Capuz Vermelho #66: "O vencedor leva tudo"


Posteriormente à sua captura inesperada, Mollock fora alojado na cela mais paupérrima daquela masmorra digna dos criminosos mais hediondos da face da Terra. Contudo, não estava solitário daquela vez, muito embora quisesse já que o período na prisão da Caosfera lhe acostumou mal a compartir espaço, sobretudo com um semi-clone que o incomodava despropositadamente. A fera híbrida original estava sentada em posição meditativa e mexia um dos olhos fechados.

- Meu estado de calmaria permite que eu peça, por obséquio, à você que pare de fazer esses ruídos com as unhas. - disse Mollock - Não quero precisar levantar para ensina-lo uma dura lição.

Os sons das garras do outro híbrido roçando no chão não cessaram, obrigando o outro a reclamar.

- Está bem, já chega! - Mollock levantou-se rápido e olhou enfurecido para o companheiro de cárcere - Entendi que quer minha atenção mais do que tudo nesse momento. A questão é: Por que?

A "cópia" permaneceu silenciosa, apenas testando até onde iria a paciência do original

- Ah, é verdade, agora lembrei. Sua cognição é limitada. Ou não pode falar sem que aqueles sacos de carne ambulantes ordenem, uma vez que eles instruíram você, o domesticaram como um animalzinho. Realmente é lastimável.

Mollock virou as costas, fazendo pouco caso da experiência provinda da Caosfera.

- Por que me importaria? Só penso mesmo em fugir desse calabouço de alguma forma.

- Se acredita ser tão inteligente, por que não bolou um plano até agora? - perguntou a "cópia", surpreendendo Mollock que virou-se com os olhos arregalados - Quer me deixar apodrecendo aqui né? É impossível, nenhum de nós sairá ganhador.

- Agora resolveu falar, miserável! - disse Mollock, agarrando-o e o pondo contra a parede - Você é o produto da união de duas criaturas assim como eu, uma deste mundo e outra do Tártaro. Estava apenas brincando comigo esse tempo todo? Pois fique sabendo que existe um mundo para um único Mollock governar.

- Você não vai governar nada, seu imbecil. - disse o outro, empurrando-o - Eu pareço você, mas não somos gêmeos. A primeira impressão sua sobre mim foi de um animal selvagem que não sabe falar nada além do próprio nome, então a tática funcionou. - fez uma pausa, andando devagar na cela - Eles quiseram que fosse assim, dando orientações para que eu parecesse o mais animalesco possível ao seu julgamento precipitado e superficial.

- Está tentando me insultar? O original e inigualável Mollock está na sua frente, prestes a arrancar sua cabeça fora, a menos que esclareça o que certamente você foi obrigado a manter secreto. Aí podemos ser parceiros de fuga, quem sabe até partilharmos sangue, nos fortalecemos, matamos os idiotas que nos prenderam e por fim damos um viva à liberdade.

- Não, eu quero que entenda. - disse a "cópia", erguendo sua mão esquerda de leve como um gesto pacificador - Estou quebrando um protocolo. Queriam que você me subestimasse. Eles estão se antecipando a um golpe de traição dos aliados e nós somos peças de um tabuleiro muito maior.

- Definitivamente não quero ser tratado como um peão num jogo de humanos ordinários.

- Tarde demais, amigo. O xeque-mate não será meu e muito menos seu. Eles me chamam de experimento V3.

- Isso é simbólico? - perguntou Mollock.

- Sou um reles produto. Você também. Cada produto é categorizado com um volume. O volume 2 não chegou a existir pelas criaturas importantes para a fusão terem se extinguido. E quanto à mim... sou o terceiro volume, graças a uma criatura do último nível conhecido que eles tinham disponível.

Mollock o encarou fixamente, compreendendo absolutamente tudo que ouvia.

- O fato de confiarem tanto na sua força contra minha... é porque você é metade quimera nível 3, uma das que meu pai criou. Enquanto eu somente me alimentei do sangue de várias delas.

Um do magos do caos aparecera acompanhado de dois guardas e interrompendo a conversa.

- Saudações, meus cães. Hora da ração. - disse ele, rindo.

- O que faz aqui, verme? - perguntou Mollock.

- Quero propor um desafio, tenho certeza que irão adorar. Nosso objetivo é fundar um batalhão de híbridos, vanguarda e retaguarda, para uma frente de combate contra... nosso inimigo ainda não declarado. - disse o jovem mago - Cedo ou tarde vão se rebelar e não podemos seguir em frente sem antes definirmos um líder.

- E qual a razão de formar um exército? - questionou Mollock.

- Ruídos na comunicação entre nossos parceiros. É tudo que sei.

- Mentira. Sabe mais do que deseja falar. - acusou o outro híbrido.

- Veja quem fala. - implicou Mollock ao colega - Ao menos disse a verdade sobre o tal jogo.

- Será um duelo até a morte. - informou o mago, o sorriso empolgado - Inclusive faremos apostas. Vocês dois lutando para decidir o comandante. Caso o original vença, ele é oficializado líder antes do nosso recrutamento. No entanto, se o adversário, a meia-cópia, derrota-lo... aí sentirei pena.

- O que vai acontecer? - perguntou Mollock em tom ríspido, segurando as grades exasperado.

- Mesmo que você não morra, bastando sinalizar rendição... Terá que se fundir com seu amigo para originar um comandante ainda mais forte. E olha só... - mostrou um grosso maço de euros - É a minha aposta. - disse ele, irritando ambos os híbridos com sua risadinha infame.

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CAPÍTULO 66: O VENCEDOR LEVA TUDO

Área florestal de Raizenbool

Na sala de estar, Adam verificava, sentado no sofá, algumas lâminas suas para caçada e separava as que possuíam um fio de corte aceitável. Dos seus pensamentos não saía a imagem de Rosie trancafiada naquela sala soturna . Uma culpa que estranhou de início o acometia. Culpa pelo não reconhecimento de que a jovem implorava por ajuda e também do consentimento em ajuda-lo. A chegada de Hector, que vinha do seu caçador já com suas vestes habituais, o desligou do foco.

- Tome cuidado para não arranhar a mesa. - disse, referindo às lâminas - Eu achava que Rosie não ligava pros móveis velhos dessa casa, mas constatei nos últimos tempos que ela adora mante-los limpos e intactos. Até me proibiu de trocar a mobília.

Adam permanecia meio introspectivo, preferindo não olha-lo.

- Que bom. Conservar dá menos trabalho que substituir tudo.

Hector não mostrava-se satisfeito, cruzando os braços.

- Olha... Você e eu poderíamos retomar a parceria profissional, no máximo. Pela salvação da Rosie.

- Por Rosie ou por nossa amizade. Sinto que não pode ser os dois.

- Adam, você resistiu fortemente ao controle, significa que é mais do que capaz de destruir essa barreira mental que o impede de organizar suas ideias conforme os seus princípios mandavam. - disse Hector, aproximando-se dele rápido - Não é mais um cão farejador da Caosfera, está voltando a si. O seu lado humano está renascendo e só o que precisa é se permitir acreditar.

O caçador o visualizou de soslaio, um tanto indisposto a dar atenção aos conselhos do amigo. Hector suspirou longamente, baixando a cabeça indicando uma frustração ao não toca-lo como esperava. Direcionou-se à cozinha para deixa-lo sozinho novamente. A campainha tocara logo depois e Adam levantou-se para atender. As visitas não lhe foram nada agradáveis, especialmente uma.

- Ah não, vocês... - o caçador recuou. Pandora e Derek estavam com malas feitas esperando serem recebidos. Adam olhou para Derek num misto de terror e raiva, repreendendo com aquela expressão. O ex-mago do caos acenou educado.

- Olá, como vai o meu ex-melhor funcionário?

- Por que estão aqui? O que querem de mim? - questionou Adam, irritado.

- Calma, viemos em paz. - disse Pandora, entrando - Não vamos te machucar, especialmente ele.

- Como se eu pudesse. - disse Derek, pondo as malas no chão. - E por que deveria nessa altura?

- Me expliquem o que tá acontecendo. - exigiu Adam - Você é a Pandora, fugitiva da Caosfera. Derek coordenou uma caçada pra pega-la e se retaliar pela sua traição. E agora vejo que estão juntos?!

- Pode-se dizer que meu novo-velho namorado recebeu um merecido castigo do papai. - disse a bruxa - Sabe quando a criança desobedece uma ordem e os pais lhe tiram o brinquedo? Pois é...

- Se eu entendi bem... - disse Adam, encarando Derek - Você foi expulso da Caosfera?

- Saí com uma mão na frente e outra atrás. E sem magia também. Vamos Adam, sorria, com certeza isso o alegra muito.

Hector voltara á sala com uma xícara de café, mas ao bater os olhos nas figuras de Pandora e Derek o caçador estremeceu. Derrubou a xícara que despedaçou-se no chão derramando o líquido quente. Disparou em supervelocidade, transformado em licantropo, contra Derek, o empurrando violentamente contra uma parede e segurando-o pelo pescoço.

- Não sei o que fez para que Pandora se reconciliasse, mas não pensem que vai funcionar comigo!

A bruxa do caos enfezou-se e ergueu sua mão direita, infligindo dor sobre Hector com sua magia para conte-lo. O caçador fechou os olhos apertadamente e cerrou os dentes, sentindo um profundo "esmagamento" na cabeça.

Derek voltou a ter o ar fluindo pelos pulmões ao ser solto com a vulnerabilidade do caçador e sentiu os pés no chão aliviado, pegando no pescoço dolorido. Adam se consternou com a atitude da bruxa.

- Chega disso, não acho que ele tinha alguma intenção de feri-lo.

- Não, não tinha. - disse Derek - Só quis acertar as contas... Rasgando cada pedaço da minha carne.

- Hector, vem aqui. - disse Pandora, querendo puxa-lo pelo braço, mas ele demonstrou rejeição.

- Por que o trouxe? - perguntou Hector, aborrecido - É, de fato eu iria dar à ele uma morte dolorosa e excruciante por boas razões. - voltou-se para Derek, acusador - Orquestrar uma conspiração contra o Exército Britânico, falsear uma iniciativa privada, desfazer todo o bem feito nos casos resolvidos, chantagear Rosie para escolher entre tirar a própria vida ou deixar nossos amigos em apuros.

- Agradeço por relembrar minha ficha, Crannon. Mas tenho a impressão de que você esqueceu de uma coisinha...

Hector rosnara como um lobo e Pandora se interpôs temendo que ele fosse atacar novamente.

- Vou pedir só essa vez: Vem comigo, conversar em particular, isso tudo tem uma boa explicação.

O caçador demorou um pouco para mostrar concordância. Acompanhou a bruxa ao seu quarto e trancou a porta.

- Então foi isso. - disse Hector, não tão convencido - O comandante da Caosfera aplicou uma punição à ele, uma informação que chegou à você diretamente dele. Seus sentimentos falaram tão alto assim?

- Ele deu uma prova cabal de que toda a magia foi esvaziada de seu corpo. Digo... Na verdade, eu fiz uma leitura energética depois, para confirmar em definitivo. Há males que vem pra bem, né? Ele queria acabar com o corpo de Rosie, desacatando seu poderoso pai e teve o que mereceu. O reiki dele sumiu completamente, nenhum resíduo sequer.

- Uma parte de mim não se convence de que isso garanta a segurança de Adam.

- Pois é, ele tem uma lábia diabólica. - disse Pandora, não duvidando da capacidade de ludibriar que Derek tinha como um dom quase natural fazendo da hipnose mágica desnecessária - Mas a chance de traição é... qual número vem antes do zero?

- Essa sua confiança repentina e exacerbada nele não me tranquiliza. - retrucou Hector.

- Nós reatamos. - disse Pandora, surpreendendo-o - Repentina? Nem tanto. E você fala como se pusesse minha mão no fogo. Tivemos fases difíceis, mas daquelas que qualquer casal supera. Se quiser dicas de recomeço amoroso, me consulte.

- Melhor voltarmos ao assunto chamado Derek... ou o problema chamado Derek. - disse Hector - Aliás, vou terminar essa conversa com um aviso. Aviso não, uma promessa: Ao menor sinal de recaída... ele será um homem morto.

A ameaça do caçador deixou a expressão de Pandora transparecer certa inquietude. Hector destrancara a porta e saiu.

                                                                            ***

Adam terminava de guardar suas lâminas numa bolsa de couro, esforçando para ignorar a presença de Derek tal como fizera com Hector. Mas com relação ao ex-mago do caos a razão pesava mais gravemente. O companheiro de Pandora sentou-se no sofá menor, observando o caçador com um semblante de interesse.

- Imagino como está extremamente dividido. - disse ele - Se confiar no Hector, prova que suspeita da minha renovação pessoal. Mas você o odeia. Por outro lado, confiando em mim vai contrariar à posição dele. Mas você me odeia. Pra esclarecer que não há um ciclo de ódio mútuo, digo que me preocupo com você e se eu tiver que implorar perdão à alguém...

- Você adora o som da própria voz né? Não vê que estou ocupado? Não tenho tempo pra ouvir suas desculpas.

- Sim, peço desculpas, obviamente. É à você quem as devo em primeiro lugar. Hector pode inventar um monte de teorias sem fundamento duvidando da escolha que fiz, contanto que não mostre os dentes afiados pra mim, mas não posso conviver com esse seu amargor rancoroso pro resto da vida.

Pela primeira vez naquele dia, Adam o olhara com menos tensão.

- Algumas pessoas podem mudar diante de uma perda. Faz alguma falta? A sua magia...

- Agora que redescobri finalmente o que é amar, posso dizer que o vazio foi preenchido. - disse Derek, sério - Nos últimos dias, Pandora expulsou o que restava de escuridão. Eu me divorcio do que representava aquele homem frio e cruel que sonhava com um mundo aos seus pés. Não sobrou nada além do arrependimento de ter passado tantos anos a odiando.

Hector voltara à sala, lançando um olhar cabreiro para a proximidade de Adam e Derek que considerava tão perigosa.

- Que cara é essa, Crannon? Fique tranquilo, não toquei nele.

- Mas suas mãos não estão limpas. - redarguiu o caçador.

- Disse o licantropo descontrolado que com certeza já se sujou com sangue de animais muito maiores que um esquilo. - provocou Derek, mas Hector optou pela resposta do silêncio apático.

Logo atrás dele veio Pandora numa postura confiante. Se pôs ao lado de Hector, pronta para dizer algo.

- Aproveitando que me instalei aqui novamente, quero ter uma chance de me redimir. - focou em Adam - Só vou me sentir merecedora se Adam permitir que eu execute um feitiço reversivo que possa quebrar a barreira.

Adam se empertigou, direcionando à bruxa uma face de esperança.

- Pode mesmo? É possível minha mente ser restaurada sem nenhum efeito colateral?

- Teoricamente sim. - disse Derek - Mas não vou me responsabilizar pelo que pode dar errado.

- Contem comigo. - disse Pandora - Não tem encanto mais inquebrável que não esteja ao alcance da magia do caos. - virou o rosto para Hector que assentiu devagar, mostrando-se de acordo mesmo com incertezas.

                                                                                ***

As amarras afrouxaram ao longo do período em que Rosie forçava para desatar o firme nó que espremia seus pulsos. Faltava pouco para desvencilhar-se das cordas, logo apressou os movimentos braçais para correr dali desesperadamente atrás de uma saída. A apreensão aumentou quando ouvira passos avizinhando-se diretamente àquele péssimo ambiente para se passar uma noite mal-dormida.

Livre das cordas enfim, Rosie não arriscaria bater de frente com quem quer que estivesse vindo e escondeu-se de uma parede num canto bem escuro. A porta foi aberta e um demônio entrou para conferir a situação. O servo de Belphegor,  surpreendeu-se ao ver as cordas largadas sobre a cadeira e esquadrinhou o recinto. Vagarosamente, Rosie desembainhava uma adaga de irídio, a única que trazia consigo. O peso da lâmina não impediu de efetuar um movimento.

O demônio fora esfaqueado pelas costas e mal teve chance de olhar para trás pois rapidamente petrificara e desintegra-se. Rosie apanhou sua lâmina suja de cinzas e saíra correndo da sala, passando pelos cinzentos corredores de forma aleatória. Ao dobrar para um, deparou-se com um mago do caos que, ciente da misteriosa blindagem da jovem contra feitiços, não reagiu agressivamente à sua presença, parecendo querer recuar. Rosie sorriu de canto e o socara forte, bem no nariz.

- Como foi que se libertou? - perguntou um outro, alarmado. Ergueu sua mão direita, mas Rosie mantivera-se inatingível e o chutara na barriga, em seguida batendo sua cabeça na parede. Lembrou-se da chacina que cometeu dias atrás e das advertências de Hector quantos aos limites. Por isso, procurou não ultrapassa-los novamente ali. O primeiro mago a flagra-la levantou-se, sangrando, sacando uma adaga e tentando desferir cortes. Rosie desviava e pegara de jeito o braço do oponente, o quebrando com o joelho. O mago urrou de dor e a jovem se pôs por detrás dele, agarrando-o.

- Eu sei que o Derek pegou meu brasão e exijo saber onde o guardaram. Não jogaram no lixo né?

- Que brasão? - indagou ele, atordoado - Aquele pingente brilhante... reluzindo como ouro?

- Vou descrever melhor porque não quero te quebrar mais uma articulação: É redondo, dourado, com quatro pontas... e não é apenas um pingente. Sabe onde está?

- No escritório... do sucessor de Derek.

- Sucessor? - estranhou Rosie - Perdi algo enquanto fiquei presa?

- Derek foi enxotado do grupo... por infringir regras. Sendo mais exato, por sua causa! O fez acreditar que era uma ameaça, mas ele previu a tragédia... Com a traidora engajada pra salva-la, você ganharia proteção mística que bloqueasse nossa magia. Foi isso que houve. Por isso eles quis queimar seu cadáver mesmo ciente dessa possibilidade.

- Não mereço ser culpada. - rebateu Rosie - Ele que ficou obstinado em acabar comigo de qualquer jeito e pagou caro. Se ele estivesse naquela cabana, teriam bons motivos pra me tornar um alvo de vingança. Onde fica o escritório?

- À dois corredores, à esquerda, é a última porta. - disse o mago, sofrendo em dor - Pode até conseguir de volta seu lindo colar, mas voltará pro confinamento.

Rosie pensou em retrucar dizendo que não havia tanta certeza, mas relembrou o que Hector lhe disse sobre o uso da energia divina acarretando em possíveis perigos com a ausência da alma completa.

A jovem correu até a sala. Mas ao entrar, tomara um susto. Alguém conhecido virava-se para ela sentado na sua cadeira giratória. A garganta de Rosie secou com o choque da descoberta.

- Olá, Rosie. - disse Leo, sorrindo cínico e vestido como se tivesse saído de uma reunião empresarial - Bom vê-la de novo.

- Leo?! - disse ela, abismada - Não tô entendendo... Você também?! É um deles? Como aconteceu?

- Relaxe, relaxe... - disse Leo, levantando-se - Natural que esteja confusa e aterrorizada em me ver numa posição privilegiada, sei porque ouvi sua conversa com Dalton e ele deu com a língua nos dentes. Podia te-lo matado pois uma das regras fundamentais é nunca dar informações ao prisioneiro.

- Eu o poupei por obrigação. Agora começo a entender a ligação do seu passado com o Goétia... o seu irmão que participou de uma seita pra sacrifica-lo em nome de um deus...

- Não exatamente um deus. Embora ele posasse como um. - disse Leo, aproximando-se - Jamais vou esquecer aquele monstro se entranhando na minha alma e me forçando a dividir a cama com ele. Você entende né? Me falaram que teve uma experiência parecida, mas no seu caso um deus de verdade.

- Te ressuscitaram pra ocupar o lugar do Derek? Você mentiu descaradamente...

- Quando menti? Ah, deve ser minha aparência de bom moço que te iludiu. Que pena, já estava gostando da nossa sintonia.

- É, pessoas desonestas não fingem por muito tempo. E você mentiu sobre como morreu.

- Tem razão, quase me esqueci. Não fui comida de tubarão, mas um terno pro baile. O monstro era um demônio chamado Daemong. Quando o tiraram de mim pra fixa-lo numa máscara mortuária, uma semideusa desgraçada chegou pra mim e fincou uma adaga no meu peito.

- Pandora. - disse Rosie - Achou que estivesse ainda possuído. Afinal, quem foi seu irmão?

- Ele deveria cumprir meu objetivo, mas ao invés disso se encantou por ela. Papai fez bem em expulsa-lo.

- Espera aí, tá dizendo que... - disse Rosie, perplexa. Um demônio surgiu atrás dela, sua boca ficando próxima da nuca, e expeliu um bafo amarelo que a fez dormir. Leo acenou para o demônio, deixando subtendido para leva-la de volta ao cárcere.

                                                                                ***

No Casarão, Adam respirou fundo preparando-se para receber uma nova invasão mental. O caçador estava deitado sobre a cama de Rosie, no quarto da própria, e adormecera após ser hipnotizado por Pandora. Hector estava cauteloso na vigilância. Derek, por outro lado, não mostrava-se tão despreocupado uma vez que sabia da facilidade de reversão do feitiço. Ele deu uma olhadela de lado para Hector que retribuiu apaticamente. Pandora tocou nas têmporas de Adam.

O gatilho para acessar a consciência fora acionado. Uma torrente de lembranças foi vista pela bruxa, cada uma passando numa velocidade absurda, mas todas absorvidas e compreendidas como se fossem assistidas numa duração normal. As expressões de Pandora, de olhos bem fechados, denotavam para os aguardantes os rumos da invasão. A bruxa começara a recitar uma combinação de feitiços que fez Derek levantar uma sobrancelha. Hector suava frio pelas mãos, concentrando sua atenção preocupada no amigo. A voz baixa de Pandora não impediu que Derek fizesse uma observação importante.

- Tem algo estranho. - disse ele, descruzando os braços - Ela está mesclando feitiços para gerar um efeito imediato. Um para quebrar barreiras mágicas e outro para desfazer hipnoses avançadas que são requeridas na modificação e distorção do subconsciente. É um método interessante, mas...

- Mas? - indagou Hector, soando bravo. Derek fazia que não com a cabeça lentamente.

- Receio que não venha com uma grande garantia.

- Então praticamente ela está fazendo o feitiço errado?! Derek, você foi parte da experiência que o transformou numa arma humana - agarrou a gola do casaco do ex-mago - e deve saber exatamente qual caminho pra recondiciona-lo.

- Meu silêncio não foi proposital, Crannon. Tem ideia de como é se sentir desacreditado?

Uma crise de espasmos teve início em Adam, afligindo Hector e Derek. Pandora desconectou-se da mente do caçador e vira a reação prejudicial, desesperando-se.

- Não, não, não... Não pode ser! - disse ela, vendo sangue escorrer pelo nariz dele.

- Avisei que não ia me responsabilizar. - disse Derek - Preferiu fazer do seu jeito a confiar em mim.

- Agora seria uma boa hora pra ajudar. - disse ela - Diga o feitiço correto... Vou te dar uma chance.

Derek pensou um pouco e aproximou-se. Hector tentava conter os movimentos súbitos de Adam.

- Depressa! - disse ele.

- O segure firme, Crannon. Vamos lá. - voltou-se à Pandora - Toque nele. Mas terá que entrar sem pedir licença dessa vez.

                                                                            ***

Os dois pesos-pesados subiam no ringue circular dentro de uma gaiola metálica como proteção caso respingasse sangue ou outras partes orgânicas nos espectadores entusiasmados que faziam seus bolões de apostas num raro dia de vivenciar um entretenimento. Os "gêmeos" encaravam-se atrozes, parados à espera do sino, usual em lutas de boxe, tocar.

- Você anseia tanto esse posto? - perguntou V - Pensava que seu sonho era ser comandante autônomo.

- Falei que estava aberto a um plano de emergência. - disse Mollock - Celebrarmos a liberdade.

- Muito bem, preparem-se. - disse um mago - E não se contenham, deem tudo de si. Queremos ver sangue, tripas e se possível até membros voando e deixando essa arena bem encardida.

O sino tocara e os híbridos posicionaram-se. Mal deu tempo de Mollock perceber V avançando com uma ombrada direto no seu rosto que impactou suas costas nas grades. V aplicava socos velozes não dando brechas pro oponente revidar. Contudo, Mollock pensou nas habilidades que adquirira e não necessariamente devia ser um combate obrigatoriamente físico.

O híbrido original cuspiu fogo contra o adversário que afastou-se. A plateia gritou em vibração e um coro de torcida formou-se entre os apostadores. Mollock pulara ferozmente sobre V e ambos bolaram.

- Admite que minha força é incomparável. Não é? - disse V - Cá entre nós, irmão, bem que podíamos praticar vingança com fuga. Aceita forjar um empate?

Mollock rosnava salivante por baixo do concorrente enquanto refletia.

- Nem pensar. Se conseguirmos, o que será depois? Não temos lugar e nem propósito. Essa oportunidade de liderar um exército de iguais a mim abrange mais que uma liberdade vazia.

- Tudo fingimento seu?! Você é o ser mais asqueroso, egoísta e desleal que conheço! - ofendeu V, logo ameaçando cravar suas garras no coração de Mollock que sentia o peso dele aumentar - Está meio fora de forma, não acha? Acabou.

V levou suas garras ao peito do adversário que grunhiu. Mollock deu-se conta de que o sangue demoníaco consumido recentemente não o refortificou por completo. Virou o rosto para o lado, focando o juiz da luta. Abriu a boca para falar.

- Eu... - sua voz saiu frouxa. Cerrou o punho esquerdo e bateu na arena, comunicando sua rendição. Uma chuva de dinheiro jogado ao ar se fez em meio aos gritos de comemoração.

                                                                               ***

Os olhos de Adam abriram devagar, o que encheu Pandora de felicidade. A bruxa abriu um sorriso largo e espontâneo pela primeira vez em muito tempo. Derek deixou escapar um semblante alegre. Já Hector parecia incrédulo e estafado de tanta aporrinhação. O braço forte da Legião levantava-se, visualizando o ambiente e as pessoas à volta.

- Hector, o que tô fazendo aqui? E você, Derek? - indagou, surpreso - Quem é ela? E-esse... é o quarto da Rosie, estamos no Casarão... Que sensação é essa de ter dormido por uns mil anos? - tocou na cabeça que ainda doía um pouco.

- Adam, primeiro quero que nos responda... - disse Hector, nervoso - Qual sua última lembrança mais feliz?

- Himalaia. - respondeu ele, lacônico - Nós fomos juntos, treinamos juntos, foi uma viagem incrível. Mas tivemos que voltar por conta das dores de cabeça que Rosie sofreu.

Hector relanceou Pandora que lhe olhou desconcertada. O caçador voltou-se ao amigo.

- Sim, tem razão, nos divertimos como nunca. - mentiu ele, detestando fazê-lo.

- E a última coisa de que se lembra? - perguntou Derek, curioso.

- Eu permaneci em Londres, num hotel meia estrela, desde o ano passado após determos Mollock. O que aconteceu?

- Derek foi dissuadido do DECASO por saber mais do que devia do verdadeiro plano da iniciativa. - disse Hector - E ela... Ahn, é uma bruxa que nos ajudou a desmascarar um esquema conspiratório de uma organização infiltrada no Exército Britânico que tinha como principal objetivo segregar criaturas sobrenaturais mundanas ao passo que instalava um regime de terror capitaneado por um demônio poderoso que está no presente momento liberto e tentando se eleger prefeito de Londres.

- Em outras palavras, o DECASO não passou de uma farsa incrivelmente bem armada. - disse Pandora.

- Seu melhor amigo é um verdadeiro dicionário humano. - comentou Derek.

- Minha cabeça dói um pouco ainda e me contarem tudo que perdi nesse meio tempo não é o melhor remédio. Será que desmaiei? Realmente não faço a mínima ideia de como vim parar aqui.

- Hector, podemos ficar a sós? - perguntou Pandora - Derek, cuida de inteira-lo, só tenta resumir direito pra evitar que a cabeça dele exploda. - a bruxa gesticulou com a cabeça, chamando Hector para conversar fora do quarto.

Ambos ficaram no corredor enquanto Derek informava Adam dos recentes acontecimentos.

- Vai me desculpar, mas não tapei todos os buracos. - disse Pandora.

- Do que está falando? Não, posso imaginar. Adam mencionou com toda a naturalidade um evento que nunca aconteceu. Implantou memórias falsas nele?

- Melhor saída que deixar lacunas, brechas, espaços de tempo faltando e ele num dado momento desconfiar e ficar confuso. Não ia te pedir autorização, mesmo que devesse, mas não devo. O feitiço era o inverso da manipulação.

- A solução era apenas recitar o feitiço ao contrário?! Esse maldito...

- Não foi culpa dele, estava certo sobre mim e fui inconsequente em não confiar. Todos ganharam, no fim das contas é o que importa. Além do mais, apaguei algumas más lembranças, como por exemplo... o fato de você ser filho de um Red Wolve.

A expressão que Hector esboçou foi de pasmo absoluto. Um brilho de emoção nos olhos tornou-se claro. Derek os interrompeu, abrindo a porta.

- Combinamos o seguinte: Hoje à noite, invasão barulhenta na sede. Iremos tirar Campbell de lá. Alongue os músculos, afie suas garras e anime-se, Hector. A bela voltará para os braços da sua fera. - fechara, retornando ao quarto.

- É a primeira vez que eu ouço ele dizer seu primeiro nome. - disse Pandora.

                                                                           ***

Rosie esperava que aquela fosse a única ocasião de sentir-se enterrada viva. Seu despertar sobressaltado levou à um desespero incontrolável quando percebeu estar deitada numa câmara, similar a um caixão, hermeticamente fechada e uma claustrofobia severa tomou as rédeas do seu emocional. A jovem batia contra a tampa, precisamente contra o retângulo de vidro por onde passava luz. Sua voz produzia um eco seco por dentro, mas por fora era inaudível.

Quem não escutava do lado de fora era Leo preparando uma espécie de bomba d'água possuindo uma mangueira conectada à câmara. Rosie pôde ver o buraco por onde entraria a água.

- Eu não posso ouvir você e nem você pode me ouvir... - disse Leo, empolgado - Mesmo assim, quero dizer que sua alma continuará sendo um quebra-cabeça desmontado - virou-se para o caixão de ferro - É difícil pra mim, mas eu preciso... provar ao canalha do Derek que o superei como filho e como mago mais do que as expectativas do papai conseguiram antever. Está lutando em vão. Escuto você bater bem forte, é inútil gritar. Quando terminar já vai poder falar, embora mais como um animal do que como humana. - fez uma pausa - Queria que tivéssemos um outro destino, Rosie.

Enquanto Leo não despejava líquido para afogar sua prisioneira, o quarteto de resgate contemplava a fachada da sede na calada da noite sem lua em meio ao cricrilar dos grilhos. Adam franziu o cenho:

- Pensei que chamariam um exército de caçadores pra acertar detalhes, como nos esperar no local exato. Somos só quatro. Damos conta de um bando de caras poderosos que usam magia negra?

"Eu fui um desses caras, a propósito. Sei mais das suas fraquezas do que eles permitem ver", pensou Derek.

- Dois caçadores profissionais de altíssimo nível, uma bruxa semideusa e um mago involuntariamente aposentado que vai necessitar de toda a proteção disponível. - disse o ex-mago, olhando para os companheiros. Hector revirou os olhos.

- Estava querendo dizer que somos mais que suficientes pra enfrentar cerca de 40 magos do caos. - disse Pandora - Por razões óbvias, vou entrar primeiro. - Derek quis acompanha-la - Ei, quem disse que você tá na vanguarda? - tentou barra-lo.

- Não vem com essa conversa mole, não pedi a ninguém pra ser minha babá. Mas quero Adam, de preferência, me escoltando até avançarmos para os corredores.

- De acordo. Só não engoli ainda ter escondido que foi um desses magos. - repreendeu ele. Hector cansara de perder tempo e deu partida até a porta de entrada. Pandora o seguiu - Vamos nessa.

Paralelamente ao tumulto, Leo girava a válvula para liberar a água. No compartimento inicial da sede, Hector dilacerava qualquer mago que via pela frente, Pandora não abusava muito da sua magia para combate-los, Adam atirava em legítima defesa mantendo derek sob sua guarda. Ao ultrapassarem, uma passagem secreta chamou a atenção de Derek.

- Veja ali! - apontou para sua direita - É o abrigo subterrâneo. Foi nesse lugar que planejaram usar Mollock para fundi-lo a uma cobaia feita à sua imagem e semelhança.

- O quê?! Mollock foi capturado justamente pra isso? - questionou Hector - E o que é mais assustador: Uma outra fusão. O que estava ruim, acaba de piorar e em dobro.

- Na pior das hipóteses, já finalizaram a unificação. - disse Derek - Melhor vocês dois irem. Pandora e eu vamos descer.

- Espera, não concordei com isso. Ah, dane-se. - cedeu Pandora, o seguindo pela escada espiral.

Leo dava os últimos giros da pesada válvula. A água correra pela mangueira em sue curso. Porém, antes que o líquido alcançasse o interior da câmara, Hector entrara em supervelocidade na sala, destruindo a porta, e jogara Leo contra uma parede. Em seguida, levantou a tampa da câmara com sua força, retirando uma perturbada Rosie.

- Aí está, seu herói veio busca-la. - disse Leo, limpando sangue que escorria da testa - Por pouco você não se torna um Bastardo... digo, uma Bastarda. Essa é uma água com a mesma composição da que existe no Lago da Perdição, aprendi a fabrica-la graças à alguns amigos que fiz por lá.

Hector andou à frente visando matar Leo, mas Rosie o pegara pelo braço.

- Não. - olhou para o mago - Use essas garras em quem valha o esforço.

- Também não quero me desgastar com vocês. Adeus, Rosie. Tivemos um reencontro inesquecível. - disse Leo, manifestando seu nauseante cinismo - Evanescect - desaparecera num piscar de olhos.

No subterrâneo, Pandora e Derek exploravam o amplo espaço munidos de lanternas. Foi impossível não reparar na arena onde Mollock e V disputaram o título de comandante da horda híbrida.

- Fizeram campeonato de luta livre? - se perguntou Pandora, apontando o facho da lanterna - Ah, é claro, colocaram as duas aberrações pra se esmurrarem. Sabia dessa parte do plano? - esperou a resposta - Derek?

Ao virar-se, a bruxa sentiu as pernas bambearem trêmulas. A luz da sua lanterna iluminava Derek sendo empalado por uma manzorra de garras pontiagudas. O ex-mago golfava sangue em profusão.

- Não! - exclamou Pandora, horrorizada.

A figura abominável que se esclarecia diante dela sorria com seus dentes animalescos. Um novo, mais robusto e poderoso Mollock de pele cinza escuro surgia.

- Acho que você é a próxima. É o fim que todos aqueles que se oporem no meu caminho vão encontrar! - disse a fera, largando o corpo ensanguentado de Derek como objeto descartável.

                                                                         CONTINUA...

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.

*Imagem retirada de: https://pt2.lamentosa.com/pt/lobisomem-avaratan-12953/

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