Frank - O Caçador #75: "As Vantagens de Ser Invisível"

O circo Damasque havia se instalado na cidade duas semanas atrás e seguia acumulando números astronômicos em espectadores a cada show. O apresentador Ronald Foster, que anunciava com muito júbilo para o respeitável público os números diversos que se sucederiam, adentrava em seu camarim, numa tenda fechada, com ar de genuína satisfação por mais um espetáculo bem-sucedido. O trabalho estava rendendo horrores, não tinha nada do que reclamar. Planejava uma comemoração com os artistas caso alcançassem uma marca de público que por muitos parecia inatingível. Tomou um gole de um uísque velho e foi para o espelho. Tirou seu chapéu carmesim que combinava com seu terno. Mas seu sorriso contido de felicidade se desfez ao ver duas fotografias sobre a comprida mesa embutida ao espelho. As olhou atentamente. 

Numa foto, visivelmente antiga, estavam ele acompanhado de dois palhaços sorridentes. Na outra foto via-se algo que lhe tomou de assalto a respiração por um segundo. Uma jovem deitada no chão, amarrada, vendada e amordaçada sobre uma extensa poça de sangue. Reconheceu a pele, os cabelos, o tipo físico... Foi como uma faca atravessando seu peito.

Enquanto assimilava a imagem de sua filha morta, relacionando-o com um dos palhaços da foto, algo espreitava saindo detrás de uma cômoda a uma certa distância dele. Um homem com rosto pintado de branco, lábios tingidos de preto, sobrancelhas desenhadas como finos arcos e usando roupa listrada sobre um macacão preto surgia devagar vindo até Foster que encarava horrorizado a foto. O apresentador ergueu o olhar com sua percepção, imediatamente se virando para o homem que se aproximava. Foster o fitou com surpresa e temor, seus lábios carnudos tremendo. 

- Há quanto tempo, Spike. - disse ele, reconhecendo-o facilmente - Eu não entendo porque resolveu... colocar sua vingança em prática tão tarde. Ou será que é conveniente? Estou no auge do sucesso, o circo inteiro está. Deve ser difícil... lidar com isso sem estarmos dividindo com você essa conquista. Me diga... - sua tensão crescia - É minha filha nesta foto?

A pergunta saiu como uma demonstração de incredulidade ainda não superada pela certeza. 

Spike acenou positivamente com a cabeça dando um sorriso fechado e largo. 

- Por que, Spike? Você era como um filho pra mim... Mas depois daquele dia... do que você fez com ela... eu tive que agir conforme a minha ética. Você está doente. - estendeu a mão direita para ele. Spike a apertou, mas Foster não havia visto que estava grudado na palma da mão dele um brinquedo que com um aperto de mãos levaria a outra pessoa ter um choque elétrico. Foster tremelicou com a leve descarga. Spike deu uma risada zombeteira com seu sorriso macabro e largo. O mímico parecia segurar algo, porém invisível - O que é isso? - perguntou Foster que desviou o olhar para a sombra de Spike formada graças às luzes do camarim. Viu a sombra segurar um machado, mas olhando para Spike ele não segurava absolutamente nada. Spike ergueu sua arma invisível - Não, Spike, não! - o machado desceu rápido contra a cabeça de Foster. 

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CAPÍTULO 75: AS VANTAGENS DE SER INVISÍVEL

Departamento Policial de Danverous City 

Procurar por uma agulha num palheiro não parecia tarefa das mais árduas comparado a tentativa de se achar qualquer pessoa específica na vasta estrutura do DPDC. Frank já pensava em desistir ao querer saber de Lucy. 

- Ei, Butcher, sabe se viu a Lucy Valley por aí? - perguntou o detetive a um policial que parara. 

- Vi ela saindo bem rápido há cerca de meia hora. A maioria do pessoal, talvez todo mundo, conhece ela só de vista, ainda é praticamente uma novata... É estranho ouvir alguém perguntando por ela. Você a conhece de longa data? 

- É que fizemos o colegial juntos. - revelou Frank - Estamos tentando... reconstruir nossa amizade do jeitinho que era antes. 

Buthcer levantou uma sobrancelha aparentando pouco convencimento. 

- Boa sorte, Montgrow. Não deixa a peteca cair. - disse o policial dando um tapinha no ombro de Frank e indo embora. 

Frank encaminhou-se à sala de Carrie, batendo na porta para pedir licença. A assistente concedeu. 

- Eu já tava prestes a sair daqui pra sua sala. - disse ela levantando-se da cadeira e pegando a pasta com relatórios do novo caso ao qual Frank foi designado - Ops, esqueci. - fechara o notebook. 

- Carrie, o que você fazia no laptop? Sabe que não pode fazer coisas do intervalo dentro do horário de trabalho, né? 

- Eu não estava jogando ou vendo vídeo de gatinhos. - disse ela, entregando a pasta à Frank - Na verdade, eu iniciei um processo de psicoterapia online. O que passei há quatro meses tem me sugado a paz pra poder dormir. 

- Tá falando dos jogos mortais do Miles? Você já passou por coisa pior, tipo... Aquela vez quando enfrentei o meu clone de ferro e você ficou presa numa cadeira elétrica ou quando você chegou perto de ter a cabeça arrancada em sacrifício a uma entidade por um daqueles nativos da ilha do Havaí onde fizemos o treinamento tático. 

- Frank, me deixa refrescar sua memória, mas também se coloca no meu lugar: Jaula, cordas, mordaças, piscina com tubarões... Quer comparar à isso tudo o que passei antes flertando com a morte? Eu tenho meus limites psicológicos e o que aquele maldito fez comigo deixou marcas traumáticas. 

- Tá bom, não tiro sua razão. O Miles extrapolou de verdade. Desculpa não ter visto o quanto você tava sofrendo por conta disso, acho que até fui um baita de um insensível... 

- Não, não, você só se enganou com relação à minha resistência mental. 

- É mesmo, eu sou um cara que enfrenta qualquer tipo de abominação que faria pessoas normais dormirem de luz acesa e deita a cabeça no travesseiro conseguindo dormir. Não é porque você é minha assistente que vai aguentar o tranco da mesma forma. Mas você já quis ficar de frente com o perigo uma vez, naquele Halloween...

- Aquilo foi mais ímpeto de coragem mesmo, eu não estaria desarmada. Também não esqueçamos do exército demoníaco da Lilith que quase pôs esse prédio abaixo. Pra resumir, a maldade humana me afeta mais que a sobrenatural. 

- Você tem que superar essa logo, não pode ficar na terapia nessa hora. - alertou Frank. 

- Eu tô pensando em negociar uma mudança de horário, mas vai pesar no meu bolso. - disse Carrie lembrando que as sessões em horários diferentes compreendiam valores mais altos. 

- Bem, vamos parar com a retrospectiva e irmos direto ao caso do dia que é... - disse Frank abrindo a pasta e visualizando as páginas dos relatórios - Ah, novidade: Assassinatos brutais. Valeu Giuseppe. 

- Viu aí sobre as vítimas? - perguntou Carrie.

- Pois é, o cara trucidou sete pessoas até o momento, algumas conectadas, outras não. É o tipo de mistério que eu adoro desvendar numa segunda-feira. - leu mais páginas rapidamente - Opa, tem mais, uma pequena atualização: A última morte foi de Ronald Foster, ele era apresentador do circo Damasque.

- O circo Damasque?! - disse Carrie soando alarmada. Frank a olhou curioso - Meus pais me levavam pra esse circo, não perdia um show quando fizeram uma temporada histórica aqui na cidade. Carrega anos de trajetória, nem sabia que ainda existia, tampouco que estava aqui depois de tanto tempo. Eu lembro do Foster. Com ele morto, o circo também morre.

- O trapezista, Raymond, relatou pra polícia que viu um cara saindo da tenda do Foster, um cara vestido de mímico, depois foi verificar e descobriu o chefe morto com marcas profundas na cabeça que segundo a perícia pareceram ter sido feitas por machadadas. Quer ver a fotinha?

- Quer ver eu vomitar o café? O zelador tá de folga hoje, pode usar seu sobretudo pra limpar. 

- OK, as imagens aqui, de todas as vítimas, são pra quem tem estômago de aço. O intrigante é o Raymond ter sido tão vago, mas ele disse que viu o cara sem nenhum machado na mão. 

- É um mímico, certo? Mímicos normalmente "criam" coisas invisíveis como paredes... Eu nunca vi um show de mímica, só sei que eles me assustam mais que palhaços. - o telefone da sala tocara e Carrie fora atender prontamente - Alô? Diretor... O Frank? Sim, ele já chegou - lançou um olhar sério para o detetive - Está aqui comigo discutindo o caso dos assassinatos dos ex-membros do circo Damasque e pessoas aleatórias. Aham, pode deixar, ele tá a caminho. Até mais. - pôs o fone no gancho.

- Foi só falar no diabo... - disse Frank largando a pasta na mesa de Carrie. 

                                                                           ***

A contragosto, o detetive fora à sala de Giuseppe emanando cansaço na sua compostura. 

- Sente-se, Frank. - pediu Giuseppe organizando uns papéis. 

- Não, prefiro conversarmos de pé. - disse Frank pondo as mãos nos bolsos externos do sobretudo. 

Giuseppe retirou os óculos e levantou-se, expressando certo incômodo. 

- Está ressentido com minha decisão, devo imaginar. Não quero gastar muita saliva pra faze-lo entender mesmo esperando que não entenda.

- Escuta aqui, por favor, tenta o senhor me entender. Eu adquiri uma experiência de mais de 20 anos fazendo o que nenhuma outra pessoa atualmente nessa cidade faz. Meu pai, meu avô, meu bisavô, meu tataravô, todos seguiam nessa jornada sem saber se voltavam vivos pra casa. Não é tão diferente do que já faço como detetive em circunstâncias normais. 

- Faz toda a diferença. - retrucou Giuseppe, severo - A sua família, essa sua linhagem, cometeu o erro de tornar esse legado uma obrigação moral. Você que nunca teve filhos e não tem a quem passar o bastão não tinha que fazer escolha. 

- Minha mãe me apoiou fortemente nisso depois que meu pai desapareceu e foi dado como morto. Por que eu tô dizendo isso? Não devo satisfações pro senhor sobre a parte mais particular da minha vida e muito menos o senhor tem o direito de interferir na minha cruzada contra esse mal oculto lá fora. 

- Então você ousa desafiar minha autoridade porque minha decisão feriu o seu ego? Acorde pra vida, Frank, sozinho você não pode mudar essa realidade, ninguém é capaz, você não é um super-herói que vai se blindar de tudo quanto é arsenal pra salvar todos que puder. Se essa cidade estiver condenada, não há nada que possa ser feito pra alterar o cenário. 

- Mas alguém tem que fazer o trabalho. - disse Carrie adentrando na sala - Desculpe a intromissão, senhor, mas eu vim confessar o meu total e irrestrito apoio ao trabalho heroico que o Frank vem fazendo em todos esses anos. Sim, heroico. 

- Carrie, essa conversa é somente entre nós dois... - disse Frank.

- Não, tudo bem, ela se encorajou a vir aqui pra defende-lo mesmo cometendo uma infração de regulamento que é entrar na sala do diretor operacional sem ser solicitada - disse Giuseppe encarando a assistente com certo desdém. 

- Se vai interferir no trabalho do Frank, escolhendo quais casos pareçam o mais mundanos possíveis, nós dois entregaremos uma carta de demissão. 

- O quê? Carrie! - disse Frank olhando para ela com o cenho franzido - Você não fala por mim. Pelo menos não quanto à isso. Podemos fazer um abaixo-assinado. Quero ver se não treme na base. 

- Escutem os dois: Eu não vou tolerar ameaças de demissão nem abaixo-assinado! Ficou claro? Infelizmente eu não sou tão otimista quanto vocês sobre essa cidade ter alguma salvação refém desses monstros, fantasmas ou sei lá mais o quê de infernal que saiu daquele buraco. Não admito ter minha autoridade desafiada pra satisfazer o seu capricho heroico, Frank.

- Capricho?! Com todo o respeito, mas o caprichoso aqui é o senhor! 

Frank pusera a mão direita para barrar Carrie que deu um passo à frente para Giuseppe. 

- Eu vou pedir só mais essa vez: Tenta agir com mais flexibilidade e um pouco de esperança. Toma o Ernest como exemplo. Ele tinha plena ciência de que alguém precisa arriscar a própria pele pra isso mesmo que esse mal não seja cortado pela raiz. O trabalho que eu faço já é alguma coisa. Eu não mergulhei de cabeça nessa vida me achando o maioral que vai descer o sarrafo em todo monstro que aparecer na minha frente. Eu sei que não é assim! Sempre soube! Então se me der a chance...

- Feito. - disse Giuseppe parecendo sinalizar rendição.

- O que disse? - indagou Carrie, levantando uma sobrancelha. 

- Eu tinha grande respeito por Ernest, a morte dele não o apagou. Minha intenção não passava de superproteção para com meus homens. Mas é impossível fugir disso, não é? Alguns crimes nesta cidade têm um pano de fundo que foge à nossa compreensão. O que encaminhei à você hoje, Frank, por mais que eu não queira admitir, parece conter esse sinais. Independente de coibir sua atividade, não posso vetar ocorrências que são de responsabilidade do departamento, não vou despachar o que não me agrada por esse sentimento de proteção e principalmente por você, Frank. 

- Mudou de ideia assim tão rápido por que? - perguntou o detetive. 

- Porque vi que é inútil colocar você na linha do modo como eu acho melhor depois de absorver a verdade. Eu vou dar permissão de casos de origem sobre-humana exclusivamente à você, tal como o Ernest. Mas ainda me oponho à essa visão superestimada que tem desse legado. - estendeu a mão para Frank - Podemos fazer as pazes? 

O detetive relutou um pouco e olhou para Carrie que fez um meneio rápido de cabeça. Frank deu um aperto de mão que Giuseppe esperava para selarem a harmonia restaurada. 

- Eu sei que em alguma coisa você será diferente do Ernest. - disse Frank - Não vai me incentivar a dar o meu melhor pela sua falta de fé. Você tá diante de um especialista, não de um cara que começou ontem a exorcizar demônios ou espantar fantasmas. Não precisa botar fé em mim, você tá coberto de razão, não posso mudar nada sozinho. 

- Agora entende, diretor? Ainda que leve mais que uma vida pra erradicar esse mal, ao menos existe alguém capacitado pra fazer o que pode dentro do que conhece sobre esse mundo assustador. - disse Carrie. 

Giuseppe deu um longo suspiro pela boca voltando a sentar-se à sua mesa. 

- Como eu não posso remover um agente que já está em pleno exercício durante uma investigação... Me resta coloca-lo numa missão conjunta com Lucy Valley. 

- Tá querendo dizer que... o caso que o senhor me repassou a Lucy tá investigando também? 

- E eu achando que... - disse Carrie, espantada. 

- O superintendente foi quem repassou o caso à você, Sra. Wood. - disse Giuseppe olhando-a fixamente.

- Sim... ele mesmo. - disse Carrie, fechando os olhos brevemente - Ele também está a par da vida dupla do Frank. 

- Muito bem, assim que eu gosto. Franqueza em sua mais pura essência. - fez uma pausa - Dispensados.

Frank e Carrie saíam da sala do diretor para recuperarem o ar. 

- Por muito pouco o legado Montgrow não encontra seu fim na decisão descabida de um chefe policial. - disse Carrie - Esse mala tinha que xeretar os arquivos e encontrar a maldita gravação do teste do polígrafo... Ernest devia ter destruído aquilo.

- Vendo pelo lado bom, pelo menos ele caiu em si e me deu oportunidade de trabalhar em dupla com alguém conhecido. Espero que a Lucy não tenha ido rápido demais pra não deixar uma casquinha pra mim.

                                                                               ***

Numa rua movimentada e com tráfego abundante de carros, Spike realizava malabarismos com quatro pinos de boliche, sem desistência mesmo com as migalhas de atenção que conseguia com os olhares rápidos de pessoas que passavam sem nenhum interesse pelo talento do mímico com habilidades circenses. Uma mulher de cabelos com luzes e vestindo um casaco marrom passara perto de Spike, ignorando seu número. Porém, o mímico rapidamente tratou de largar os pinos e barra o caminho da moça fazendo a clássica mímica da parede invisível. A mulher o encarou claramente zangada. 

- Era só o que me faltava. - disse ela, revirando os olhos - Perdi dois ônibus pra chegar até aqui e justo quando estou à um quarteirão do trabalho me aparece um palhaço maluco pra torrar minha paciência. 

Spike ficou sério ao corrigi-la fazendo sinal de "não" com o dedo indicador direito e destacando a pintura do seu rosto. 

- Eu não entendo linguagem de sinais. - retrucou ela, azeda. 

O mímico sorriu com sua boca excepcionalmente larga, seus dentes meio sujos causando certa repulsa na mulher, dando passagem à ela como um cavalheiro deixando a dama seguir. 

- Obrigada. - disse ela de má vontade. Contudo, ela acabara batendo seu nariz numa autêntica parede invisível - Ai! - Spike deu uma risadinha presa - Caramba, você fez mesmo uma parede! Eu podia ter quebrado o nariz, seu imbecil! - reclamou ela fazendo Spike parar de sorrir - Que negócio é esse? Você é um bruxo por acaso? Sai pra lá, tenho mais o que fazer do que dar atenção pra um esquisitão! - disse aquilo olhando-o de cima à baixo. Seguira seu rumo deixando Spike com uma expressão séria de desapontamento. Mas o mímico sorriu consigo mesmo e acompanhou os passos dela. 

Enquanto isso, Frank estacionava o carro em frente ao circo Damasque. Mas ao sair do veículo, tivera uma surpresa espantosa. 

- Lucy!? - disse ele prontamente indo até ela. 

A investigadora arqueou as sobrancelhas ao vê-lo. 

- Frank, você por aqui? Como sabia onde eu estava? 

- O diretor considerou que eu e você possamos investigar o caso dos assassinatos. Não foi avisada? 

- Quando eu saí de lá, o caso tava completamente nas minhas mãos. O que aconteceu pra ele botar você numa parceria comigo assim de uma hora pra outra? 

- Não tem importância, é que... Olha, vamos aproveitar que ele tomou essa decisão e trabalharmos juntos, eu tô achando o máximo ter você como parceira, combinarmos nossos estilos. 

- Sinceramente, o diretor fez uma ótima escolha. - disse Lucy sorrindo - Eu acabei de interrogar o trapezista, o Raymond. Podia ter me ligado, sabia? 

- Pois é, mas... quis fazer uma surpresinha. - disse Frank coçando a parte de trás da cabeça. 

Lucy deu uma risada leve e rápida. 

- Isso é bem Frank Montgrow. Sobre o Raymond, eu o forcei a aprofundar seu papel de quase testemunha ocular. Funcionou. Ele deu detalhes sobre o tal homem caracterizado de mímico que viu saindo da tenda de Ronald Foster pouco antes de encontra-lo morto. Reconheceu mesmo de longe. O cara se chama Spike, ex-funcionário do circo, era palhaço, mas foi expulso por um motivo que Raymond nunca soube por Foster nunca se abrir com ninguém sobre isso. Reymond entrou no circo pouco depois da demissão de Spike, mas conseguiu acha-lo e ficou amigo dele. Spike virou mesmo mímico, entretendo pessoas nas ruas... ou pelo menos tentando. Isso porque da última vez que o viu, Reymond disse que ele parecia deprimido com a falta de sucesso nessa vida que escolheu. Nunca mais foi aceito em nenhum circo, parece que o caso repercutiu. 

- Eu é que não vou passar pano pra um suposto assassino por ele estar sem eira nem beira. - disse Frank.

- Me dá pena alguém lidando com a escassez de oportunidades na vida, mas tenho que agir como minha profissão demanda. Tudo indica que ele é o culpado, mas precisamos de uma prova ainda mais concreta que o enquadre, até porque Spike estava desarmado e a perícia confirmou que os golpes na cabeça de Foster foram de machado, isso que torna esse caso estranho. Reymond não o denunciou como suspeito por ele ser mudo. A propósito, consegui endereço da casa dele. - disse Lucy entregando um papelzinho à Frank - E além disso, consegui nomes e localizações de veteranos da época do Spike.

- Boa, assim dá pra obter a verdade sobre a demissão do Spike com um deles. - disse Frank um tanto empolgado para iniciar a investigação conjunta - Vamos fazer o seguinte: Eu vou até a casa do Spike e você interroga os veteranos do circo. 

- E se ele estiver lá, como acha que... 

- Ele dá um jeito. Escrevendo num papel, talvez. - disse Frank, despreocupado.

- OK, fechado. É como dizem: Duas cabeças às vezes podem pensar melhor que uma. - disse Lucy - Boa sorte. 

- Pra nós dois. - disse Frank, satisfeito em enxergar Lucy como uma aliada potencial na resolução do caso. 

                                                                             ***

Spike seguia a moça que havia abordado até o fim. Escondido na parede de um prédio, a viu entrando quase correndo numa cafeteria, o local de trabalho ao qual ela tanto lutou para chegar pontualmente. Ele até imaginou que fosse dela ter descoberto sua perseguição, mas achou mais plausível que a pressa tivesse sido o motivo para chegar daquele jeito. 

Ela deixou seu casaco pendurado num cabide perto do balcão.

- Bom dia, Janet. - disse uma colega sua também garçonete da cafeteria - Como foi ontem no EAD? 

- Um fiasco graças à minha internet com velocidade de carroça. - disse Janet pondo seu avental. 

Spike adentrava no estabelecimento discretamente, sentando-se numa mesa não tirando os olhos de Janet. A colega dela a cutucou antes de pegar uma bandeja com pedidos pra uma mesa. 

- Janet, atende aquele cara ali da mesa oito, por favor. 

Mas ao se virar, Janet sentiu o coração palpitando de tensão. Spike a olhava sorrindo e acenando com os dedos movendo. 

- Midge, vai você, deixa que eu entrego esse... 

- Ah não, amiga, a mesa quatro é toda minha. Nada de uma fazer o serviço da outra. Regras da casa, esqueceu? - disse Midge pegando a bandeja e saindo. Janet ficou a olhar estática Spike que movia a cabeça como se estivesse curtindo o som da música em volume médio tocando no rádio da cafeteria. Mas ao invés de cumprir sua obrigação, se deslocou para o corredor onde ficava o banheiro feminino. Ao ver que o homem da mesa ainda esperava e Janet não estava à vista, Midge resmungou - Ah, essa garota... 

Spike fora atendido por Midge que gentilmente veio à ele com um bloco de notas. 

- Olá, vai querer alguma coisa? 

O mímico fizera uma mágica retirando da manga de sua camisa listrada um buquê de flores. 

- Oh, que lindo. - disse Midge impressionada - Adorei. A mágica e as flores, aliás. - pegara o buquê de rosas vermelhas - Vou só colocar num vaso e já volto. 

Spike sorriu serenamente para ele em agradecimento. O movimento no local aumentava e Spike viu não apenas na distração que criou para Midge, uma brecha segura para ir até Janet. Saíra da mesa e andou para perto da entrada do corredor sem chamar atenção. Andou uns passos para trás e rapidamente dobrou para o corredor. 

Janet saía do box fechando a porta. Abru a torneira para lavar as mãos. No entanto, seus olhos arregalaram-se com o que saía do box vizinho ao que estava. Virou-se de repente, esquecendo a torneira jorrando. 

- O que você tá fazendo aqui? O que você quer de mim? - perguntou ela, aterrorizada. 

Spike sorria zombeteiro para ela e parecia esconder algo atrás. 

- É dinheiro? Queria que eu pagasse por ver o seu truque? Eu pago, mas isso é sacanagem. Qual é a sua? Não vai dizer nada? - perguntou quase aos berros. 

O mímico "mostrara" o que escondia. Pelos movimentos que fazia, parecia ser uma tesoura de jardineiro invisível. 

- Você é doido ou o quê? - indagou Janet, apavorada. Aquelas foram suas últimas palavras. Spike avançou a tesoura para a garganta de Janet fazendo espirrar sangue intensamente no espelho. Spike saiu do banheiro assoviando alegremente, deixou uma gorjeta na mesa e foi embora da cafeteria sem ser notado. Midge voltava para anotar seu pedido, mas estranhou ao ver apenas a nota de um dólar na mesa. Ela resolveu procurar por Janet no banheiro feminino. . 

- Janet! Não adianta fugir, eu vou falar pro chefe que você negligenciou um cliente por pura frescura. Janet! - viu uma água avermelhada escorrer por baixo da porta - Janet?

Ao abrir a porta do banheiro, ficou embasbacada e boquiaberta. Janet estava caída de joelhos sobre a pia ainda jorrando água que se misturava ao sangue dela profusamente expelindo da garganta. Midge sentiu um arrepio ao ver os olhos de Janet abertos e o buraco no pescoço. Ela soltara um grito de horror o mais alto que pôde. 

                                                                            ***

A casa que Spike alugara era de uma fachada modesta, mas que necessitava de alguns rebocos para tapar partes com tijolos aparecendo. Frank saiu do carro sentindo o sol escaldante do início da tarde queimar na sua cabeça e seguiu para entrar sorrateiramente na residência. Vistoriou o interior pelas janelas descortinadas, constatando não haver ninguém. Ainda assim, preferiu entrar pela porta dos fundos enfiando um grampo na fechadura. Seguiu por um corredor e viu uma porta entreaberta.

Abri-la produziu um rangido fino e longo. Era o momento de fazer um check-up naquele quarto. Frank voltou-se para uma cômoda e remexeu gavetas, das menores às maiores, espalhando coisas aos monte numa busca obstinada por qualquer suposta prova que suportasse a ideia de um recurso sobrenatural de que se valia Spike para cometer os crimes bárbaros. 

Demorou um pouco para reparar num cartão com a frente virada para cima em meio às coisas que variavam entre roupas velhas e cadernos com anotações, muitas delas de falas que Spike escrevia para se comunicar com as pessoas. Pegara o cartão, se agachou e leu os dizeres: 

- "Madame Lakshmi. Seu futuro revelado com precisão divina." Ainda tem gente que cai nessa? 

O celular do detetive tocara vibrando no modo silencioso. 

- Alô, fala Carrie. 

- Hoje de manhã aconteceu a oitava morte pelo mímico sanguinário. Matou uma garçonete de nome Janet Walker, foi numa cafeteria no centro da cidade, bem perto de onde o Spike costuma ser visto fazendo sua arte que não desperta interesse em ninguém. A colega da Janet, Midge Trouble, foi quem descobriu Janet morta no banheiro com um rasgo terrível na garganta. Ela disse aos policiais que havia sim um cara trajado de mímico lá, careca e sorridente, fez uma mágica pra ela tirando flores da manga e depois que ela foi colocar um vaso não o viu mais, porém ele deixou uma nota de um dólar. Segundo ela, Janet se recusou a atende-lo, o que alimenta a teoria de que ela foi seguida até ali. Um bisturi ou canivete não faria um estrago daqueles, segundo a perícia. 

- Então ele usou um instrumento um pouco maior. Mas eis a questão: Como trazer a arma do crime sem levantar suspeitas? Será que ninguém reconheceu pra denunciar? Devem ter cartazes espalhados por aí alertando sobre um mímico altamente suspeito de assassinato em série. 

- É um lembrete do quão lerda ainda é nossa polícia. - disparou Carrie - Depois fazem greve pedindo reajuste. 

Frank notara algo se destacando em meio aos envelopes de cartas. 

- Espera um pouco aí... - disse pegando o objeto que nada mais era que uma moeda de ouro. Frank a analisou na frente e no verso - Eu tô na casa do Spike nesse momento. Dois grandes achados. 

- Como é? Muita coragem sua, parabéns. E se ele aparece aí de repente?

- Eu lá vou amarelar diante da porcaria de um assassino que vai virar comida de verme sete palmos debaixo da terra como todo mundo. Olha, escuta só: Encontrei um cartão de visita de uma suposta vidente, a madame Lakshmi. 

- Lakshmi? Não me é estranho, parece hindu... 

- Não parece, é. O nome de uma deusa indiana, mas deve ser apenas pseudônimo. Essas videntes de fundo de quintal adoram usar esses nomes pra passar a ideia de serem fodonas no que fazem e o pior é que conseguem arrancar grana de gente tapada. E a segunda coisa é... uma moeda de ouro. Mas não parece ser qualquer uma não. Vou te mandar uma foto, espera. - disse Frank, acionando a câmera do seu celular para fotografar a moeda. Enviou a imagem para o celular e aguardou ela retornar. Frank escutou seu medidor eletromagnético produzir barulho e o retirou, deixando o celular no chão.

O aparelho emitiu leitura máxima vinda da moeda. 

- Frank, na escuta? - perguntou Carrie. Frank guardou o medidor num bolso interno do sobretudo e pegara o celular. 

- Oi, diz aí. O que você acha? 

- Tô pesquisando por uma lenda que já havia lido a respeito recentemente. A imagem dessa moeda me remeteu à ela. Aqui está: O cara ou coroa que marcou o desfecho de uma rivalidade entre piratas. No site tem uma ilustração com as mesmas imagens dos dois lados da moeda. Pra te dar uma resumo: Duas tripulações piratas inimigas estavam de olho em sacas de moedas de ouro, mas a tripulação do capitão Armando, que era porto-riquenho, as obteve primeiro. Para negociarem as sacas com os inimigos, Armando lançou uma estratégia que consistia num jogo de cara ou coroa usando uma moeda enfeitiçada. Se desse cara, eles ficavam com tudo, mas dando coroa, eles teriam que entregar as duas sacas aos inimigos inclusive a moeda do jogo. De acordo com a história, o lado cara da moeda mágica permite fazer qualquer desejo e o lado coroa causa uma maré de azar que pode ser fatal. Armando e sua tripulação levaram a melhor e os inimigos ficaram com a moedinha, mas não contavam que estar com ela os levariam a serem engolidos por um redemoinho no meio de uma tempestade. Não sei se é desperdício de tempo e combustível ir até essa Madame Lakshmi. 

- Carrie, um bom motivo pra eu acreditar nessa lenda é o fato do meu medidor de EMF quase ter estourado quando peguei a moeda. Perda de tempo ou não, tenho que ver se a tal vidente é uma bruxa e teve papel importante pro Spike levar a cabo à matança vingativa dele. - disse Frank que logo olhou para a porta ao escutar passos - Ah essa não...

- O quê? Você ouviu alguma coisa? - perguntou Carrie, tensa. 

- Acho que o Spike chegou pra paradinha do almoço. - disse Frank quase aos sussurros - Vou desligar. Tchau. 

Frank correu para ficar atrás da porta e a moveu com o pé esquerdo para deixa-la entreaberta do jeito que encontrou ao chegar. Spike viera ao seu quarto e parou surpreendido com a bagunça das gavetas e as suas coisas. 

O mímico abriu mais a porta praticamente imprensando Frank contra a parede e ficou a olhar raivoso para as coisas desarrumadas, desconfiando de um invasor. Mas ao invés de procurar saber, ele viu as manchas de sangue na sua camisa listrada e decidiu que uma lavada ajudaria a distraí-lo dos problemas. Saiu puxando a maçaneta para fechar a porta. 

Frank andou meio que na ponta dos pés até a janela, daquelas de levantar para abrir, e abriu com força, logo pulando para fora. No entanto, exagerou um pouco na força ao fecha-la, gerando um barulho. Os passos de Spike foram ouvidos novamente. Frank abaixou-se ágil. O mímico reabriu a porta com um cara zangada, mas não vira nada próximo à janela além das plantas. Durante o fechar da porta, continuou olhando com extrema desconfiança. 

Frank ergueu metade do rosto para conferir. O detetive saiu correndo de lá, pulando a cerca baixa de madeira e indo em retorno ao seu carro que sabiamente estacionou no outro lado da rua. 

                                                                           ***

A residência de Lakshmi tinha um aspecto ainda mais empobrecido que o da de Spike. Na fachada estava uma placa retangular grande acima da porta e abaixo, no chão, um tapete velho escrito  "Bem-vindo". Frank entrou e sentiu um forte cheiro de incenso tomar conta das suas narinas. O lugar se assemelhava a um armazém, mas ao invés de mantimentos viam-se artefatos como vasos com pinturas artísticas e outros objetos que o detetive teve certeza não serem recomendados para uso despreparado para pessoas normais. A chegada de Lakshmi obstruiu sua concentração nos itens expostos. 

- Olá, boa tarde, em que posso ajuda-lo? - perguntou ela, uma mulher de meia-idade com cabelos pretos e nitidamente de ascendência indiana. Usava um bindi vermelho na testa e roupas associadas à cultura hindu. 

- Boa tarde. Soube que você é uma vidente bem requisitada. - disse Frank aproximando do balcão de madeira. 

- Eu normalmente recebo de dois a três clientes por semana. Seja lá de quem você ouviu, está me superestimando. - disse Lakshmi encarando Frank com seus grandes olhos maquiados de sombra - Alguém me denunciou por charlatanismo? 

- Não, mas se isso for uma confissão disfarçada, talvez uma denúncia pode acontecer. Bem, vou direto ao ponto: Isso aqui lhe é familiar. - disse Frank, retirando a moeda do bolso do sobretudo e mostrando-a. Lakshmi a olhou com suspicácia.

- Só existe um cliente pra quem vendi essa moeda. - revelou ela. 

- Deixa eu adivinhar: Careca, rosto pintado e roupa, tudo relacionado à figura de um mímico? 

- Se ele é mímico, eu não faço ideia, mas sim, era careca. 

- Se comunicando por linguagem de sinais? 

- Não, ele escrevia num caderno e através disso fez o pedido de uma moeda encantada. 

Frank sentiu que havia dado mancada em não olhar os cadernos que desarrumou. 

- O seu cliente tá sendo fortemente acusado de assassinatos brutais, já matou oito pessoas. Eu sei que o jogo de cara ou coroa dele deu cara. O que ele desejou? 

- Ah, então você sabe da lenda. - disse Lakshmi sorrindo presunçosa - Mas se quiser uma moeda não pode se tornar portador desta sem jogar. Explicando melhor, o novo portador existe somente quando se faz o jogo para passar a moeda adiante, independente de ser o velho ou o novo a jogar. Essa ainda pertence à ele. 

- Tá bom, vou guardar essa e pagar por uma novinha. Mas ainda não respondeu minha pergunta: O que ele desejou? 

- O motivo para os crimes dele saírem perfeitos tem a ver com o próprio desejo feito. - disse Lakshmi apoiando seus cotovelos no balcão - Ele desejou que sua imaginação tornasse tudo o que ele acredita real.

- Então é isso... - disse Frank meio pensativo - Ele é um mímico, daí com o desejo pode imaginar qualquer arma invisível pra destroçar com as vítimas. - olhou para Lakshmi - É sério, vou querer uma. 

A mulher que dizia-se vidente o fitou com interesse, parecia até estar paquerando com o detetive. Ela se abaixou para pegar uma moeda. 

- Tá na mão. - disse ela entregando-a. Frank pegou e em seguida mordeu a moeda para verificar a autenticidade - Yankees. - falou Lakshmi revirando os olhos - É bom de cara ou coroa? 

- Sou melhor em pedra, papel ou tesoura. - disse Frank olhando para a moeda. 

- Nesse caso, me deixe jogar. Quer mesmo arriscar? Se der coroa, você já era. Não há escapatória. 

- É tudo ou nada. - falou Frank, decidido a testar sua sorte. Lakshmi pegara a moeda e jogara para cima. Tapou-a quando caiu no dorso da sua mão direita. Conferiu o resultado - Sem suspense, por favor. 

Lakshmi mostrara para qual lado a moeda caíra. 

- Cara. Deu sorte, bonitão. E eu também. São 50 dólares. 

- Quê? Ah sua... - disse Frank pegando sua carteira. Retirou cinquenta dólares e pagara pela moeda. Mentalmente já fazia seu desejo para enfrentar Spike de modo a blinda-lo do furor mortífero do mímico

                                                                             ***

Já caíra a noite e Lucy não havia ligado nem mandado mensagem para atualiza-lo sua linha investigativa com o caso de Spike. Frank passava por uma rua quase deserta quando finalmente recebeu uma ligação da amiga.

- E aí, sumida. Qual é, por que a demora? O celular descarregou? 

- Ocupada demais interrogando dez homens com alguns intervalos pra arejar um pouco a cabeça. - disse Lucy ligando da casa de Spike que estava corajosamente invadindo naquele exato instante - E você? Algum progresso?

- Ahn... - a mente de Frank travara não sabendo como inventar falsos detalhes fora dos que realmente coletou - Me conta de você primeiro. O que os veteranos do circo disseram? Algum deles desembuchou sobre o motivo da demissão do Spike? 

- Sim, um deles conviveu com o Spike na época dele em que faziam uma dupla de palhaços. Foster pegou ele... estuprando sua filha amarrada numa cama. Esse mesmo ex-palhaço disse que Spike tinha o hábito de levar meninas que assistiam aos seus shows no circo para sua casa e tranca-las num porão e usar e abusar delas a hora que quiser. Ele disse que Spike pode manter essa prática ainda hoje, mas agora sequestrando adolescentes. E eu tô aqui pra tirar isso a limpo. 

- Peraí, Lucy... O palhaço que era colega do Spike te sugeriu pra ir na casa dele ver se tem uma garota encarcerada? 

- Relaxa, a casa tá um breu, não tem ninguém. - disse Lucy passando pelo corredor.

- Lucy, pelo seu bem, sai daí agora. É muito provável que esse cara te mandou pra uma armadilha, pode ter contato com o Spike e ainda por cima endossa os crimes dele! Por favor, mete o pé daí!

- Frank, não vou fugir agora que cheguei tão perto. - disse Lucy. Mas a detetive ouvira passos atrás dela. Levou sua mão vagarosamente ao sobretudo para pegar sua arma. Ao virar-se rapidamente, mirando a arma, Spike desferiu no rosto um golpe violento de um porrete invisível que a derrubou. O celular caiu com Frank ainda na linha. Spike pegou o aparelho, sorrindo sadicamente e encerrou a ligação.

Um frio na espinha acometeu ao ver que a chamada foi encerrada após um silêncio. Ligou para Carrie.

- Carrie, sabe o número da placa do carro da Lucy? 

- Todos os números de placas de carro estão no banco de dados. Frank, o que houve? 

- Pega no banco de dados e hackeia o monitoramento de veículos. 

A assistente levou cinco minutos para ambas as tarefas. 

- O carro dela tá seguindo... para onde o circo Damasque se instalou, você sabe onde é. 

- Valeu. O desgraçado do Spike sequestrou ela por ter invadido sua casa, com certeza não a manteve lá sabendo que ela podia estar falando com algum detetive que bisbilhotou as coisas dele mais cedo. 

- Nossa... Voa até lá, te ligo mais tarde pra saber o que rolou. Eu espero que atenda.

- Eu vou atender, fica certa disso. O mímico hoje vai se borrar nas calças. - disse Frank, a raiva crescendo. 

                                                                             ***

Lucy despertava com as pálpebras pesando e uma visão turva que via o cenário ao redor como um grande borrão. Logo sentiu os pulsos amarrados por uma pano fino numa cadeira. Spike estava diante dela fazendo movimentos que indicavam estar segurando um serrote invisível. Apontou a arma para ela, ameaçando serra-la ao meio. Com sua visão reajustada, Lucy deixou-se sorrir até soltar uma risada. 

Spike estranhou de imediato a reação com uma expressão de seriedade e contrariedade. 

- Não era isso... - disse Lucy terminando de rir - ... que tanto você queria? Alguém que sorrisse pra você pelo seu talento com a mímica e os dotes de palhaço. É o que estou dando à você, Spike, de muito bom grado. Esta é a sua arte, não o assassinato. É com sorrisos de alegria das pessoas que você deve se alimentar, não com o sangue delas nas suas mãos. 

O mímico a fitava e chegava a sinalizar, ficando um tanto pensativo sobre seus atos, uma revisão de conduta. Contudo, um tiro acertou a parede daquele lugar que parecia um depósito de objetos do circo. Frank vinha com a arma em riste. Spike retomou com o curso de seu plano e mudou a arma para uma marreta. Frank viu pela sombra que a luz de um abajur fazia dele na parede. Spike o atacara, porém o detetive pareceu não sentir o impacto da marreta no seu rosto que não se virou um milímetro. Spike ficou horrorizado parecendo ter visto sua marreta quebrada. Em resposta, Frank desferiu um cruzado de direita que o fez voar contra uma estante e tudo o que estava nela caiu sobre ele numa chuva. 

Frank fora rápido em desamarrar Lucy. 

- Como você chegou até aqui? Me fala! 

- Explico depois, agora foge, vai, vai, vai! 

A detetive correu tirando os panos dos pulsos. Frank concentrou-se em Spike que levantava-se. O mímico sorria confiante e usou um machado invisível. Tentou golpear Frank que segurou a arma com a mão direita e com a esquerda agarrou o braço de Spike que sentia dor. Frank dera uma cabeçada forte na testa dele. Aproveitando que ele estava caído e vendo estrelinhas por conta do golpe, Frank tateou o macacão preto na parte do bolso. Retirou a moeda com a qual fizera o desejo de sua mímica realista. 

Frank tirou um isqueiro e queimara a moeda, jogando numa lixeira. 

- Feitiço cancelado, amigão. 

Mas Spike levantou-se querendo revidar com seus próprios punhos, mas Frank ergueu de leve mãos pedindo para ele parar. 

- Ei, ei, pisa no freio aí! - disse Frank, mostrando sua moeda - Eu também consegui uma moeda com aquela vidente ou bruxa, a tal da Madame Lakshmi. Deu cara e desejei ganhar uma super-força que nem a do Super-Homem pra facilitar meu trabalho contra você. Tô afim de transferir a posse dela pra você. 

Spike não gesticulou com recusa, mas pareceu intrigado. Ele sorriu aberta e maldosamente.

- Quer jogar, não é? Fechado, então... Lá vai. - disse Frank jogando a moeda para cima - Opa... - conferiu o resultado - Foi mal, deu ruim pra ti. - exibiu a moeda - Coroa. 

Spike encarou a moeda com certa aversão e recuava. Saiu correndo pela mesma passagem por onde entrou o detetive e fugiu Lucy. 

- Ei, volta aqui, não vou ficar com isso não! - disse Frank saindo em disparada atrás dele. 

A corrida desesperada do mímico se distanciava da área do circo, passando por um beco cheio de poças d'água e pisava fundo nelas. Todavia, quando imaginou não haver ninguém no seu encalço, foi pego de desprevenido por duas viaturas que chegavam para encurrala-lo com suas sirenes azuis e vermelhas piscando. 

- Polícia de Danverous City! Mãos na cabeça! Nenhum movimento brusco! - bradou um policial. 

Frank alcançou as viaturas no momento em que Spike estava sendo levado algemado para dentro de uma delas. O mímico o fitou com um semblante de raiva e desprezo e foi empurrado pelo policial. 

- Como foi que vieram pra pegar o meliante assim tão rápido? - perguntou Frank. 

- Graças a mim. - disse Lucy vindo correndo até ele - Vi eles patrulhando aqui nas proximidades, contei logo sobre o assassino procurado. 

- Muito obrigado pela cooperação, detetive Valley. - disse o policial - Detetive, Montgrow. - acenou com a cabeça para Frank.

- Opa. - disse Frank dando um joinha e uma piscadela - Ótimo trabalho. 

Os dois detetives ficaram silenciosos até as viaturas saírem com suas sirenes barulhentas. 

- Eu bem que gostaria de dar uma carona... - disse Frank um pouco retraído. 

- Spike pegou meu carro pra me conduzir ao cativeiro. E me pôs no porta-malas como se fosse uma bagagem.

- No porta-malas?! Filho da mãe. - disse Frank, indignado - É, ele deu azar de cruzar com os fardados. 

- Frank, obrigada. Meu herói. - disse Lucy com tom risonho - A gente se vê num dia desses. 

- Pode crer. - disse Frank, despedindo-se com um abraço e um beijo na bochecha. 

O detetive retornara para onde estacionou seu sedã prata. Porém antes de entrar no veículo, tivera uma ideia ao lembrar-se do que Lakshmi disse. "Independente de ser o velho ou o novo a jogar...", pensou ele raciocinando. Pegou a moeda que surrupiou do quarto de Spike e a jogara para o alto. A moeda caiu. Ao verificar o resultado, dera um sorrisinho de confiança. 

                                                                            -x-

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.

*Imagem (filme "All Hallow's Eve") retirada de: https://manualdohomemmoderno.com.br/filmes-e-series/assustador-10-filmes-de-palhacos-do-mal-que-voce-tem-que-ver

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