Frank - O Caçador #78: "Um Drink Peçonhento"


Um dia após sua fuga impulsiva da casa de Frank, Axel vagava pela noite na região suburbana da cidade não sentindo o menor temor pelo futuro como um desajustado vítima de uma violação que controlava seu corpo e mente. Naquela noite belamente enluarada, achara um bar de baixa categoria para se refrescar um pouco. O único conselho de Frank que tentava manter-se seguindo era o de se distanciar ao máximo de conflitos que pudessem estimular suas emoções para a violência e consequentemente reativasse o feitiço petrificador. Entrara no bar e sentiu-se reprimido ao ver que estava bem lotado. Mas ainda assim passou por uns caras mal-encarados para chegar a uma mesa vaga. Enfiou sua mão no bolso da calça jeans retirando um maço de notas obtidas de um cassino aprendendo rapidamente a utilizar uma máquina caça-níquel. 

- E aí? Pelo que vejo, tá afim de sair sendo carregado por dois caras. - disse o garçom olhando para o maço de notas.

- Não, eu só vim... limpar minha mente dos problemas. Acho que uma dose será suficiente. 

- Tem certeza? A casa tá cheia, meu estoque tá reduzindo e você tá com cara de que tem problemas que uma única dose não pode resolver. - disse o garçom notando o aspecto de tristeza no rosto de Axel. 

- Uma só mesmo, eu tô legal. Aqui é meu refúgio temporário pra ficar de bobeira e nada mais. 

Axel pusera uma nota sobre a mesa. O garçom a pegou, não convencido da necessidade dele. Sentou-se e esperou olhando para o monte de homens e algumas poucas mulheres. O garçom colocou o copo cheio de um uísque ardente perto dele.

- Se tiver compensado, me avise.

- Obrigado pela preocupação. - disse Axel pegando o copo, logo servindo-se de um gole. Uma dupla de homens cobertos por mantos de estatura alta e porte robusto surgiram no estabelecimento atraindo muitas atenções. Os visitantes chamativos pareciam correr os olhos pelo lugar à procura de alguém. Um deles esbarrou num cara tatuado fazendo derramar sua cerveja. Revoltado, ele virou-se para quem aparentemente o empurrou, praguejando contra o grandalhão que repentinamente o segurou peço pescoço levantando-o do chão e o arremessou contra uma mesa ocupada. Outros dois vieram enfrenta-lo e o acompanhante também se envolveu na confusão que se tornou cada vez generalizada. 

Axel pôde vislumbrar a mão do homem enorme no momento em que ele agarrara o pescoço do tatuado. Uma tensão lhe subiu com arrepios. Abandonou a bebida e tentou sair se esquivando do quebra-quebra de pancadaria que se instaurou no bar, afugentando vários clientes. Axel corria para fora olhando para trás, porém sentiu a mente ser invadida. Nero estava novamente realizando sua possessão psíquica, privando-o de movimentos voluntários. Um dos homens robustos também sofrera a possessão, indicando que o governante de Gargóvia aperfeiçoou a técnica. 

- Idiotas, ele acabou de sair e vocês perdendo tempo com confusão desnecessária! Ele está aqui fora, venham depressa! - disse Nero através da boca do seu subalterno gárgula, logo o libertando - Vamos se mandar daqui - falou ele, recebendo uma cadeirada. A cadeira quebrou-se nas costas e o agressor se espantou com um pouco de medo. Axel foi visto pelos soldados de Nero parado ali próximo e correram para aborda-lo. 

No entanto, ele recuperava sua autonomia psíquica, livrando-se da possessão antes que os dois perseguidores o alcançassem. Axel fugiu, despistando-os. Dentro de uma latão de lixo num beco, os viu passando por uma calçada procurando-o. Seus olhos encararam os dois grandes homens de pedra furiosos pelo descuido de deixarem-no escapar. 

  ______________________________________________________________________________

CAPÍTULO 78: UM DRINK PEÇONHENTO

Frank telefonava para Nathan a fim de saber se o jovem que dizia-se seu filho havia coletado pistas quanto ao paradeiro de Axel em algum ponto do subúrbio, uma das zonas que presumivelmente ele teria se enveredado para viver como um nômade. Faltava pouco mais de uma hora para Frank chegar ao trabalho, um tempo incomum para seu horário de saída de casa. O que explicava o pequeno atraso nada mais era que uma busca, ao lado de Nathan, pelas ruas no meio da madrugada por algum sinal de Axel. Com o insucesso, o detetive se convenceu do quão longe ele foi por um motivo que sequer justificou num bilhete. A esperança frágil de que ele aparecesse logo ao amanhecer ajudou a mitigar o sono. 

- Alô, Nathan. Onde você tá agora? Tô prestes a sair pro DPDC, liguei só pra você me atualizar. - disse Frank na sala. 

- Não tem nada pra ser atualizado. - respondeu Nathan andando por uma calçada numa rua pouco movimentada - Tirando o fato de que rolou uma briga em um bar aqui próximo ontem. Isso é uma coisa comum e o Axel não é um cara comum... 

- Então o que você tá esperando pra ir até lá e ver se não pega um vestígio? - questionou Frank meio aborrecido.

- Eu não quero tentar a sorte de novo e me arrepender de ter perdido tempo. - disse Nathan soando quase desistente - Faz ideia de em quantos bares passei? Mostrei o retrato falado pros donos e nenhum deles reconheceu. 

- Tô começando a considerar uma teoria... - disse Frank, preocupado no tom. 

- Que o Axel não é um beberrão que vai encher a cara de bar em bar? 

- Não, você sabe que esses lugares são os mais prováveis onde ele poderia estar e com o subúrbio aqui perto... Enfim, a teoria é o seguinte: Ele se entregou ao Nero, simples assim. Talvez o desgraçado mandou soldados dele subirem à noite pra começar a caçada. Se aquele imbecil tiver feito essa besteira, o problema é todo dele. 

- Na verdade, esse problema nunca foi nosso. - disse Nathan parando ao encostar-se numa parede.

- Eu só te pedi pra investigar o paradeiro dele porque não posso me dividir em dois, tenho que pegar no batente o dia inteiro. Olha, me promete que se achar ele vai trata-lo com mais... tolerância? 

- Somos caçadores, não toleramos monstros, especialmente os que posam de vítimas oprimidas dizendo que não sabem, não ouviram e nem fizeram nada. Abre o olho, ele fugiu por livre e espontânea, por si só um ato de traição à sua confiança. 

- Peraí, não vai acusando desse jeito, nem sabemos a razão dele ter se escafedido. Muitas vezes temos que dar o benefício da dúvida, ensinamento de detetive. Além do mais, o Axel morre de medo do monstro subterrâneo que o Nero não quer que destrua o mundo deles e o nosso. Eu não tinha te falado antes: O Axel, pelo que sei, sabe o feitiço para domar o Behemoth, essa fera pré-histórica gigantesca. Ou você sabe do que acontece no futuro em relação ao Axel e tudo isso que falei? 

Nathan comprimiu os lábios não querendo mais prolongar aquela conversa pelo rumo tomado. 

- Melhor você ir logo ou vai se atrasar. Fico te mantendo informado durante o dia. 

- Tá OK, mais uma vez você se nega a contar do futuro. Sem problema, eu entendo. 

- Você tenta entender, mas a curiosidade não deixa, né? No seu lugar, eu também não ia gostar nada. 

- Nathan, você tem todo o direito de deixar escapulir alguns fatos ou não, mas eu compreendo, tô ciente do perigo que isso traz pra sua existência e o futuro no geral. Não esquece o que eu te disse hein. 

- Se eu chegar a encontra-lo... - disse Nathan expressando uma certa má vontade - Tchau, a gente se vê. 

O jovem caçador desligara, retomando sua andança para ir ao bar no qual ocorrera a briga que estava sendo falada com determinado alarde. Ao chegar no estabelecimento que no momento se encontrava praticamente vazio - somente uns quatro caras jogando sinuca -, fora diretamente ao balcão. Para seu contentamento, viu o balconista erguer seu corpo que estava abaixado arrumando umas coisas. Nathan foi logo retirando o papel com o retrato falado que virou a noite desenhando. 

- Bom dia. - disse ele ao que o balconista e dono do bar, um homem meio gordo com cavanhaque, retribuiu - O senhor reconhece esse cara? Passou por aqui recentemente? - perguntou exibindo o retrato falado sobre o balcão.

O dono do bar pegara a folha e analisou o esmerado desenho hiper-realista. 

- Você quem fez? - perguntou ele. 

- Sim. - respondeu Nathan paciente pela resposta. 

- Você é fera. - elogiou o dono, empurrando a folha de volta - Realmente um cara bem parecido com esse desenho... Não, ele tinha exatamente esse rosto. - olhou de novo para o desenho e depois para Nathan - Ele entrou aqui com um maço de dinheiro, pensei até que queria se entupir de álcool pra afogar as mágoas, mas não, apenas jogou uma nota pra mim e pediu uma dose de qualquer coisa pra limpar a mente dos problemas. Achei no mínimo estranho. 

- Eu soube que rolou uma sessão de pancadaria da pesada aqui. - comentou Nathan a fim de sanar uma questão. 

- Pois é, dois homens fortões e grandões vieram, quase passavam da porta pra terem que envergar a coluna pra entrar, daí um deles esbarrou num dos caras do moto-clube. Por um momento eu achei que eles teriam o azar de incomodar, mesmo sem querer, aqueles patifes. Só que não, os sortudos eram eles. Deram a maior surra nos motoqueiros, chegaram a matar dois. O cara da dose única deu no pé enquanto a porrada comia solta. E de repente os grandalhões pararam e saíram. 

Nathan parou para avaliar as informações. A dupla de grandalhões não chegava a ser nenhum mistério profundo. 

- Valeu por colaborar. Eu tô trabalhando numa agência de detetives como estagiário. 

- Ah sim, tudo bem. De nada, rapaz. - disse o dono do bar limpando um copo. 

O jovem caçador saía do bar. Pegou a folha com o retrato falado e a amassara fazendo uma bolinha, jogando numa lata de lixo. No entanto, pensou bem fechando os olhos brevemente. Voltou para pegar a folha e desamassa-la, logo dobrando-a e pondo de novo no bolso do sobretudo. Durante o retorno, percebeu um carro vindo atrás dele encostando devagar.

Nathan franziu o cenho quando o veículo preto parou à sua direita. O vidro fora baixado. 

- Lucy?! - disse Nathan, surpreso - Nossa, que baita surpresa te encontrar hoje depois de ontem... 

- Eu que o diga. Ver você passando me lembrou de como você foi gentil comigo sem ter perguntado se eu não olho por onde ando, até porque eu tava meio distraída. - disse a investigadora esbanjando simpatia - Você mora aqui por perto?

- Não, eu... - vasculhou mentalmente as melhores palavras para justificar - Trabalho pra ADP, tô investigando o caso de uma briga de bar que acabou em duas mortes. A principal suspeita é o de sempre: acerto de contas.

- Outra grande surpresa: Que coincidência estarmos trabalhando no mesmo caso. 

- Também tá na investigação disso?! Pensei que pra uma detetive do calibre exigido pelo DPDC, casos assim passassem batidos. Eu tô apenas estagiando, nem carteira de identificação me deram ainda. Se eu passar nesse teste, quem sabe. 

- ADP ou por conta própria? - indagou Lucy lançando um olhar de suspicácia. 

Neste momento, as pernas de Nathan bambearam, mas a reação estampada na face entregou seu jogo. 

- Ah, está bem, não precisa tremer na base. Se você é um aspirante, não tem problema de vir comigo. 

- Ir... com você? - perguntou Nathan meio incrédulo - Tem certeza de que não é contra o regulamento?

- Não é do tipo de caso que acontece num dia pra ser resolvido no outro. Há muitas variáveis no campo. Junte-se a mim. 

O jovem caçador sentiu a vontade lhe invadir o peito e aceitara o convite. 

                                                                               ***

Departamento Policial de Danverous City

Frank vinha assoviando uma música que não saía de sua cabeça dobrando o corredor onde ficava sua sala. Desacelerou ao ver Carrie parada em frente à sua porta. A assistente veio à ele assim que o viu. 

- Frank, já era tempo. Não vai acreditar na visitinha que tem pra você. 

O detetive abriu a porta da sua sala tomando um baque pelo que estava vendo diante dos seus olhos. 

- Axel?! - disse o detetive, estupefato ao ver o hóspede sentado na cadeira giratória em frente à sua mesa - Como foi que você chegou até aqui? Aliás, onde você se meteu? Por que fugiu de casa? 

- Frank, calma, posso explicar tudo, ou quase, mas, por favor, não se altera... 

- Não tô alterado, tô desapontado com a palhaçada que você fez em sair de casa não deixando nenhum bilhetinho! Cara, oito meses de estadia você seguiu direitinho minha regra pra só agora quebra-la. O que foi que houve? 

- Eu me sustentei com um pouco de dinheiro conseguido num cassino. Sobrou pra pagar um táxi e chegar aqui. 

- E o resto da grana gastou com pinga, não foi? 

- Frank, segura a onda, falando assim você tá parecendo a mãe dele. - disse Carrie aproximando-se. 

- Acontece que quando se trata de um cara como ele tem que agir feito o responsável de um menor. 

- Agora chega, você vai me escutar. Cansei de ouvir sermão! - disse Axel levantando-se abruptamente. 

Frank emudeceu por um instante, não tendo esperado aquela postura rebelde. Na verdade, bem no fundo, até gostou daquela pequena explosão de raiva, achando que estava na hora dele responder às broncas num tom maior. 

- Tá legal, não esquenta a cabeça. Eu não quis te tratar como criança. Só quero saber o que motivou sua fuga. 

- Frank, você tem que me prender. - disparou Axel sem prepara-lo - Eu sou um perigo pra todos. 

- Prender pra quê? Você foi nesses bares e se envolveu em confusão? 

- Não é isso, eu vinha evitando me colocar em situações que fizessem minha maldição reacender. O que quero te dizer... é muito pior. - disse Axel andando vagarosamente pela sala enquanto falava - Eu tava dormindo, acordei por causa do pesadelo... Depois escutei vozes... Peguei um taco ou porrete...

- Meu bom e velho taco de beisebol. - disse Frank - Continua. 

- Desci as escadas e vi umas sombras, mas quando cheguei na sala não havia ninguém. De repente, senti como se minha cabeça pesasse toneladas, achei que fosse explodir. Num instante eu não tinha mais controle do meu corpo ou da minha mente, foi como se minha consciência estivesse ativa, mas acorrentada. Alguém roubou o controle da minha mente... E esse alguém é o Nero. Ele viu onde eu estava, depois me libertou. Quase me fez andar pra ver melhor a localização. 

- Era só o que faltava. - disse Frank passando a mão no rosto - Agora o pedregulho chefão é capaz de possuir mentes e corpos à distância. Os demônios ficariam invejados. 

- Apenas ilustra que esse cara é mais perigoso do que prevíamos. - disse Carrie. 

- E tem mais, uma boa notícia: Parte das minhas lembranças voltaram. A possessão do Nero pode ter desbloqueado as memórias do meu passado que o feitiço não me deixava lembrar. A mais vívida lembrança é de uma mulher, uma mulher que eu amava de verdade. Se tivéssemos tido mais um tempo, eu até casaria com ela. Nessa época eu era um subalterno do Nero, mas não lembro o que eu fazia obedecendo as ordens dele. Tive uma desilusão, essa mulher se revelou um monstro. Mas eu não me importava, a queria do meu lado de qualquer jeito. Num dia... ela mostrou quem de fato era. - fez uma pausa - Uma górgona. 

- Górgonas não são... aquelas mulheres da mitologia grega com serpentes no lugar dos cabelos? - perguntou Frank. 

- Exato. Provavelmente uma das primeiras criaturas do submundo a pisar nessa cidade. - disse Axel - Ela tinha duas irmãs. Uma era mais tímida e a outra... tão perversa que quando descobriu meu relacionamento com a irmã, nos ameaçou pois seguia um código que proibia relações amorosas com humanos. Aquela maldita armou um jogo sujo. Se a mulher que eu amava não cedesse aos mandos e desmandos dela, eu seria morto ou petrificado. Mas em troca da minha liberdade, ela seria castigada. Ela escolheu a mim e sofreu a pena. Os cabelos dela viraram serpentes quando a irmã perversa jogou um feitiço que as fez rastejarem para fora. Um dia depois, eu acho, fui a um bar de um cara que vendia bebidas consideradas perigosas, algumas com escorpiões, aranhas e cobras dentro. Ele me deu uma muito especial que possuía uma cobra viva na garrafa. Falou que havia me visto num sonho depois que dormiu por beber o vinho. 

- E você sonhou com você mesmo? - perguntou Frank avidamente curioso. 

- Vi a mim mesmo... com a górgona por quem me apaixonei, a irmã dela nos tornando seus reféns, ou seja, o que vivi no dia anterior, além do primeiro dia em que as górgonas chegaram ao mundo. - explicou Axel olhando para Frank e Carrie - Uma das serpentes que fugiram da cabeça da minha amada foi capturada por aquele homem e usada pra fermentar o vinho. Vagamente lembro de pessoas comentando uma invasão de serpentes no vilarejo... era um vilarejo. 

Frank estava pensando em tomar uma atitude um tanto quanto arriscada ao rememorar algo. 

- Eu conheço um cara que vende esses vinhos afrodisíacos, mas faz séculos que a gente não se vê. 

- Chegou a tomar uma dessas bebidas asquerosas? - perguntou Carrie, expressando nojo. 

- Não, faltou coragem... e dinheiro, claro. Mas se ele tiver o vinho de uma das cobras da górgona, vai ser por conta da casa porque ele sabe que sou caçador.

- Perda de tempo e de noção também. - criticou Carrie se colocando na frente do detetive - Temos uma segunda e menos perigosa opção que é simplesmente esperar o Axel recuperar todas as lembranças. 

- Nada impede que o feitiço continue ocultando as memórias se o Nero não me possuir mais nas próximas horas. - disse Axel, quebrando a expectativa de Carrie. Frank estalou os dedos para ele concordando com aquele hipótese. 

- Então há grandes chances de ser temporário... - disse Carrie meio triste. Virou-se para Frank - Mas você nem sabe se esse seu amigo esquisitão tem a droga dessa bebida! 

- Muita calma nessa hora, fica fria. - pedira Frank com segurança - O nome dele é Morgan. Não custa nada gastar mais uns litros de combustível pra ver o que ele tem no estoque. Vou indo nessa. - disse ele andando até a porta - E Axel... você fica me esperando bem aqui. Vou falar com o diretor ainda. 

- Ma-mas e se ele... - disse Carrie apontando trêmula para Axel. Mas Frank já fechava a porta. 

A assistente voltou-se para Axel com um ar de cansaço e um semblante sério. 

- De qualquer forma, você tem que estar num lugar em que o Frank não esteja presente, pois ele fez uma promessa ao Nero de te entregar vivo. 

- Ele não vai cumprir jamais essa promessa. - disse Axel convictamente - Eu confio no Frank. 

- Às vezes me ponho a duvidar dessa ousadia irritante dele que parece tão suicida. - disse Carrie com os braços cruzados - Se você for possuído pelo Nero aqui, não vai adiantar, ele não vai saber seu paradeiro e talvez desista, por enquanto. 

Carrie esqueceu de considerar uma fatídica possibilidade, mas Axel sim e por isso ele a fitava com certo medo.

                                                                                ***

Lucy parava o carro numa rua vendo uma testemunha ocular que fazia parte do moto-clube vitimado pelos dois gigantes. 

- Aquele ali é o... 

- Vincent Duncan. - disse Lucy olhando-o conversar animadamente com dois amigos na entrada de uma casa com escadinha - Um membro do moto-clube, eles estiveram no bar ontem à noite, e o que é pior, foram todos destroçados pelos homens enormes. Ele já é a terceira testemunha que vou ouvir.

- Pior nada, esses caras devem ser uns pela-sacos. - comentou Nathan - Acho que mereceram a surra. 

- Hora de descobrir. - disse Lucy que abriu a porta do carro e saiu para dirigir-se à Vincent. O motoqueiro olhou de esguelha para a moça atraente que vinha. Os amigos assoviaram baixinho olhando-a. Vincent se virou encarando-a - Olá, sou a agente Valley, venho em nome do DPDC. - mostrou o distintivo - Você deve ser Vincent Duncan, certo? 

- Rapazes, melhor se mandarem. - disse Vincent que era um homem bronzeado e careca com uma pouco espessa barba cinzenta clara trajando uma jaqueta de couro marrom, calças jeans e botas, além de usar uma bandana preta - O que você quer comigo? 

- Gostaria que me desse alguns detalhes do momento em que seu grupo foi agredido. 

- Escolheu a pessoa errada pra interrogar. Não tive nada a ver com isso. 

- Ah, não? E esse olho roxo? Ganhou de presente de outros acertos de contas? 

Vincent se desconfortava, cada vez menos gostando dos modos de Lucy. 

- Não foi acerto de contas nenhum. Um deles empurrou um amigo meu do clube só pra faze-lo derramar a cerveja. Dois dos nossos foram levados pro hospital, morreram no caminho. Os caras pareciam montanhas humanas, foi a briga mais injusta que já participei. Tá satisfeita com a minha história agora? Por causa deles nunca mais pisaremos os pés lá. 

- O que mais você viu? Eles eram tão extraordinários assim na aparência?

- Estavam cobertos por uns trapos, encapuzados, algo assim. Vai saber a altura deles, talvez quase dois metros. E ele tinha uma mão esquisita... 

- Esquisita como? 

- Pela dor do soco que levei, parecia que os desgraçados eram... literalmente feitos de pedra. Mas acho que eu tava bêbado demais, então pode ter sido só impressão. 

- Bem, podemos parar por aqui. Obrigada. - disse Lucy, virando as costas para o motoqueiro que a olhou de cima à baixo com malícia. A detetive retornou ao carro - O mistério não para de se aprofundar bem devagar. 

- O que ele disse? - perguntou Nathan. 

- Pareceu meio traumatizado com a estatura anormal dos agressores. Eu conduzo essa investigação há quase seis meses. Tudo começou com os relatos de avistamentos de figuras estranhas rondando partes da cidade e medindo supostamente pouco mais que a altura de uma pessoa normal. Eu sou uma aficionada por aquelas teias na parede que conectam eventos, mas não criei nenhuma até agora. Muita gente se deparou com esses homens gigantes e sobreviveu pra contar. 

- Danverous City é conhecida por fenômenos estranhos, não é impressionante que seja mais um caso difícil de encerrar. - afirmou Nathan que logo retirou a folha com o retrato falado de Axel - Olha, tô procurando esse cara aqui, ele esteve no bar que virou ringue de luta livre. Tá desaparecido desde ontem. 

Lucy observou a foto com os olhos fixos na face desenhada de Axel. Quase boquiabriu-se. 

- Ei, alôô... Terra chamando Lucy. - disse Nathan balançando devagar sua mão esquerda na frente dela. 

- Desculpa, é que... Ah, não importa. Esse retrato está... bem fiel, sem dúvidas. Quem o fez?

- Eu mesmo. Desenhar sempre foi um dos meus hobbys favoritos desde moleque. 

- Eu também admiro muito desenho à mão, quando muito pequena passava horas rabiscando folhas de papel... Ahn, temos que voltar nosso foco pro caso. Preciso de mais testemunhas. 

Nathan verificou no seu celular para ver se Frank não mandou ao menos uma mensagem e constatou que não. Aproveitou para conferir a internet na parte das notícias de última hora. 

- Não precisamos de mais testemunhas. - disse Nathan mostrando uma notícia à Lucy - Os caras encapuzados pararam pra um descanso na praça Olympus. Dá uma olhada nessa foto. 

Lucy estudou a imagem com extrema atenção. 

- Aham, estátuas... É o que veremos. - disse ela. 

Na manchete da notícia enunciava: "Estátuas cobertas aparecem misteriosamente na praça Olympus"

                                                                          ***

Frank parava em frente ao bar de Morgan. A larga fachada azul lhe trouxe nostalgia. Antes de sair do carro, pegara o celular para fazer uma ligação à Nathan, porém na tela piscou um sinal de bateria fraca.

- Cacete. Tanta informação pra absorver que acabei esquecendo de uma coisa tão básica... - disse Frank, abrindo a porta para sair do veículo - Merda. - fechara com força e andou em direção ao reencontro com Morgan. Tocou na maçaneta da porta, girando-a e abrindo - Vou entrando, com licença... 

Morgan era um homem afro-descendente, magro, com maçãs do rosto salientes e cabelo meio raspado. Seus grandes olhos cravaram em Frank arregalados em expressão de incredulidade total. Ele fez menção de sair detrás do balcão para ir cumprimenta-lo, mas Frank fez um sinal com a mão direita.

- Epa, pode ficar bem aí, hoje eu sou o cliente. - disse o detetive. 

- Meu Deus, inacreditável... - disse Morgan rindo com as mãos na cabeça - Frank Montgrow após 22 anos reaparecendo no meu bar quando eu mais pensava que tinha batido as botas pela sua vida.... peculiar.

Os dois bateram as mãos sorridentes. 

- Fios grisalhos... Naturais? Combina com você. - disse Morgan que estava comendo amendoins. 

- Metade é tinta, metade é estresse. - respondeu Frank sentando-se na cadeira alta - Essa minha volta repentina tem uma explicação bem particular. Você... - inclinou-se para frente - ... ainda vende as bebidas peçonhentas? 

- Eu nunca me desfaço de um bom negócio, você me conhece... ou costumava conhecer, senão não teria perguntado. - disse Morgan em tom de brincadeira - Veio aqui pra finalmente experimentar as belezinhas exóticas no fundo do estoque? 

- Especificamente, um vinho de cobra. Mas não qualquer cobra...

Morgan rapidamente depreendeu o objeto de busca do detetive e uma seriedade se desenhou na sua face. 

- Pela sua cara, isso é um sim? - perguntou Frank.

Morgan se abaixou, logo pegando o a garrafa com o vinho da cobra requerido e pondo sobre o balcão.

- Caraca... - surpreendeu-se Frank não simpatizando com a serpente mergulhada na bebida amarela - Morgan, você sabe realmente a que vinho tô me referindo, né?

- Perfeitamente. - disse Morgan - Esse me custou trezentas pratas. Dizem que essa cobra foi reaproveitada para vários vinhos diferentes. E ainda está viva, é insano. Aqui é outro nível. 

- Pior que é mesmo. - disse Frank olhando para a cobra. Aproximou um pouco seu rosto à garrafa. A serpente mostrou sua língua infame, fazendo o detetive recuar imediatamente - Eu hein... Você já tomou um gole desse bagulho? 

- Ainda não, mas conheci um cara mais corajoso que nós. - disse Morgan, desligando o rádio. Afastou a tigela com amendoins para o lado, colocando os braços sobre o balcão - Pode-se dizer que ele foi basicamente minha cobaia. Meu instinto dizia que essa cobra não era comunzinha, depois de saber que ela se manteve viva por vários anos, de vinho em vinho, as dúvidas acabaram. O cara pra quem ofereci tomou um shot e capotou, tava dormindo como um bebê. 

- E depois? Ele acordou dizendo ter tido algum tipo de sonho? 

- Aí é que está. - disse Morgan lançando um olhar de temor à Frank - Ele não acordou. Um coma alcoólico instantâneo numa dose só. Foi pra isso que quis me rever, Frank? Pra uma despedida? 

- Não, não pretendo me matar, eu... Acontece que eu também conheço um cara que bebeu um copo dessa coisa, mas diferente desse seu cliente azarado, ele despertou de um sono dizendo ter sonhado com um passado recente que envolve ele e três mulheres suspeitas que chegaram ao vilarejo onde ele vivia. É um risco enorme, eu sei, mas eu sou um caçador... 

- E todo caçador que se preze ri na cara do perigo, não importa o que seja. - retrucou Morgan. 

- Pode parece que eu tô jogando minha vida fora à toa, mas é por uma causa urgente. O efeito dessa bebida é praticamente uma viagem no tempo, me dá esse ensejo, cara. - implorou Frank, os olhos meio tristonhos como alguém que suplica insistentemente por uma permissão. 

- Ótimo, mas sozinho você não vai. - disse Morgan, pegando dois copos menores. Abriu a garrafa e a cobra moveu-se nitidamente. Morgan derramou a bebida no copos, enchendo-os até a borda. Ele saíra detrás do balcão para ficar ao lado de Frank, sentando-se encostado na dianteira do balcão. Frank fizera o mesmo segurando seu copinho de vidro. 

- Vamos lá, em sincronia. - disse Frank - No três: Um, dois... três. 

Ambos viraram o copo ao mesmo tempo. Numa fração de segundos, veio uma sonolência pesada. 

- Mal desceu pela garganta... e minhas pálpebras já estão... pesando... - disse Frank que bocejou - Mas até que o gosto não é tão ruim quanto pensei... - os olhos do detetive estavam fechando-se - ... que seria.

Morgan estava bêbado de sono. 

- Hora da soneca, amigo. Te vejo... no sonho... 

Frank e Morgan foram vencidos pelo sono rapidamente, largando os copos no chão. 

A dupla se vira reabrindo os olhos inseridos em um cenário visualmente antiquíssimo da cidade debaixo de um sol forte da manhã. 

- Cara, olha pra essas casas... - disse Morgan correndo os olhos pelo vilarejo ao seu redor.

- Não fico espantado com isso, mas sim com o fato de termos "aparecido" - fez aspas com os dedos - exatamente ao mesmo tempo. Pensei que nossa experiência ultra-arriscada não seria compartilhada.  

- Também achava que íamos sonhar separados. Aquela bagaça é incrível. - disse Morgan, maravilhado. 

Em meio às pessoas do vilarejo que iam e voltavam, três mulheres estonteantes, usando longos vestidos de seda de cores diferentes - uma de dourado, outra de vermelho e a outra de verde - passavam observando aquela ínfima parte de Danverous City com um misto de interesse e curiosidade. Frank cutucou Morgan no braço para apontar às damas forasteiras. 

- Vamos seguir aquelas mulheres ali. - decidiu Frank, mas Morgan não saiu do lugar - O que foi?

- Frank, é chato te decepcionar, mas não teremos chances de galantear essas boazudas que acabaram de passar porque... não sei se percebeu, mas estamos invisíveis, somos fantasminhas espiões aqui.

- E eu lá tô afim de arrastar asa pra elas, quero mais é desvendar um mistério, é pra isso que eu sirvo muito bem. Ah, e eu já sei que não estamos sendo vistos. Parecemos almas invadindo um sonho. Vem, eu te faço um resumo no caminho. 

A dupla perseguiu o trio de mulheres despreocupadamente graças à confortável vantagem de estarem invisíveis e intangíveis não podendo interferir nos eventos que se sucederem a partir dali. 

- Pararam naquela taverna. - disse Frank andando ao lado de Morgan e atravessando os corpos dos residentes do vilarejo que transitavam pela larga rua. As moças se separavam após entrarem no bar que na verdade servia mais como um ponto de encontro entre apostadores de todas as zonas da cidade. Frank e Morgan entraram na casa de apostas, procurando-as. O detetive, após um tempo, focou-se na de vestido verde que foi carinhosamente cumprimentada por um homem alto e forte usando boina cinza. 

- Nossa, elas já conquistaram o fascínio de uns caras num tempo recorde. - disse Morgan assistindo a mulher de vestido dourado e cabelos ruivos e encaracolados conversar com uns homens jogando baralho. Um deles era meio gorducho e estava sentado de costas no campo de visão de Frank - Ei, Frank... Frank? 

- É provável que fiquemos por mais alguns dias. - disse a mulher de cabelos negros e vestido verde - Você parece ser tão benevolente com as pessoas ao seu redor. 

- Eu costumo ser o melhor que posso. Mas geralmente só aturo meus amigos. - disse o homem parecendo estar na casa dos quarenta anos - Desmond Fawkes, mas costumam me chamar de Nero. E você?

- Mary. - disse a górgona. Frank franziu o cenho após escuta-la mentir. Morgan veio para perto dele. 

- Frank, se o tempo aqui corre no ritmo normal, quanto tempo levaremos pra decifrar o mistério? 

- É só um sonho, Morgan. Mesmo sendo as lembranças da cobra. 

- Lembranças da cobra? Como assim? 

- Essas mulheres que seguimos... são górgonas. Você sabe o que são? Mitologia grega, serpentes no lugar dos cabelos, te olha e transforma em pedra... Essa daqui que tá atrás de mim provavelmente é a Medusa. - disse Frank que parou para olhar a górgona de vestido dourado sair de mãos dadas com um homem cuja face ele reconheceu imediatamente - Axel. 

- Quem? - indagou Morgan. 

- Esse que tá saindo com a górgona... É o cara de quem te falei antes. Ele me disse que tinha se apaixonado por uma das górgonas. A outra eu não sei... - vasculhou com os olhos à procura da górgona de vestido vermelho - Ah, ali está ela. - apontou Frank para a mulher que estava sobre uma mesa sendo cortejada por um grupo de homens que depois foram chamados por Desmond para se retirarem, mas ainda assim parou para um breve papo com a deslumbrante mulher - É o lance hipnótico delas, um poder de persuasão que deixa qualquer homem desprevenido caidinho por elas. 

Medusa tomava uma bebida olhando desconfiada de soslaio para sua irmã, Esteno, que interagia com Axel de forma amistosa demais como se fossem conhecidos de longa data. 

- Será que elas vão ser disputadas por esses... - disse Morgan parando para contar os membros do grupo - ... sete homens? Vão apelar pra uma orgia? Se for reparar bem, elas tem cara de atrizes pornô. 

- Não, tenho certeza que isso não vai acabar numa suruba generalizada. - disse Frank, voltando sua atenção para Axel que seguia conversando com Esteno entusiasticamente próximo da porta da taverna. 

                                                                         ***

Enquanto Frank e Morgan se aventuravam perigosamente na viagem onírica por uma Danverous City do século XIX, Nathan e Lucy estavam vigilantes às estátuas vigorosas perto da fonte na praça Olympus. Volta e meia alguém aparecia para tirar fotos ao lado delas. 

- Eles pra mim batem com as descrições, tá nítido. - disse Lucy - Como já são quase três horas, posso esperar até a noite. 

- Vai ficar de vigia até... eles acordarem? - perguntou Nathan - Os caras feitos de pedra que andam durante a noite e dormem ao longo do dia. Isso é muito desenho animado. 

- Por que esse ceticismo de repente? - questionou Lucy - Te parece absurdo que sejam monstros que são estátuas normais de dia e vivas de noite depois de todas as informações até aqui? 

- É, acho que vou dar um voto de crença. - disse Nathan - Vamos esperar. 

Mais tarde, no DPDC, Axel continuava aguardando Frank retornar do bar de Morgan completamente afundado em tédio. Carrie entrou na sala para conferir se ele estava bem. 

- Não tem nada pra um visitante como eu se distrair um pouco? 

- Ah, desculpa, eu esqueci de mencionar o playground. Tem sinuca, pebolim, dardos... 

- Já escureceu, não sei se tô com vontade. - disse Axel que se pegou olhando para Carrie - Você fica bem de vermelho. - falou ele estudando o sobretudo feminino vermelho da assistente que reagiu com estranheza e um sorrisinho fechado - Claro, foi apenas um elogio. 

- Ahn... Obrigada. - disse Carrie - Se precisar de alguma coisa... Minha sala fica no corredor à esquerda.  - virou-se fazendo uma expressão moderada de nojo ao imaginar que Axel, que fisicamente não a atraía, tentava lhe fazer uma cantada. No entanto, o hóspede teve um rompante de dor de cabeça que o fez grunhir alto. Carrie virou-se assustada vendo-o com as mãos na cabeça. 

Axel ergueu a cabeça com olhos vermelhos e dentes cerrados. 

- Essa não é a casa de Frank Montgrow... Quem é você? 

- Ca-Carrie... - disse ela, amedrontada - Você deve ser... o Nero. Ou estou enganada?

- Está certíssima. Eu exijo saber onde se encontra Frank Montgrow! - disse ele, controlando o corpo de Axel para levanta-lo da cadeira e se aproximar ameaçadoramente de Carrie - Onde ele está? 

Carrie pegara um mini-frasco de spray de pimenta do bolso do sobretudo e borrifou nos olhos de Axel antes que ele levasse suas grossas mãos a agarra-la. Ele cobriu os olhos gritando com a ardência. 

- Estamos sendo monitorados, vigiados... Se fizer algo comigo... Ah, o que é que eu tô dizendo? Você nem está pessoalmente aqui. Mas aviso pra sair da mente do Axel agora! Ou quer mais disso?

Axel voltava a si, sofrendo com os olhos abrasando. 

- Eu voltei. - disse ele - O que foi isso? O que jogou nos meus olhos? 

- Ai, desculpa... Mas pelo menos serviu pra afastar o Nero, ele sentiu a dor que um bom spray de pimenta causa. 

- Então aplique esse negócio mais vezes se ele me possuir de novo. - sugeriu Axel - Por favor. 

- Tá legal. - concordou Carrie, nervosa. 

                                                                                 ***

Já haviam se passado alguns dias dentro daquele sonho com acontecimentos reais. À noite, Frank e Morgan espionavam uma reunião de Desmond - ou Nero - com seus companheiros em sua pousada. Ás três górgonas assistam em um canto. 

- Bem, amigos, preciso lembra-los de que o grande dia se aproxima. - disse Desmond diante dos seis, contando com Axel,  transparecendo um ar professoral - Saindo vivos ou mortos, aquela abominação precisa ser extirpada provando da força que os humanos que ela abate dia após dia possuem. 

O sexteto de homens fez coro às palavras de Desmond. Algo se elucidou à compreensão de Frank.

- Peraí, esse cara... Ele e os amigos são caçadores. 

- O quê? Eu não tava prestando muito bem atenção. - disse Morgan que ficava de olho nas górgonas - Se eu estivesse sob o encanto delas nem iria desconfiar do porque estão quietas e reservadas desse jeito.

- Claro que não. - endossou Frank - Agora sei porque o Axel tinha medo desse cara.

- Pois é, a eloquência dele se parece muito com a de um ditador. - inferiu Morgan.

- O que eles estão caçando? Esse idiota não fala nada. - reclamou Frank - Não que isso seja importante, mas... - interrompeu-0se ao ver Axel levantando-se da cadeira para falar com a górgona por quem se afeiçoou - E lá vai o Axel paparicar a cocota dele. Vem, Morgan. 

Axel levara a sua namorada para o seu quarto. Frank e Morgan adentraram atravessando a porta como fantasmas. 

- Ah não, ele tá abaixando a calça... - disse Morgan virando o rosto e apontando - A gente vai assistir esse pornô de graça? 

- Não mesmo. Vambora. - disse Frank voltando - Vamos esperar o dia amanhecer.

- Mas Frank fazem dias que estamos aqui! E lá fora? No mundo real? 

- Presumindo que no mundo real não se passou o mesmo tempo que aqui... 

- Eu não vou me apoiar numa hipótese duvidosa. - disse Morgan - Eu quero acordar. 

- Mas a gente tá bem, não sentimos sono, nem fome ou cansaço. A incerteza da passagem de tempo é a única coisa que temos que encarar. OK? Só mais um dia, se nada acontecer, fazemos força pra acordar. 

Os dois permaneceram no corredor por horas e horas da noite à madrugada mudando de posições, deitando, sentando, levantando-se... Até finalmente ouvirem o canto distante de um galo, mas Frank preferiu esperar mais um pouco. Eis que quando o sol já raiara por inteiro, a dupla ouviu vozes meio alteradas do quarto. 

- Por favor, entenda! - disse a górgona querendo debulhar-se em lágrimas cobrindo seu corpo com o lençol. Frank e Morgan voltaram ao quarto assistindo à discussão - Meu papel se limitava a encantar você com meus atributos, eu odeio isso, mas minha irmã, Medusa, me coagiu a seguir nosso código. Nessa altura ela deve saber que estamos juntos. Meu erro vai recair em você, nunca vou me perdoar.

- Tô sentindo um drama. - disse Morgan - Parece até novela mexicana. 

- Como você quer que eu entenda se tá escondendo a verdade? - questionou Axel vestindo apenas um calção branco - Quem é você, Estella?

- Eu não sou Estella! - disse ela cujos cabelos transformaram-se em serpentes vivas. 

Axel ficara embasbacado e boquiaberto, não saindo mais do que ruídos na garganta. 

- Caramba, essas mulheres monstros existem mesmo. - disse Morgan. 

- Isso é só o começo. - disse Frank - Aí Morgan, façamos o seguinte: Você segue a górgona e eu sigo o Axel. 

- Combinado. - disse Morgan um tanto tenso com o rumo da situação - Mas vê se não fica perdido. 

Conforme acordaram, o detetive e o mestre de bebidas seguiram cada passo de seus alvos. Na vigilância de Frank, Axel foi chamado por Euríale, a mais introspectiva das górgonas, para ver Medusa imediatamente. Já Morgan vira Medusa entrando na casa de Desmond que a recebeu gentilmente. Medusa entrara no quarto de Desmond levando uma caixa grande que dizia ser um presente que só deveria abrir quando completassem um ano de relacionamento. Ela saíra da casa de Desmond prometendo voltar no mesmo dia. Frank seguiu Axel até uma casa abandonada onde Medusa iria encontra-lo. O hóspede do detetive entrou na casa vazia e viu Esteno presa com grilhões de ferro. 

- O que tá acontecendo? Por que essas algemas? 

- Não é óbvio? - perguntou Medusa saindo da escuridão de um corredor - Imagino que ela tenha entregue os detalhes cruciais do nosso rígido código de conduta, assim como dito a respeito do que somos. - esticou a mão direita empurrando Axel contra a parede com telecinesia. 

- Axel! - gritou Esteno - Medusa, poupe a vida dele, é a mim que você deve punir! 

- Eu nunca senti uma coisa assim antes... - disse Axel imobilizado pelo poder telecinético - O que vocês são? Bruxas? 

- Bruxaria é a minha área. A da sua namoradinha é a desobediência. Acho que ela fez sua escolha.

Medusa jogara um olhar enfeitiçador, seus olhos brilhando em verde contra a irmã. Os cabelos viraram serpentes, mas as mesmas caíam e rastejavam para fora da cabeça. Frank observava atento. 

- Desgraçada, fazer isso com a própria irmã... - disse o detetive. 

- Não! - disse Esteno olhando-se num espelho meio quebrado - Vai se arrepender disso, Medusa.

- Eu vou, é? Nada do que fizer mudará meu tratamento com você. Mas vou precisar da sua ajuda pra hoje à noite, esteja lá na casa do Desmond às sete ou eu mato seu amado. Será que ele agora a ama?

Medusa saiu da casa soltando uma risada zombeteira. Axel foi abraçar Esteno e beija-la na boca. Frank olhava para Medusa e para o casal estando intrigado com o que Medusa planejava para requerer a presença de Esteno. Naquela noite, Morgan espionava uma reunião de Desmond que se preparava com os caçadores, todos armados até os dentes para a grande missão. Ele vira Frank se aproximando.

- Finalmente, cara! Aonde você tava?: - perguntou Morgan correndo até ele. 

- Fiquei o resto do dia espionando a Medusa, ele tá aprontando um plano cabuloso pra essa noite. 

Desmond saía da casa com os caçadores atrás dele. Ele virou-se para os companheiros. 

- Homens, espero que tenham feito uma boa refeição de manhã, porque nesta noite jantaremos no Inferno! 

Os caçadores bradaram destemidos com o ser que iam enfrentar. 

- E esses malucos? Pra onde o Desmond vai leva-los? - perguntou Frank - Peraí, cadê o Axel?

- Fizeram uma reunião e... estão indo caçar um monstro, uma besta, em Vanderville. 

A informação fizera Frank voltar os olhos para o grupo que se distanciava. 

- Frank, tá tudo bem? 

- Deixa pra lá. Cadê o Axel? Não devia estar com eles?

- Talvez na casa do Desmond. 

- Eu já voltei de lá, a Medusa tá com as irmãs dela. A caixa que ela trouxe tinha um busto de gárgula. Além disso, ela tem poderes de bruxa. 

- Mau pressentimento. - disse Morgan - O que gente faz? Digo, pra onde seguimos agora? 

No quarto de Desmond, Medusa usava o próprio sangue para desenhar o símbolo de Ouroboros - uma serpente mordendo sua própria cauda - na testa da gárgula que colocara em cima do criado-mudo. 

- Merda! - disse Frank, enraivecido ao descobrir o plano de Medusa - Se a gente pudesse fazer algo pra impedir... 

- O que tá havendo? Que lance macabro a Medusa tá armando? - perguntou Morgan, impaciente. 

Enquanto isso, Medusa recitava o encantamento em latim arcaico junto com Esteno e Euríale. Após terminarem o recitamento, puseram as mãos sobre a cabeça da gárgula e seus cabelos tornaram-se cobras - exceto Esteno que continuava careca, mas sendo uma górgona possuía utilidade. Elas gritaram para cima, seus olhos fumegando um brilho esverdeado. 

Desmond e os caçadores sentiram-se mal, interrompendo a caminhada. Viam-se seus braços petrificarem gradualmente. 

- Vamos voltar, homens! - ordenou Desmond, terrificado - É uma maldição! Aquelas mulheres.,.. são aberrações disfarçadas! Nos lançaram uma praga! Temos que salvar todo o vilarejo, andem, venham! 

O líder e seus seguidores alardeavam a maldição que os acometia, muitos habitantes especulando que pudesse ser um juízo divino semelhante à Sodoma e Gomorra. O máximo de pessoas possível foi arrebanhado por Desmond, que tinha uma influência inabalável entre os moradores, para conduzi-los para fora da cidade. O destino escolhido foi descer uma fenda por não conseguirem atravessar para o outro lado. E assim seguiu-se o êxodo desesperado para as fronteiras de Danverous City. 

Frank e Morgan encontraram a estátua de um homem perto de uma mansão um pouco além do vilarejo. 

- É o Axel. - disse o detetive em tom de lamento - Foi assim que essas vadias amaldiçoaram o povo. A irmã traiu o código e a vila inteira pagou o pato. 

Subitamente, Frank despertou do sonho com os olhos esbugalhados. Olhou à sua direita. 

- Morgan. - chamou o amigo que ainda dormia - Morgan, acorda... - disse dando tapinhas no rosto magro do mestre de bebidas - Não pode ser. - um assombro lhe veio arrepiando-o - Morgan! 

Mas ele não respondia a nenhum estímulo. Uma culpa pesou sobre a consciência em permitir que Morgan se unisse à ele na viagem mesmo tão ciente do risco de ficar preso nesse sonho eternamente. 

Frank se recostou no balcão, os olhos marejando, pondo as mãos na cabeça em angústia profunda. 

                                                                           ***

Lucy e Nathan cochilavam dentro do carro após tanta espera, mas num determinado momento se distraíram. A detetive começou a ouvir música com fones de ouvido e Nathan pegava no sono. Lucy acordara primeiro, logo vendo que as estátuas sumiram. 

- Nathan... - chamou ela - Acorda, eles se foram. 

- Hã? O quê? Que horas são? - perguntou Nathan coçando os olhos - Ficamos um tempão de tocaia e...

- Sumiram os dois. - disse Lucy - Não sei se alguém mandou que retirassem... 

O carro repentinamente pareceu estar sendo levantado. Uma força balançava o veículo agressivamente.

- Acho que isso responde a questão. - disse Nathan. Uma manzorra preta e de textura dura estilhaçou o vidro arrancando o jovem caçador do carro fazendo a porta abrir. 

- Nathan! - gritou Lucy, atemorizada. Uma das gárgulas pulou caindo no capô com um baque alto. Lucy ligou o carro, dando a partida e acelerando. Os pneus cantaram no asfalto de pedras da praça e o carro saiu em direção desajeitada pela rua próxima. Nathan levava socos brutais da gárgula que o atacou, em seguida sendo agarrado e suas costas batendo num poste. A investigadora não sabia para que lado seguia devido ao enorme homem de pedra bloquear a visão. O carro acabou destruindo em alta velocidade a parede de uma lojinha de roupas. Os escombros rolaram junto à poeira. A gárgula saíra do capô, fugindo como um vulto preto na calada da noite. O outro servo de Nero surrava Nathan cujo rosto enchia-se de hematomas. No entanto, os machucados iam desaparecendo, como numa espécie de fator regenerativo avançado. 

- Você não pode ser.... - disse a gárgula, os olhos vermelhos fuzilando Nathan de raiva. 

- Sou sim. - disse Nathan com um sorriso sacana - E quer saber mais? Eu tenho a chave pra derrota do Nero. 

O outro subalterno de Nero chamava seu companheiro para se mandarem dali. 

- Você teve sorte hoje, meio a meio. 

Nathan fora solto e as gárgulas fugiram em disparada. Lucy veio ao seu encontro altamente preocupada.

- Você tá bem? Se machucou? 

- Não, eu dei um jeito de lidar com ele. - disse Nathan, recompondo-se - O seu carro... 

- Deixa que eu cuido disso. Me acerto com o dono dessa loja, vou bancar o prejuízo. Vai pra casa, toma um banho, descansa... Apesar do que aconteceu há pouco, foi um dia e tanto. 

- Concordo, foi bom passa-lo com você. - disse Nathan a olhando fixamente - Tchau, Lucy. Até um dia.

- Tenho por mim que a gente ainda vai se ver muito. - disse ela, parecendo estar certa disso - Tchau. 

A detetive o viu se afastar até ouvir vozes vindas da loja xingando em alto e bom som. 

Não muito longe dali, Frank chegava em casa e se espantou por ver Axel sentado no sofá assistindo TV e tomando uma cerveja direto na garrafa. 

- Voltei pro DPDC e ainda bem que a Carrie tratou logo de avisar da carona dada pra você. - disse Frank, fechando a porta - Bom ver que tá sabendo ligar a TV sozinho. 

- Eu pedi pra Carrie ligar. - contrariou Axel - Você mal me deixa assistir. - olhou-o curioso - Como foi com seu amigo? Ele tinha o vinho da serpente da górgona?

- Pra minha tremenda sorte, ele tinha sim, provei uma vez pra nunca mais. Além disso, o Morgan... partiu dessa pra melhor. O efeito do vinho tem relação com o veneno da cobra, leva a pessoa a um coma, o coitado não resistiu. Eu vi quase tudo, Axel. Você, sua namorada, o Nero.... quando ainda era humano e se chamava Desmond. 

- Nós o chamávamos de Nero desde o início. Apelido que cai bem pra um tirano como ele. - disse Axel - Sinto muito pelo Morgan. - Frank fez que sim com a cabeça e andou rumo à escada - Frank, espera. 

- O que é? - indagou Frank, virando-se. 

Axel levantou-se, deixou a garrafa de cerveja sobre a mesinha de centro e desligou a TV. 

- O Nero não vai me dar muito tempo de sossego. A qualquer momento ele pode me possuir e colocar você em perigo. Considera o meu pedido, é um favor. Você é meu amigo, faria o mesmo pra protege-lo e pra me proteger. Hoje quase foi a Carrie. Eu não quero que amanhã seja com você. 

O detetive o encarava com olhos semicerrados, avaliando minuciosamente a decisão que tomaria. 

- Se é desse modo que você prefere... Porque eu não gostaria de tornar você meu prisioneiro, nem um pouco, não a esse ponto. Mas se a coisa tá querendo ficar fora de controle... não tem outra saída. 

- Então me leva pra qualquer lugar... onde você possa me trancafiar com segurança total. 

- Tem uma sala no meu porão. Meu pai tinha criado pra prender demônios que ele conseguisse capturar pra interrogatórios. Vai servir pra você. - disse Frank meio desgostoso com a ideia - Vem comigo.

Axel o seguiu rumo ao porão. Desceram a escada de madeira, passaram pelo museu de artefatos e os armários com os arquivos. Aquela sala parecia o verdadeiro último cômodo da casa. 

- Entra. - disse Frank, abrindo a pesada porta de ferro. Axel entrou e sentou-se encostado na parede. 

- Não se preocupa, Frank. - pedira Axel - É melhor pra você do que pra mim. 

- Venho aqui duas vezes por dia pra te dar comida. Amanhã deixo um balde pra você fazer as necessidades. 

- Está bem. - disse Axel olhando as paredes cinzentas ao lado parecerem querer se mover para esmaga-lo. 

Frank fechara a porta pesada. Ao menos havia uma lâmpada acesa dentro da sala para Axel não afundar em solidão durante a noite no escuro. 

Em paralelo, Lucy chegara em casa suspirando pela boca de cansaço. Foi ao banheiro e olhou-se no grande espelho retangular. Uma serpente despontava por entre seus lisos cabelos castanhos. 

                                                                          -x-

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

Comentários

Postar um comentário

Críticas? Elogios? Sugestões? Comente! Seu feedback é sempre bem-vindo, desde que tenha relação com a postagem e não possua ofensas, spams ou links que redirecionem a sites pornográficos. Construtividade é fundamental.

As 10 +

A expressão "lado negro da força" é racista? (Resposta à Moo do Bunka Pop)

10 melhores frases de Hunter X Hunter

10 episódios assustadores de Bob Esponja

10 melhores frases de Optimus Prime (Bayformers)

10 melhores frases de Avatar: A Lenda de Aang

10 melhores frases de My Hero Academia

15 desenhos que foram esquecidos

10 melhores frases de Another

10 melhores frases de Bob Esponja

Frank - O Caçador #33: "O Que Aconteceria Se..."