-se para ampara-la. 

- Eu vi... seres horríveis, monstros mais apavorantes que já vi... Eu sinto muito, Frank. 

- Pelo quê? O que você diagnosticou? 

- A infecção dessa cicatriz vai se alastrar pelo seu corpo em poucos dias até que... 

- Até que o quê? - indagou Frank, preocupado. 

- Até que você se transforme numa delas. - respondeu Lisbell ainda tomada pelo terror - Eu tenho que ir. - disse ela, pegando sua bolsa e andando depressa à porta - Não tem magia que cure isso, vá por mim.

- Mas espera um pouco... - disse Frank, tentando convence-la a ficar para explicar melhor - Lisbell! 

A bruxa fechara a porta sem se despedir. De imediato, Frank sentira uma nova crise de dor excruciante na cicatriz e caíra no chão pressionando-a com força. O detetive tinha a sensação tão dolorosa quanto de estar absolutamente sozinho. 

                                                                              ***

Desde que seu carro fora roubado pelo ESP-47, Carrie passou a ser uma utilitária frequente dos aplicativos de transporte para ir e voltar do trabalho. Naquela mesma noite, enquanto Frank rolava de dor, a assistente saía do prédio atravessando a rua já deserta por conta do horário. Avistou o carro que usaria piscando os faróis dianteiros e traseiros e suspirou aliviada pela rapidez, embora achava que ele poderia ter parado um pouco mais próximo. 

Mas ao entrar detectou uma atmosfera estranha. 

- São vinte dólares. - disse o motorista... revelando-se como o ESP-47 ao virar-se para Carrie e fazendo questão de mostrar os olhos vermelhos. A assistente tentou agilmente abrir a porta, mas o clone de Frank travou todas. 

- Me deixa sair, seu monstro! - disse ela encarando raivosamente - Cadê o real motorista? O que fez com ele? Como sabia? 

- O ex-motorista você quer dizer, né? Bem, ele tá no porta-malas, foi difícil de encaixa-lo. 

- Desgraçado... Mas nada que uma ligadinha pro Frank não te faça pensar duas vezes antes de me levar.

O clone exibiu uma pistola e a destravou, apontando-a para Carrie. 

- Tá pensando o quê? Que eu molho as calças toda vez que eu ouço falar no nome dele? Eu tô pouco me lixando, ele não é mais forte do que eu, você foi testemunha disso. Agora se abrir o bico pra ele sobre estar sendo sequestrada pelo gêmeo do mal dele... ou a versão superior, melhor dizendo... já sabe o que te acontece. Serão dois cadáveres pra jogar na cacimba. 

Carrie guardou o celular de volta na bolsa sentindo a ameaça pulsar do cano daquela arma. 

- O que pretende fazer? - perguntou ela, nervosa - Além de me raptar, obviamente. 

- Você vai se juntar a sua colega de cela. - disse o ESP-47, dando a partida do carro - Mas só pra evitar que me torture com sua voz irritante... - sacou um objeto cilíndrico e borrifou um gás em spray - ... tira um cochilinho. A viagem será meio longa. 

Carrie adormeceu no banco de trás rendendo-se instantaneamente ao efeito daquele gás sonífero. 

                                                                               ***

Departamento Policial de Danverous City

Frank batia várias vezes na sala particular de Carrie que costumava sempre chegar aproximadamente uma hora antes. Naquele início de manha, o detetive começava a suspeitar levemente de algo incomum. 

- Carrie! - chamou mais alto e batendo mais forte com a mão direita aberta. 

Um agente detetive passou por ele vendo-o se esforçar para fazer sua assistente atendê-lo. 

- Ei, Montgrow. Se tá procurando a Carrie, ela não chegou ainda. - informou ele. 

- Valeu. - agradeceu Frank, tomado pela preocupação. Ele se dirigiu à sala de Giuseppe às pressas - Diretor? 

- Entre. - concedeu Giuseppe e o detetive rapidamente entrara na sala demonstrando nervosismo. 

- Diretor, é urgente. A Carrie não veio ainda. Ela te passou o número dela pra fazer contato? 

- Como é? Mas... - olhou para o relógio no celular - Já fazem mais de uma hora que ela devia ter dado as caras e ao menos 20 minutos pra me ligar com justificativa pra essa falta. E eu não tolero faltas que fique o senhor sabendo. 

- Pois é, prevaricação era uma das atitudes que o Ernest mais condenava. - disse Frank. 

- Frank, por favor, não é querendo desmerecer o homem que Ernest foi na sua gestão como diretor, mas pare de me comparar à ele. - pediu Giuseppe - Qual era exatamente a punição dele pra essa irresponsabilidade? 

- Cortava o salário pela metade. - disse Frank um pouco incômodo com a reação dele ante a comparação.

- Muito brando. - retrucou Giuseppe - No máximo, uma suspensão de 15 dias mantendo o corte salarial.

- A Carrie deve ter tido um contratempo, sei lá. - especulou Frank.

- Você parece muito tenso, Frank. Não quer se sentar ou tomar uma água?

- Não, eu tô legal... Quero só saber o que explica esse atraso da Carrie. 

Giuseppe ligara para o celular da assistente, porém não obteve sucesso. 

- Fora de área. Mas onde ele poderia estar numa hora dessas? 

- Com certeza num lugar distante, o que me faz pensar... - disse Frank que logo virou-se para a porta saindo da sala. 

- Frank, espere, o que vai fazer? - perguntou Giuseppe que não foi respondido pois Frank se encontrava uns metros longe. 

O detetive saiu a toda velocidade no sedã prata, fazendo ultrapassagens arriscadas nas avenidas, mas pelo menos não avançando nos sinais vermelhos. Ao seguir por uma rua de pouca circulação de pessoas e veículos, Frank recebeu uma ligação inesperada. Olhou na tela o número e o nome. "Virginia?!", pensou ele, temendo pelo pior cenário naquelas horas. 

- Alô? - disse após receosamente atender - Virginia? 

- Não, aqui é o melhor amigo dela, Frank Montgrow. Estive no Novo México nos últimos dias. 

Frank quase batera o carro num poste, conseguindo encostar freando perto de uma calçada. 

- Que coincidência! Eu também viajei pro Novo México, mas foi no final do ano passado! - disse o detetive, transtornado - Filho da mãe miserável, o que você fez com a Virginia? Ah, e não por mera coincidência a Carrie sumiu! 

- De fato, meu caro gêmeo. Elas estão aqui, juntinhas, uma de costas pra outra. Adoraram se conhecer. 

- Aqui aonde? Fala logo, seu safado, pra eu ir aí te encher de porrada. Teve sorte daquela vez, a temporada na prisão me deixou fora de forma. Eu previ que logo você se aproveitaria da resistência da Virginia de usar os poderes pra sequestrar ela. 

- Vou ser bem direto com você, Frank, antes que os créditos da loirinha expirem: Vamos jogar um jogo de quem chega primeiro pra impedir que pessoas muito conhecidas por você... morram tragicamente. 

- Do que você tá falando? Eu não vou cair no seu joguinho sujo. Prefiro mais que você me diga onde levou Carrie e Virginia e por que. 

- Ainda tem a parte do triângulo que a loirinha te deu, certo? OK, faremos uma negociação. 

- Beleza. A peça do triângulo em troca da liberdade delas. Você já venceu quanto a isso. 

- Não, não, não... É aí que você se engana. Na parte de libertar as duas. Não será bem assim. Primeiro você me dá o pedaço do triângulo... só depois que vem o clímax do acordo: Uma das duas sai viva. 

- O quê? Ah não... - disse Frank sentindo dor de cabeça com tamanha pressão - E o tal joguinho? 

- É simples: Conforme passa o dia, todas as pessoas que você um dia salvou... serão mortas, uma por uma, enquanto você não vem. No banco de dados da fundação peguei tudo o que precisava pras minhas execuções. Eles parecem saber mais sobre você do que você sabe de si mesmo. Eu já comecei minha sessão de mortes. Quer rever uma pessoa?

- Para com isso, você tá me dando nos nervos... - disse Frank, não sabendo controlar a raiva. 

- E só vai piorar. Porque não penso em parar até que você finalmente venha pra nossa barganha. 

- E em que merda de lugar vocês estão? - perguntou Frank, explodindo de fúria, batendo contra o volante. 

- Tenta descobrir isso sozinho. Ou me liga depois quando estiver pronto pra vir. - disse o ESP-47 - Se lembra de uma tal de Susan? Você a salvou de umas criaturas sombrias há alguns anos. 

- Susan... - Frank lembrou-se do caso dos espectros que matavam alvos específicos estrangulados. 

- Corre lá... Quem sabe como irá encontra-la. - provocou o clone dando uma risadinha infame. 

A ligação foi encerrada e Frank partiu querendo que seu carro adquirisse propulsores pra voar. 

Ao chegar no bairro onde Susan morava, Frank vasculhou na memória onde se situava a casa. Após alguns minutos de busca, havia encontrado e desceu esquecendo de fechar a porta. Entrou na casa de Susan correndo, procurando pelos cômodos e chamando pelo seu nome ininterruptamente. Ele parou quando foi ao banheiro. Empacou bem na soleira da porta, congelado de horror ao ver. Uma gota de suor desceu e se misturou a uma lágrima que escorria pelo seu rosto.  

 - Não... - disse Frank, recuando e não tirando os olhos - Não tô vendo isso... - balançou a cabeça negativamente. Encostou-se na parede em choque - Susan... - seus músculos faciais pareciam travados para esboçar uma reação mais intensa.

Susan encontrava-se de sutiã e calcinha na banheira... morta com os olhos abertos e vários cortes profundos no corpo, além de muito sangue tingindo o branco da banheira e manchando o azulejo verde. 

                                                                               ***

Voltando para o carro arrasado, não tirando da cabeça a imagem de Susan brutalmente morta, Frank pensou nas suas opções disponíveis para localizar o cativeiro de Carrie e Virginia o quanto antes. Ligar para o seu clone parecia cedo demais. 

Recorreu à única alternativa que minimamente concordaria em ajudar na localização. 

- Lisbell? Aqui é o Frank, ahn... Fico até meio com vergonha de pedir... 

- Deixa eu adivinhar: Outro favorzinho. - disse a bruxa que estava em sua casa aguando as plantas do jardim com uma mangueira - Na verdade, quem devia sentir vergonha sou eu por ter saído daquele jeito. Mas o impacto daquelas imagens... quase tirou o meu sono. Nunca tinha visto nada igual, foi a minha pior experiência de inspeção e não quero repetir. 

- Não ia te pedir pra fazer aquilo de novo e sim... me ajudar a encontrar duas amigas que desapareceram, foram pegas pelo mesmo sequestrador que na verdade é um monstro que quer negociar em troca de um artefato. 

- Se isso tiver relação com sua cicatriz e a forma como você a conseguiu... pode esquecer. 

- Não tem, eu juro. - mentiu Frank a fim de obter a concórdia da bruxa mais fácil. 

- Ah tem sim. Não seria uma boa hora pra contar a longa história? 

- Seria uma boa hora pra você pelo menos fazer um feitiço que localize elas pra mim, por favor, tem muitas vidas em jogo, o cara envolveu gente que eu salvei e tá matando essas pessoas pra me desestabilizar, transformando cada bem que eu fiz num desperdício de tempo... - interrompeu-se, pensando ter dito algo insensato - Digo, não desperdicei tempo trabalhando pra salvar essas vidas, mas... dá uma sensação de que não serviu pra nada. De qualquer forma, eventualmente iriam ser vítimas de outras merdas sobrenaturais e eu nem ficaria sabendo. E mesmo que soubesse havia o risco de não conseguir impedir, se fosse uma coisa emergencial sem investigação. Como aconteceu hoje, como está acontecendo agora. Enquanto eu não ir até o lugar onde ele mantém minhas amigas cativas, o maldito vai tirar cada vida que eu protegi, inclusive as delas. E você? Não sente o mínimo de compaixão pra atender meu pedido? Não pensa no quão frustrante isso é pra um caçador? 

Lisbell ficara silenciosa por uns segundos. A bruxa nunca pensou que se sentiria tocada por empatia. 

- Você parece bem abalado pela sua voz. Me espera na sua casa, tô indo pra lá levando um mapa. 

- Valeu mesmo, Lisbell. 

- Mas antes você precisa ir à casa de uma das suas amigas pegar um objeto pessoal, qualquer que seja. É essencial pro feitiço. De preferência, um anel. Se for folheado a ouro, uso minha magia duplicadora. 

- O anel mais precioso que ela tiver pra retribuir o favor. - disse Frank - Mas o tempo é curto pra achar uma coisa tão pequena quanto um anel. O miserável falou que minha decisão rápida sobre a barganha fazer as mortes pararem. 

- Então corre. Também vou me agilizar. Até mais. - disse a bruxa, logo desligando. 

                                                                             ***

Estando de volta à sua casa, Frank estava ao celular com um policial do DPDC para o qual perguntou sobre o estado de Lisa Jones, uma jovem que havia salvo há quatro anos de um vampiro que era seu ex-namorado num caso que a polícia, cuja equipe o policial integrava, chegou perto de assumir. O detetive novamente via-se atordoado ao saber que o policial foi encarregado de averiguar sua morte violenta ocorrida poucas horas atrás. Ouviu batidas na porta ele mandou entrar. 

- OK, Marlon, valeu aí pela informação. - disse ele, logo encerrando a chamada. Fechou os olhos, sua angústia se elevando. 

- O que foi? Mais alguém morreu? - perguntou  Lisbell trazendo seu mapa cor de sépia. 

- Sim. Tá fora de controle. - disse Frank, desalentado - Enquanto as meninas estão lá sozinhas no cárcere, talvez sem comer nem beber, esse filho da puta vai riscando uma pessoa salva por mim da lista.

- Uma coisa que não entendi: Como ele pode saber exatamente quais pessoas você salvou? 

- A explicação tá na longa história que prometo te contar daqui há pouco. O desgraçado não para de mandar mensagem me atualizando da contagem de corpos. - disse Frank, jogando o celular no sofá expressando sua fúria. 

- Relaxa, esfria a cabeça. Algumas mortes que ele informa por mensagem podem ser blefes pra te fazer entrar em desespero e não sair do lugar. Mas você tem a mim, aqui estou eu pra descobrir o paradeiro das suas amigas. - disse Lisbell destacando o mapa - As duas são amigas, né? Ou uma delas... 

- Lisbell, agora é a pior hora pra piadinha com minha vida amorosa que não existe. E não, não é blefe coisa nenhuma, ele não tá brincando em serviço, não vai poupar ninguém até que minha resposta aceitando a merda do acordo de troca mude isso. 

- O que estamos esperando? Vamos. - disse a bruxa colocando o mapa sobre a mesinha de centro - Pegou um anel?

Frank retirou de um bolso do sobretudo um anel que surrupiou das gavetas do criado-mudo de Carrie.

- Nunca vou me perdoar por usar o truque do grampo pra invadir a casa da minha assistente. - disse ele entregando a joia. 

- Ah, é sua assistente!? Interessante. - disse Lisbell sentando-se e pondo o anel na palma de sua mão esquerda e cobrindo-o com a direita - Ubi dominus secreta anulum - disse ela, recitando o feitiço. Ela soltara o anel no mapa. A joia girava "em pé" pelo mapa por aproximadamente um minuto - Para uma maior precisão, ele costuma demorar. - falou a bruxa. 

O anel estava cambaleando perto da área florestal e caiu exatamente nesse ponto. 

- Na reserva florestal. - disse Frank - Eu tava contando com isso, esse cara é um péssimo raptor. Um dos locais mais previsíveis pra se prender alguém numa cabana abandonada. Profissional no assassinato, amador no sequestro. 

- O que vai dar em troca? - perguntou Lisbell. 

- Pra te responder só contando a história tim-tim por tim-tim. Mas pra isso... também quero um último favor. - disse Frank ficando mais otimista com o resgate de Carrie e Virginia dando um sorriso de canto.

                                                                             ***

Por volta das sete da noite, Frank se direcionava para a reserva floresta por uma estradinhas de terras ladeadas pela mata. 

Avistou uma cabana e procurou estacionar um tanto longe, desligando os faróis. "Tem que ser aqui.", pensou ele. 

Aproximou-se da entrada, logo sacando sua arma mesmo sabendo que o ESP-47 mostrava-se praticamente invulnerável à balas. Atirar num momento em que percebesse um indício de emboscada poderia ajuda-lo a sabotar uma investida traiçoeira considerando a volatilidade do inimigo. Entrou na cabana escura com a arma em riste, alerta para qualquer sinal. 

Passou para um cômodo que possuía uma cortina azul-marinho e velha, a qual Frank afastou. 

Soltou um arquejo ao ver Carrie e Virginia num quarto, ambas presas em cordas uma de costas para a outra sentadas em cadeiras. Elas exprimiram gemidos de aflição ao reencontra-lo, implorando para serem libertas do martírio. 

- Calma aí, não posso tirar vocês daqui agora... - disse Frank desviando o olhar para uma porta que levava a outro cômodo e que abriu-se - Finalmente hein, seu... acho que já te xinguei de todos os nomes possíveis e nenhum deles é o bastante pra te qualificar. Teve muita coragem... matando aquelas pessoas.

- Facilidade também. - disse o clone com canalhice esboçada na face e segurando uma arma - Trouxe o seu pagamento? - perguntou ele, apontando a arma para as duas - Só eu mudo as regras, portanto se você for ousado de propor uma alteração na barganha, tá tudo acabado... pra elas. - destravou a arma.

- Espera aí, vamos devagar. Tá aqui a parte do triângulo. - disse Frank, retirando do bolso do sobretudo a parte que representava a ponta superior do triângulo e entregando-a para o seu clone - Agora desamarra elas. 

- Esqueceu dos meus termos ou tá de pegadinha comigo? Você escolhe uma delas pra sair daqui viva. - disse o clone, frio. 

Virginia se debulhava em lágrimas e Carrie tremia de insegurança. 

- Eu pensei numa terceira via pra essa negociação. - disse Frank - Que tal uma delas te auxiliar na busca pelas outras partes do triângulo? Obviamente que pra essa tarefa eu escolho a Virginia, afinal ela deve saber onde estão as peças que faltam pois teve contato com os bruxos que deram à ela essa daí de presente depois que esconderam as outras na Europa em países diferentes. O que acha disso? Você já tem as células-matriz e com o triângulo completo seu plano tá encaminhado. 

- Tá encaminhado desde o dia em que a primeira célula-matriz caiu neste mundo. - retrucou o clone - Eu sou predestinado da profecia dos tais bruxos. - avaliou o pedaço do triângulo - É, autêntico. 

O ESP-47 pegara uma faca imediatamente cortando as amarras para libertar Carrie e Virginia. 

- Toma suas donzelas de volta. - disse o clone. 

- Mas peraí, vai liberar as duas assim fácil? - perguntou Frank. 

Carrie virou o rosto para ele tirando a mordaça da boca e fazendo uma cara feia em resposta à pergunta.

- Virginia só tá livre com uma condição: Ela viaja pra pegar as duas peças, acho que isso pode levar uns três ou quatro dias, no máximo. Faltam dez dias pro alinhamento dos planetas. Se no quinto dia ela não vir me procurar com as peças em mãos... volto pra cidadezinha dela e a mato sem tempo pra conversa. 

Virginia fez que sim com a cabeça. 

- Tudo bem. Eu não pedi pra ser revivida mesmo, então... o que tiver que acontecer comigo, aconteça. 

- Não fala assim, você vai sair dessa sem nenhum arranhão. - disse Frank - Tá na hora de vazar. 

- Nos tira desse pesadelo, tô delirando de fome. - disse Carrie, sentindo-se indisposta para caminhar. 

Frank apertou o passo colocando-as dentro do seu carro e rapidamente entrando por último. Na cabana, o ESP-47 estudava a peça do triângulo com um sorriso fechado de contentamento. Porém, as inscrições codificadas se moveram, causando um ligeiro estranhamento nele. Os caracteres formaram magicamente a palavra "OTÁRIO" e a peça logo se esfarelou em cinzas entre os seus dedos.

O clone do detetive soltou um urro de cólera que fez um bando de corvos voarem assustados. 

- Caramba, que grito estrondoso foi esse? - perguntou Carrie olhando para o retrovisor. 

- O otário caiu na pegadinha do malandro. - disse Frank - Cortesia de uma solícita bruxa. 

- Uma bruxa? Recorreu a uma bruxa?! - perguntou Carrie, surpresa. 

- Ela se chama Lisbell, já te falei dela uma vez. 

- Lisbell... Aquela Lisbell que você conheceu no caso das realidade falsas no parque de diversões?

- Ela mesma. Usou uma magia que cria cópias de objetos. Irônico, né? Logo meu inimigo... sendo uma cópia exata minha. 

- Como ele pode ter percebido que é uma peça falsa? - questionou Virginia. 

- Ela disse que a peça ia virar cinzas num tempo estimado de uma hora e trinta minutos. Eu fiquei contando os minutos de casa até chegar na cabana e enrolei um pouco pra se encaixar no timing certo. 

- Então aquela proposta de colocar a Virginia como cúmplice do usurpador foi parte da enrolação? Ah meu Deus, teria sido melhor você ter escolhido. - disse Carrie - Devia escolher pela minha morte. 

- Não, para de drama, Carrie. E vê se me agradece porque pelo menos ganhei tempo pra pensar numa maneira de fazer com que vocês duas saíssem vivas e ainda pra peça falsa se desintegrar na mão dele. 

- Ele tem razão. - disse Virginia olhando para a assistente à sua esquerda - Por mais desvantajosa que minha parceria forçada com um monstro assassino seja pra vocês. Não precisa sentir pena de mim. 

O sedã prata dobrou para a estrada de asfalto, mas o trio tivera uma baita surpresa desagradável.

O ESP-47 pulara no meio da pista aterrissando como se tivesse vindo voando. Frank pisou no freio, mas estava acelerado demais para frear bruscamente e numa curta distância com o clone ergueu sua perna esquerda pisando com um forte impacto no para-choque dianteiro do carro do detetive fazendo o airbag acionar e as rodas traseiras saíram do chão com a inclinação. O capô também sofreu danos ficando retorcido em boa parte. Frank saíra do carro avançando nele com seus punhos. 

No entanto, o detetive não se emparelhava na força física de seu algoz, tomando socos e chutes potentes que causavam feridas no rosto. Um chute forte no tórax derrubou Frank. Carrie e Virginia saíram do veículo, mas no caso da esper não era para meramente assistir a luta desproporcional atemorizada. 

- Espera, o que vai fazer? - perguntou Carrie vendo-a andar adiante. 

- Por que não briga com alguém com o tamanho da sua força? - perguntou Virginia para o ESP-47. 

O clone deu uma risada zombeteira dando um chute no rosto de Frank que estava caído. 

- Volta pra arquibancada e me assiste destroçar cada pedaço do corpo desse maldito por ter me enganado. 

- Não, sua briga agora é comigo. Cansei de hesitar. Frank, se afasta o mais longe que puder com a Carrie. 

O detetive levantou-se certo de Virginia quebraria a promessa feita a si mesma quanto ao uso dos seus poderes e correu para recuar junto a Carrie não imaginando o que ela planejava fazer para ataca-lo. 

- Quer sentir o que é poder de verdade? - perguntou Virginia emanando uma vibração que impedia o ESP-47 de se aproximar dela como se própria gravidade fosse alterada. Virginia liberou uma poderosa onda de pulso eletromagnético que fizera o carro rolar. Frank e Carrie sentiram as costas serem atingidas enquanto corriam e o ESP-47 foi certeiramente afetado sendo arremessado contra uma árvore. Frank e Carrie levantaram do asfalto e voltaram para Virginia curioso quanto a habilidade. Perto da árvore onde bateu, o clone estava inconsciente e com o pescoço quebrado. 

- Eu sabia que não manteria a promessa envolvida nisso até o pescoço. - disse Virginia, satisfeita.

- Foi como tirar um peso das costas. Ou tô enganado? - perguntou Frank. 

- Não, não está. - respondeu Virginia derramando uma lágrima, mais por ter redescoberto sua força do que por tristeza - Melhor sairmos daqui antes que ele acorde. Ah não... - olhou para o carro de Frank - Foi mal, acho que deixei seu carro pior. 

- Tá sussa, só ligar pra um cara da oficina que eu conheço, o Larry, pra vir com o guincho dele, rebocar e levar pro conserto. - disse Frank, pegando o celular e procurando o número de Larry nos contatos. 

- Se ele acordar, faz aquilo de novo. - disse Carrie olhando desconfiada para o clone desacordado - Eu podia estar de costas, mas... tô certa de que foi incrível. A primeira vez que presenciei um esper usando um superpoder. 

Virginia sorriu para a assistente, não sabendo lidar com o elogio. 

- Você vai pra Europa amanhã? - perguntou Carrie. 

- Tenho que ir, até porque preciso cumprir o prazo. 

- Ou talvez não precise. - disse Frank - Você volta de viagem e passa uns dias lá em casa. 

- É uma ideia que eu não desconsideraria. O quarto de hóspedes do Frank é maravilhoso de confortável.

- Nem só por isso. Acima de tudo, você ficará mais segura comigo do que sozinha no apartamento mesmo que eu dê nem pro cheiro perto da força dele. Não tem pegar ou largar, você tem que topar. 

A esper aparentava relutância na expressão, mas logo percebeu o quanto sua segurança era prioridade. 

- OK. - disse ela, decidida - Ganhou uma hóspede até o dia do alinhamento. 

Os três ficaram no meio da pista esperando Larry vir rebocar o carro de Frank e oferecer uma carona.

                                                                             ***

Instalação subterrânea da fundação E.S.P.

O ESP-47, após retornar sem ver mais ninguém na estrada depois que acordou, entrava numa sala utilizando de um outro cartão de acesso restrito que roubou do armário de algum cientista. 

Encarou com fascínio uma das novas engrenagens para seu plano. 

- Olá, minhas crianças. Em breve darão seus primeiros passos. - disse ele contemplando centenas de câmaras que cultivavam fetos humanos. 

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* A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: https://www.papeldeparede.etc.br/fotos/papel-de-parede_cano-da-arma/

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