Frank - O Caçador #18: "Festa de Halloween"
Danverous City - 1991
Era plena noite de Dia das Bruxas e todo o bairro de Delton se via enfeitado comemorativamente à data como uma tradição que respeitavam a cada ano. Uma das crianças que integrava o grupo de fantasiados, comumente indo pedir doces nas casas, havia se separado após brincadeiras entre amigos e assumiu uma direção atípica. Carregando seus doces na cesta, o inocente Matt corria até um cemitério famoso na cidade querendo esconder-se dos companheiros e aprontar uma pegadinha.
Porém, tropeçou antes que alcançasse o portão. Os doces caíram rolando ao chão, mas ele pouco se frustrou. Por sorte, um dos membros do grupo, chamado Richard, o encontrara.
- Ah, você tá aí! O que estava querendo?
- Não enche, estragou tudo. - disse Matt, recolhendo os doces. Richard decidiu ajuda-lo.
- Você é um idiota. - falou, quase rindo - Todo mundo sabe que é péssimo no esconde-esconde.
- Não era bem isso que eu planejava...
Uma névoa os fizera olhar em volta com medo. Aumentava a cada segundo.
- Já chegou o inverno? - perguntou Matt - Rick... Rick! Cadê você?
Ouvira o grito do amigo e ao virar-se entreviu as mãos dele arrastando-se para trás no meio da névoa.
- Richard! - gritou Matt, desesperado.
Uma estátua não muito bem vista no cemitério esboçou movimentos até adquirir vida totalmente. Se dirigiu à Matt por trás dele sem emitir ruídos. A névoa, por sinal, dissipava-se, mas nenhum sinal de vida foi dado por Richard deixando o pobre garoto perdido numa área desconhecida à ele.
- Socorro... Alguém, por favor!
- Talvez eu possa ajudar. - disse a estátua de ceifador chamando atenção de Matt que não reagiu tão tranquilamente - Não se assuste, afinal sou o único capaz de resolver seu problema. - a voz era soturna, quase um eco macabro e cavernoso. Parecia mesmo um ceifador vivo e real ali presente.
- Tem certeza? - indagou Matt - Pode trazer o Richard de volta?
- Sim. Mas isto vale um custo importante. O seu amigo irá sobreviver...
- E o que eu devo fazer? - perguntou Matt, meio hesitante.
- Ficar exatamente no seu lugar. Não se mova... - disse o "ceifador" erguendo sua foice na intenção de desce-la sobre o corpo do garoto. E o fez rapidamente.
Alguns minutos depois, o local estava vazio e a estátua... tinha retornado ao seu lugar.
_____________________________________________________________________________
CAPÍTULO 18: FESTA DE HALLOWEEN
Dias atuais
Departamento Policial de Danverous City
Batidas retraídas na porta da sala do diretor foram dadas por Frank. O detetive franziu o cenho ao receber um caloroso tom de bom humor da permissão para entrar. Abrira a porta, ainda estranhando.
- É impressão minha ou... o senhor me parece... radiante? - perguntou Frank.
- Escolheu mal a palavra, Frank. - disse Ernest, ajeitando a gravata frente ao espelho - Estou excitado.
- Já posso imaginar até o motivo. E aí? Não vai abrir o jogo? - ele fez uma pausa - Qual o nome dela?
Ernest virou-se ao detetive com olhar de reprovação.
- É sério que vinculou o meu estado de humor à isso? Me poupe, Frank, tenho mais o que fazer.
- Bem, o senhor, se não me engano, já foi casado. Nunca é tarde demais. - disse Frank, amigável.
- Pro seu conhecimento... divorciado. Pela terceira vez. - disparou Ernest para o espanto do detetive.
- O quê?! Casou três vezes... e nessas três rolou anulação!? Como seu amigo número um, era pra ter dividido isso comigo e com a Carrie também. Meio que seria nosso segredo.
- Há coisas sobre mim que talvez seria aconselhável não saberem. - disse ele, atiçando mistério.
- Tudo bem, não tá mais aqui o empregado inconveniente. O senhor me chamou pra quê mesmo?
- Daqui à exatamente uma hora vou à uma coletiva de imprensa... tornar minha candidatura pública. - revelou Ernest, refazendo o nó da gravata vermelha.
- Espera aí... Disse candidatura?
- Você não é surdo, Frank. - disse ele, verificando o rosto no reflexo.
- E o senhor não é louco. - retrucou Frank - Não dá pra acreditar nisso. Vai disputar a prefeitura?
- Quem diria né? Ernest Duvemport prestes a subir mais um degrau na escada do sucesso.
- Tô vendo essa confiança hein. Cuidado com as expectativas. Falo por experiência própria.
- Imaginei que fosse torcer por mim. - disse o diretor, andando até ele - Até gostaria que você e a Carrie estivessem lá me assistindo discursar, mas pensei em algo mais justo.
- Ah não, o Superintendente vai assumir o lugar?
- Calma aí, eu não tomaria uma decisão tão precipitada. Mas por que não? - indagou, pensando.
- Ei, nem vem com essa. Volta com sua ideia anterior. Fala de uma vez. O que tinha considerado?
- Tendo em vista que hoje é um dia especial e associável à sua carreira... resolvi te dar folga.
Frank arqueou as sobrancelhas totalmente incrédulo.
- Só porque é Dia das Bruxas vai me deixar livre?! Não, tô começando a entender... Saquei a pegadinha. Um caçador igual a mim ficar de folga em Danverous City no Halloween é como trocar seis por meia dúzia. Portanto, não é exatamente uma folga. Só dispensado do trabalho por um dia.
- Eu sabia que você compreenderia. Nunca subestimei sua inteligência. - disse Ernest prestes a sair.
- Ah tá. - disse Frank, quase rindo de nervoso.
Carrie entrara de supetão, barrando a passagem de Ernest.
- Bom dia aos dois. Estava atrás de você há um tempão. - disse ela à Frank - Dia de sorte, tigrão: Sem caso na mesa. Hoje tá livre pra ser um homem normal.
- Na verdade, tenho acesso a todos os arquivos recentes. Eu suspendi os que seriam entregues hoje. - disse o diretor fazendo Carrie ficar perplexa - Especialmente ao Frank.
- Não deu folga só pra mim, tudo por causa do seu evento político. - disse Frank.
- Evento político? Tá rolando alguma coisa que não sei? Sabem que...
- Sabemos sim, Wood, você detesta ser a última a saber, porém hoje será diferente. Está olhando para o futuro prefeito de Danverous City.
- Candidato a prefeito. - corrigiu Frank que recebeu uma rápida expressão reprovativa do diretor.
- Nossa... Eu mal acordo e já tenho que me preparar psicologicamente para mudanças. - disse Carrie.
- Não tá falando sério né? As eleições são daqui à 1 ano. - disse Frank, duvidando - E será hoje que o diretor vai oficializar a campanha dele. Não dá pra cantar vitória antes da hora H né?
- Ao menos me garantem seus votos? - questionou Ernest, sério.
Ambos os funcionários permaneceram silenciosos por uns segundos.
- Isso são caras de brancos, nulos ou indecisos. Não me surpreende. Até mais tarde.
Ernest saíra deixando-os a sós. Carrie suspirou imaginando como ficaria o DPDC após a vitória do seu chefe. Frank, por outro lado, ignorou a auto-confiança dele, revirando os olhos após ele sair.
***
Frank precisou acionar os limpadores do para-brisa devido a vários respingos de chuva acompanhados de uma forte ventania. Estacionou seu sedã prata em frente a sua residência, logo saindo e sentindo uma fúria incomum da natureza naquela época do ano. Enquanto lutava contra o vento para entrar na casa, viu uma caixa do correio quicando no asfalto da rua em meio a papeis, folhas e outros lixos. A força brutal do vento quase o impedia de correr.
Aliviado, chegara sem se molhar tanto. "Caramba, que diabos fez o tempo ficar maluco assim?"
Ligara a TV para conferir informações a respeito da suposta frente fria.
Nos noticiários, não importando qual o canal, passavam imagens de desastres naturais ocorrendo pelo mundo como furacões, maremotos e tempestades avassaladoras com chuvas torrenciais.
A atenção de Frank foi quebrada com barulhos ínfimos de pequenos objetos caindo no telhado da casa. Olhou para a janela desconfiado e levantou-se do sofá para dar uma olhada. Ao abrir a porta, assustou-se com um grande pedaço de gelo quase caindo na sua cabeça. Via uma considerável de granizo acontecendo e sua expressão era de total descrença. "O que é que tá acontecendo afinal?"
Várias das pedrinhas geladas atingiram os vidros do seu carro, deixando-o frustrado. Correra em direção ao arquivo Montgrow onde remexeu muitas gavetas atrás de respostas que explicassem os fenômenos climáticos fora de época e de proporções anormais. Nada correspondente foi achado.
O detetive fechou batendo a última gaveta, aborrecido. Seu celular tocara. O que restava na sua mão era uma espécie de agenda velha com capa de couro. Atendeu a ligação enquanto folheava.
- Acho que o diretor concedeu a folga só pra zoar com a sua cara. - disse Carrie.
- Carrie, tá sabendo que deu a louca no tempo de uma hora pra outra? Tô em busca de explicações aqui no arquivo, mas... - achara uma fotografia escondida entre páginas grudadas.
- Se eu não soubesse, não ia te incomodar ligando. - retrucou a assistente - Todos os canais, sem exceção, estão divulgando vários fenômenos pelo mundo inteiro. Já assistiu O Dia Depois de Amanhã? É exatamente a sensação que causa. Então, me agilizei e fui pesquisar lendas associadas ao Halloween. Acabei encontrando uma peça valiosa e que muito provavelmente justifica esses eventos.
- Pior que também achei uma coisa estranha. - disse Frank olhando a foto em preto e branco na qual estampava seu pai posando ao lado de uma estátua de ceifeiro no cemitério Gallen Devor. Olhou no verso da mesma e haviam escritos que diziam "Ela não estava posicionada assim quando fotografou".
- Me fala logo o que é. Suas pausas longas me deixam... a beira de um surto. Depois é minha vez.
- Tudo bem... Pode não ter nada a ver com o que tá havendo. É só uma foto do meu pai quando criança ao lado de uma estátua... sobre a qual ele deixou escrito no verso dizendo que a posição dela não era essa quando foi tirada. Não sei o que meu pai ia fazer num cemitério e tirar foto com um...
- Ceifador? - indagou Carrie - Essa escultura é muito conhecida entre os moradores de Delton.
- Isso aí, é realmente um ceifador. A posição dela me parece normal. E é a grafia do meu pai no verso da foto. Deve ter escrito muitos anos depois como se quisesse me avisar.
- Então o seu pai só foi perceber que tinha algo errado com a estátua tarde demais.
- Não, ele já sentia coisa estranha no ar, mas só se manifestou depois que eu nasci, mas não podia me falar diretamente. - disse Frank, mantendo-se intrigado - Me diz aí o que você descobriu na internet.
- Peguei um manuscrito apócrifo que data antes dos tempos de Cristo. Os antigos nativos do território de Danverous City costumavam falar esse dialeto. Inclusive me inscrevi num curso online que o ensinava para arqueólogos há poucos anos, mas não durou muito. Tinha ideogramas quase impronunciáveis. Considero um pouco de sorte pelos que estão no manuscrito em papiro serem de fácil tradução. O original está no museu da cidade.
- Quais as chances disso que tá na internet não passar de uma cópia falsa? - perguntou Frank.
- Nenhuma, pois reconheço os ideogramas já que visitei o museu mais vezes do que posso contar.
- Falou e disse. Então se dá pra traduzir grande parte...
- O contexto, Frank, menciona uma calamidade sombria... e uma data. 13 de Outubro. Dia este no qual a profecia foi repassada aos primitivos habitantes antes de Danverous City ser Danverous City.
- Hoje são 13... Halloween. Isso quer dizer que...
- Estamos no limiar de um apocalipse profetizado por nossos ancestrais. E começará com um ressurgir dos mortos que caminharão sobre a terra na noite do dia 13. Estamos ferrados.
- OK, te ligo mais tarde. Tenho que me aprofundar no mistério dessa foto. - disse Frank, saindo do arquivo com a foto.
- Estamos prestes a testemunhar um possível fim do mundo e você diz OK?! - repreendeu Carrie.
- Me dá um tempo até achar alguma correlação com esse pré-apocalipse.
- Por que está tão confiante disso?
- Porque meu pai tirou essa foto... numa sexta-feira 13 de Halloween. - disparou Frank, atravessando o corredor semi-escuro e disposto a ir além do máximo para montar o quebra-cabeça.
***
Recorreu a internet para fazer uma profunda pesquisa em relação ao cemitério e encontrou fotos da estátua de diversos períodos. Aparentemente todas exibiam posições iguais, mas o detetive, numa análise minuciosa, notava as diferenças discretas entre uma grande parte das imagens. Uma foto de 1987 apresentava a estátua de ceifador com a foice levemente inclinada para baixo quando na verdade a posição horizontal era totalmente reta. Noutra, de 1993, a cabeça estava um pouco baixa comparada as demais fotos - esta tirada em perfil. No prosseguimento, Frank achara um atrativo resultado. Clicou numa notícia antiga datada de 14 de Outubro de 1991 sobre desaparecimento.
Leu todo o conteúdo que detalhava um caso envolvendo dois garotos no cemitério no Dia das Bruxas sendo um deles considerado desaparecido e o outro, chamado Richard, sobrevivente, logo uma testemunha confiável. As descrições no meio do relato fizeram Frank pensar.
Ele telefonara para Carrie imediatamente.
- Carrie, desculpa ligar assim de repente. Preciso que faça uma busca no banco de dados.
- O que você encontrou de associação?
- Dois garotos se aventuraram no cemitério numa noite de Halloween em 13 de Outubro de 1991. Matt e Richard, eram colegas de classe. O primeiro quis pregar uma peça nos amigos, mas acabou se perdendo e indo ao cemitério, a sua última parada. Isso porque desapareceu sem vestígios. E quanto ao segundo... Ele tem que estar vivo, preciso que o encontre pra mim. Foi o que sobreviveu a névoa... E a estátua fazia mudanças disfarçadas na posição dos braços e da cabeça.
- Névoa, anomalia climática, estátua assombrada, Halloween... Tanta informação não facilita respostas instantâneas, então aqui vou eu mais uma vez infringindo a lei.
- Você é boa nisso e é credenciada, não tem que se preocupar. O nome é Richard Austin Grane.
Após uns dois minutos de espera, Frank tivera um retorno satisfatório.
- Encontrei. Vou te falar o endereço, melhor memorizar e se apressar. Tempestade de raios vindo aí.
Para a sorte de Frank, na chegada à casa, numa viagem que durou uma hora, o tempo não se mostrava tão furioso quanto os anúncios meteorológicos alardeavam. Ainda assim saiu depressa do carro pois a chuva já iniciava com algumas trovoadas leves. A porta estava destrancada e tomou a liberdade de abrir depois de chamar várias vezes sem que ninguém atendesse-o. A sala bagunçada chamou-lhe a atenção com móveis revirados. O que foi um sinal de algo errado. Frank sacara uma arma, cauteloso.
Ao ouvir um ruído característico de um revólver destravando, ele virou-se rápido apontando o seu.
- Cai fora da minha propriedade senão...
- Ei, calma aí. - disse Frank, baixando a arma - Posso explicar! Não sou nenhum invasor... - mostrou o distintivo - DPDC, agente especial. Na verdade, não é um caso apropriado do departamento, mas...
- O que um tira veio fazer aqui? - disse Richard, um rapaz com volumosa barba, de rosto meio redondo e robusto com cabelo curto castanho e trajando um roupão azul.
- Que nome mais vulgar. - disse Frank, aproximando-se - Olha, eu sou um caçador, pra ser franco. Li arquivos sobre um evento relacionado a você... e ao seu amigo, o Matt. Halloween de 1991.
Ambos estavam sentados um diante do outro em poltronas de couro no quarto.
- O Matt tinha anseio de ser carismático, descolado, legal... por isso tentava pegadinhas que sempre falhavam, fazendo todos se afastarem dele. Eu era o único que o defendia das críticas. Basicamente o meu protegido. Foi assim até o dia 13 de Outubro daquele ano. - uma relâmpago o iluminou - Tudo começou com a névoa mesmo. Ficou frio. Sentíamos que a qualquer instante ia nevar. Só que... eu fui arrastado pelos pés. Não vi quem ou que era. Estranho que não senti nada me tocar nessa hora.
- Você foi puxado por alguma coisa invisível. Não exatamente algo... era uma força que te puxou e que proveio de uma coisa maior que é a responsável pelo que houve. - disse Frank, atento.
- Pois é... - Richard desviava o olhar constantemente - Era como se... eu tivesse apagado por um tempo. Quando despertei, Matt não estava à vista, tinha sumido sem mais nem menos.
- Preciso que acredite na minha palavra, Richard. O seu amigo... pode ter sido vítima de uma entidade maligna que se instalou na estátua do ceifador no cemitério para coletar almas de algum jeito.
- A estátua... Aquilo sempre me dava arrepios. Já soube de histórias, não sei bem se são reais...
- Pode crer que são. Fiz pesquisa intensiva, muitos desaparecimentos de crianças que cruzaram o cemitério em noites de Halloween desapareceram e esses efeitos climáticos... é a barra mais pesada dessa história. Na época que foram atacados... o tempo tinha ficado maluco assim?
- Lembro que um furacão quase atingiu a costa leste. - disse Richard - Teve um blecaute também. E choveu bastante até inundar de manhã. Como tudo se liga, afinal?
- Todos os casos ocorreram num intervalo de 10 anos. O cemitério foi fundado no século XIX, mas a estátua foi inaugurada em 1921. Essa coisa tá se banqueteando de almas há muito tempo.
- Então vamos impedir que crianças cheguem perto do cemitério, podemos trabalhar juntos.
- Não, espera... Pensando bem, o objetivo da entidade nesse ciclo não seja almas... A profecia diz que os mortos vão caminhar sobre a Terra hoje. Uma mudança de plano.
- O quê? Que profecia? - indagou Richard, confuso.
- Olha, Matt, vai cair um temporal daqui à pouco, te mando um e-mail contando tudo. - disse Frank, levantando-se - Valeu pela atenção. - um trovão rugiu nesse momento.
- OK, se precisar de ajuda pra alguma coisa, tô a disposição. Vou te passar meu endereço.
***
Na sua sala particular, Carrie tratava de imprimir o manuscrito. Arrancou o papel da impressora e preparou-se para finalizar o expediente aproveitando o fato de que a problemática do clima afetaria as vidas dos funcionários na volta para casa. Antes do sol se por completamente, ela se dirigiu à casa por táxi. Apertara a campainha, logo sendo atendida pelo detetive.
- Como está indo a folga? - perguntou ela, entrando.
- Era pra ser engraçado? Me fazer sentir melhor?
- Uma das duas coisas. - disse ela, deixando o casaco de couro sobre o sofá deixando à mostra seu suéter rosa - Eu nunca perco a oportunidade, não posso controlar meu humor.
- Você veio numa hora certa. No manuscrito tem dizendo que a maldição ou a grande calamidade vai começar depois do por-do-sol? - perguntou Frank indo até ela.
- Com essa suspeita que vim. Dependendo da situação, pensaria em me refugiar aqui. Experimentar novamente o seu aconchegante quarto de hóspedes quem sabe.
- O mundo quase acabando e você com esse humor... - disse Frank sorrindo nervosamente - Bem, eu falei com o Richard hoje à tarde. Ele confirmou. Até passei um e-mail detalhando tudo.
- Contou pra ele que Danverous City é o maior reduto de monstruosidades do planeta?
- E você acha que ia deixar passar? O cara me tratou como um invasor mirando uma arma. Ele tem juízo perfeito, só é, digamos... cabreiro. Não tenho culpa se a porta estava destrancada.
- Eu não consegui traduzir tudo a tempo. - disse Carrie, retirando a cópia da bolsa - Pode me dar bronca por ter desistido do curso. Bem antigo, né? Decodifica-lo na íntegra pode levar dias ou semanas. E tudo que temos é...
A luz da cozinha apagou-se rapidamente. Todas as luzes dos postes apagaram-se. Apenas a luz fraca e azulada do fim da noite banhava a sala de Frank.
- Acho que nosso tempo acabou. - falou Carrie, apreensiva.
- Faz o seguinte: Tem lanterna na dispensa e pode se esconder em qualquer ponto seguro. - disse Frank, pegando o sobretudo - Vou dar uma checada.
- O quê?! Frank, onde tá com a cabeça em sair por aí no meio de um blecaute? Essa entidade pode se manifestar, sei lá, muito além da estátua. Pode ser onipresente, nem sabemos direito o que é.
- Certamente do nível do Anjo da Morte. Uma vez virei o jogo, posso virar de novo.
- Vou tentar decodificar mais. Toma cuidado, por favor. - pediu Carrie, a sua aflição pulsando.
Frank saíra correndo não muito freneticamente, ignorando a confusão ao redor pelo blecaute.
Chegara enfim ao cemitério. O vento retomava sua fúria arrastando folhas secas. Dando passos vagarosos, direcionou-se ao portão central. Ao ver que estava trancado, disparou contra o cadeado.
No entanto, um único pisar no solo gramado foi o estopim. Os relâmpagos só tornavam assombroso o instante no qual cadáveres vivos emergiam dos túmulos pondo mãos e cabeças para fora da terra.
Frank, estarrecido, assistia sem reação. Percebeu algo interessante: Como a decodificação estava incompleta, Carrie não tinha chegado na parte que supostamente afirmava sobre alguém puro de coração acionar o gatilho para os mortos reviverem ao pisar no território.
Ele recuava vendo a multidão de morto-vivos o olharem confusos e também um tanto raivosos, andando como se estivessem vivos e psicologicamente bem. Sua visão periférica detectou um bizarro vulto correndo entre as árvores fora do cemitério e correu movido a curiosidade. A horda de mortos o perseguiu estimulada pela sua ação.
O homem misterioso tentou enveredar por um beco mas acabou tendo a gola da sua jaqueta preta de couro pega de jeito por Frank que logo tomara um susto com a aparência.
- Que diabos é você? - indagou, afastando-se - Ah não... Desculpa, eu me enganei...
- Você é idiota por acaso? - perguntou o homem com uma cabeça de abóbora característica da data - Estamos basicamente no mesmo time, eu peguei você entrando no cemitério e aqueles defuntos...
- Fugia deles? Pra mim você é só um cara fantasiado pra alguma festa, melhor vazar antes que...
- Não tá entendendo. Me escuta, eu sou o Jack, sou aficionado por Halloween e afins. Não quero causar nenhum problema. Mas o que você encarou ali... não é do tipo que eu me acovardaria.
- Então por que correu?
- Ahn... Bem, sendo honesto, foi uma estratégia... para chamar sua atenção. Sou novo na cidade. Geralmente épocas de Halloween me atraem às mais famosas e aqui estou.
- Ainda não entendo como você ia ser útil. - disse Frank, desdenhando-o.
- Vai parecer loucura o que vou dizer, mas... Repara bem, não tenho pescoço. Fui amaldiçoado por um ritual de bruxaria há décadas. Só contemplo o mundo externo em cada Halloween. De resto... solidão, isolamento e reflexões sobre tudo. Conto histórias no meu diário que eu não trouxe.
- Nossa... Se bem que realmente preciso de um reforço. Mas tem que me convencer de que é sobrenatural. Faz uma demonstração de alguma habilidade sua. Ninguém exceto eu tá olhando.
Jack removera a cabeça de abóbora separando-a do seu torso.
- A prova cabal. - disse ele, gabando-se - A minha alma está na abóbora. Significa que qualquer corpo com a cabeça decepada ou manequins e armaduras podem se conectar com ela. Sinistro é pouco né?
- Olha... - disse Frank, fitando-o meio impressionado - Tá afim de matar uns zumbis?
***
Na casa de Frank, Carrie desesperava-se perdidamente com a lanterna. Aproximou-se da janela, mantendo o facho oculto. Afastou de leve a cortina vendo o breu da noite. Porém, uma mão bateu contra o vidro sem quebrar. Uma mão pálida, suja e esquelética, assustando-a.
A lanterna caíra rolando no chão. Mesmo na escuridão a assistente avistou os vultos dos coléricos mortos-vivos ameaçando invadir a casa. Carrie se distanciava, aflita. Escutara tiros.
Sangue espirros forte na janela e mais disparos foram dados. Frank entrara depressa junto a Jack que de início causa estranheza em Carrie.
- Frank, Frank... Que bom que veio! Acabou com todos eles?
- Calma, Carrie. Tinham pelo menos sete deles, deu pra munição. Mas a gente tem que se fortalecer.
- A gente?! - olhou para Jack que acenou timidamente - Você e um estranho fantasiado?
- Sim, nós dois. - disse Frank, pegando as armas - Algum problema?
- Tenho uma objeção. Mas antes me explica quem é esse cara? Quem é você afinal?
- Me chamo Jack. Adoro Halloweens. Desculpa, sou péssimo na auto-descrição...
- É, percebe-se. Com certeza é paranormal. - disparou Carrie.
- O quê? Frank, a sua amiga por acaso é perita no ramo assim como você?
- Trabalho como assistente dele. Você deve ser um Decaído. Um ser amaldiçoado por magia negra. Jamais imaginaria ver um pessoalmente, por isso fiquei surpresa.
- Sabe minha origem? Como pode, eu não...
- Ué, acha mesmo que é o único? Frequento a Deep Web e colho informações bem obscuras.
- Ela tem razão. - disse Frank, trazendo os rifles - Está diante de uma enciclopédia sobrenatural tão abundante quanto eu. Toma. - entregou-lhe a arma - Vamos logo antes que surjam mais.
- A minha objeção, Frank... - disse Carrie - Não vou ficar enfurnada num lugar seguro enquanto salvam a noite e provavelmente o mundo. - pegara do detetive um dos rifles e destravou - Cansei de esperar.
- É sério isso? O arquivo é seguro, Carrie. Vai por mim, fica aqui.
- Sem discussão, Frank. Carrie Wood não está mais no banco de reserva. Vamos lá? Tô pronta.
O detetive a olhou sem saber o que responder. Por fim, suspirou e teve de ceder em compreensão.
- OK. Experiência de campo. Tudo tem sua primeira vez. Isso aí... - assentiu à ela - Vamos nessa.
Após finalmente saírem para o enfrentamento, o trio se lançou ao desafio disparando incessantemente contra a multidão de retornados da morte. Carrie atirava desajeitada, mas seus acertos eram maiores.
- Atirem na cabeça! - gritou Jack - Em todos na linha frontal!
Frank e Carrie, convencidos, seguiram a recomendação. Cada um dos mortos-vivos que sucumbia com um tiro na cabeça era levado a inconsciência ao contrário de outras partes atingidas que os faziam cair embora o dano durasse pouco tempo. Frank havia parado repentinamente.
- O que houve? - indagou Carrie - Frank!
- Não pode ser... - disse ele - Morris?! - o seu inesquecível colega de caçada estava dentre a manada.
- Você me pagará, Frank. Estou nessa por sua causa, seu desgraçado. - disse Morris, aproximando-se.
- Frank, concentração! - disse Carrie, atirando mais rápido - Temos que avançar! Reaja!
O detetive se reorientou e assumiu que compadecimento não iria funcionar. Morris não estava ressuscitado como um caçador e muito menos como seu velho amigo. Frank, sem medo, disparou contra a cabeça dele. A horda diminuía consideravelmente. Mas avistaram um ônibus sendo atacado por um grupo de seis e Frank resolvera intervir enquanto Carrie e Jack se dirigiam ao resto da área residencial para impedir os enfurecidos de invadirem casas.
A força gigantesca dos mortos-vivos ajudava a arrastar o ônibus direto a uma pequena lagoa. Os passageiros gritavam por socorro a mercê daquelas criaturas histéricas. Frank prontamente atirou nos quer estavam visíveis, algumas balas atingindo a lataria do ônibus. Os dois últimos correram para ataca-lo, mas o detetive disparara nas duas cabeças rapidamente. O rifle necessitava de munição.
Enquanto isso, Carrie e Jack compartilhavam a sensação de terem chegado tarde.
- Droga, não vamos ter tempo de eliminar todos sem que muitas pessoas saíam feridas. - disse ela.
- Não me olha como se eu tivesse uma ideia melhor. - disse Jack, resistente - Eu entrei nessa pra me divertir, distrair a mente no Halloween de forma diferente.
- Então as vidas em risco não te significam nada? - questionou ela, irritada - Espera aí... - pensou.
- Alerta! Se abaixa! - gritou Jack. Carrie fizera-o e o homem-abóbora disparou contra um morto-vivo que estava de tocaia para ataca-los - Ele nos seguiu até aqui. O efeito das balas dura menos tempo.
- Conseguiu identifica-lo?! Que memória hein. - disse Carrie. Seu celular tocara - Alô? Frank! Onde você tá? Como tá se saindo?
- Faço a mesma pergunta! - disse o detetive correndo até o cemitério.
- Tem zumbis invadindo casas, pessoas em apuros e não sabemos o que fazer. Digo... sabemos, mas não como, isso é caso pra um exército de caçadores.
- Foi mal não ter pensado nisso! Tô indo pro cemitério agora!
- O manuscrito... - disse ela, logo retirando o papel impresso do bolso - Se eu traduzir os ideogramas e descobrir o segredo....
- Não dá tempo, Carrie. Esquece esse negócio! - disse ele, logo adentrando no território proibido. Relâmpagos piscaram com trovões estrondosos. Para Frank era de tentar no tudo ou nada, sem receio.
Carrie desligara e insistiu na tradução.
- O que vai fazer? O Frank é doido mesmo? Se for plano kamikaze, então já era.
- Não, só um minuto... - disse Carrie, olhando fixamente os ideogramas. Mais mortos-vivos surgiam e Jack tratava de derruba-los protegendo-a - Cabeça de abóbora... Estamos com sorte.
- O quê? O que foi? Estão vindo até nós!
- É um feitiço. Uma mensagem oculta no códice pelos ideogramas em destaque. Eu consegui!
- Tá esperando o quê? Vai pra lá! - disse Jack continuando a atirar. Porém, as balas esgotaram - Ah merda! Me empresta o seu. - pegara o de Carrie enquanto ela se afastava - Tomem mais!
No cemitério, Frank estranhamente sentia sensações bizarras. Viu suas mãos apodrecerem aos poucos ao passo que a entidade na estátua de ceifador aproximava-se com ameaça.
- Quanta coragem por cruzar a fronteira. A ignorância humana é uma tragédia. - disse ela.
- Vai... se ferrar. - falou ele, caindo ao se vulnerabilizar.
- Bastava um grande estardalhaço para atrair uma suculenta alma e finalmente descansar. - ergueu a foice em prontidão - Especialmente uma que vale por milhões.
- Então... é assim? Você sai com minha alma e deixa a cidade em paz? Nem ferrando!
- É o meu descanso eterno pelo bem dessa civilização.
- Mas ela... - disse Frank, o rosto deteriorando-se e ficando cinzento - ... precisa de mim pra continuar de pé. Eu não vou deixar... nem me sacrificar pra encher a pança de uma abominação feito você!
- Saiba seu lugar. - disse o "ceifador", preparado para golpeia-lo com a foice. No entanto, antes que a lâmina curva descesse sobre Frank o receptáculo da entidade parecia retornar a sua forma original - O que está havendo? Não posso mover...
Os membros inferiores se endureciam voltando a ser estátua com direito a rachaduras graves. No processo, o corpo de Frank voltava ao estado normal. O "ceifador" retornara ao seu despedaçando-se em blocos disformes. O detetive reergueu-se e viu como as nuvens tempestuosas se dispersarem dando margem para a lua cheia brilhar.
Mas para deixa-lo perplexo, as covas estavam devidamente fechadas como se nada tivesse ocorrido.
***
Indo ao encontro de Carrie, Frank estranhara a ausência de Jack.
- Ué, cadê o Sr. Abóbora? Vai dizer que ele amarelou?
- Muito pelo contrário, ele me defendeu. - disse Carrie - E adivinha quem salvou o dia...
- Você... traduziu o código, não foi? Nos quarenta e cinco do segundo tempo. - Frank riu.
- Faz tempo que não te vejo assim. É, foi... bem revigorante massacrar uns mortos-vivos.
- Despertou seu instinto de caçadora que você tanto quis. Nunca admiti, mas... vejo que tem potencial.
- Obrigada. - disse ela, sorrindo fechado. Começaram a caminhar juntos lado a lado - Mas minha mira não é nada comparada a sua, vai ter que me treinar se nos metermos numa situação tão louca quanto essa. Ah e quanto ao Jack: Ele disse que tinha um compromisso como penetra de festa. Te mandou um abraço e ainda puxou saco por reconhece-lo como um excelente caçador.
- É bom ele não fazer nenhuma besteira se acaso nos toparmos um dia. Senão... Coitado dele.
Carrie ficou em silêncio por uns segundos, porém resolveu partir para o assunto.
- Ahn... Como se sentiu vendo o Morris?
Frank deu de ombros.
- Honestamente... Não senti nada. O que passou... passou. Preciso deixar certas lembranças pra trás. O mundo só acaba mesmo pra quem vira comida de verme. Os que ficam só tem que seguir adiante.
- Entendo. - disse ela, meio desviando o rosto um tanto abatida. Existia uma história secreta sobre Carrie sobre a qual ela nunca dividiu com os amigos: Um filho perdido tragicamente. O mesmo foi visto no meio do exército de mortos-vivos, mas ela havia se recusado a atirar deixando para Jack.
E sobre ele, o Decaído que acreditava ter sido o único a sofrer o mal que lhe foi causado perambulava pelo cemitério e recolheu a foice da estátua destruída.
- Muito bem, essa relíquia vai direto pro meu cofre. Sempre quis colecionar artefatos.
Andara para sair de lá tranquilamente. Mas a coloração amarelada dos olhos e da boca da abóbora alteraram-se drasticamente para um vermelho carmesim.
Segurou firmemente a foice como um tesouro precioso.
- Nunca fico um passo atrás. Hora de comer. - dissera Jack... ou a entidade.
-x-
*A série entra num hiato, mas retorna no dia 18 de Janeiro com a leva final da temporada!
*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: https://seuhistory.com/noticias/homem-vira-zumbi-devido-doenca-rarissima
Comentários
Postar um comentário
Críticas? Elogios? Sugestões? Comente! Seu feedback é sempre bem-vindo, desde que tenha relação com a postagem e não possua ofensas, spams ou links que redirecionem a sites pornográficos. Construtividade é fundamental.