Não encare a escuridão por muito tempo...


Eu construí uma casa na árvore, contra a vontade dos meus pais, porque... eu estou farto, não aguento mais sentir tanto medo, tanto temor pela minha própria vida ameaçada por coisas que eu não entendo. É algo que me causa receio de viver minha vida com plenitude. Para ao menos pagar o que resta da faculdade, eu resolvi trabalhar, temporariamente, em uma lojinha de abajures, como recepcionista. Eles, meus pais, estranharam a preferência, mas não expliquei com maiores detalhes por puro medo de pensar que me achariam um louco.

Eu passei a dormir na casa da árvore logo quando ocorreu da primeira vez.

Foi há quase cinco meses. Com o racionamento de energia, tínhamos que manter todas as luzes apagadas a partir das 20 horas, sobrando apenas a iluminação pública... por um período de, mais ou menos, 5 horas, ou seja, os postes só ficavam ligados até uma da madrugada.

E foi exatamente nesse maldito horário que eu acordei depois de um espasmo hipnagógico, aquela sensação de como se você estivesse caindo em um abismo infinito. O racionamento era cruel. Nem eletrodomésticos deveriam estar ligados na tomada, nem mesmo era permitido deixar o celular carregando. Se eu perdia o sono, eu tinha que ficar olhando para o teto e para a escuridão que tomava conta do meu quarto inteiro. Minha mãe me proibiu de deixar as cortins abertas. Retruquei dizendo que era para pelo menos deixar a luz da lua iluminar o quarto, mas ele foi inflexível, não quis saber de conversa e passou a entrar no meu quarto antes de eu chegar da faculdade apenas para fechar as cortinas e trancar a janela.

Eu deveria ter mantido meus olhos fechados. Mas eu estava com medo de adormecer e ter aqueles espasmos de novo, então desenvolvi uma crise de insônia, então me limitei a ficar com os olhos abertos, encarando o escuro.

Acho que fiquei uns 10 minutos sem piscar. Depois se tornou um desafio como forma de espantar o tédio. Quanto tempo minhas pálpebras inertes aguentariam?

O máximo foi de 18 minutos. Eu contava os segundos ora mentalmente, ora sussurrando.

Depois senti aquele arrepio de dentro para fora... quando vi um par de olhos... olhos humanos... olhos com íris vermelha.

Vieram mais. Pisquei inúmeras vezes e me virei para um lado, cobrindo meu corpo inteiro com o lençol. Fiz uma brecha, abrindo de novo meus olhos, mais lentamente... e encarei a parede à minha direita, mantendo meus olhos abertos, sem piscar por mais 18 minutos, mas já estava difícil depois do que foi visto por mim.

Como esperado, os olhos vermelhos apareceram na escuridão. Dois, quatro, oito...

Não sei de onde tirei tanta coragem quando insisti em ficar sem piscar apenas me deixando levar pela curiosidade de saber o que aquelas coisas fariam.

Os olhos foram se aproximando de mim quando passou de 20 minutos. Mais um recorde, um recorde que provavelmente me levaria à morte.

Subitamente, virei para o outro lado, finalmente fechando meus olhos. Depois, me sentindo um completo pirado, ergui meu corpo suado e gelado, olhando assustado em volta e nada daqueles olhos raivosos.

Só senti uma vontade louca de acender a luz.

Almas de pessoas mortas? De inquilinos antigos?! Não importavam o que eram aqueles seres, eu só ansiava por manter distância de todos eles. Corri para a porta, saindo do quarto até à sala.

Parei bem no meio do corredor quando me deparei com olhos de íris verde me encarando... mas de um modo obviamente diferente dos que vi antes. Eram olhares seguros, confiantes e sem hesitação. Havia uma mesinha de madeira perto de uma parede do corredor onde minha mãe colocou um jarro com flores, e embaixo dela lá estavam eles... as pupilas se movendo com mais calma. Já morávamos naquela casa há muito tempo, então eu conhecia cada polegada, então, mesmo na escuridão, eu poderia caminhar sem risco de bater meu dedo mindinho na quina de um móvel.

Era sufocante... mas fazer o quê? Meus pais pagariam multa por minha causa.

Andei com mais cautela... e quando pisquei os olhos já não estavam mais lá.

Quanto mais se olhava para eles, quanto mais foco você direcionava... mais vivos eles ficavam, mais reais, mais claros. Os verdes não chegaram perto, ao contrário dos vermelhos.

Atrás da dispensa estavam olhos azuis. Amedrontados, chorosos, tristes e depressivos. Senti mais pena do que medo. Não pisquei por 25 minutos, mas meus olhos começavam a arder e ficarem pesados, embora não fosse nenhum sinal de retorno do sono, naquela altura ele já era. Assim como os verdes, também não se aproximaram, apesar de muito carentes.

No dia seguinte, com a ajuda do meu pai, construí a casa, não falei absolutamente nada do que vi na noite passada.

Com meu emprego na loja, ganhei um kit gratuito com 50 abajures e os coloquei no meu novo lar, sem deixar entrar nenhum resquício de escuridão, menos no lado de fora pois a chamaria a atenção de indivíduos mal-intencionados que perambulavam madrugada afora.

Meus pais ainda continuam intrigados sobre o porque de eu não querer mais voltar à dormir no meu quarto. Disse o básico: Passaria as noites na casa da árvore e ficaria durante o dia na casa deles.

Minha irmã de 13 anos ficou me sacaneando pelo meu medo do escuro jamais superado.

E eu tinha superado.

E agora ele retornou mais intenso do que nunca, ainda mais quando cheguei à seguinte conclusão sobre os tais seres que se escondem nas sombras:

1) Os olhos vermelhos representavam as almas rebeldes, infortunadas, irritadas e sedentas por consumir. Só não sei o quê ainda. Mas se tentaram se aproximar de mim, então é óbvio que queriam fazer algo maligno comigo.

2) Os verdes pertenciam às almas que tiveram uma passagem tranquila na Terra, sem grandes conquistas, mas também sem muitas decepções. São incorruptíveis. Parecem não sentirem medo dos vermelhos.

3) Já os azuis eram daquelas almas atormentadas e medrosas, mas relativamente incorruptíveis. Aparentemente, se escondiam dos vermelhos e, só especulando, procuravam pelos verdes. 


Todos eles habitando na escuridão por propósitos diferentes.

Por causa do ato inconsequente da minha irmã, estamos marcando a data da mudança para amanhã.

Ela ouviu minha conversa com um amigo do colégio onde confidenciei tudo a respeito dos seres que vi naquela noite, mas foi completamente inútil convence-lo da verdade... Ele, exibindo ceticismo, simplesmente argumentou que eu parecia estar sofrendo de uma influência que meu medo da escuridão exerce sobre mim e me convence de que existem coisas assustadoras escondendo-se nela, e que os olhos que vi não passavam de um efeito resultante de ficar encarando o escuro por um determinado período de tempo.

Quando terminamos a conversa, escutei passos correndo...

Era ela. Aquela fedelha resolveu tirar a prova, pois eu sempre soube que ela tinha pavor de locais escuros, mas tem medo de admiti-lo para nossos pais e amigos.

Quando ouvi os passos, de início não liguei, e assim não me importei até o anoitecer.

Até o anoitecer tudo estava plenamente tranquilo...

Então despertei, apavorado, com o grito de minha irmã vindo de seu quarto. Por sorte, fui mais veloz que meus pais ao correr até lá e socorrê-la do que quer estivesse ameaçando-a.

Sem enxergar nada, gritei bem na soleira da porta, perguntando o que houve e se ela estava bem. Tentei sentir sua presença... mas foi em vão. Ela havia desaparecido.

E foi então que os vi novamente. Aqueles mesmos olhos vermelhos e ferozes de antes. Em maior número. Espalhados por toda a parte. Forcei mais um pouco, sem piscar... e, previsivelmente, eles foram se aproximando.

Vasculhamos pela casa inteira. No instante em que meus pais procuravam pelo lado de fora, com suas próprias lanternas, verifiquei os mesmos pontos da casa onde vi os outros olhos da primeira vez.

Estavam na sala, no banheiro, na cozinha, no corredor... Porém, todos vermelhos!

Procurei piscar o máximo de vezes possíveis para afastar aqueles monstros. Onde foram os outros? O que aquela pirralha irritante havia feito para estarem tão irados e em maior número?

Na mesma noite, ela apareceu no gramado, desesperada - ou fingindo estar - correndo até os meus pais, dizendo que esteve debaixo da cama o tempo inteiro e que só não chamou pelo meu nome, quando entrei, para não deixar aqueles seres ocultos ainda mais nervosos.

Desconfiei, claro, minha irmã morre de medo de qualquer coisa originada da escuridão, e ela poderia ter saindo correndo do quarto e tocar em mim para sinalizar de que estava ali e não sairia do meu lado enquanto eles continuavam presentes.

Hoje de manhã planejamos nos mudar e conversamos sobre um detalhe inesperado: Minha irmã apareceu com os olhos vermelhos e afirmou estar com lentes de contato compradas há alguns dias...

Congelei no momento. Ela deu uma desculpa extremamente esfarrapada e os chefões caíram no conto de "impressionar as amigas".

Além do mais, ela esteve agindo de modo estranho o tempo todo enquanto comíamos.

Com um cínico sorriso - mais do que normalmente ela consegue esboçar quando as vezes eu dou alguns conselhos - ela me agradeceu pelo apoio e pelo aviso dado e disse que tiraria as "lentes" hoje mesmo.

Avisei sobre não encarar a escuridão por muito tempo.

Agora está à noite... e enquanto digito este texto, estou ao lado do cadáver putrefato de minha irmã que encontrei em seu armário agora há pouco. 

E a coisa que finge ser ela está ao lado dos meus pais... Eles saíram para uma sessão de cinema.

Só me resta esperar o próximo racionamento de energia para confirmar minhas suspeitas.


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Este conto foi escrito e publicado exclusivamente para o Universo Leitura. Caso o encontre em algum outro site com créditos e fonte ausentes, não hesite em avisar 



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