Frank - O Caçador (Especial #2): "Dia de Todos os Santos"
Após mais um dia de trabalho pesado no que deveria ser uma folga em pleno feriado, Frank caminhava respirando melhor ao lado de Carrie, tocando a assistente no ombro em direção à sua casa para pegar o carro e oferecer uma carona à ela até sua casa. À alguns quilômetros dali, uma mansão de caráter vitoriano, a lua cheia bem acima dela tornando ideal para uma pintura digna de exposição, encontrava-se contemplada por três jovens engajados numa missão que consistia em flagrar espíritos vagueantes pela residência para registrarem em vídeo e lançarem para os colegas da escola. Isso antes que um contrato arrendatário fosse selado entre o proprietário e uma família da alta sociedade para dar uma festa marcada para dois dias depois. Artie, o cinegrafista, - considerado o nerd da equipe - preparou sua câmera enquanto Scoot e Grace, os apresentadores mal se aguentavam de esperar.
- Tudo pronto, vamos nessa. - disse Artie que vestia moletom preto e um boné azul virado para trás.
- Não sei, meu cabelo parece... - disse Grace, uma garota caucasiana de cabelo castanho liso, olhando-se no seu espelhinho de mão - Ah, droga, esqueci de passar no salão da mãe da Becca.
- Ninguém liga pra que tipo de produto você usa pra amaciar seu cabelo, Grace. - retrucou Scott, um rapaz de cabelo curto meio espetado que trajava uma camisa vermelha de futebol americano - Quem vai nos assistir analisando nossas aparências? Fora suas amigas idiotas, é claro.
- É bom que você tenha filmado isso, Artie. Todas as pretendentes do Scott são minhas amigas.
- Comecem a brigar e eu vou embora sem que percebam. - disse Artie - E aí? Decidam. É Halloween, quero me divertir.
- Se bem que não íamos perceber mesmo. - disse Grace - Sem ofensa, é que... o nosso chefe tem o dom de me tirar do sério que acabo esquecendo do mundo ao meu redor. Será, no fundo, algo especial que eu tô recusando a admitir?
- O que ela quis dizer? - perguntou Scott, não querendo saber a resposta ao ir direto à mansão. Grace deixou cair os ombros, meio desconsolada. Artie o seguiu, ligando a câmera logo na entrada. Exploraram o interior predominantemente marrom do casarão e dobraram para um corredor à esquerda. Scott apresentara - Muito bem, galera. Aqui é o Scott, hoje nós vamos...
- Aqui é a Grace, a caça-fantasma que não dá ponto sem nó quando o assunto é assombrações. - disse Grace, transparecendo animação para o público - Invadimos uma mansão que muitos juram de pé junto ser desta sala até o último quarto, inteiramente... mal-assombrada. - sussurrou para dar o clima ao "programa" - Tá meio em cima da hora pra gente...
- Peraí, o que foi isso que você fez? - perguntou Scott, claramente aborrecido.
- Eu fiz o quê? Sai fora, tá na minha vez de falar!
- Você interrompeu a minha vez! Artie, corta isso! Corta! - disse Scott, esbravejando. O cinegrafista amador olhou vagarosamente para trás durante o bate-boca dos amigos, pensando ter ouvido a porta rangendo.
- Pessoal... - disse ele, mas Scott e Grace mal o escutavam, discutindo aos berros - Pessoal!
Os dois viraram-se, surpresos com o tom de voz que Artie empregou para faze-los calarem.
- O Artie... - disse Grace, franzindo o cenho.
- Gritou conosco? - completou Scott.
- Olha aqui, preciso que me ouçam e acreditem em mim. Tive a impressão de escutar a porta se abrindo... a porta onde entramos. Acho que temos visita. Vou dar uma olhada.
- Espera, Artie. - disse Scott, preocupando-se - Não vai sem nós... E o programa?
- Cancelado. A menos que vocês parem com essas picuinhas e assumam que gostam um do outro de um jeito especial.
- Viu? O Artie também percebeu. - disse Grace, sorrindo de forma sacana para Scott.
- Eu e você? Vá de retro. - rebateu ele, expressando nojo - E quem ele pensa que é pra dizer que o programa tá cancelado? Foi ideia minha, então digo quando acaba ou continua. Além do mais, o seu papel deveria ser gritar toda vez que ver um...
O grito de Artie ecoou reverberante.
- Fantasma? - indagou ela, chocada.
Scott e Grace correram alarmados chamando por Artie. Acharam somente a câmera do amigo largada no chão. Scott a apanhou, apertando o botão de retroceder. A filmagem era trêmula e mostrava um homem com cabeça de abóbora se aproximando de Artie que recuava, mas não teve tempo para correr pois o visitante intrusivo carregava uma foice com a qual o atacou. Ambos ficaram atônitos com o que tinham acabado de assistir. Grace olhou para Scott esperando uma reação dele.
- Nem o Artie e esse homem-abóbora estão por aqui... - disse ela, perturbada - Artie, cadê você?
- Ele se foi, Grace! - disse Scott - Esse maldito literalmente ceifou ele... Temos que dar o fora daqui e rápido.
- Não! O único vestígio que ele deixou foi a câmera. Vê sangue em alguma parte? Cansei de brincar, quero encontrar o Artie.
- Mas vocês irão encontra-lo. - disse uma voz soturna atrás deles. Scott e Grace viraram-se aterrorizados e gritaram em uníssono. O homem-abóbora com olhos e boca brilhando uma luz avermelhava movimentou a foice para golpeia-los.
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CAPÍTULO ESPECIAL: DIA DE TODOS OS SANTOS
No dia seguinte ao feriado, Frank acordou sobressaltado no sofá da sua sala ao som da campainha, lembrando que havia caído no sono tamanha a sua exaustão depois de retornar da casa de Carrie e da batalha contra o Devorador de Almas e o exército de mortos-vivos que despertara. Vendo que ainda estava de sobretudo, reclamou mentalmente de não ter tido coragem para pôr seu pijama - ou uma parte dele). Direcionou-se à porta preguiçosamente. Ao atender, viu um garoto familiar.
- Bom dia, Sr. Montgrow - disse Zack, um garoto afro-descendente que morava vizinho ao detetive e trazia uma cesta adornada com enfeites de Halloween - Gostosuras ou travessuras?
- Tá fazendo o quê aqui, moleque? - perguntou Frank, estreitando os olhos, ainda sonolento - Ah peraí... O Halloween foi ontem, então chegou tarde, bem tarde pra mendigar doces.
- Bem, hoje ainda é Halloween... e também não. - disse Zack, pensativo - Não sou eu que tô falando, eu andei estudando um bocado de lendas. Halloween continua valendo por mais dois dias. Hoje é o dia de todos os santos e amanhã finados.
- OK... Rapazinho esperto você hein. - disse Frank com um sorrisinho - Eu sigo a tradição e portanto os doces só devem ser entregues no dia 31 de Outubro... que foi ontem. É minha palavra contra a sua.
- Vai ficar de papo furado ou vai dizer se tem ou não doces? Bati na porta mil vezes ontem à noite.
- Desculpa amigão, não tive tempo pra conseguir doces, pra dizer a verdade não era nem meu segundo plano, tinha compromissos urgentes... como impedir uma invasão de zumbis no meio de um blecaute geral.
- Zumbis?! Lutou contra zumbis? Fala sério? - questionava Zack, o olhar estupefato.
- É, foi, uma multidão de mortos-vivos que saíram das suas tumbas e caminhavam bem aqui na rua. Onde você estava?
- Trancado no quarto esperando o blecaute acabar. Minha mãe não deixou ninguém sair lá fora, mas ela disse ter ouvido uns tiros, ficou dizendo que os bandidos estavam à solta pra resolver seus assuntos com os rivais... algo assim.
- Tô começando a achar que o lance de zumbis não passou de um sonho, acordei quase agora, minha memória tá refrescando. E antes que você insista: o que tem de doces aqui são apenas os grãos de açúcar na dispensa.
- Que pena. - falou ele, esboçando um descontentamento que tocara Frank - Tudo bem, quem sabe no ano que vem. Por um momento achei que o compromisso que o senhor tinha era com a cerveja, parece que tá numa ressaca daquelas.
- Se fosse ressaca eu não teria acordado às... - tinha esquecido de conferir o relógio - Que horas são mesmo?
- Ahn... Oito e meia. - disse Zack, vendo no seu relógio de pulso.
- É, isso é um alívio porque eu teria acordado bem mais tarde. Por outro lado, tô super-atrasado pro trabalho. Falou garoto. - disse Frank, fechando a porta rapidamente.
***
Departamento Policial de Danverous City
Passando por um dos mais movimentados corredores do DPDC, Frank bocejava em intervalos de poucos segundos e quase esbarrou em um policial, pedindo desculpas. Carrie, com seu relativamente habitual sobretudo vermelho bem abotoado, vinha a passos largos na direção dele com um semblante bastante austero.
- O belo adormecido esqueceu de ajustar o despertador? Fiz um montão de ligações e nada de você atender.
- Não tinha lembrado que o celular descarregou, provavelmente antes de eu capotar no sofá. - disse Frank, tentando ficar mais desperto - O caso dos zumbis, do Devorador de Almas... todo aquele poder que ele usou pra subjugar... aquilo esgotou minhas energias e só tinha disposição pra andar uns 6 quilômetros de carro e uns 20 metros a pé. Foi bem cansativo.
- Posso imaginar como foi encarar uma horda de zumbis, correr sem parar de atirar ao lado de um esquisitão com cabeça de abóbora e recitar um feitiço para neutralizar uma entidade maligna... Tipo, o que eu fiz ontem. Aqui estou eu, radiante.
- Radiante? Você chegou pra mim parecendo que ia me dar um soco. Acho que o treinamento de campo te deixou mau-humorada, mas você acordou cedo, então... Não conseguiu dormir direito?
- Frank, vamos discutir e comparar nossos níveis de cansaço depois de limpar a bagunça da noite passada ou finalmente vamos mergulhar num caso que saiu quentinho do forno pra você se divertir? Além do mais... - inclinou-se para ele - ... não podemos mencionar coisas paranormais aqui. Ou melhor, neste corredor. - sussurrou.
- Tem toda razão. Pra minha ou pra sua sala?
- Na verdade, a sala de interrogatório, mas só você, claro. São os pais de um adolescente desaparecido chamado Scott Berger, estão esperando há duas horas, por isso não parei de te ligar. - caminhou ao lado do detetive rumo à sala em questão.
No recinto apropriado, Frank ouvia os lamentosos relatos do pai e da mãe de Scott sentado diante deles na mesa.
- Eu sei que deveríamos ter imposto limites num filho tão inconsequente. - disse Tom, o pai - Muitas vezes ele escapa pelos nossos dedos que nem sabonete. É um tremendo de um escorregadio, não faz ideia.
- Não faço mesmo, afinal nunca tive filho pra sentir na pele as dificuldades de colocar na linha pra respeitar os limites. O Scott tinha amizades desaconselháveis? Ele tem fama de mau na escola? O perfil que vocês deram me leva a supor isso.
- Ele só é irresponsável. Dificilmente traz amigos pra casa, se é que ele tem muitos. Se são confiáveis ou não, sequer sabemos. - disse Elaine, a mãe - Mas... - mostrou o celular de Scott, pondo-o na mesa - ... ele esqueceu da última vez que o vimos.
Frank pegou o aparelho e viu que estava desbloqueado.
- Pra um garoto da turma do fundão, ele até que não dificulta pra vocês. Não tá trancado com senha.
- Eu levei meia hora pra descobrir. - disse Tom - Dá uma conferida nas conversas que ele teve.
O detetive verificou cada mensagem enviada e respondida. Ativou um áudio datado de 29/10/2018.
"É amanhã, meia-noite, hein. Nosso primeiro documentário visitando uma casa mal-assombrada pra provar que os fantasmas existem. Se um de vocês se atreverem a faltar, pego fotos de você pra editar no Photoshop e faço parecer que são nudes e mostro pra galera. Não sejam cagões, principalmente você Artie. Ah, leva uma câmera que preste. Tá legal? Vai bombar!"
- Inventou de sair com a tal da Grace e esse Artie para invadir uma propriedade privada. - disse Elaine com desgosto - O mínimo que eu gostaria é que fosse detido pra ver se não toma juízo. No máximo, uma boa surra de cinto que eu daria.
- E se tiverem bandidos morando lá e os sequestraram? - teorizou Tom. Elaine virou o rosto, atormentada.
- Se acalmem, faremos tudo o que for possível. Vamos conseguir o endereço dessa casa.
Carrie entrara às pressas na sala com um laptop.
- Perdão chegar assim. - disse ela, pondo o computador na mesa e abrindo-o - Um dos agentes pegou um arquivo da central de monitoramento que tá nesse pendrive - conectou o objeto na entrada - e pedi emprestado pra te mostrar urgentemente.
- Será que vocês... por gentileza podiam se retirar, por favor? - pediu Frank. Os pais de Scott acataram e saíram da sala o agradecendo - Carrie, que negócio é esse? No meio de um interrogatório e você entra sem bater...
- Cala a boca e assiste a droga do vídeo. - disse ela, dando play. A filmagem do dia 31 registrou um invasor usando uma abóbora para ocultar sua cabeça se encaminhando para uma mansão de estrutura vitoriana. O detalhe mais curioso foi estar carregando dois galões contendo uma substância suspeita.
- Ma-mas esse é... Esse não é o Jack? - indagou Frank, a testa franzida - Pelas roupas... tá na cara que é ele. Ou outro decaído, porque... olha, pausa aí. A luz na cabeça dele tá numa cor diferente. Tá de costas, mas dá pra ver. Os olhos dele brilhavam amarelo, exatamente como uma daquelas lanternas de abóbora do Halloween.
- Todos os decaídos parecem humanos com lanternas de abóbora no lugar da cabeça. Ele pode ter trocado a lâmpada.
Frank a olhou de um modo que externou o quanto ele achou estúpida a piada.
- Essa sua sobrancelha levantada me diz que devo levar mais a sério, tá bom, não precisa dar bronca.
- Uma coisa é certa: Esse não é o Jack. Luz vermelha não é comum da espécie dele. A que horas isso foi registrado?
- Por volta das 3h50. - respondeu Carrie - E o que tem nesses galões? O desafio: É verde ou preto?
Estreitando um pouco mais os olhos e aproximando o rosto à tela, Frank não sentiu mistério algum.
- Ectoplasma.
- Quê? Tem certeza? Mas como? Decaídos não se alimentam de fluido fantasmagórico.
- Tem angu debaixo desse caroço. E é muito provável que esse lugar pra onde ele vai seja a mesma casa mal-assombrada que o Scott e os amigos dele invadiram. Como ele obteve tanto ectoplasma numa madrugada só? - se questionou, mas uma lembrança surgiu de súbito - A foice.
- Foice? - indagou Carrie, logo recordando-se - Ah sim, a foice da estátua de ceifeiro que era o recipiente do Devorador de Almas. O que tem a ver?
- Acho que tudo a ver. Esqueci de pegar a foice pra pôr no meu museu. Aquela coisa é amaldiçoada...
- E o Jack pode ter ido ao cemitério e a achado... - disse Carrie, alinhando o raciocínio.
- A desgraçada da entidade escapou pra foice durante o feitiço e possuiu o Jack, é uma boa teoria.
- Voltamos a estaca zero?
- Pelo jeito nunca saímos dela. - disse Frank, visualizando apreensivo o frame do vídeo.
***
A ponta da foice cravou fortemente no peito de Scott que se debatia em vão enquanto gritava de dor. Os três fantasmas estavam cercados por fogo verde numa sala, o mesmo fogo oriundo da magia que aprisionava espíritos. Scott ajoelhou-se, não suportando ser drenado. Grace e Artie encaravam horrorizados com a tortura pela qual passaram anteriormente. O devorador de almas removera a lâmina curva, logo em seguida levando-a para um galão transparente. Da ponta da foice pingaram gotas de ectoplasma. O pinga-pinga de repente virou líquido corrente. Os jovens continuavam sem entender aquilo.
- Essa gosma nojenta... vem de nós? - perguntou Grace, os lábios pálidos como sua pele.
- O néctar dos espíritos. - disse a entidade com a voz de Jack - Secretado quando estão cheios de ódio. Isso é todo o ódio que estão permitindo sentirem... - pegou o galão, olhando para eles com os olhos triangulares e raivosos da abóbora reluzindo em vermelho intenso - ... liquefeito e puro.
- Você vai beber isso? - perguntou Artie com ojeriza.
- Estou acostumado a ouvir muitas crianças que adoram perguntar insistentemente. Do contrário, eu faria esse fogo consumi-los, os deixaria bem tostados pra que eu pudesse come-los além do ponto. Vocês ficam pra sobremesa.
- Responde, seu maldito. - disse Artie, aproximando-se do fogo. A entidade ergueu as labaredas com a foice, fazendo Artie queimar-se severamente nas mãos que ficaram carbonizadas. O garoto soltou um urro, dolorosamente encarando as mãos fritadas. Scott e Grace o ampararam prontamente. O riso infame da entidade os revoltou ainda mais.
- Eu os avisei e vou repetir: Não ultrapassem o fogo, a menos que queiram ser as sobremesas um pouco mais cedo.
O devorador saíra da sala levando o galão preenchido até a boca. A porta dupla fechou com um baque ensurdecedor.
- Esse monstro pretende nos devorar... ele literalmente quer nos devorar. - disse Grace, aflita.
- Grace, para de drama, já ficou bem claro o que ele quer de nós. Com exceção do que ele vai fazer com a gosma. Qual é o plano desse maluco?
- Vocês não sabem nada de fantasmas né, seus idiotas? O que ele extraiu de nós foi ectoplasma. - disse Artie, recuperando-se, as mãos se regenerando - Eu também não sei que tipo de plano ele tem.
- Tô com a sensação de... que se continuarmos sendo sugados vamos acabar consumidos até... não sobrar nada.
- Tá dizendo que vamos apenas... sumir? - questionou Grace - Ele não teria dito que somos a sobremesa do banquete de fantasmas dele se isso fosse verdade. Daqui à uma hora ele vai voltar... pra fazer tudo de novo. - começara a chorar. Scott a abraçou numa afabilidade nunca antes demonstrada.
- Alguém vai nos tirar dessa. Não vamos ficar sofrendo pra sempre. - disse Scott - Artie, vem cá. Abraço coletivo. A gente vai resistir até o fim. - o cinegrafista amador do grupo juntou-se aos amigos.
***
À mil por hora, Frank cruzava o asfalto se dirigindo à mansão após obter o endereço, logo sendo contactado por Carrie.
- Posso adivinhar? Checou mais informações na Deep Web.
- Não, dessa vez o que consegui estava mais acessível do que nunca, pra minha surpresa. Isso dá um acréscimo e tanto pro caso. Posso te assegurar que achei num local confiável. Sabe o papiro onde haviam os manuscritos que decifrei?
- Sim... O que tem ela?
- Eu tinha baixado uma cópia e imprimido apenas a parte frontal sem saber que existia uma colada atrás, não tinha ido muito a fundo pela correria. Parece que foi criada para ser deixada oculta. Talvez nele esteja a chave para acabar com a entidade.
- Acabar em que sentido? Eu não tô muito otimista sobre encontrar essa outra parte lá na mansão, isso se o Devorador de Almas não estiver patrulhando o lugar inteiro. Fora isso, ele tá com três reféns, vivos ou mortos eu vou tira-los de lá.
- A mansão pertencia a uma família podre de rica, o clã Baragham, todos os membros estiveram rodeados de boatos, lendas e acusações, tudo relacionado à... bruxaria. Eles tinham predileção pelo Halloween, então não é estranho a coisa ter se instalado justo na mansão. Só que o material que acessei é vago demais e cheio dos detalhes questionáveis.
- Filtra o que passar mais veracidade, tipo esse lance do Halloween aparentemente ser a data comemorativa favorita deles. Dá sentido ao Devorador de Almas ficar por lá. Será que tem alguma ligação pessoal com essa família?
- Pra mim indica com a mesma sutileza de um farol piscando no meio do oceano.
- Já tô me aproximando aqui da rua, te ligo mais tarde. Ou você me liga, tanto faz.
- OK, vou ver se reúno mais informações. Boa sorte em encontrar o papiro. Tomara que exista.
Frank desligara, dobrando para a rua exata da mansão, porém o que viu foi apenas o portão e o gramado. De repente teve a sensação de passar por um túnel já que tudo escureceu. O dia virou noite em questão de segundos.
- Mas que... merda é essa? - perguntou-se Frank, espantado. Encostou o carro na calçada e saíra, esquadrinhando os arredores. A rua estava iluminada pelas luzes dos postes como se realmente tivesse anoitecido.
Sem ficar perdendo tempo formulando teorias, o detetive andou até a mansão, abrindo o portão com grades. Ao entrar, resolveu sacar devagar e silenciosamente, procurando andar com discrição. As luzes estavam apagadas, apenas as dos postes atravessando as empoeiradas janelas em arco. Pegara um lanterna do bolso interno do sobretudo e vasculhou pelos corredores, passando o facho por todos os pontos. Num movimento desatento acabou esbarrando num castiçal na parede que caiu barulhento.
Os jovens escutaram o ruído longínquo. Uma esperançosa Grace tomou um atitude corajosa.
- Socorro! Estamos aqui! Tem um monstro fantasiado nos mantendo re--
Scott tapara a boca dela com força, mas ela se libertou o fulminando com um olhar.
- Seu imbecil! Pra quê fazer isso? Eu estava nos salvando! Muito provavelmente nos salvado!
- Só porque ouviu um barulho não significa que seja nosso resgatador. Pode ser o abóbora tentando nos pregar uma peça.
- Tem mesmo tanta certeza? Ele deve estar ocupado à essa hora com a sua vitamina gosmenta! Podíamos aproveitar uma chance de que ele está longe e chamar a pessoa que pode...
A porta dupla da sala abriu-se subitamente com Frank vindo, a arma em riste. Estupefato, ele fitou o círculo de fogo verde, abaixando a pistola.
- Viu só? Eu falei! Não subestime minha boa audição. - vangloriou-se Grace.
- Para de se achar, Grace. - falou Artie - Todos nós ouvimos na mesma altura. Somos fantasmas agora, nossos sentidos se ampliaram.
- Você é o Scott né? - perguntou Frank, olhando para o rapaz de camisa vermelha - Seus pais estão furiosos com você, mas é o menor dos problemas. Na verdade, temos vários grandes problemas pra resolver numa única noite.
- Como chegou aqui tão fácil? O abóbora não tá vagando por aí? - questionou Scott - Ele podia ter pego você e te ceifado.
- Da mesma forma que aconteceu com a gente. - disse Grace, desalentada.
- Sim, eu percebi assim que bati o olho nessa roda de fogo. - disse Frank, sério e consternado - Isso mantém fantasmas acuados e inofensivos. E se vocês foram mortos pelo Devorador de Almas... Não sei se posso tira-los daí.
- Tá na cara que você não é um detetive comum pra ter nos encontrado rápido assim e ainda saber o nome desse monstro. - disse Scott - Abre o jogo, coroa. Deve conhecer algum encanto ou coisa do tipo pra nos libertar.
- Em primeiro lugar: Vocês foram assassinados por um ser sobrenatural e pessoas mortas em circunstâncias trágicas viram potenciais espíritos malignos e agressivos. Em segundo lugar: Não sou nenhum especialista em magia pra apagar esse fogo. Quem vocês acham que eu sou? Constantine?
- Pessoal... - disse Artie, pondo-se entre os amigos - Eu pesquisei por dias sobre essa mansão e eu até pensei em compartilhar com vocês, mas me toquei que só estão interessados em continuarem populares e não no conhecimento histórico que agregaria ao programa.
- Vai ficar falando nerdices ou sugerir alguma ideia? - perguntou Scott, impaciente - Porque o detetive aqui não é muito útil.
- Dobra essa língua. Sou do DPDC e além disso capacitado pra lidar com o bicharoco que matou vocês.
- Pois bem, indo direto ao ponto: uma família de bruxos foi proprietária dessa mansão há 114 anos. - prosseguiu Artie, olhando para Frank - E se houver um livro de feitiços que possa reverter nossa posição?
- Eu já tô a procura de outro objeto pra acabar com ele. Uma folha de papiro cheio de hieróglifos que só minha assistente pode traduzir.
- Então vai atrás da folha e caso a encontre irá nos deixar? - retrucou Artie, sendo apoiados pelos outros dois.
- Não foi isso que eu quis dizer. Esse papiro tem um feitiço decifrável que pode exorcizar meu amigo... O cara com cabeça de abóbora é um amigo que conheci ontem em pleno Halloween. A foice que pertence ao Devorador de Almas foi pega por ele que acabou possuído. Não conseguimos derrota-lo porque ele se deslocou pra foice e através dela possuiu o Jack.
- Jack? Claro que o nome dele tinha quer ser esse. - disse Grace - Mas e quanto a nós? A coisa vem tirando gosma dos nossos corpos pra fazer sabe lá o quê. É tão... doloroso, ele crava a foice e quer nos sugar até a última gota...
- É assim que ele obtém ectoplasma... Drenando de fantasmas com a foice. - salientou Frank - Querem saber? Vou procurar esse livro e é bom que tanto ele quanto ao papiro estejam aqui. - virou as costas, mas parou perto da porta - Eu vou salva-los.
O detetive saíra da sala de confinamento dos três jovens fantasmas, carregando um rifle. Chegando numa área com encruzilhada para cinco corredores, Frank estremeceu com as luzes acendendo repentinamente. Sua lanterna incendiara e a largou. A entidade surgira diante dele preparada para um golpe que faria vencer de primeira. Frank esquivava-se dos ataques pretendendo corta-lo, logo atirando inúmeras vezes contra seu amigo possuído que mostrava-se invulnerável às balas.
A entidade bateu a ponta do cabo no chão gerando um efeito anti-gravitacional que elevou Frank ao teto. O detetive flutuou no ar balançando os braços até que o algoz bateu novamente o cabo no piso de mogno e ele caíra de forma brusca, impactando as costas no chão. A foice vinha para decepar a cabeça de Frank, mas ele rolou para um lado escapando, logo sacando uma pistola cujo tiro ricocheteou na lâmina e atingiu um quadro com proteção de vidro que foi derrubado. O Devorador de Almas investiu contra ele usando o cabo da foice contra seu pescoço, mas Frank segurou firme sendo empurrado para uma parede.
- Ainda sou uma alma que vale por milhões né? Come a minha, desgraçado!
- Ao custo de poupar as que você deseja salvar?! Não temos um acordo. - disse a entidade, fazendo chamas crepitarem na cabeça de abóbora pra denotar sua fúria - O quão valioso você é não importa mais. Quero me banquetear fartamente!
Frank sentiu um pouco de pavor ao olhar para aquele rosto sinistro de raiva nos olhos e cinismo no sorriso. Mas pôde se livrar abaixando-se rapidamente para andar de quatro e reaver sua arma. Empurrou um relógio de pêndulo contra a entidade que caiu sob o enorme peso. Aproveitando que ele estava caído, Frank correu a um corredor aleatório em busca da biblioteca.
Seu celular tocara, permanecendo no modo silencioso.
- Carrie, você ligou numa boa e ruim ao mesmo tempo. Adivinha só porque...
- Hum... Perdido na mansão sem a mínima ideia de pra onde seguir? Sorte que pensei numa solução bem antecipado.
- Eu lutei com o Jack... digo, o Devorador de Almas, quase me raspou com aquela foice. Agora tô desesperado procurando um livro mágico que um amigo do Scott, o Artie, especulou que tenha sido parte do acervo da família. Eles tem uma biblioteca, não tem?
- É por isso que liguei, pra dizer que fiz uma busca penosa da planta da mansão, tive que usar minha expertise hacker do banco de dados de propriedades civis. E tem mais: A mansão foi arrendada para um baile à fantasia organizado por gente da alta sociedade pra talvez prestar homenagem aos Baragham. Me fala dos reféns. Você os achou e...
- Estão mortos. - disparou ele - O maldito desceu a foice neles sem escrúpulos. Tá usando eles pra tirar ectoplasma transformando a foice numa espécie de tubo de sucção improvisado.
- Nossa, que horror. Mas e os pais? Meu deus, vão ficar arrasados. Estão todos aqui, eu nem quero ver como irão reagir.
- Vamos dar as notícias ruins quando for a hora. - declarou Frank, pesaroso - Dobrei pra rua e não vi a mansão onde ele devia estar. Mas num piscar de olhos o dia virou noite e a mansão ficou visível. O que será que explica esse fenômeno?
Carrie acessou o portal online do rastreamento de veículos. Paralelamente, a entidade, após sair de cima do robusto relógio de pêndulo, adentrava num espaço vasto onde os membros da família Baragham costumavam se reunir para relaxarem nas fontes termais. A piscina redonda estava enchida de ectoplasma e o possessor de Jack baixou a ponta da foice. O líquido pegajoso fervia, borbulhando ao ponto de emanar uma névoa densa que se alastrava para qualquer canto.
Carrie voltara a falar com Frank após dois minutos de espera.
- Frank, o seu carro... desapareceu do mapa. Às 10 horas e 52 minutos.
- Foi nesse horário que tudo escureceu. - o detetive pensara a respeito - Se meu carro tá sumido, além de eu não ter visto a mansão... Isso aqui onde eu tô é outra dimensão. Eu vim parar numa outra dimensão. - aturdiu com aquele fato - E não sei qual é a do Devorador de Almas... Ele quer continuar se alimentando das almas, até rejeitou a minha que vale por milhões, de um dia pro outro já não valho muita coisa. Tá mais faminto que ontem. Se não podemos acabar com ele usando o livro, se ele existir, ou exorciza-lo com o papiro, se ele também existir, podemos simplesmente mata-lo de inanição.
- Parece eficaz, mas arriscado. Você ainda não sabe o que ele planeja pra conseguir o banquete de almas. - alertou Carrie - Mas penso aqui com meus botões... Você entrou nesse outro universo às 10h52. E como aí está à noite... e hoje é dia de todos os santos... que é o segundo irmão do Halloween...
Frank concluiu um alinhamento perfeito com a lógica de Carrie.
- Significa que só tenho menos de uma hora pra impedi-lo. - falou, contendo a tensão - Se der meia-noite, tá tudo ferrado.
- Esquece o papiro e presta atenção, vou te orientar pra que encontre a biblioteca com base na planta. - disse Carrie, confiante. Frank seguiu a trajetória corretamente e se defrontou com portas duplas altíssimas que abriu empurrando de leve com as duas mãos. Passou os olhos para a comprida estante repleta dos mais variados livros no amplo espaço.
- Por onde eu começo? Não vai dar tempo. - disse ele, desestimulando. Mesmo assim, se impulsionou à caça desesperada pelo grimório. O detetive procurava desorganizando ao largar os exemplares no chão. O celular tocou novamente - Carrie, o que foi? Já entrei na biblioteca e não acho nada que se pareça com um livro de feitiços. Como você imaginaria um?
- Me deixa acrescentar só mais uma coisa: Vi noutra fonte, praticamente uma transcrição de um diário da família documentado num site administrado pelo homem que idealizou o baile marcado na mansão, afirmando que os Baragham tinham um filha renegada, mas criada com o mesmo rigor que os demais. Todos sentiam pena dela por conta do fato de ter nascido sem aptidão pra praticar bruxaria, ou seja, era uma deslocada e excluída. Aqui é dito como lenda, mas sabemos que é verídico: A entidade já os atacou numa noite de Halloween para obriga-los a executar um feitiço que servisse de chamariz para fantasmas. Boa parte deles morreu durante o processo e a coisa se alimentou das almas atraídas, inclusive as dos membros da família. Segundo consta, a filha inapta, Margaret... foi a úncia a sobreviver, pois não participou do ritual. Mas algo que está obscuro aconteceu para que o devorador não a matasse... Não esclarece nada, infelizmente a apuração de fatos termina aqui.
As luzes da biblioteca pagaram-se num instante, pegando Frank desprevenido. Ele parou, congelado, ainda ao celular, visualizando ao redor em alerta máximo. O ar esfriando já sinalizava o óbvio...
- Carrie, melhor desligar. - disse Frank, soltando espirais de vapor gelado pela boca - Acho que tenho companhia. Não sei se boa ou má... - virou-se temerosamente, pensando em sacar uma arma.
Uma moça de cabelos loiros e com elegante vestido branco que ia até seus joelhos estava frente ao detetive com semblante calmo. Seus carnudos lábios abriram-se.
- Nem pense nisso. - falou Margaret, olhando para Frank quase retirando a arma - Apareci pra pedir encarecidamente um favor. Sou a Margaret, a última herdeira dos Baragham. Meus pais e irmãos morreram diante dos meus olhos.
- Posso mesmo confiar em você? Não é mais um cadáver na lista sangrenta do devorador de almas?
- Ouvi você falando com alguém por esse... telefone incrivelmente moderno. Eu fui a única sobrevivente naquele dia de puro horror. Nunca mais conseguia fechar os olhos sem lembrar deles caindo um por um, esgotados e vulneráveis... E eu escondida na parede assistindo sem nada a fazer.
- Então o que causou sua morte? Já que teve chance de fugir com vida nessa noite fatídica.
- Passei os anos seguintes morando com meus tios. - contava ela, andando devagar pela sala - Em segredo aprimorei meu potencial subestimado por todos. Era latente, mas nunca explodi esse poder por falta de autoconfiança. Até aquele dia.
- Que dia foi esse?
- O monstro do Halloween e eu voltamos a nos enfrentar. Eu despertei minhas capacidades na mesma noite que ele forçou meus pais a trazer hordas de fantasmas pra engorda-lo, mas ele recuou feito um covarde, sentiu minha ira na forma manifestada do meu poder. - disse ela, fervorosa - Nesse segundo encontro, eu já tinha vendido essa mansão, e pude derrota-lo num outro Halloween, finalmente dando o que ele merece de castigo. O prendi numa estátua de ceifeiro num cemitério chamado Gallen Devor. Porém, o feitiço cobrou o preço e... olha pra mim. Morta, mas satisfeita como nunca.
As peças se encaixaram totalmente para Frank.
- Por essa razão que não virou um espírito maligno. Sua única missão de vida tornou-se a vingança.
- Exato. O que estamos esperando? Vamos logo acabar com ele de uma vez por todas? - propôs Margaret.
Voltando da sala de lazer, a entidade foi conferir se seus prisioneiros estavam prestando bom comportamento. Abrira a porta dupla telecineticamente e deparou-se com o recinto vazio, sem o círculo de fogo e muito menos os fantasmas dos jovens.
Saíra de lá fazendo a mansão tremer e as luzes piscarem erguendo fogo pela cabeça de abóbora e iscando o chão com a ponta da foice. "Vermes malditos, acharam um modo de me desobedecer!" pensou ele , ensandecido.
Scott, Grace e Artie continuavam atemorizados. Margaret tentava tranquiliza-los esclarecendo o plano.
- Alguém sentiu essa vibração nada boa? - perguntou Artie - Ele tá vindo!
- Aí detetive - disse Scott -, foi mal pelo que eu disse antes... Te julguei e subestimei.
- Não foi graças a mim. - disse Frank olhando para Margaret - Agora temos que nos concentrar em bolar uma saída. É o seguinte: O espírito do Halloween é um comedor de almas extremamente poderoso, tanto é que criou uma dimensão pra manter esse lugar todo invisível pro mundo exterior.
- Você sabia disso? - perguntou Grace para Margaret.
- Observei atentamente cada passo dele desde que ele matou seu amigo primeiro.
- Assistiu às nossas mortes e não fez nada pra impedir?! - disse Scott, afetado - Colaborou com ele!
- Ei, espera, para com isso aí! - ordenou Frank, categórico - Ela não podia porque não queria, mas sim que realmente não podia mesmo, era arriscado se corromper encarando uma coisa maligna dessas.
- Controlei minha fúria vingativa por todos esses anos e fui paciente. - disse Margaret - Aconselho começarem a praticar, inventem um mantra, meditem, não caiam nas trevas facilmente por motivações egoístas. Eu me importo com vocês.
A porta da biblioteca fora arrombada e o Devorador de Almas adentrara pomposo com sua foice afiada, logo mirando-a em Frank.
- Você! Frank Montgrow, eu sabia! Fez um pacto com essa maldita bruxa que deixei viver anos atrás!
Margaret assumiu a frente, mas Frank fez um gesto para barra-la.
- Só entre eu e ele. Não vai avançar correndo o risco de ser devorada. E nem vocês, fiquem bem aí.
- Eu não ia me arriscar por sacrifício. - disse Margaret, incomodada com a postura de Frank - Mas pra arranca-lo desse corpo. - lançou um olhar mordaz contra a entidade e começou a recitar o exorcismo.
- O que ela tá falando? Latim? - perguntou Scott, confuso. O corpo de Jack contorcia-se convulsionadamente e uma fumaça vermelha com uma luz amarela tremeluzente saía da abóbora se direcionando ao teto para acumular-se feito uma nuvem de tempestade onde poderia chover sangue.
O vento soprava forte dentro da sala, os livros da mesa abrindo e folheando.
- Frank, é necessário um recipiente pra prende-lo! Vou usar o encanto pra aprisiona-lo de novo! - disse Margaret, exasperada.
O detetive tomara o livro mágico dela e o abrira diante da fumaça. Jack andava cambaleante enquanto Margaret proferia o feitiço de contenção e a fumaça era sugada para dentro do livro aberto como um tornado. Frank trincou os dentes com o rosto virado sentindo a força gigantesca daquela essência atingindo o objeto que segurava com as duas mãos com toda sua resistência, lutando para as pernas não bambearem. A entidade mostrara sua "face" de olhos amarelos brilhante num rosto fumacento que parecia emitir gritos de tormento. Por fim, Frank batera o livro fechando-o. Margaret foi direto para as gavetas da mesa, procurando algo misterioso que deixava Frank à beira de um colapso nervoso.
- O que tá fuçando aí? Ele tá querendo sair, então seja lá o que for...
- Pronto, achei! - disse ela, trazendo uma corrente com cadeado dourado - Meus pais tinham em mente trancar o livro para que ninguém inexperiente manuseasse os feitiços, nem mesmo meus irmãos. - pegara o livro o envolvendo com as correntes, trancando o cadeado preso à elas. Respirou aliviada - Finalmente ele está selando pra sempre... Samhain.
- Esse é o nome dele? - indagou Frank - Tá mais explicado porque do Halloween ser a data favorita.
- Estou certa de que nas suas mãos ficará seguro. - disse Margaret, entregado o livro à Frank - Não sei que fim deram na chave.
- A chave pouco importa, contanto que essa nuvem tóxica de fumaça não escape por nenhuma brecha.
Trovões ressoaram. O tremor na mansão voltou com mais força, fazendo desabarem pedaços.
- O que tá pegando agora? - questionou Scott, tenso. Artie e Grace permaneceram bem juntos.
- É uma anomalia dimensional. - disse Margaret, sem especulações - Samhain com certeza planejou uma auto-destruição no caso do seu plano falhar. Temos que sair imediatamente!
Jack veio ao encontro de Frank para abraça-lo, mas o detetive o conteve.
- O que é isso?! Olha, tô feliz por ter te salvado, mas não chegamos nesse nível de intimidade.
- Para de bancar o machão. O que cultivamos na noite passada não foi amizade?
- Melhor deixar a DR pra mais tarde. Vamos sair daqui, todo mundo, depressa! - disse ele, correndo junto aos fantasmas. Pelos corredores, os seis desviavam constantemente de blocos de pedra e madeira caídos do teto, além dos candelabros e lâmpadas. O piso de mogno rachava-se ao meio. Frank, na dianteira, atirou na porta principal com seu rifle, destruindo a fechadura. Os rostos dos fugitivos foram banhados pelas luzes piscantes dos relâmpagos iluminando as nuvens revoltas numa espiral que rodeava um vórtice brilhante exercendo uma força magnética incontrolável.
- De onde veio esse mutirão de fantasmas? - perguntou Jack, atônito vendo as almas serem puxadas pelo vórtice engolidor.
- Samhain atraiu todos eles com a névoa gerada pela foice dentro do ectoplasma! - disse Margaret, seus loiros cabelos esvoaçando - Não percam mais tempo, esse portal vai absorver tudo o que existe nessa dimensão!
- Pro carro! Vão! - disse Frank, apontando para o veículo ainda não sorvido pelo vórtice. Os jovens correram, sentando-se nos bancos de trás - Jack, assume o volante! As vítimas primeiro! Siga naquela direção!
- Impossível. - disse Margaret, olhando para o detetive com uma seriedade dura - Não podem cruzar o limite, ele desapareceu devido a anomalia. O único jeito é abrindo uma fresta. - voltou-se para Jack - Ainda tem a foice, use-a para criar uma fenda.
- Ela é linda, assustadora e inteligente. O meu tipo. - disse Jack, segurando firmemente a arma de seu possessor, logo andando com certa dificuldade para alguns metros à frente do carro de Frank. Usou a lâmina da foice para fazer um rasgo naquela realidade em extinção. O corte vertical desenho uma fissura luminosa vermelha. Os três jovens ficaram maravilhados.
- Uau. - disse Artie com sorriso de entusiasmo - Cadê minha câmera quando mais precisamos dela?
- Você tá mais fora do mundo real do que parece. - disse Grace - Acabou, Artie. Nossos sonhos, nossas vidas...
- Tudo por causa de um vídeo pra manter nossa reputação. - disse Scott, amargurado - Fomos tão... idiotas e egoístas.
O rapaz ganhara os olhares tristes dos amigos, inconformados com a existência desencarnada. Jack logo entrou no sedã prata e deu partida, cantando pneus na direção da fenda que se fechava gradualmente. O automóvel passou para o outro lado, a fenda aparecendo no meio da estrada. Os adolescentes estranharam verem o breu da noite ao redor.
- Ué, tem certeza que voltamos? - perguntou Grace - Chegamos na mansão à meia-noite, deveria estar de dia. Será que não voltamos no tempo?
- Se for verdade, podemos incorporar nas nossas cópias, daí não teremos problemas, seremos tipo... mortos-vivos, definitivamente. - falou Artie, animado.
- Não viaja garoto. - disse Jack - Aceitam uma teoria? Lá vai: Acho que a bagunça na dimensão, a anomalia, aquela destruição toda, distorceu o tempo, portanto o tempo nas duas realidades passou de duas formas diferentes.
- Perdi a noção do tempo enquanto estávamos presos. - disse Scott - Mas acredito nessa parada que você falou, faz todo sentido.
- Ah não, o Frank! Esqueci dele! - alarmou-se Jack, saindo em disparada do carro até a fenda. Na outa dimensão, o detetive tentava convencer Margaret a atravessar a fenda junto dele.
- Vai largar a oportunidade reencontrar sua família?! - disse ele, discordante - Anda, pega minha mão, você terá paz infinita e nunca mais terá com o que se preocupar! Por que tá aceitando o mesmo destino desses fantasmas condenados?
- Frank, agradeço a ajuda e sua gentileza, mas... Eu já estou em paz! Meu propósito foi cumprido e sem derramar nenhuma gota de sangue inocente pra descarregar meu luto! Meus pais, meus irmãos... estão bem e felizes, não precisam de mim pra se sentirem completos e se orgulharem da família que são. A família que amo.
O fantasma de Margaret alçava voo aos céus tempestuosos, diretamente à luz do portal devorador.
- Adeus! - disse ela, acenando com lágrimas nos olhos. Frank entristeceu-se com a decisão da bruxa, porém nada faria para reverter e nem a levaria à força, embora isto tivesse sido cogitado. A mão direita de Jack apareceu saindo da fenda.
- Frank, vem logo antes que feche!
Como a força de atração se agravou consideravelmente, Frank lutou para mover suas pernas e dar passos num ritmo que facilitasse sua salvação. Parecia que enfrentava uma tempestade de areia no deserto. A realidade se desfazia inteira.
Num esforço hercúleo, o detetive pegara na mão de Jack e a agarrou, sendo puxado para o outro lado onde caiu sobre o parceiro com quem batalhou contra cadáveres errantes. Frank saiu de cima dele, ficando deitado de costas no asfalto.
- Sua respiração tá pesada. - disse Jack - Cara, essa foi por pouco. Desculpa ter esquecido você lá.
- Não, tudo bem. Tô só recuperando o ar. - respondeu Frank, cansado - Pesado ficou meu corpo, isso sim. Senti cada osso pesando uma tonelada. - fechou os olhos, queixando-se de umas dores nas articulações.
Os fantasmas dos jovens esperavam fora do carro. A fenda fechou-se a tempo de Frank ser resgatado.
- Olhem, a mansão reapareceu. - apontou Artie.
- Cadê o fantasma da bruxa? Ou a bruxa-fantasma? - perguntou Scott.
- Ela se achava muito desprezada pela família pra escolher o sacrifício em vez da paz. - disse Frank, mantendo seu desconsolo. Jack tocou-o no ombro amigável - Mas diferente dela, vocês são espíritos malignos em potencial.
- Ah qual é, Frank. Você não é de generalizar. - afirmou Jack - Dá uma chance à eles. Do que vocês mais se arrependem?
- Fora invadir uma mansão assombrada em época de Halloween pra ser morto por uma entidade sobrenatural assassina? Sacanear o Artie. - disse Scott. Grace concordava - O tratávamos como nosso bibelô. Desculpa, Artie.
- OK. - disse, grato pela retratação - Sabe, não é tão ruim. Atravessar paredes, se teletransportar, mover coisas com a mente, não sentir dor, frio, fome ou sono... A gente vai explorar essas vantagens sem causar problemas. Palavra de gasparzinho.
- Eu não dei a entender que ia caça-los. - disse Frank - Afinal, o alvo da vingança já foi liquidado, só resta seguirem seus rumos, mas andando na linha e ficando longe de seres sombrios e corruptores que ficam à espreita e nunca descansam.
Os três assentiram igual a crianças que prometem acatar uma ordem. Se despediram e desapareceram num piscar de olhos.
- Você confia neles? De minha parte, tô em dúvida. - falou Jack, contradizendo sua posição.
- O que foi? Disse aquilo só pra faze-los se sentirem melhor? Corta essa. - disse Frank com bom humor.
***
Epílogo
Frank tivera a sorte de achar Zack pedalando de bicicleta com seus amigos na esquina e procurou esconder bem o saquinho com doces que levava. Assoviou para chama-lo.
- Sr. Montgrow?! Eu tô surpreso, pra ser sincero. - disse ele, parando a bicicleta para conversar com Frank.
- Vai ficar mais surpreso ainda. Ainda é Halloween, certo? - disse ele, logo mostrando o saco de balas que escondia atrás de si. Zack encheu-se de alegria - É todo seu. Pesou na consciência, sabe?
- Antes tarde que nunca. - falou Zack, arrancando uma risada de Frank - Ei, tá afim de dar um pulo na minha casa pela primeira vez na sua vida? Já já vou dar uma festinha de Halloween pros meus amigos.
- Não sei... Acabei de voltar de uma missão louca e complicada... Meu corpo pede minha cama.
- Mas tá bem cedo. Ah, só um instante... - disse Zack, tirando algo do bolso da bermuda - Toma. Era da minha tia, ela me deu de presente pra que eu desse pra alguma amiga da escola. É que meu aniversário foi há dois meses e tínhamos pensado em convidar o senhor...
- Caramba, desculpa por ter agido daquela maneira e sido um péssimo vizinho. - disse Frank, logo cravando os olhos no colar de esmeralda que Zack lhe oferecia em retribuição - Me diz uma coisa: esse colar não deve ser valioso demais pra sua tia?
- Ela veio me visitar hoje, pode perguntar pra ela. Quer vir?
O detetive enxergava ali uma suculenta possibilidade de desmascarar mais um praticante de bruxaria. O que desconfiava era a tal tia de Zack abdicar do colar tão fácil.
- É... Vamos nessa, tô interessado em conhecer essa sua tia. - disse Frank, sorrindo de leve. Acompanhou Zack que levava sua bicicleta. Numa árvore, bem escondido nas sombras, Jack observava-os.
- Olha lá... Ele tem jeito com a gurizada.- disse ele, contente pelo gesto do amigo - Feliz Halloween, Frank.
-x-
*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: https://styl.fm/newsy/138457.holy-wins-polska-odpowiedz-na-halloween-bedziecie-swietowac
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