Frank - O Caçador #11: "Vida que segue"
Vanderville - 3 meses depois
A oportunidade perfeita estava num único disparo daquela bala. A besta que com seu pulo selvagem parecia ter pouco mais de 2 metros abria sua mandíbula ao limite com seus dentes salivando em fome. Frank fechou um olho e mirou efetivamente.
- Agora senti firmeza! Vem sua desgraçada!
O gatilho foi enfim apertado com toda firmeza. O projétil seguiu na trajetória e penetrou na testa da criatura bestial que caiu impotente. O detetive suspirou longamente, sem acreditar.
- Não acredito... Eu consegui!
Porém, alguns movimentos da besta enquanto caída lhe tiraram a satisfação num instante.
- Ah, essa não... - disse ele, desesperado, dando uma olhadela na arma - Será que fui tapeado? O que diabos é isso? Não entendo mais nada! Espera aí... - olhou com atenção focada para o corpo que metamorfoseava para um aspecto... reconhecidamente humano - Caraca...
O homem nu deitado logo ergueu seu rosto e seu olhar para o detetive que identificou-se nele. Não restavam dúvidas. Frank sentiu o chão ceder de seus pés e logo correu para abraça-lo.
- Eu não acredito nisso. - disse Frank, ajudando o homem - Pai, é você mesmo?
- É uma história meio longa... - disse Klaus Montgrow, meio desalentado - Mas chegamos ao fim.
- Do que tá falando? Anda, levanta. Tem um bocado de coisa pra gente esclarecer, viver... Vamos voltar pra casa e o seu garotão aqui te ajuda a tirar o atraso. Fechado?
- Não, Frank, entenda! Você se lembra do que fez quando finalmente liquidou a besta?
Frank parou para pensar por uns segundos, ainda mal conseguindo processar tudo aquilo.
De repente, um relâmpago de cor esverdeada piscou dentro do celeiro seguido de um trovão alto. O detetive sentiu-se atraído para olhar o clima lá fora e andou à porta. Ao abrir, seu rosto foi banhado por mais um relâmpago, mas seus olhos visualizavam um cenário aterrador que ele logo assumiu não ter a menor coragem para descrever. Estarrecido, ele compreendeu.
- Cometeu um grande erro, filho. Agora percebe o quão grave foi? Este é o mundo sem caçadores como você. - disse Klaus. - O mundo que você deixou para trás.
- Não, isso não... É terrível. Eu juro... eu juro que vou consertar, pai! Só me dá mais uma chance...
Ele se virou para Klaus, mas o que estava no ponto era somente uma ossada humana carbonizada. A expressão tornou-se lamentação pura com desespero crescente. Ele correu ao monte de ossos...
- Nãããããã...
O despertar de Frank foi súbito. Como em todos os pesadelos semelhantes ao que tivera. Passou a mão no rosto inteiro limpando o suor que se espalhava pela sua camisa branca.
A porta do quarto sofreu batidas desordenadas, o que o fez virar os olhos nela num instante. Ficaram um pouco maiores, sendo claro que a coisa era baixa e o bater chegava até a maçaneta.
Frank pegou um pé-de-cabra escondido debaixo do travesseiro e foi se aproximando na ponta dos pés, pronto para golpear qualquer invasor bizarro. Esticou a mão esquerda à maçaneta, abrindo devagarinho fazendo as dobradiças rangerem num som fino. Nada no corredor escuro.
"Vou ter que por um aviso pros fantasmas: Aqui vive um caçador em plena aposentadoria, por favor volte pro seu inferno.", pensou ele.
Um rapaz de camisa flanela passava próximo à casa do detetive mexendo no celular. Algo seguia seus passos sorrateiramente. Algo com uma visão em preto e branco e embaçada dos lados e que se aproximava soltando grunhidos baixos. O rapaz escutou os barulhos e virou-se.
- Nossa, que cachorro enorme... - disse ele, logo estalando os dedos para o animal assoviando - Vem cá, vem! Você tá perdido?
O cão se deixou iluminar pela lua, mostrando suas presas afiadas, sua pele negra e os olhos vermelhos cor de sangue. Rosnou selvagem e avançou. O celular caiu, logo depois sua tela recebendo respingos de sangue. Os gritos do rapaz foram ouvidos por Frank que abriu a janela para verificar.
Flagrou dois braços sendo arrastados cujos dedos arranhavam o chão a um arbusto que remexeu intensamente. Frank lançou um olhar preocupado e ao mesmo tempo tristonho.
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CAPÍTULO 11: VIDA QUE SEGUE
Danverous City - Departamento Policial de Danverous City
Carrie, na sua sala particular, passava o dedo na tela do smartphone olhando a lista de contatos, outra vez tentando contactar após inúmeras tentativas fracassadas.
Não fora diferente, o que a fez bufar de cansaço. Apertou o botão de mensagem por voz.
- OK, essa deve ser a... mensagem de número cem e dois dígitos... é, dá pra ver que perdi a conta. De tanta aflição... que a sua partida repentina causou. Então, por favor... só faz esse favor pelas pessoas que se importam de verdade com você... Liga de volta. Ou apenas volte. - entristeceu-se - Eu, o diretor, todo mundo aqui do DPDC... sente sua falta. Seu silêncio tá me atormentando.
Apertou em enviar. O diretor Duvemport logo chegou para visita-la.
- Esqueceu de dizer: Dê um sinal de vida. - falou ele, entrando.
- Já disse e vou repetir: Ele... não está morto. - disse Carrie, convicta - Uma hora ele volta.
- Carrie, fizeram três meses. Nem uma mensagem de prosperidade ao ano novo ele nos mandou. Qualquer que fosse o motivo para ter se instalado em Vanderville, ele teria feito isso, no mínimo.
- Será que se juntou a uma gangue de caçadores que... sei lá, o influenciou de algum jeito. Na pior das hipóteses, podem ser bruxos que o hipnotizado... - especulava Carrie, andando pela sala.
- Precisa se acalmar, Wood. - aconselhou o diretor - Chega de teorias reconfortantes, vamos ser mais realistas de uma vez por todas! - a tocou nos dois ombros - Não é mais fácil aceitar... que ele se foi?
- A besta não ganhou! Me recuso a apostar nisso! Como pode estar tão tranquilo desde o início desse pesadelo todo? Hein? O Frank é seu melhor amigo!
- Perder muitos amigos no passado... me fortaleceu. - esclareceu Ernest, comovido - Frank não é a primeira pessoa com a qual lidei melhor com a morte. E você já está no segundo estágio do luto: a raiva.
A fiel assistente do detetive balançava a cabeça expressando choro.
- Não... não pode ser verdade...
- Pare de enganar a si mesma e admita. No fundo pensa o mesmo.
Ela o abraçara derramando algumas lágrimas. Aquele contato extremamente próximo tinha sido meio raro nos últimos tempos quando a relação não transpassava tanto a linha do profissional.
***
Vanderville
Em seu período de estadia, Frank conseguira um emprego como lenhador que fornecia material à uma madeireira administrada por uma família rica. Na floresta, próximo à cabana do chefe, o detetive prosseguia bem no trabalho usando seu machado para cortar cada tronco ao meio com maestria.
O último, contudo, não fora partido com igual sucesso após uma lembrança do pesadelo, num flash, invadir sua concentração. A tenebrosa imagem da ossada queimada. Frank limpou o suor da testa e largou o machado. O chefe, Mario Gillen, tocou o sininho que anunciava o intervalo.
- Vamos lá, pessoal. Hora do almoço.
Após a refeição, o detetive andava calmamente até que passou por um grupo de colegas que confabulavam um assunto que ele mesmo tentava evitar. Mas aquele foi um momento de fraqueza.
- Que bobagem é essa? Essa cidade não fica um ano sem uma lenda idiota. - disse um.
- Tô falando sério, galera. As evidências comprovam. Meu irmão conhece o xerife e anda por dentro. Não são pegadas de um animal comum. Muitos relatos confirmam, as descrições dos sobreviventes se diferenciam em poucos detalhes. Um cão negro, maior do que o normal, com olhos vermelhos...
- Ahn, pessoal... - disse Frank, entrando na conversa - Não, você aí. - apontou para o que tinha falado - Seu nome é...
- James. - respondeu ele - Ficou interessado na nova lenda que não é exatamente lenda?
- Bem, eu... Gostaria de saber como eu encontro o xerife.
- Talvez não dê, pelo que me disseram ele está de viagem. Provavelmente lua de mel. Ou morto pelo monstro disfarçado de cão, como dizem as más línguas.
- Ah sim... Olha, tudo bem, esquece. Pra ser honesto, tô pouco me lixando.
- Então você segue o mesmo pensamento do resto? Acha que foram simples ataques animais?
Os outros falavam paralelamente, concordando com Frank.
- É, eu acho sim. - disse o detetive, logo sando uma piscadela - A gente se vê mais tarde.
Enquanto Frank caminhava na sombra das árvores para se manter longe do causticante sol do meio-dia, o chefe Mario veio à ele com semblante contente. O homem era de meia idade, com cabelos grisalhos, rosto caucasiano e olhos pequenos que transmitiam confiança.
- Tenho que dar meus parabéns, Frank. Seu rendimento nunca esteve tão acima da média.
- Nem sei como agradecer. As dores nas costas são um mal necessário. - disse Frank.
- Bom saber que leva o trabalho com garra. Quem não atende a demanda acaba despachado.
- É, pude confirmar com meus próprios olhos no mês passado. Bem que me falaram que o chefão é linha dura. Até me lembrou um certo alguém... do passado.
- Mudando de assunto... - disse Mario - ... não pude deixar de espionar a conversinha ali. Não se fala em outra coisa desde o natal. Uma fera sanguinária que aparece em noites de lua cheia só pode mesmo atrair um bando de conspiracionistas, repórteres de araque e uma massa burra.
- O senhor não tá conseguindo disfarçar. - disse Frank - Dá pra ver que tem interesse. E eu tentei tantas vezes fugir disso... Ignorei tanta coisa que eu podia ser útil.
- Você me pegou. Achei que também não acreditasse. Afinal, estou falando com um Montgrow.
Frank virou o rosto para Mario denotando surpresa.
- O que quer dizer? Sou um ex-detetive policial, esse lance de monstros nunca foi minha praia...
- A quem está querendo enganar? - perguntou Mario num sorriso fechado - Alimentei um grande respeito por um homem que carregava esse sobrenome. Especialista nesses negócios.
- Qual era o nome dele?
- Klaus Montgrow. - disse Mario - O caçador que um dia me fez nascer de novo.
- Conheceu meu pai?! - disse Frank, perplexo.
- Se quiser, posso leva-lo à minha casa. Tenho guardado um arquivo completo sobre o caso que ele resolveu aqui mesmo nessa terra amaldiçoada. Especificamente, o caso onde fui salvo. Topa?
- Na hora. - disse Frank, assentindo - Vamos lá então.
***
Já na casa do chefe, Frank pegava alguns recortes de jornal duma caixa de papelão sobre a mesa relacionados ao antigo caso que se mostrou similar ao que vinha acontecendo. A história estava praticamente repetindo-se. Em todos os boletins de investigações constava o nome Klaus Montgrow.
- Realmente as descrições batem. - disse Frank olhando um desenho publicado num jornal - Desculpe estar sendo meio vago na análise, três meses foram mais que suficientes pra me deixar... sabe, enferrujado. Mas fico feliz que a memória do meu pai tá bem preservada nesse arquivo.
- Foi um dos seus grandes feitos. - disse Mario - De fato, o lobisomem retornou à Vanderville.
- O total de vítimas atual é o triplo de 22 anos atrás. E olha que estamos falando de um só lobo. Meu pai era excelente na arte dele, tinha suas estratégias originais, mas mesmo um caso tão simples não impede que alguns erros aconteçam. Eu mesmo já deixei muita coisa passar e tive que voltar pra amarrar as pontas soltas. É super-estressante, mas são ossos do ofício. - disse Frank - Algo que nunca esqueci nas leituras que eu fazia do arquivo dele: Um lobisomem que sobrevive a um tiro de bala prateada tem uma chance em 90% de retornar com sua fome aumentada numa intensidade proporcional à sua dor. O que eu acho é... ele simplesmente pode ter deixado um escapar depois que te salvou do cativeiro. Mas me diz uma coisa...
- Como fui sequestrado. - disse Mario, as mãos apoiadas na mesa - É isso que quer saber né? Pois bem... foi uma barganha. Das mais cretinas.
- O que você ofereceu como moeda de troca? - perguntou Frank, atento.
- Eu mesmo. A liberdade do meu amigo foi concedida e me fiz passar por um caçador. Lobisomens de Vanderville geralmente tem esse costume de caçar e pegar caçadores e transforma-los... Você já ouviu falar do colar de presas? Um artefato exclusivamente dos lobisomens, eles confeccionam usando presas dos membros mortos das suas matilhas. Imagino que esteja no arquivo de Klaus.
- Colar de presas... Tenho uma vaga lembrança do formato, mas não da utilidade dele.
- Um humano exposto à luz da lua cheia com colar irá eventualmente se transformar num lobisomem. O que nos leva à hipótese de que há propriedades de feitiçaria nele. Nessa parte entram os boatos.
- Seja como for, o lance de tornar caçadores na presa me deixa bem preocupado. Alguém foi morto perto da minha casa ontem à noite e testemunhei a vítima sendo arrastada pra um arbusto. O corpo foi recolhido hoje de manhã quando liguei pra perícia. Na verdade, só acharam uns pedaços.
- Temos um lobisomem supostamente remanescente da matilha que seu pai exterminou. - disse Mario, um tanto motivado como se fosse um convite à Frank.
- Não, nós não. - disse Frank, no bom humor - Você tem. Me mantém atualizado, pelo menos. Foi ótimo conversar com você e todas essas... revelações. Esse mundo é pequeno demais.
O detetive virou as costas para sair, resolvendo não mergulhar de cabeça no caso. Mario o seguiu.
- Você é um caçador, afinal. Seguiu os passos do seu pai. Lembro dele me contar sobre...
- O legado, eu sei. - disse Frank, ainda de costas, pronto para sair - Acontece que dessa água eu não bebo mais. - girou a maçaneta abrindo a porta - Deixo por sua conta. Se tiver certeza que não pode lidar com isso sozinho, chama algum outro caçador na ativa.
- Captei a dica. - disse Mario, meio confuso sobre Frank querer estar fora - Espero vê-lo mais tarde.
***
Enquanto isso, em Danverous City, Carrie fechava sua mala marrom claro em cima da cama. Bateu sua mão esquerda na mala, pensando no que decidiu dali em diante e se teria alguma probabilidade de sucesso. Sua divagação foi bruscamente interrompida pelo toque do celular. Era o diretor.
- O quê que é? Digo... Pois não senhor, o que deseja?
- Qual é a dessa mensagem enigmática que me mandou pouco antes de você sair sem minha autorização? É alguma piada?
- Quando se trata da vida de um amigo que deixou tudo pra trás, inclusive seus amigos, por um desejo egoísta resumido em vingança, eu não brinco. Olha, sendo clara... Tô de partida pra Vanderville.
- O quê?! Wood, o que deu em você? Regressou ao estágio da negação, pelo visto.
- Quer saber de uma coisa? Ameace me demitir ou cortar meu salário, mas não vou mais me deixar contaminar pelo seu pessimismo constante e ridículo. Eu escolhi no que acreditar. É ruim não termos a mesma expectativa, mas... eu preciso tirar a prova. O que tem a dizer contra?
- Mais nada. A sua mente é uma muralha impenetrável. Faça o que quiser. Não chore perto de mim se não gostar do que encontrar ou saber. Queria o Frank de volta tanto quanto você, mas eu...
- Tá vendo só? Não consegue segurar, não tem argumentos pra sustentar a sua teoria. O vigilante que pagou pra manter a casa dele segura vai ser despedido hoje, pode apostar.
- Sinto medo dessa sua confiança.
- Ainda assim é melhor do que só esperar pelo pior. - disse Carrie - Meu ônibus sai em uma hora.
Desligara. O suspiro da assistente exalava determinação como de quem não teme a verdade.
***
Aquele era mais um final de turno para os lenhadores a serviço de Mario que se despediam acenantes e satisfeitos por um longo dia produtivo de trabalho.
- Até amanhã rapazes. - disse Mario, na varanda da sua cabana, dando um joinha para os três últimos que saíam.
Passada meia hora, já havia escurecido o bastante para a lua cheia surgir resplandecente no céu.
O trio de lenhadores passara por um caminho de concreto ladeado com arbustos grandes.
- Podíamos pegar um atalho. - sugeriu um deles, o mesmo que falara com Frank sobre o xerife - Qual é gente, não vamos deixar nossas gatinhas esperando né? Se derem licença, posso chegar primeiro.
- Ei, esperem. - disse o outro, parando - Escutaram isso?
- Ah não, começou o momento esquizofrenia do Carl. - disse o outro - James, foi você quem contou à ele primeiro essa história de lobisomem. Se deixou cair nesse continho de merda. Querem ver? - perguntou ele, se afastando para trás abrindo os braços - Ei, lobinho! Vem me pegar, seu carniceiro!
Os arbustos mexeram novamente, o barulho mais próximo.
- Pessoal, não estamos sozinhos. - disse Carl - Vamos dar o fora daqui...
- Também tô sentindo uma vibe meio estranha... - disse James, apreensivo.
- Isso, corram seus maricas. A noite mal começou, a lua mal subiu e vocês aí com medinho de...
Subitamente, o lobo negro irrompeu do arbusto atrás dele abocanhando a cabeça num só golpe.
Mordeu como um brinquedo de borracha e todo o sangue escorreu feito cascata. Os outros dois gritaram e correram apavorados.
Poucos minutos passaram-se e Mario saiu da casa armado com sua espingarda após escutar gritos.
Sacou a lanterna e foi procurando sem pressa nas proximidades de onde estavam os lenhadores.
No meio da grama pedaços ensaguentados de um corpo foram achados. Indo mais além, acabou por encontrar o corpo do funcionário sem sua cabeça, como se algo a tivesse removido num arranco.
Na casa de Frank, o celular vibrava. Era mais um telefonema de Carrie. O detetive visualizou e fechou os olhos por um instantinho. "Ela é assim mesmo. Jamais desiste quando quer uma coisa."
Apertou no vermelho com certo desgosto. Batidas na porta chamaram sua atenção.
Ao abrir se surpreendeu com a presença de Mario.
- Chefe, o que houve? Pela sua cara... com certeza foi mais um ataque do lobo desgraçado né?
Mario assentia tremendamente nervoso.
- É melhor vir comigo, Frank. Infelizmente, não vejo outro caçador a quem posso recorrer. Por favor.
- Tá legal. - concordou ele, generoso - Mas só dessa vez, OK?
A dupla seguiu o caminho que levava diretamente ao ponto onde o lobo de pelo negro e olhos escarlates passou durante o seu jantar. A lanterna de Mario teve o facho apontado para os pedaços.
- Caramba... O bicho anda mais faminto que um Devorador que pelo menos esperava chegar no covil pra almoçar a presa. - disse Frank, mirando nas pegadas na parte do solo com areia.
- Um Devorador? - indagou Mario - Outra das criaturas que seu pai caçou?
- Não, essa eu mesmo dei cabo. E essas pegadas aqui... - se agachou analisando-as - Os caras não usam botas com essas linhas horizontais nas solas. E não seguem uma ordem... Conduz até ali. Num daqueles arbustos, deve ter sido pra lá que o lobo foi e deu bote. O período da lua cheia só termina daqui à duas semanas, até lá já vai ter devorado um banquete. O nosso cara se transformou por aqui e seguiu a vítima.
- Ás vezes penso em me mudar, transferir minha vaga pra outra pessoa. - disse Mario - Chega uma hora que nos vemos no limite por não se sentir seguro nem no próprio lar. É desgastante.
- Pois é, o grande problema em comum de Danverous City e Vanderville: Monstros em excesso.
- Não, Frank. Você quer mesmo saber qual o verdadeiro problema? - perguntou Mario, repentinamente golpeando Frank na cabeça com o cano da espingarda - Caçadores em excesso. - disse, friamente, olhando-o caído inconsciente.
***
O detetive estava acorrentado numa cadeira no centro de um recinto semelhante a um porão. Os olhos de Frank pesavam, mas a sensação deu lugar à extrema dor no lado esquerdo da cabeça.
- Ai... Na terceira vez que me apagarem batendo nesse lado... acho que vai dar merda... pro meu cérebro claro. - ajustou sua visão ao ambiente - Mario? Então... - olhou para o tórax vendo o colar de presas - Que palhaçada é essa? Seu desgraçado, me tira daqui!
- Pode espernear, gritar por socorro, ninguém irá ouvi-lo. - disse Mario, logo apontando para cima - Esse é o lugar perfeito para meu plano. A lua está linda hoje não? - havia uma abertura no teto que deixava passar a luz lunar - Minha fase favorita.
- Era você esse tempo todo? Não te chamo mais de chefe, seu salafrário.
- Fui eu que te acostumei a trabalhar melhor em equipe quando você se gabou na entrevista de que fazia o trabalho melhor sozinho. Eu até concordo, nada de errado em ficar no comando do seu plano. Mas eu, Frank... Agi sozinho não só por vontade, mas por dignidade.
- Aonde você vê dignidade em sequestrar inocentes e transformar em lobisomens forçadamente?
- Uma nova matilha precisa voltar ao controle dos negócios por aqui. Estou salvando uma espécie. Quando me passou seu currículo e vi seu nome... Saquei na hora. Um Montgrow na cidade após vários dias sem indícios da ação da besta que roubava nossa comida não podia ser mera coincidência. Te agradeço, Frank.
- Vai se ferrar. A besta que eu matei era uma pessoa transformada... Não vou me transformar numa coisa igual. - disse Frank - Vai, abre o jogo. A história da barganha é caô né?
- Em partes sim. Me desculpe, mas você também parece estar escondendo algo. O que era a besta?
- Responde minha pergunta primeiro. Detalhadamente.
- Resumirei pra você: A verdade é que seu pai me salvou. Tarde demais, mas salvou. O lobisomem que me mantinha preso acabou não resistindo e me mordeu. Seria livre com um fardo.
- Você... é o remanescente. - dise Frank, embasbacado - Não precisava seguir essa vida, Mario...
- Eu morreria se não devotasse o resto da minha vida à essa natureza! - esbravejou Mario - Agora não há mais volta. Em poucos minutos você sofrerá os efeitos da lua cheia que o colar vai infligir. Sinto orgulho em ter um Montgrow na palma da minha mão.
A porta repentinamente foi arrombada e a pessoa a entrar arrepiou Frank. Carrie Wood estava segurando um rifle e atirara em Mario bem no peito. O lobisomem cambaleou para trás.
- Co-como é? - indagou Frank surpreso - Não, esse colar é pura feitiçaria, tô alucinando...
A assistente virou o rosto à esquerda e deu um sorriso fechado ao amigo e continha sua emoção.
- Minha mira é boa ou não? - perguntou ela, indo liberta-lo.
- Carrie, o que diabos você veio fazer aqui?
- Cadê as chaves? Só pra constar, usei bala de prata.
- Já percebi e num ponto quase vital, mas ele vai resistir e se transformar. As chaves estão na direita.
- Peguei. - disse ela, logo inserindo no cadeado das correntes. Mario contorcia-se de um jeito brusco. seus olhos começaram a avermelhar-se ao fitar a lua cheia e suas presas cresciam.
- Ele já tá de quatro, vambora daqui! - disse Frank, se desvencilhando das correntes enferrujadas e saindo correndo com Carrie que tratou de fechar a porta.
No corredor, ambos corriam freneticamente.
- Agradeço por ter me salvado, mas...
- Não diga que não precisava! Comecei perguntando para estranhos sobre Frank Montgrow e cheguei à área de trabalho dos lenhadores onde peguei o nome do seu chefe, Mario Gillen e pesquisei no banco de dados. Ele tem antecedentes criminais como roubo e extorsão, todas com fiança paga. Esperei anoitecer para investigar a cabana achando que não estaria mas ouvi sua voz...
- Tá certo, já entendi, vem logo!
A dupla saíra da cabana em ritmo acelerado. O lobisomem vinha logo atrás, mas parou na entrada rosnando com saliva pegajosa pingando e os olhos vermelhos pulsantes. Logo voltou a persegui-los.
- Ele é extremamente rápido, não dá pra fugir. - disse Carrie parando com Frank.
- Tem uma .40 aí? - perguntou Frank.
- Tá na mão. - disse Carrie, entregando. Frank disparou inúmeras vezes com a aproximação do lobo que desviava dos tiros com supervelocidade feito uma sombra - Carrie, foge! Distraio ele!
A assistente, sem escolha, acabou fugindo numa direção aleatória. Nenhum tiro era eficaz.
A arma fez "click click" indicando falta de munição.
- Cacete. - disse Frank, vendo o lobo partir para cima dele. Ambos acabaram caindo e rolando por um barranco. Nesse tempo o lobo persistia em morder o detetive enquanto ele tentava afasta-lo.
Enfim pararam numa área não-íngreme. Frank pôde chuta-lo para longe e assim levantar.
O lobo reergueu-se, rosnando feroz.
- Que cachorrão você hein. Espera um minuto... - disse Frank, notando algo curioso - Teria cravado os dentes em mim quando pulou. - ainda estava usando o colar de presas - Esse é tipo carne crua pra você né? As almas dos seus amigos de matilha estão aqui. - retirou-o - Você não me quer. Isso que dá ser um vilão muito confiante. - esticou o braço com o colar ameaçando joga-lo no mar abaixo.
O lobisomem aproximava-se devagar.
- Você quer os dentinhos? Vai pegar, totó! - disse Frank, jogando o colar. O lobo, por instinto, pulara na esperança de pega-lo com a boca. Frank o assistiu cair no mar meio revolto.
Carrie vinha quase deslizando pelo barranco.
- Frank! O que aconteceu?
- Carrie... Você tá bem?
- Agora que finalmente te achei e vencemos um lobão faminto, não podia estar melhor.
- Provavelmente vai morrer se afogando. - disse Frank - Jurei pra mim mesmo que... ma manteria de fora pelo tempo que eu passasse.
- E quanto tempo seria? Meses? Anos? O resto da vida? Isso te mostrou que é impossível fugir de quem você realmente é. Quis largar o sobrenatural, mas ele não larga de você.
- É, tem razão. Ignorei tanta coisa... sem pensar que estava sendo tão egoísta.
- Eu ia dizer o mesmo. Três meses em Danverous City sem Frank... tudo virou um caos. Até nossas vidas. O diretor vai ter um treco quando te ver. E aí? Você tá com a gente?
- Pensaram que eu estivesse morto né? Tudo bem, eu... prometo contar tudo. Eu fiz besteira.
***
Danverous City - DPDC
O diretor Duvemport colocava mais um pouco de uísque no seu copo e virou num gole.
- Nossa, esse aí é ardente feito um vulcão. - disse Frank na entrada da sala.
- Suma daqui, Frank. Não vai gostar se eu te jogar sal grosso.
- Que eu me lembre não tem sal na sua dispensa. Se vira pra cá, chefinho. Teu melhor funcionário... está finalmente de volta. Vivinho da silva.
Ernest virou-se e deixou cair o copo que quebrou-se. Carrie apareceu logo depois sorrindo.
- Wood, sua danada. Sempre conseguindo tudo que quer.
Os olhos de Frank lacrimejaram. Abriu os braços em boas-vindas. Ernest foi ao seu abraço.
- Bem-vindo de volta, amigo.
- Sou muito grato aos dois, sempre serei. Somos uma equipe. - disse Frank, emocionado - Me perdoem. Minha cabeça tava meio ferrada. Tem um motivo e vocês saberão.
- O bom filho à casa torna. - disse Carrie.
Frank suspirou sentindo a felicidade ao retornar para a cidade que necessita da sua função.
- Tá na hora de seguir em frente.
*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: http://mundotentacular.blogspot.com/2017/06/a-noite-do-cao-negro-uma-lenda.html
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