Capuz Vermelho #46: "Uma caçada em alto mar pra variar"


"Acho que o universo interpretou errado o meu desejo de sair da rotina."

                                                                Trecho do segundo Diário de Rosie Campbell - Pág 08.

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Ilha de Wight - 23h12 

Um grupo com cerca de quatro homens com vestes pouco novas e limpas avançava em direção a um opulento navio de madeira ancorado na parte rasa do mar revolto e cintilante ao luar, todos eles carregando o que parecia ser um grande baú de mogno. Pela lentidão devia estar bem pesado.

- É só eu que tenho força nas canelas aqui? - questionou um deles, irritado - Vamos, mais rápido!

- Olha quem fala! - retrucou um baixinho e gorducho com uma bandana vermelha na cabeça - Dá pra ver que tá mais cansado que a gente, então nesse caso a sua força nos braços é o que nos deixa lentos. Aí Larry, você concorda não é?

- Essa coisa que é pesada, seus idiotas. - disse Larry, um desengonçado homem franzino com chapéu de cowboy e camisa listrada - Não vou brigar por causa de algo tão óbvio.

- Larry tem razão. - disse Scott, o mais maduro da equipe, seus loiros cabelos longos esvoaçando - Depressa, o capitão está esperando no convés e olhem as nuvens no horizonte. Não parece uma tempestade? Tenho por mim que sim, então vaaamos... - forçou um pouco mais, acelerando.

- Não são nossos chefes só porque estão na dianteira. - reclamou o baixinho, levantando a ponta traseira do baú com mais força.

Numa caverna ali próxima, três do grupo pirata combatia com pistolas e facas um ser que soltava tentáculos no maxilar e nos braços. A pouca luminosidade da lua lá dentro dificultava. Um deles fora pego, sendo envolvido pelos tentáculos que logo entravam nos orifícios acessíveis (nariz, boca, ouvidos...). O outro companheiro que lutava ao lado do infortunado lamentava caído no chão.

- Não! Dick! Não! - exclamou, reerguendo-se com um facão. Na verdade, 16 corpos de piratas jaziam espalhados no solo. O homem tentou cortar um dos tentáculos. - Maldito, largue-o!

Minutos depois, o quarteto aproximava-se do navio e o capitão soltou um sinalizador vermelho.

- Ih, o capitão fazer isso não é sinal de paciência. - disse Larry.

- Olá! Me esperem! - disse o sobrevivente da luta na caverna, correndo. - Os nativos foram despistados. E sabem o quê mais? Detonei uns filhos do Kraken.

- Mas cadê os outros, Efran? - perguntou Scott.

Ele demonstrou pesar na expressão, mas logo reanimou-se.

- O que importa? O baú foi pego, tivemos baixas, mas... vencemos. Não é?

- É. - respondeu Scott, desconfiado. - Vamos lá, pessoal.

Na caverna, 17 corpos jaziam mastigados. Inclusive o de Efran, as órbitas dos olhos vazias.

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CAPÍTULO 46: UMA CAÇADA EM ALTO MAR PRA VARIAR 

Duas semanas depois.

Bristol - 21h30

Num bar relativamente lotado, a dupla do DECASO aproveitava para ter acesso ao xerife que frequentava o local e também espairecer um pouco após cinco dias de investigação. Rosie conversava com ele num ponto discreto enquanto Hector se fartava de umas doses de uísque. A jovem dava olhadelas para o balcão no qual a bartender lançava olhares interessados ao caçador.

- Pois é, estamos aqui há uma semana e até agora não temos um bom volume de pistas.

- O que é estranho, por sinal. - disse o xerife, um homem careca e de olhos fundos - As mortes da semana passada coincidem com uma série de saques e assaltos de um grupo desconhecido. Ninguém se deu ao trabalho de ser testemunha para descrever esses fanfarrões. Jogam nas minhas costas toda essa responsabilidade exaustiva. Fazer o quê? Ossos do ofício. Ainda estou atrás de pelo menos cinco pessoas que presenciaram o último assalto.

- E as mortes? Os corpos achados sem olhos e como se tivessem sido devorados de dentro pra fora? Pode ser meio loucura estabelecer ligação entre essas coisas, mas...

- Olha, façam o seguinte: São bons no que fazem, mas se não forem pacientes e ao mesmo tempo forem ocupados demais, sugiro deixarem que assumamos. O que acha? Cinco dias, oito roubos. Quantas evidências? Não me leve a mal, por favor...

- Não, de forma alguma... - disse Rosie, compreensiva. - Na verdade, tem toda razão. Já foi bastante tempo para um caso tão simples e achar conexões não faz sentido à essa altura. Vou avisar ao meu parceiro ali... se divertindo. - voltou os olhos ao xerife - Obrigada. Sucesso na investigação.

- Igualmente. - respondeu o xerife, despedindo-se. Rosie andara até o caçador que conversava com a bartender de modo comedido.

- Dia ruim? - perguntou ela, enxugando um copo.

- Ano ruim. - respondeu Hector, balançando de leve um copo meio cheio. - Já estourei minha cota.

- Sei como é. - disse a mulher dando um largo sorriso de lábios vermelhos - A propósito, o seu tanque ainda está disponível pra mais uma?

- Honestamente, talvez mais quatro. - disse ele, sorrindo fraco. Dera um gole longo, entregando o copo. - Não quer se juntar a mim por ter se identificado?

- Se eu fosse cliente... tentaríamos mais que isso. - disse ela, maliciosa, afastando-se. Hector deu um fechado sorriso de satisfação enquanto esperava a próxima rodada. Rosie surgira à sua direita.

- Pegou o telefone? - perguntou, sem disfarçar - Brincadeirinha. Você não é de se interessar fácil.

- Algum resultado com o xerife?

- O resultado final é: Nós estamos fora. Ele disse que cuidará do resto. Com resto quer dizer 90% do que não conseguimos. - a declaração deixou Hector surpreso. - O que é uma coisa boa já que estamos sem quase nada. Não podemos ficar e esperar o próximo assalto. Esses caras não tem nada a ver com o que realmente nos atraiu até aqui. Além do mais, estou com saudade da minha cama quentinha e confortável. Se um dia me derem sugestões de hotéis, melhor não citarem Bristol.

- Um infiltrado sobrenatural no grupo. Parou pra pensar nessa possibilidade?

- Pensei em seguirmos o conselho do xerife. Estamos perdendo tempo aqui.

- Se estiver pronto, é só avisar. - disse a bartender trazendo mais um copo enchido.

- Pronto para beber? - perguntou Hector, confuso.

- Ahn... foi o que quis dizer. No que estava pensando?

- Não, ele não pensou nada demais. - disse Rosie, pegando-o pelo braço - Sabe, precisamos ir, estamos com pressa.

- Rosie, só um minuto... - disse Hector, tirando uma nota de euro. A bartender acenou.

- De jeito nenhum. É por conta da casa.

- Eu faço questão. - insistiu ele, pondo a nota no balcão. - Obrigado.

- Vocês por acaso são...

- Não! - responderam ambos em uníssono e alto o suficiente para chamar atenção.

Na saída do bar, a dupla deu de cara com uma rua pouco movimentada.

- O último assalto ocorreu ontem às dez. - disse Hector - Os outros sete foram dentro desta faixa horária. Podemos contar com a sorte, faltam quinze minutos. Só mirarmos nos intervalos entre os roubos e os assassinatos. Fiz uma lista com todos. - disse, tirando um papel.

- A gente quer sair da rotina, mas acabamos fazendo a mesma coisa só que num contexto diferente. - virou-se para o caçador - Olha, Hector, eu tô cansada. Fica por sua conta, a menos que eu deva te carregar... ah, lembrei, licantropia inibe o álcool. Então apenas eu.

- Ao menos considera minha teoria?

- A exaustão não me deixa fazer uma resposta elaborada, mas... É plausível.

Um som ininterrupto de buzina quebrara o clima silencioso. Hector detectou a origem. Vinha de um táxi atrás de um beco que conduzia a uma outra rua paralela.

- A sua salvação. - disse Hector, direcionando-se ao táxi. - Me dê um instante.

- Que tipo de motorista fica buzinando desse jeito? Hector, será que... - ela interrompeu-se ao perceber que sua voz não o alcançaria. Se manteve próxima duma parede, esperando com braços cruzados. - Ai, eu preciso dormir...

Repentinamente, duas mãos brutas surgiram por detrás dela, uma agarrando seu corpo e outra munida de um pano molhado com clorofórmio levado ao nariz da jovem que inalou o conteúdo até render-se ao efeito após uma luta para resistir.

Hector batera no vidro fechado do táxi.

- Olá? - chamou. "Por que não para de buzinar?".

Intrigado, abrira a porta com força, deparando-se com o motorista desacordado sobre o volante.

- Mas o que...

Sua frase cortou-se com um porrete golpeando a cabeça, fazendo-o cair instanteneamente inconsciente.

                                                                                           ***

As pálpebras de Rosie pesavam mais do que ela gostaria de suportar. A sensação primária foi de estranheza por conta do lugar onde estava balançar devagar de um lado para o outro. Hector acordara na mesma hora, tocando atrás da cabeça e expressando dor no semblante.

- Vejam só, nossas crianças despertaram. - disse um rapaz magrelo e com chapéu de cowboy - Bom dia, gatinha. E olá, sobretudo de grife.

- Larga de ser imbecil, Larry. - provocou Bart, um truculento membro afro-descendente da tripulação. - Querendo enganar nosso prisioneiros desse jeito? Não fizeram nem três horas apagados desde a captura. - encaminhou-se à Hector - Aí amigo, o capitão já vem falar com vocês, vai esclarecer tudo.

- Ah, eu também gostaria de esclarecer... - disse Rosie, levantando-se e sacando uma adaga. - Só que de forma menos civilizada! - preparou-se para atacar. Mas Hector a deteve.

- Disse que queria dormir. - falou um dos homens, irritando-a mais.

- Espere, Rosie! - segurara o braço dela - Vamos com calma... Agir violentamente não vai nos trazer respostas. Deixemos que eles nos deem por vontade própria.

- Hector, eles nos derrubaram e nos sequestraram! - encarou-os - Na certa são os bandidos de Bristol que saqueavam as lojas e os bancos. A gangue criminosa que nem a polícia conseguiu pegar.

- Não temos culpa se eles são incompetentes. - redarguiu um deles, um cara descamisado e com excesso de pelos no corpo.

- É impressão minha ou estamos a bordo de um navio? - questionou Hector, estudando o recinto.

- Não é apenas um navio. - disse um voz arisca e soberba - É a fortaleza imparável da tripulação britânica do século XX. Argh! - disse um robusto homem de meia idade com densa barba e cabelo cinzentos, vestindo um casaco azul por cima de uma camisa branca com listras horizontais.

- Tá de brincadeira comigo né? - perguntou Rosie - Piratas? Nesta época?

- Ou estão fingindo ser. - disparou Hector.

- Fingir é uma palavra muito forte, sabia? - rebateu o capitão, aproximando-se - Não possuímos tapa-olhos, nem ganchos no lugar das mãos e nem papagaios. Porém, somos uma extensão moderna que honra nossos antigos ídolos do ramo, o que nos torna um legado.

- Tá bem, já entendi. Vocês são um fã-clube de criminosos do passado. - disse Rosie, aborrecida - Eu sinceramente não sei mais o que tem para se comparar a velha guarda.

- Temos um ótimo rum importado da Irlanda. - disse Larry.

- Não me interessa. - redarguiu Rosie - Queremos saber com qual propósito nos sequestraram. E já que estão tão amigáveis, por que agiram daquela forma?

- Convenhamos, não ia apresentar minha proposta de cara limpa com dois detetives no nosso encalço, certo? - disse o capitão que estendeu a mão à Hector - Sou o capitão Hank Teach. Não é meu sobrenome real, adotei em homenagem ao fabuloso Barba Negra.

O caçador manteve-se inflexível ante ao gesto. Hank compreendeu, sem crise.

- Claramente não confiam em nós. Fomos radicais...

- Vocês espalham terror com assaltos diários. - acusou Hector.

- Os fins às vezes precisam justificar os meios. Éramos pobres. Ainda somos, claro. Com condições precárias de vida, fomos compelidos a sobreviver com nossos recursos. Nossa vila foi incinerada por porcos tiranos que só não nos escravizaram porque fugimos juntos, como uma família. Eu fui o pai desses rapazes! - apontou com o polegar para o grupo - São meus filhos de criação e não importava mais nada, queríamos sobreviver a todo custo.

- Não precisavam ir pelo caminho sombrio. - disse Hector. - Há outros modos de recomeçar a vida.

- Não sabíamos como. Restou apenas esse caminho. - disse, enfático - Mas chega de conversa fiada, vamos ao assunto. Andamos espionando vocês, embora não saibamos seus nomes, o que não me importa pois estou concentrado nas suas habilidades. Queremos auxílio. Pagamos bem, garanto.

- Eu passo. - disse Rosie, ressabiada.

- Auxílio e reticências. - disse Hector, afim de saber - Nós somos úteis pra quê?

- Já ouviram falar do Kraken, certo? A lendária fera que atravessa os sete mares arrasando tripulações. Precisamos achar o covil e pegarmos uma joia da qual ele é guardião. O Kraken roubou essa pérola há séculos, um artefato inestimável.

- E se não quisermos? - perguntou Rosie.

- Fico com seu colar. - disse Hank, sério - É puro ouro, né? Deve valer milhões...

- Preciso sair daqui. - decretou Rosie, andando - Deve ser um truque barato, estamos em terra firme, alguma máquina está balançando esse projeto de navio e não vamos cooperar com nossos sequestradores. - subiu uma escada que levava ao convés.

- Não está ouvindo o som? - perguntou Hank. - E mais respeito com meu navio!

- Tudo bem, deixe ela. - disse Hector - Olha, se mantém sua palavra...

- Até o fim, eu juro.

O caçador assentiu.

- Estamos dentro. Mas se prometerem desistir de praticar mais crimes se tivermos sucesso.

Alcançando o convés, Rosie tivera a certeza para o seu intenso espanto. Sentiu o poder do mar revolto sob seus pés no chão de madeira. Correra para o parapeito, contemplando a vastidão do oceano tingido de preto-azulado. Hector viera atrás.

- Não tô gostando disso. Acho que vou vomitar... - disse ela, enjoada, logo voltando.

O caçador ficou a observar, logo reparando algo suspeito cruzando as ondas. Algo num formato de... uma serpente. Uma não, pareciam três, chafurdantes. A bruma da água dificultava a visão. Mas fora o bastante para Hector.

- Parece que estamos sendo seguidos.

                                                                                          ***

De volta ao navio, o capitão Hank depositara sobre a mesa uma grande garrafa transparente que armazenava um item pouco convidativo de se analisar.

- Não sei se sabem, mas... nem tudo que o Kraken devora passa pela digestão. - disse Hank à Rosie e Hector diante dele e à tripulação ao redor. Dentro da garrafa estava um tentáculo amarelo esverdeado que ao invés de ventosas comuns de polvo tinham fileiras de minúsculos dentes afiados. - Isto aqui é um pedaço decepado de um Octomano. Já ouviram falar?

- Havia um apêndice completo de criaturas monstruosas do mar no Colégio de Caçadores - disse Hector -, era uma disciplina facultativa, então a deixei de lado, mas pude ouvir comentários de colegas que a escolhiam para ampliar o conhecimento. Na época, só estava interessado nos monstros terrestres. Bateu um pequeno arrependimento agora.

- Não precisa disso, rapaz. - disse Hank, olhando-o - Estou aqui pra ensinar também. Imagine a periculosidade de um tubarão fora d'água em um ser com mais tentáculos que um polvo normal.

- Agora entendo. - disse Rosie - O que matou aquelas pessoas foi justamente essa criatura. Era melhor você ter estendido mais os seus estudos, talvez assim teríamos descoberto mais rápido. - disse, dirigindo-se à Hector que deu um sorrisinho de canto.

- Esses desgraçados são como crias do Kraken. - afirmou Hank - Deixam fluidos gosmentos espalhados por onde passam. Este capturamos em Ontario, Canadá, há sete anos.

Scott participara da conversa.

- O Kraken engole humanos e vomita Octomanos. Como metamorfoses. Assim como as sereias, podem sobreviver tanto na terra quanto na água e podem assumir a forma humana, até das vítimas.

- Basicamente dopplegangers aquáticos. - disse Hector. - Mas eles são o menor dos problemas comparado ao próprio Kraken.

- Não contaria com isso. - disse o membro afro-descendente da tripulação.

- O que James está querendo dizer - especificou Hank - é que a caçada ao covil do Kraken é a missão número dois. - acendera um charuto - Em outras palavras, a primeira missão envolve os Octomanos, embora seja algo pessoal.

- Uma missão pessoal? O que seria? - perguntou Rosie.

- Há alguns anos, fiz uma promessa a um amigo criptozoologista, seu nome é Lúfan Grimm, bastante renomado em Bristol, o sortudo ganhou até troféus. Foi graças a ele que aprofundei meus estudos no Kraken e naveguei em águas misteriosas motivado a acha-lo. Eu ofereceria um baú com os ossos de um Octomano em troca de outro com moedas de ouro.

- Nesse caso voltamos a Bristol para caçar o responsável pelas mortes. - sugeriu Rosie.

O capitão dera uma risadinha.

- Tarde demais. Já estou com eles. Esse tentáculo foi só o que sobrou de carne. Vou visita-lo amanhã. - deu mais uma tragada no charuto.

- Mas e quanto ao Kraken? - Hector fez cara de confuso - Afinal, não tem lógica alguma. Levaria dias para atraí-lo e a perseguição... Não, me desculpe, não consigo imaginar como pode ser possível. Apoio a promessa feita ao seu amigo, então é nisso que podemos ajudar.

- Está recusando participar da missão dois, a mais importante? - disse um tripulante mal-humorado.

- Não é isso, seus idiotas. - disse Rosie - O senhor disse que envolve os Octomanos. Fez parecer que há perigo nessa missão pessoal.

- Eles são como abelhas operárias. Muito ligados entre si, muito empáticos. Há um sério risco para levar o baú diretamente à Lúfan. Uma escolta cairia bem.

- Pode contar comigo. - prestou-se Hector - Amigos em primeiro lugar.

                                                                                       ***

No dia seguinte... 

Larry adentrara no depósito para pegar algumas ferramentas de pesca. O aposento era um dos últimos do navio e a madeira da parede simulava uma janela quadriculada para passar a luz.

No entanto, o pirata achara algo próximo à janela cujos quadrados deixavam o sol atravessar... iluminando o cadáver esfolado do único afro-descendente da equipe.

- Oh, não! James! - gritara, largando um balde. - Socorro! - correra assustado.

Entre todos, um clima de desconfiança imperara subitamente. O capitão Hank, sisudo, tomara sua decisão irrevogável.

- Que comece o julgamento. O culpado deve ser confirmado ainda hoje. Cadê aqueles dois?

- Fala da garota encapuzada e o garoto prodígio? Sei lá. - disse o baixinho, dando de ombros.

- Encontrem-os! Avisem que existe um traidor neste navio... aliás, um Octomano infiltrado!

Escondidos, Rosie e Hector ouviam cochichos sobre eles serem os culpados. Outros saíam para procura-los. Sussurrando, Rosie comentara suas suspeitas:

- Estarmos na lista de suspeitos é ruim, mas tenho que concordar com o capitão. James teve o corpo quase todo triturado de dentro pra fora, está muito claro. Tinha um pouco da gosma...

- Sim, é verdade. - concordou Hector - Não há dúvidas. De qualquer forma, iremos ao julgamento. Diante das circunstâncias, minha escolta ao capitão está comprometida.

- O que te leva a pensar que vai conseguir protege-lo? Nem sabemos direito como eles caçam.

- Olhe, vou confessar uma coisa: Eu vi o Kraken ontem à noite.

- A-há! - disse um dos piratas, encontrando-os no flagra. - Aqui estão. Hoje estou louco pra desossar um Octomano, quero matar essa saudade.

- Não fomos nós. - disse Rosie, ríspida. - Somos humanos e vamos provar.

                                                                                   ***

Relâmpagos piscavam das janelas redondas dando um ar tenebroso ao momento. Toda a tripulação reunida com os nervos fragilizados, entreolhares suspeitosos e murmúrios baixos.

- Capitão, é sério. - disse Scott - Outros enfrentaram sim Octomanos, pode ter sido uma emboscada. Efran estava entre eles e foi o único sobrevivente. Me digam uma coisa: Por que não avisaram?

- Capitão ficaria abalado. - disse o baixinho, meio tenso, chamado Roger - Todos concordaram manter segredo, o que importava mesmo era o baú e...

- Palermas! Idiotas! - vociferou Hank - Não acredito que ainda chamo vocês de soldados! Soldados dizem a verdade e são leais!

- Nós somos leais. - afirmou outro. - Um de nós não.  - olhou para os demais - Continuo achando que podem ser um desses dois. - apontou à Rosie e Hector.

- Não façam vereditos sem provas. - retrucou Hector. - Nos prestamos a ajudar o capitão, somos detetives reais e autenticados... Escutem, Rosie e eu podemos provar. - fechara os olhos para transformar-se. Rosie, ao perceber, desaprovou.

- Espera, Hector... Não é necessário. Talvez piore as coisas.

- Vocês são cheios de segredinhos, não é? - perguntou Hank, mal-humorado. - É curioso não terem obtido pistas do Octomano à solta na cidade.

- Não conseguimos por ser difícil. - disse Rosie - Por favor, capitão, acredite em nós. Estávamos dormindo. O corpo foi encontrado às 11 em decomposição inicial. Leva cerca de dez horas para exalar mau cheiro nestas condições. E dez horas antes da descoberta contávamos carneirinhos.

Efran pigarreara.

- Capitão, será que posso... ir ao banheiro?

Hank concedeu. O pedido gerou dúvidas em Rosie. Outro pirata demonstrou vontade de ir também. Efran permitira ele passar primeiro.

- Não me critiquem, mas... a garota parece estar dizendo a verdade. - disse Hank - Quer saber? Vou ao encontro de Lúfan. - apontou para Rosie - Inocentada: Você é a juíza. - depois à Hector - E você... meu guarda-costas. Alguém vá ao convés e trace curso à baía de Crown, mas volte imediatamente.

- Toma cuidado. - aconselhou Rosie ao parceiro. Encarou os olhares desdenhosos dos piratas contrários à escolha do capitão.

                                                                                     ***

Baía de Crown 

O navio fora ancorado há alguns metros do cais que ficava próximo ao ponto de trabalho de Lúfan Grimm com seus espécimes marinhos. Hector e Hank caminhavam na direção da casa. O capitão segurava o baú com ossos de Octomano, olhando constantemente para as nuvens tempestuosas que avolumavam-se. O caçador era uma rocha perante a possibilidade de armadilha.

- Tem certeza que o navio está seguro naquela distância? - perguntou Hector.

- Não existe nada totalmente seguro nesta missão. Tomara que sua amiga consiga julgar o culpado. James era o peso-pesado da equipe. Vai fazer falta nas horas que uma porta precisa ser barrada. - olhou para ele de soslaio - Estou repensando prioridades.

- Assim espero.

Ao chegarem perto da entrada, Hank batera na porta. Chamara por Lúfan, mas a demora forçou Hector a preparar o revólver.

- Estranhamente quieto demais, concorda?

- Vamos arrombar? Lúfan normalmente responde assim que chamo.

- Não, espere... Está vindo. - disse Hector, logo ambos ouvindo as trancas sendo removidas.

A porta abrira-se revelando um homem calvo de óculos grandes e face meio enrugada vestindo casaco preto e outras peças comuns. Sorriu amigável para Hank.

- Ora, veja só, que grata surpresa. - apertaram as mãos - Hank, eu tinha esquecido do que prometeu. E o seu acompanhante...

- Ah, sou guarda-costas temporário. - disse Hector - Hector Crannon, prazer. Detetive particular.

- Pois bem, entrem. - disse Lúfan, andando à sua mesa - Vendo que o céu logo mais vai cair, não quero apressa-los, então sejamos breves. - juntou as mãos - Pode abrir, eu... desculpe, não me contenho na ansiedade.

- Sem problema. - disse Hank, inserindo a chave - Promessa feita é promessa cumprida. - levantou a tampa do baú, mostrando a ossada e entregando - Sei o quanto significa pra você.

- Não, não sabe. - disse Lúfan, de costas e estarrecido, pegando um osso e estudando-o - Se soubesse... não teria vindo aqui no meu ambiente de trabalho... para me tapear! - partira-o em dois, constatando tratar-se de uma farsa. Virou-se para ambos, o rosto de aspecto monstruoso... de mesmo tom e aparência de um Octomano. Derrubara o baú da mesa num acesso de raiva. - Pensou mesmo que eu cairia nessa como um debiloide? - pegara uma sub-metralhadora, mirando-a em Hank.

- Lúfan... Então você, o tempo todo...

- Exatamente, seu grande imbecil falsário! Agora não sairão vivos daqui até ver um pingo de arrependimento vindo desse seu coração egoísta.

- Quis dar ossos falsos à ele?! - repreendeu Hector - No que estava pensando?

Hank era indefensável, ele sabia.

- Pensava num ganho fácil. Na base da trapaça, como aprendi na minha origem.

- Ouça, Lúfan, é um mal-entendido, Hank pode ter sido sabotado...

O criptozoologista disparara de raspão no caçador para intimidar.

- De joelhos. Os dois!

No navio, todos aguardavam a retomada do julgamento.

- Você tem talento pra liderar. Podia ser nossa capitã. - disse Larry, interessado.

- Eu dispenso. - retrucou Rosie.

- Deu pra ficar de cantada pra cima da prisioneira agora é? - reclamou um deles.

- Eu não passei dessa fase? O capitão me deu esse título, é bom me tratarem com muito respeito ou vou usar métodos pouco gentis pra acabarmos logo com isso.

- É uma ameaça?

- E se for, o que vão fazer? - questionou ela, desafiadora.

Um dos tripulantes viera correndo alarmado.

- Pessoal, pessoal! O Max tá morto! Bem ali... amarrado no pilar. Sem olhos.

- Mas ele não tinha ido ao banheiro? - perguntou Rosie.

- Sim, ele foi!

A jovem franziu o cenho. Scott levantou-se para lembrar do estranho sumiço de Efran.

- Cadê o Efran? Ele seguiu o Max até o nosso "mictório". Pessoal... - todos imaginavam o mesmo.

Rosie tomara iniciativa, cansada daquilo.

- Fiquem todos aqui. Não me esperem voltar. - disse ela, saindo por uma porta.

Enquanto isso, na baía, Hector e Hank estavam amarrados nos pulsos ajoelhados diante de um descontrolado Lúfan lhes apontando a metralhadora.

- Pra começo de conversa, por que queria tanto ossos de um dos seus? - perguntou Hank.

- Não é objeto de estudos. - disse Lúfan, um relâmpago iluminando-o - É minha família. Meu pai. Eu tinha estima por você, Hank, e tudo que fez foi destruir num golpe só. - atacara-o com o cano da arma na intensidade de um soco.

- Como eu ia saber?

- Não era pra saber! Era pra ter sido honesto comigo, especialmente com você! Sabia que você e sua gangue de vândalos iriam mata-lo, mas coloquei nossa amizade em primeiro plano em vez de vingança. Queria que trouxesse-o de volta à mim... e dar um enterro digno. Paguei o preço pela partida do meu velho. - inclinou-se para Hank - Perdi meus tentáculos, é o que acontece quando um genitor é morto. O que não me impede de puni-lo. E você, detetive...

- Pode ser incapaz de perdoar o Hank, mas mata-lo só vai manchar as memórias da relação. Desista dessa amizade sem sentenciá-lo. Não torne vingança uma opção.

- Se continuar com essas falácias motivacionais, será o primeiro a morrer.

O caçador crescera a unha do indicador esquerdo afiando-a para cortar a corda.

- Lúfan, escute-o. - pediu Hank, suplicando - Os ossos reais estão no navio. Como Octomanos são ligados ao Kraken, o próprio segue o rastro para se alimentar deles.

- Foi por isso que o vi ontem à noite. - disse Hector.

- O quê?! - indagou Hank.

- Quando Rosie subiu ao convés, ela voltou sozinha e fiquei observando. Juro que vi tentáculos enormes remexendo na água. O Kraken está perseguindo o navio por causa desses ossos. Espera... Não me diga que usou eles como isca para atraí-lo.

- E você ainda teima defende-lo. - disse Lúfan, destravando a arma - A verdade, Hank. Se aproveitou dos restos do meu pai pela sua ambição?

Hank comprimia os lábios em desespero.

No navio, Rosie vasculhava pela escuridão do depósito segurando uma lamparina embora os relâmpagos e raios desempenhassem melhor papel.

- Efran? Não tem ninguém... - uma respiração pesada bufou na sua nuca. Virando-se, viu-se diante do Octomano que metamorfoseara-se em Efran - Droga, estavam certos.

- Surpresa. - disse ele, logo bofeteando-a com o dorso direito tão forte a joga-la à parede.

Hector, no Instituto de Criptozoologia, cortava o apertado nó das cordas mais rapidamente.

- Vamos tirar no cara ou coroa. Cara: O seu amigo sai livre se disser a verdade. Coroa: Os dois morrem se der uma desculpa fajuta. O que vai ser, Hank?

- Hector, diga aos rapazes que sigam em frente... eles podem desbravar os sete mares sem um líder.

- Não, Hank. Não vou permitir que isso aconteça. - disse o caçador, desamarrando-se depressa, logo transformando-se ao se erguer e partir para cima de Lúfen que apertou o gatilho atirando acidentalmente para cima com o ataque.

- Fuja! - pediu ele, usando suas garras para ferir Lúfan. O jogara contra um armário que caíra sobre ele. Fora até Hank desamarra-lo. O capitão o fitava estupefato.

- Pelas barbas de Poseidon, que tipo de monstro você é?

- Rápido, escape! Vá! - avisou, logo virando-se para Lúfan que levantava-se, lutando contra Hector num troca de socos brutal. Hank notara o baú com as moedas numa prateleira e pegara-o, saindo correndo como nunca antes. Hector quebrara o pescoço de Lúfan que decaiu inconsciente.

A fuga do capitão durara pouco. Rifles miravam diretamente na sua cabeça, portados por capangas de Lúfan que faziam ronda vigilante nas proximidades.

- Estou levando o que me pertence. Não desperdicem munição comigo. - recuara para trás, ficando na beirada do cais. Olhou para trás, vendo a água à centímetros. Um dilema terrível se formou. - Prioridades. - largara o baú no mar que espirrou água. Os quatro homens preparavam-se para atirar.

No entanto, Hector interceptara com supervelocidade em um ataque bem segmentado. Batera as cabeças de dois deles, deixando-os inconscientes, enquanto o terceiro tivera o pescoço ferido com um golpe sedativo e o último a arma golpeada com a cronha na cabeça.

- O-obrigado. - disse Hank, de repente se virando ao mar para mergulhar.

- Ei, ei, espere aí! - disse Hector, impedindo-o - Escolheu a própria vida em detrimento do dinheiro. Considere um largo passo para a redenção. - tocou-o no ombro - Tem que acreditar numa mudança.

Um estampido soou, vindo direto de um revólver segurado por Lúfan que andava como se nem tivesse sido derrotado. O tiro atingiu a barriga de Hank que caiu sangrando.

Hector, transtornado, caminhou até o infame criptozoologista recebendo tiros e mais tiros sem vulnerabilidade.

- Eu recomendaria balas de prata. - disse ele, transformando-se e superveloz aproximando-se de Lúfan, cravando suas garras no coração, logo arrancando-o à força. O Octomano expelia sangue negro pela boca ao agonizar caindo.

Rosie ainda lutava contra o falso Efran no navio, desferindo golpes no rosto dele com uma estaca longa de madeira, mas nada adiantava, as feridas cicatrizavam em segundos.

Ao ir se aproximando dela para pega-la pelo pescoço, fora surpreendido pela jovem aproveitando a brecha para enfiar a estaca no coração. Sangue negro golfou profuso.

- Eu acertei?

- Maldita... - disse ele, gemendo dolorosamente, enfim falecendo.

O navio estremeceu intensamente, fazendo-a cair. "É o Kraken. Só pode ser. Um Octomano tem ligações praticamente fraternais com ele... Talvez não estava seguindo o navio pelos ossos...", pensou ela, logo em seguida levantando-se para carregar o corpo do falso Efran ao convés.

A tempestade por sorte não estava no limiar. A jovem, em meio ao show de luzes relampejantes, conduzira o cadáver até a borda do navio, fitando as águas revoltas. Não tardou para o Kraken exibir seus tentáculos sibilantes.

- Você não o quer de volta? É o seu jantar... dessa vez sem volta. - disse ela, jogando-o no mar numa certa distância. Os enormes tentáculos emergiram assustadoramente e aninharam o corpo até o fundo. Petrificada, Rosie quase não engolia a saliva. O mar até ficou mais tranquilo.

- Tudo bem, chega de passeio marítimo.

                                                                                  ***

As novas velas foram içadas com afinco máximo no ensolarado dia seguinte. Uma delas detinha uma cor preta com o clássico desenho da caveira com espadas cruzadas. O capitão Hank observava maravilhado com o esforço da tripulação, o navio pronto para desatracar.

- Bem parece que é aqui nossa última parada com vocês. - disse Rosie ao lado de Hector. - Até que não foi tão ruim.

O capitão fizera uma reverência inclinando a cabeça para frente após tirar a boina.

- Meus agradecimentos. Minha vida foi salva, meu navio foi salvo... não posso merecer mais.

- A nossa confiança é um bônus. - disse Hector, amistoso - Alguma ideia do que pretendem fazer daqui em diante?

- Roubar está riscado da lista, fiquem tranquilos. Vou instaurar uma mudança rígida nos planejamentos. Nosso próximo destino é nada menos que o Triângulo das Bermudas. Nomenclatura pirata: Garganta do Diabo. - a informação fizera ambos se entreolharem - Há alguns meses sondamos pessoas que tiveram contatos imediatos com essas aberturas detectadas, não é de se espantar que o Kraken tenha saído de lá. Claro que isso é só um palpite.

- Desejamos boa sorte nesta nova aventura. - disse Rosie olhando rápido para Hector - Ahn... antes de irmos, gostaria de tirar uma dúvida meio... constrangedora. Err... Onde vocês fazem... as necessidades?

O capitão dera uma risada. Hector quase pôs a mão no rosto.

- Podem ter uns idiotas que poluem o mar, eu já cansei de avisar, mas nunca aprendem. Fazemos paradas em hotéis baratos várias vezes, o navio é mais um meio de locomoção do que nosso lar. Não somos selvagens. - respondeu, voltando a rir. - E Hector... obrigado pela sutura. Sua mão é precisa.

- De nada. Adeus, capitão. - disse Hector, assentindo, dando um aperto de mão. Rosie despedira-se meio envergonhada da pergunta.

Um pouco distante, a dupla comentara sobre a declaração do capitão.

- Se eu não tivesse servido o jantar do Kraken a tempo, teríamos naufragado. - fez uma pausa - Você ouviu o que o capitão disse. Acharam uma fenda interdimensional. Estamos pensando o mesmo?

- Com toda certeza. - afirmou Hector - O Kraken pode ser um aperitivo comparado aos outros intrusos, terrestres ou aquáticos. Mas mudando de assunto... Que tal almoçarmos um cardápio de frutos do mar? Conheço um restaurante bem aqui perto.

- Ah não, por favor. - disse Rosie, sentindo enjoo - Tá me provocando, né? Esse passeio todo me causou um trauma de oceano, mas em compensação não dispensaria um cruzeiro. Sem querer ofende-los.

O navio zarpara rumo a um novo mundo. À metros de profundidade, um vulto gigantesco com tentáculos e olhos vermelhos brilhantes abria caminho por entre os peixes.

                                                                                         CONTINUA...


*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: http://mundodospirata.blogspot.com.br/2013/02/navios-piratas.html

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