A Coleção
*A estória a seguir é o spin-off/prelúdio do conto "Ordens do Ted"
Em meados da década de 1930, quase no fim de um vilarejo de classe média, encontrava-se uma luxuosa mansão, a qual era vista tanto com olhares de admiração quanto de inveja por parte da população que desejava ter uma vida semelhante à da família que residia nela. Família esta composta, especialmente, por uma linda menina chamada Liza. A garotinha de cabelos loiros cacheados, na época, estava para completar suas 13 primaveras. A paixão por bonecos e bonecas era o que a tornava famosa pela pacata localidade entre as crianças maltrapilhas, e estranhamente, aos olhos delas, não as tratavam com desdém. Seu quarto era um desfilar imenso de brinquedos, ainda que estivesse se aproximando da adolescência, o que não era nenhum problema para sua mãe, a qual lhe criou sozinha... após a misteriosa morte de seu pai.
Cansada da monotonia que pesava sobre sua perspectiva de vida, Liza, em um certo dia, passara a ouvir comentários dos colegas da escola sobre um casebre abandonado. E o motivo para frequenta-lo: uma coleção de bonecos, dos mais variados modelos, jazia no local. Correu para a mãe para mentir sobre isso.
- Mãe, mãe, mãe! Vou sair com uns amigos hoje a tarde. Você deixa não é? - disse ela, logo ao entrar em casa repentinamente, com os olhos brilhando de tanta empolgação.
- Claro filha... pode ir sem problema. - disse sua mãe, em um desanimado e rouco tom. A mesma ainda sofria com a perda do marido, mas nunca teve coragem de contar a verdade para Liza.
- Obrigada. Você é a melhor mãe do mundo! - agradeceu Liza, dando um beijo na bochecha de sua mãe, que não lhe retribuiu, permanecendo inerte cortando cebolas na mesa da cozinha.
Segundo os inúmeros falatórios, a tal casa pertencia a uma bruxa que sequestrava crianças e as transformava em bonecos, mas esta parte certamente foi vista como pura lenda urbana. Ignorando esse relato, Liza seguiu pelo bosque, correndo com uma felicidade típica de uma criança quando está prestes a ganhar seu primeiro brinquedo. Assim que avistou uma casa que encaixava-se na descrição, correu ainda mais depressa sem pestanejar. Parou por um momento em frente à porta entreaberta do casebre, a fim de recuperar o ar. No entanto, antes que a porta desse seu primeiro ranger, uma figura surgiu ao seu lado direito. Uma menina, descabelada e trajando um longo vestido branco a observava naquele instante, e sua expressão denotava o horror de ter presenciado/pressentido algo terrível.
- Por favor... estará cometendo um grande erro se der mais passo à frente. - disse ela
- Se cheguei até aqui vou até o fim. Não sei quem é você, mas não vai me impedir de entrar. - disse Liza, em seguida batendo a porta com força.
Olhou para a janela para certificar-se de que a tal menina tivesse ido e confirmou. Várias prateleiras puderam ser contempladas pelo brilho nos olhos de Liza, ou melhor, o que estava nelas. Bonecas, ursos, todo o tipo de brinquedo se encontrava lá. Não demorou para pegar um para si própria. No entanto, sentiu algo gélido tocar seus ombros no exato momento em que iria tocar no seu mais novo precioso. Virou para trás, com a garganta seca e o suor escorrendo de todas as partes. Deparou-se com um boneco ventríloquo sentado em uma cadeira de balanço.
O boneco em questão vestia um terno preto e usava uma cartola. Seu rosto era pálido, um sorriso podia-se ver na sua horrenda face. Não tinha olhos, restando suas órbitas vazias e negras.
Liza tentou então fazer uma pergunta, temendo uma possível movimentação.
- Q-quem é você?
A cadeira permaneceu balançando em um ranger irritante a qualquer ouvido sadio.
Liza tentou se aproximar o máximo que podia, na intenção de observa-lo até ele falar algo. Evidentemente associou isto ao fato da bruxa ser a antiga moradora e portadora da coleção. Tocou no seu terno, em movimentos que aparentavam estar tirando a poeira existente. Os toques ficaram mais rápidos, à medida que sua fascinação pelo boneco aumentava consideravelmente.
Eis que em um instante de entreolhares entre o orgânico e o inanimado termina em uma frase traumática dita pelo boneco - que moveu sua boca.
- Ela vai te seguir na escuridão!!!
Liza lançou um grito estarrecedor, fazendo-a correr como nunca em sua vida, mesmo assim carregando o boneco a qual ela havia selecionado. Deixara a porta aberta, passando a adentrar no bosque e desaparecendo em segundos.
Ao chegar em casa, sua mãe encontrava-se no sofá relembrando as fotografias antigas de seu casamento. Assustou-se com a repentina chegada de Liza, após o forte bater da porta.
- Liza, filha, o que houve!? Está pálida! - disse ela, levantando-se do sofá.
- M-mãe... coloca esse boneco no meu quarto. Não aconteceu nada demais.
- Como assim nada demais? O que aqueles trombadinhas fizeram com você?
- Nada mãe. Não foi nada. Eu só... fui naquela casa que dizem ter vivido uma bruxa. - revelou Liza, abaixando a cabeça.
- Eu não acredito Liza, como você pôde!? Sabe que já lhe falei mil vezes que em hipótese alguma vá para aquele bosque maldito. Não percebe que esse vilarejo horrível foi amaldiçoado anos atrás do seu pai morrer? - disse a mãe de Liza, mantendo o dedo indicador apontado ao rosto dela.
- Eu não sabia disso. E por que fala tanto do papai? Ele já morreu, esquece isso, você tem a mim!
- Claro que sim... mas como não quero ter minha primeira discussão com minha própria filha, vou entrega-la um presente... que significava muito pro seu pai. - disse ela, indo em direção ao baú onde ficavam as fotos. - Aqui está. É o urso de pelúcia que seu pai tanto guardava durante a infância. Se você tem a mim... terá à ele também... a lembrança dele. - disse ela entregando à Liza um urso de cores preta e cinza, o qual apresentava um olhar de surpresa e um sorriso selvagem.
- Obrigada, mas... não entendi o que quis dizer.
- A resposta está neste baú Liza. Pode mexer a vontade, você está crescendo e merece saber a verdade.
A mãe saiu lentamente do quarto, mas ao subir a escada Liza pôde ouvir pequenos ruídos que pareciam ser um choro de tom baixo. Vasculhou o baú, olhando papéis de jornais antigos e a tal verdade lhe causou arrepios contínuos. Seu pai chamava-se Teddy McGarney, e segundo as notícias das amareladas páginas de jornais, atuava como um serial killer, com um número de vítimas estimado em 150. Liza pôs a mão em sua boca em sinal de horror, logo após uma lágrima cair sobre a folha.
Testemunhas na época dos assassinatos afirmaram ter visto o serial killer ter sido morto durante um ritual de ocultismo, em um casa misteriosa. Uma única pessoa que conseguiu ver até o final alegou que no centro da sala estava desenhado um símbolo estranho, e também se fazia presente um urso de pelúcia. O homem simplesmente desmaiou após o processo, e a pessoa relatou ter visto uma sombra assustadora emergir de seu corpo antes disso.
Em um ato desesperado, Liza largou as folhas, espalhando-as pelo sofá, e saiu de casa correndo até o vilarejo carregando seus dois novos membros de sua coleção.
Chegando lá, Liza estranhou fortemente a reação das pessoas ao vê-la portanto os dois brinquedos. Todos se uniram cercando-a, alguns com olhares de raiva, outros com indiferença. Liza não entendeu aquilo tudo e agarrou ainda mais forte seus dois preciosos e sentou-se no chão.
Uma mulher segurando um tridente decidiu falar primeiro. Esta olhava para Liza como uma criminosa pronta para o julgamento.
- Por que? Por que uma menina tão bonita fez algo tão terrível?
- Sim... é uma pena, sua mãe vai se envergonhar muito quando souber... - disse um homem.
- Menina maldita! Não deveria ter entrado lá! - disse outra mulher, cuspindo em seu rosto logo em seguida.
- Herdeira do diabo! Vai queimar no fogo do inferno por ter feito isso! - disse uma outra mulher, dessa vez armada com uma tocha e um tridente, quase espetando Liza.
- Por favor, parem com isso! Eu não fiz nada! Por que estão agindo assim? O que de mal eu fiz pra vocês? - implorava Liza, chorando.
- Não foi o que você fez pra nós... e sim o que fez pra você. Nosso dever vai ser cumprido... nossa vila não merece pessoas como você. - disse um outro homem.
A multidão densa que se formou ao redor de Liza atacou-a cruelmente, sem lhe dar chance alguma de defesa. Próximo de uma praça, Liza McGarney foi mutilada, torturada e assassinada pelos excessivamente crédulos moradores do vilarejo. Um grande círculo de sangue se fez permanente no local.
Dias se passaram... a mãe de Liza, inconformada, tentou por vezes se suicidar, mas procurou ajuda especializada para superar este novo trauma. No dia do enterro, levou o urso que nunca fez parte da vida de Liza. Jogou-o no buraco. Ambos ficariam para sempre juntos... mesmo após a morte.
No vilarejo, meses depois, todos haviam esquecido do que fizeram à menina. Tempo suficiente para relatos de aparições de um certo espírito estourarem e ser o único assunto a se falar. Várias pessoas disseram ter visto uma menina de cabelos loiros cacheados com um vestido ensaguentado portando uma faca na mão, todas as noites. Crianças desapareceram durante este período. Rastros de sangue ficaram marcados. Perdas foram sentidas. O pesadelo estava começando.
Em certa noite, um dos colegas de classe de Liza, lia algumas revistas no quarto, até que... o espírito da mesma surgira em sua frente. O menino recuou dois passos, temendo o pior.
Liza, com a faca em sua mão direita, lhe propôs uma união eterna.
- Olá, o que acha de fazer parte da minha coleção? Vamos ficar juntos pra sempre.
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EPÍLOGO:
Dias atuais.
Um homem chamado Joe passava em uma feira de brinquedos em uma ensolarada tarde, bastante empolgado. Logo avistou uma banca, onde se via os mais diversos tipos de bonecos.
A dona era uma senhora, cujo olho esquerdo era cego, e suas vestes não aparentavam ser da época.
- Olá dona... não pude deixar de notar esses brinquedos... é que meu filho vai fazer aniversário amanhã e queria presentear ele com algo novo. O que me sugere?
- Hum... vejamos... ah, sim, aqui está! Tenho certeza que ele vai adorar este urso. - disse a senhora.
- Nossa... ele sempre quis um desses... vou levar. - disse Joe, comprando um urso de cores preta e cinza, o qual apresentava um olhar de surpresa e um sorriso selvagem.
Estória muito bem elaborada! Dramática na dose certa, imaginaria um filme com certeza.
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