Frank - O Caçador #42: "Jornalista da Pior Espécie"


Somente uma única noite ao ano, pelo menos, Frank desejaria passar completamente desobrigado a caçar monstros. Não era uma noite de folga, mas sim extremamente inusual. Com o tempo livre demais para ser gasto com tédio, o detetive, de camisa branca e calças jeans, foi à cozinha sentar-se à mesa trazendo seu laptop para checar e-mails de dias, semanas ou meses não lidos e correspondidos. Mas seus dedos mal tocaram nas teclas após uma lembrança ressurgir. Daquelas que "explodem" na mente fazendo se dar conta do quanto havia esquecido. Frank deu um sorriso fechado e digitou o nome do seu canal no GoTuBe, o aposentado The_Hunter. Lembrou de quando largou o canal onde postava áudios com voz sintetizada incorporando um personagem que jurava caçar monstros reais pelo mundo. 

A época do hiato foi exatamente a que teve de ir à Vanderville matar a besta com a ajuda de um dos seguidores que lhe fornecesse a senha de um cofre contendo a arma e a bala específica para o ato. Navegou pela página, saudosamente rememorando, embora a motivação daquele trabalho fosse meramente pretensiosa. Focou numa aba de notificações que indicava mensagens privadas que podiam ser enviadas por seguidores ou pela plataforma. 

Clicou no "+1" perto do ícone de sino. 

"Olá, Sr. The_Hunter, a pessoa que vos escreve é Penny Carter, redatora da Gazeta Danverous. Assisti... digo, ouvi todo o seu material liberado até a data 15 de setembro de 2017. Ainda não sei que razão surgiu pra não produzir mais nada desde então, mas tô ávida pra descobrir. Seria pouco pra viabilizar meu trabalho, então meu objetivo vai além do que uma típica ouvinte pediria. Você tem 24 horas para conceder uma entrevista exclusiva comigo, pessoalmente (o endereço está no final). Se dentro do prazo não der sinal de vida, mando um especialista de carteirinha pra identificar o IP do seu dispositivo. Desafio aceito ou negado? Perguntinha retórica. Sei que a resposta virá mais cedo ou mais tarde. Espero que bem cedo, claro"

Embasbacado, Frank quase ficou boquiaberto ao ler a mensagem da repórter, trazendo de volta à tona um dos piores temores que o assombravam. "Essa pentelha não me deixa escolha e ainda chama isso desafio?! É pra acabar mesmo.", pensou ele, tenso. Sem pensar duas vezes, Frank acessou as configurações do canal, clicando em "Deletar". O The_Hunter desaparecera da internet num segundo. Entretanto, tomar a decisão não aquietou os nervos de Frank nem um pouco.

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CAPÍTULO 42: JORNALISTA DA PIOR ESPÉCIE

Departamento Policial de Danverous City

Frank sempre respeitou a principal regra para quando fosse entrar na sala particular de Carrie: apenas assuntos que pediam urgência máxima. A assistente ergueu o olhar, tirando sua concentração de alguns relatórios para prestar atenção na postura visivelmente insegura que ele manifestava. 

- Você parece meio afobado. O que houve? 

- Meio? Eu tô à beira de um surto psicótico. - disse ele, sentando-se na cadeira para restituir a calma - A minha vida tem dessas piadinhas irônicas: A noite em que eu passaria sossegado, de boa na lagoa, sem voltar pra casa cheirando à carniça de monstro, foi justo a que mais penei pra conseguir dormir. 

- E olha que é difícil imaginar como você deita a cabeça no travesseiro com a rotina que leva. Esse problema tem que ser no mínimo pior que um monstro casual pra tirar seu sono. - disse Carrie, ansiosa para saber - Bem, você encarou o próprio diabo no mês passado, mas nunca te desestabilizou assim.

- Sabe o canal que eu tinha no GoTube? Onde eu postava os áudios que eu gravava sob o nome de The Hunter? - perguntou, fazendo uma longa pausa, mordendo os lábios pelo arrependimento instantâneo que sentiu no momento de destruir seu canal - Eu revisitei ontem pra matar a saudade... E li uma mensagem escrita por uma repórter da Gazeta Danverous, uma tal de Penny Carter, que me intimou a dar entrevista. 

- Não leio a Gazeta Danverous com frequência, embora esse nome não me soe tão desconhecido... 

- Lá vem a pior parte: Se não me apresentar dentro de 24 horas, ela rastreia o IP do meu laptop. 

- Você pelo menos viu a data? 

Frank tentou vasculhar na sua memória perturbada pelo nervosismo. 

- Pior que não. Deletei o canal sem nem me tocar nisso. - disse, xingando mentalmente a si mesmo - Cacetada. - deu uma batidinha na mesa. 

- Uma coisa é certa: ela quer te expor publicamente, se estiver disposta a levar isso pra uma direção mais obsessiva, e eu teria cuidado se fosse você. E uma coisa provável: Ela talvez seja uma bravateira de marca maior, se limitando à chantagens que parecem impossíveis de ceder. Se a mensagem provavelmente for de dois anos ou de semanas atrás, sei lá, ela não cumpriu a palavra. 

- Não, isso não tá com cara de blefe. Posso não ter percebido a data, mas... Sei lá, a intuição diz que em todo caso eu devo me preparar pra tirar essa pedra no sapato. 

Ernest chegara de inesperado à sala, juntando-se ao papo. 

- Receio que Frank esteja desabafando a crise dos seus pesadelos. 

- Boa definição. - disse Frank - Resume muito bem o que tô passando agora. 

- Espera, você contou à ele primeiro? - perguntou Carrie, enfezada - Podia ter nos chamado em vez de... me deixar por última. Pensei que eu fosse a primeira a quem fosse recorrer. - forçou uma carinha triste - Chateada. 

- Olha, por mais insano que pareça, eu tô cogitando recorrer ao superintendente pra limpar minha barra. 

- Não! - disseram em uníssono em alto e bom som. Frank surpreendeu-se com a negação. 

- Mas ele tá conspirando a meu favor no que diz respeito à minha vida secreta. 

- Nem sabemos se essa fuxiqueira tem relações escusas com a ESP. - disse Carrie, considerando alguns palpites - Por via das dúvidas, o superintendente não, ele não. 

- Acho que Wood e eu teorizamos o mesmo: uma arapuca pra tirar você do jogo. Essa fundação quer disputar terreno com você. Te forçar a ficar nas sombras, desistindo de caçar, pra que os integrantes dela ajam livremente no combate às paranormalidades. É uma teoria plausível, convenhamos. 

- É sério, Frank. Pensa noutra estratégia porque essa é definitivamente fora de questão. - disse Carrie. 

- Beleza. Sobra um último recurso. - disse Frank, respirando fundo - Existe apenas um caçador vivo que conheço que não tá na minha lista de contatos. O nome dele é Marcel. Deve morar ainda no mesmo canto. Vou ver se ele topa minha proposta. 

                                                                                    ***

O trajeto até a casa onde Frank supunha que Marcel ainda residia havia sido muito desgastante pro tanque de combustível do seu sedã prata para no fim descobrir que não ele não vivia mais lá. A casa ficava numa área suburbana com várias residências de aspecto modesto e uma rua sem muito tráfego de pessoas ou carros. Deu batidas na porta com os dedos por não ter visto nenhuma campainha. 

Vários ruídos de trancas sendo retiradas depois, a porta abriu-se lentamente. Frank não conteve seu sorriso fechado de satisfação ao rever o amigo. 

- Tá brincando comigo... - disse Marcel, incrédulo ao vê-lo. O caçador parecia ter uma diferença pequena de idade para com Frank, exibindo uma calvície meio avançada que o deixava com uma aparência mais velha e usando camisa de flanela azul, uma vestimenta comum dos frequentadores do seu antigo bar de motociclistas e também em relação aos caçadores que vinham encher a cara para comemorar um dia de folga das missões ou um feito inimitável contra um monstro nunca caçado - Frank Montgrow, o tempo lhe fez muito bem. - deu um sorriso aberto - Continua fisicamente invicto. 

- Sabe que você também não tá nada mal? Digamos que o tempo foi piedoso com a gente, apesar da nossa profissão. 

- Olha pra minha cabeça direito e muda de opinião. - disse Marcel, apontando para sua calvície. 

Frank soltou uma risadinha. 

- É por não ter seguido meus avisos sobre usar boné durante as caçadas. O estresse forma um combo destruidor. 

- Mas e aí, qual é a boa? Pra depois de séculos sem nos ver, você vir aqui, mesmo sem saber direito se eu ainda morava aqui... Significa que o negócio é bem mais profundo do que só rever um velho amigo.

- Se tiver a gentileza de me convidar pra entrar, fica mais fácil. - disse Frank, bem-humorado.

Marcel dera passagem ao detetive e o chamou para sentarem juntos na mesa da sala próxima de uma janela. 

- Seu monstro é uma mulher?! Já pode ir desistindo. - disse ele, tomando um gole de cerveja. 

- Não cara, é sério. Na verdade, mais do que você pensa. A tal mulher é uma jornalista da Gazeta Danverous, tá afim de jogar a merda no ventilador. Em outras palavras: Botar a boca no trombone sobre eu caçar monstros. Isso me fez refletir que ter criado um canal de vídeos foi um erro. Acabei me expondo. Eu devia saber que em algum momento alguém não interpretaria como um mero personagem. 

- Devia criar um livro com mandamentos de como agir e não agir sendo caçador. - sugeriu Marcel - Claro, você ia distribuir entre a galera que manja do assunto. 

- Acho que esse livro não teria um público muito grande. Os caçadores estão cada vez mais escassos.

- Ué, por que? Restaram tão poucos? Foi por isso que veio até mim? Sei que nunca meu número de contato e desculpa por nunca ter dado. 

"A resposta é simples: Eu matei quase todos que eu conhecia.", pensou Frank que nem cogitava responder dessa forma. 

- Vamos voltar à questão da invasora de privacidade: Preciso que me faça um favor pra tirar ela do meu caminho. Mas não é pra liquidar com ela. Só quero convence-la de que está errada. 

- Pra que servem os amigos caçadores senão prestar favores? Manda aí. 

- Você podia... se passar pelo The_Hunter enquanto faz uma entrevista com ela? 

O olhar de Marcel direcionado à Frank mudou drasticamente após a pergunta.

- Peraí, pensei que eu fosse te ajudar nos bastidores, não carregando nas costas um problema seu.

- Tava aberto a favores, não falou que tinha exceções. - retrucou Frank, incomodado com a recusa - Se liga, cara: Ela vai rastrear geograficamente o IP do meu laptop se eu resolver não ir à casa dela. - retirou de um bolso um papelzinho com o endereço anotado - Tá aqui. - pôs na mesa. Marcel pegara, não gostando nada da ideia - Amigo que é amigo carrega o fardo do outro se for preciso pra salva-lo. 

- Olha Frank, tô de acordo contigo, mas não sei não... Se essa mulher for tão ameaçadora quanto você faz parecer, nenhum de nós tem que embarcar nessa. É complicado, eu sei, mas entra em contato com ela por e-mail... 

- Se ela forneceu apenas o endereço da casa dela, tá muito na cara que ela não tá disposta a uma conversinha online. - argumentou Frank, estreitando os olhos para Marcel - Ela quer frente à frente, olho no olho, senão me ferra e pode até colocar em risco a segurança nacional e a dela própria. 

- Por que ela sairia perdendo? 

- Tem uma organização cabulosa de olho em mim que deseja manter o sobrenatural o mais oculto possível da humanidade. Uma vez que a Penny expor todo o meu trabalho pra qualquer veículo de mídia, é o fim da minha carreira e provavelmente da vida dela que vai ser colocada na lista negra dos caras que comandam a bagaça Será que dá pra assimilar o nível da situação em que me meti?

- Confesso que isso é bem chocante... Mas ainda assim, melhor me deixar de fora. 

- Poxa cara, não suja comigo assim... Basta disfarçar, saber construir uma atuação. 

- Falar é fácil, né? Não queria te desapontar, eu te considero quase como... um primo distante. 

- Primo distante, é? Não tenho o mesmo valor de um irmão? 

- A intimidade que tínhamos naquela época se perdeu um pouco no tempo. Você costumava ser mais brincalhão. Não mudei tanto de uns anos pra cá. Aquela coragem escorreu pelo ralo... 

- Entendo que pense ser uma armadilha... Mas somos poucos na cidade hoje. Não faria esse sacrifício pelo caçador que tá mais ativo tentando limpar as ruas de monstros que nunca param de aparecer? 

- Frank, tive uma ideia. Uma excelente ideia, por sinal. - disse Marcel, aparentando confiança - E se criássemos um monstro falso ao invés de mandar alguém com identidade falsa até ela? Pra convencer a intrometida de que monstros não são passam de lenda, eles são... simplesmente pessoas fantasiadas. 

- Que nem no Scooby-Doo? 

- É, que nem no Scooby-Doo! Tirou as palavras da minha boca. - respondeu Marcel, animando-se bastante - Funcionaria desse jeito: Você aceita a entrevista e dá permissão pra ela te acompanhar numa investigação que envolve mortes de pessoas mentirosas compulsivas, o que nos traz à lenda do Inquisidor. 

- Nunca ouvi falar nesse. - disse Frank, ficando com um pé atrás quanto ao plano. 

- A maioria do caçadores o conhece pela lenda urbana. E te asseguro - apontou o indicador direito para Frank - que é 100% lenda. Não existe histórico de nenhum caçador que tenha chegado a caça-lo. 

- Bem, os arquivos do meu pai tem uma abundância de criaturas que de fato ele e muitos caçadores já trombaram na vida. Mas você tem a mais absoluta certeza de que o Inquisidor é pura invenção?

- Palavra de caçador veterano. É pura historinha pra assustar crianças. Tô contigo nessa trincheira, Frank. Já tenho até a fantasia. A usei em todas as festas de Halloween que pude ir quando mais jovem.

- Tá depositada a fé nessa tua estratégia. - declarou Frank, assentindo - Vamos criar uma boa farsa. Boa o suficiente pra jornalista de araque sair do meu pé. 

                                                                                  ***

O detetive mandara uma mensagem para o e-mail de Penny, disponível na coluna dela na Gazeta Danverous, avisando de que estava pronto para a entrevista, tendo recebido resposta praticamente imediata de agradecimento prévio. Frank desceu do carro e visualizou a casa da jornalista: dois andares, fachada branca bem projetada e janelas grandes, além de um jardim diversificadamente florido. 

Tocou na campainha uma só vez. Nem precisou aguardar mais que um minuto para ver a porta abrindo.

- Olá, boa noite. - disse Penny, de modo gentil. Ela era uma mulher do tipo que atraía cortejos e olhares interessados. Em suma, uma loira de "parar o trânsito" exibindo pernas torneadas, um corpo esbelto e um rosto magro emoldurado por cabelos num tom de loiro que causavam boa impressão aliado ao tom moreno da sua pele. Seus óculos pequenos de grau lhe davam um ar "professoral". Penny ajeitou as mangas do casaco bege e elevou um pouco sua saia ao bater os olhos em Frank. 

- Oi... Você é a Penny Carter? 

- A própria. Presumo que seja... o The_Hunter. É você mesmo? - indagou com uma face meio maliciosa. Frank se desconfortou com a postura dela. 

- O próprio. - respondeu ele - Acho que essa entrevista não vai tomar muito do seu tempo. Sou de poucas palavras. 

- Hum, é meio tímido. Meu propósito como coletora de informações não vai exigir muito jogo de cintura da sua parte. Prometo. Vamos entrando?

Frank adentrava no interior praticamente luxuoso da casa, embora não espaçoso como uma mansão. Na sala de estar, Penny ativou o gravador de voz no celular pondo-o na mesinha de mogno e sentou-se no sofá diante do que Frank estava. 

- Podemos iniciar? 

- Quando quiser. - disse Frank, tranquilo e sério, mas por dentro guardava uma ânsia de ir embora.

- Como se deu o primeiro contato que despertou o interesse por seres fantásticos? 

- Depende que seres são esses. 

- Não me refiro à criaturas específicas, mas tudo o que engloba o universo sobrenatural. Como nasceu esse... fascínio por seres mitológicos que povoam o imaginário coletivo há séculos? 

- Eu fui um adolescente normal que curtia ouvir lendas urbanas, ver filmes de terror, principalmente aqueles com assassinos em série que são praticamente imortais, perseguem uma turma de jovens e sempre deixa uma loirinha pra matar no final. - disse Frank, enfatizando a última característica desse gênero de filme como uma provocação indireta à Penny - Foi o ponto de partida pra traçar o rumo da minha profissão. Daí cursei criminologia e investigação criminal na universidade por cinco anos, fui diplomado e passei por vários departamentos até ser sondado pelo DPDC e finalmente obter uma vaga.

- Então monstros sempre fizeram parte dessa rotina profissional? - perguntou Penny já despertando irritação em Frank. 

- O mais próximo disso são psicopatas assassinos fantasiados. Aquilo que é postado no meu canal não tem nenhuma relação com meu trabalho de fato. Tudo que compartilho são histórias, os meus seguidores compreendem totalmente que o caçador de monstros não é uma pessoa real. 

- Algum motivo especial para ter lançado o canal? 

"Especial sim, só que não é da tua conta", pensou Frank, segurando sua apreensão. 

- Nada além de compartilhar meu gosto por assombrações com quem se entusiasma com isso. 

- Deixe-me colocar em pauta um áudio em particular que na verdade é uma entrevista com uma suposta caçadora de vampiros chamada Natasha. Lembro que no final comentam sobre uma viagem que fariam juntos à Inglaterra. Vai dizer que ela prende bandidos que se fingem de vampiros? 

- Natasha é um pseudônimo de... - tentou inventar um nome em questão de segundos - ... Evangeline. 

Penny o fitou um tanto séria com olhos estreitados, denotando suspeita. Frank continuava engabelando.

- Ela também é investigadora como o senhor? 

- Sobre ela, especificamente, a fixação dela é por vampiros, ela gosta até daquele lá que brilha no sol. E é policial federal em Manchester. Nossas semelhanças se limitam à isso. Menos na parte do vampiro que brilha. 

- A viagem foi à trabalho? Você recebeu autorização para atuar em território estrangeiro? 

- Não tínhamos um caso pra resolver juntos, digamos que... fomos pra nos conhecer melhor. 

- Ah sim... entendi. - disse Penny, arqueando uma sobrancelha - Nenhum vampiro atrapalhou esse relacionamento, né? 

- Tenha certeza de que não. - respondeu Frank, tirando da cabeça imagens de si mesmo ao lado de Natasha num clima romântico ou mais picante - A meta do meu canal era apenas divertir o público, fazê-los viajar na imaginação. Quantos criadores de conteúdo desse tipo não tem por aí? Não quero te desmerecer ou colocar seu profissionalismo em dúvida, mas você tá querendo enxergar pelo em ovo. Vampiros, lobisomens, demônios, fantasmas, entre outros, tudo isso é invenção. 

- Acha que isso é um bom argumento pra confrontar a minha falta de ceticismo? Eu sei ler pessoas por cada linha de expressão. Face, voz, tons, sinais corporais... nada foge à minha análise friamente desenvolvida. Posso dizer com exatidão que o senhor transmitia verdade em muitas falas. 

- Aí que você se engana. Talvez você não seja tão eficiente nessas leituras de expressão. Conheço peritos bons nessa área no DPDC, se quiser umas aulinhas posso te apresentar um deles. 

- Agora chega. - disse Penny, estourando a paciência - Não admito que coloque em descrédito o meu trabalho ou o que estiver interligado à ele. O senhor preserva um segredo que acredita, com muita ingenuidade, ser inviolável. Podemos fazer isso à noite toda. Fiz bastante café pra nos manter despertos.

- Dispenso o cafezinho, tenho uma ideia melhor. - disse Frank, ficando de pé - O que acha de ser minha acompanhante numa investigação que ando conduzindo há uns dias? A mídia não tá dando a mínima, mas estão ocorrendo mortes de pessoas que tinham histórico de mitomania, sabe, o transtorno do mentiroso compulsivo. 

Penny engoliu a saliva com um semblante de tensão contida. O detetive notara tal sentimento. 

- Quer que eu acompanhe de perto uma das suas aventuras? 

- Aventura não, eu não sou um super-herói. Sou um policial comum que age na forma da lei pegando criminosos que usam e abusam de lendas sobrenaturais pra se acharem os fodões. 

- E quem é o monstro da vez? 

- Ainda bem que você perguntou quem. 

- Quis dizer... Qual o monstro da vez? 

O suspiro pesado que Frank deu foi longo o bastante pra transparecer seu cansaço diante da repórter.

- Um assassino brutal que lendas urbanas chamam de Inquisidor. Dizem que ele vem das profundezas do Inferno pra punir os mentirosos. Resta descobrir se é autêntico ou um disfarce. 

- Então estamos conversados. Pode contar comigo. - disse Penny, estendendo a mão esquerda amigavelmente. Frank a apertou com a mão direita - É só me contactar que venho direto para a ação. 

Não se importando se ela detectaria ou não, Frank exibiu um ar de desconfiança severa, não sabendo definir se tê-la tão próxima numa experiência de campo a colocaria em perigo ou se ela era o perigo. 

                                                                                ***

Departamento Policial de Danverous City

Carrie não se assustara com Frank entrando sem aviso na sua sala, já prevendo sobre o que se tratava. 

- Como foi ontem sendo interrogado pela enxerida? 

- Ela concordou em cobrir minha investigação. Aliás, falsa investigação. - disse o detetive, sentando-se na cadeira - Mas pra resumir, foi um perrengue pra conseguir passar honestidade. Pior que ela ainda por cima se disse "leitora de pessoas"- falou fazendo aspas com os dedos -, capaz de pegar alguém na mentira só pela linguagem corporal. Ou ela quis pagar de boazona ou não fui muito convincente. 

- O fato dela ter aceito pra mim já indicaria que ela quer pelo menos acreditar em você. 

- Que nada. A proposta serviu pra deixar ela mais empolgada. Não tô safo por causa da ideia parecer brilhante. Você pesquisou sobre o Inquisidor, né?

- Tudo o que consta nos sites mais famosinhos da web de contos e lendas sobre ele garantem que a invocação pra selar um contrato não funciona de verdade. - disse Carrie, conferindo na tela.

- Ah, era de se esperar. O Inquisidor é um desses personagens que ganham filmes de baixo orçamento. 

- E somando à palavra de Marcel de que não tem registros concretos de caçadores em relação ao Inquisidor, é bem possível que estejamos, pela primeira vez, falando de uma entidade irreal. Esse seu amigo até que é genial. - concluiu Carrie - Porém, pesquisando, cavocando e xeretando o passado jornalístico da senhorita Carter... - ela clicou numa aba e virou o monitor para Frank - ... sabemos que ela é acusada de propagar notícias falsas sobre políticos e artistas, sem nunca ter levado um processo nas costas por alegação de "direito de imprensa à retratação anterior a qualquer ação legal imediata". 

- Caramba, se ela nunca foi punida por se retratar... Ela tem um poder de convencimento sobrenatural.

- Ou um poder de persuasão que uma boa mentirosa sabe dominar. Então eis a dúvida: Tá mesmo disposto a levar uma mitomaníaca pra reportar uma investigação falsa que faz parte de um plano que usa de mentiras para que o seu segredo sobreviva? Independente do que disser ou fizer, ela não quer provar a teste dela, quer distorcer a verdade a qualquer custo. Tô atualizando a coluna dela na Gazeta Danverous o tempo todo. 

Alguém batera na porta e a assistente permitiu a entrada. 

- Pode entrar. - disse Carrie, sem a menor ideia de quem fosse. Frank quase se engasgou com a própria saliva ao ver Penny Carter abrir a porta e se mostrou nervoso e retraído. 

- Me disseram que o senhor estaria aqui. Precisamos conversar a sós. 

- Vou tomar uma aguinha e volto já. - disse Carrie, saindo às pressas. 

- Carrie, não me deixa aqui... - disse Frank em voz baixa, passando a mão no rosto. 

- Detetive Montgrow, quero que me esclareça em detalhes um ponto que ficou pendente na entrevista.

- Não temos nada pendente, a não ser a promessa que fiz de dar espaço pra sua cobertura. 

- Ah, temos sim. O que me diz do seu canal ter sido deletado um dia antes do nosso encontro? 

Os pelos de Frank se eriçaram. Uma desculpa instantânea perigava não salva-lo. 

- O quê? - fingiu espanto, olhando-a com face de medo - Me-meu canal... Apagaram meu canal?

- Exato. Tente me convencer de que não é uma estranha mera coincidência. 

- Eu não fiz isso, não apaguei meu próprio canal. 

- Enviei a mensagem três dias antes. Por que fez isso?

- Não fui eu! - vociferou Frank, assustando-a - Desculpa... - deu de ombros - Hackers, talvez?

- Sua raiva denuncia a culpa. A verdade irá aparecer em breve, detetive. O Inquisidor nos espera. - disse Penny, logo virando-se para sair da sala. Frank fechou os olhos, atordoado com a pressuposição cada vez mais crescente da repórter. 

                                                                            ***

Na noite daquela quarta-feira turbulenta, Frank cruzava uma rua com seu sedã prata e tratou de ligar para Penny na intenção de enveredarem logo para o acordo que fizeram. 

- Novidades sobre o caso Inquisidor: mais uma vítima encontrada morta perto de um galpão industrial. Onde você tá?

- Indo pra casa, meu expediente acabou meio cedo hoje. Apenas diga o endereço. Se chegar antes, me espere. 

- OK. Ah, tem relato de uma possível testemunha ocular que flagrou o assassino torturando a vítima. Mas pra matar sua curiosidade, vou te falar de uma vez onde fica. 

Para a surpresa do detetive, Penny chegara primeiro, cerca de 15 minutos antes. O carro de Frank parou em meio ao vapor de água que saía dos bueiros. A repórter o esperava calmamente, parada próxima a uma grande torre de internet. O galpão, ainda numa fase de construção, estava bem atrás dela, enorme e escuro. Os dois cumprimentaram-se e seguiram para uma entrada sem serem vistos por supostos seguranças. O telefone de Frank tocou no momento em que adentravam nos arredores para localizar a área na qual ocorreu o assassinato. Frank xingou mentalmente o aparelho e Penny estranhou. 

- Será que dá pra esperar um minutinho? Vou indo ali atender essa ligação. 

- Por que não pode atender aqui mesmo? 

- O sinal não colabora muito. - respondeu Frank, detestando ter que soltar uma nova desculpa para driblar o faro investigativo da repórter. 

- Não tive nenhum problema com o sinal por essas bandas. - retrucou Penny, ainda mais desconfiada. 

- A minha operadora é clandestina. - justificou Frank - Se me der licença... 

- Vai me deixar sozinha enquanto um assassino pode estar rondando e à espreita pra dar o bote? 

- O que foi? Você faz o tipo dele? - perguntou Frank, não querendo saber o que ela responderia, indo atender a ligação de Marcel. O detetive dobrou para o outro lado do galpão entre as nuvens de vapor. Penny esquadrinhou os arredores pouco iluminados e tendo a curiosa sensação de que algo sairia das trevas a qualquer instante para engoli-la. A indagação de Frank a levou para um pensamento que começou a atormenta-la. 

Penny escutou barulhos mais à frente e uma coragem tirada de algum lugar do seu âmago a moveu. 

Se dirigiu para barris de lata que pareciam formar um labirinto. 

- Quem está aí? - perguntou em voz alta. Um dos erros mais frequentes e grosseiros de potenciais vítimas. De repente, uma figura tenebrosa surgira diante dele saída do escuro. O homem com uma máscara parecendo ser feita de concreto mal acabado com um par de olhos negros e raivosos veio armado com um taco de beisebol com espinhos metálicos. Penny soltou um grito agudo. No entanto, algo batera fortemente na cabeça do falso Inquisidor, uma pancada tão precisa e violenta que deixou-o inconsciente. A repórter nada mais entendi - O que tá havendo? - olhou para o falso Inquisidor caído desacordado e depois para seu agressor - Oh meu Deus... - seus olhos arregalaram-se em puro horror. As luzes fracas dos postes iluminaram o real Inquisidor armado com um porrete preto, similar a um taco de beisebol, repleto de espinhos, porém consideravelmente maior que o taco de Marcel. Ele esticou sua mao esquerda para agarrar Penny pelo pescoço que soltou outro grito estridente. 

Frank ainda tentava ligar para Marcel após a chamada cair misteriosamente. Mas ao ouvir o segundo e mais alto grito de Penny, disparou correndo. Foi até os barris e avistou um corpo deitado. 

- Penny! - chamou sem conseguir resposta. Voltou-se para o falso Inquisidor que logo notou ser Marcel fantasiado pelos acessórios claramente remeterem a um "cosplay" do verdadeiro - Marcel? - o tocou, verificando a pulsação - Ufa, ainda tá vivo... - tentou novamente - Marcel. 

O caçador despertava vagarosamente, sentindo dor atrás da cabeça. 

- Filho da mãe... - disse ele, pegando onde o Inquisidor lhe bateu e retirando a máscara.

- O que foi que rolou aqui? Cadê a Penny? 

- Eu lá vou saber. Cara, levei uma porretada tremenda. - disse Marcel, sacudindo a cabeça - Eu segui conforme nosso plano. 

- Me ligar sem aviso foi parte do plano? 

- A ideia foi minha, então tenho carta branca. Te ligar serviu pra deixa-la vulnerável, só isso. 

- Mas quem te botou pra dormir? - perguntou Frank, severo. - Tá com cara de que sabe. - aborrecido com o silêncio de Marcel, ele tornou a questionar - Marcel, quem foi? 

- Foi ele. - disse Marcel, bastante tenso - O Inquisidor. O desgraçado levou ela. Já era, não tem nada que a gente possa fazer pra impedir que ele trucide o corpo dela com a arma sinistra que ele carrega. 

- Ah, tem sim. E você vai me ajudar. - determinou Frank, obrigando-o por justa causa. 

                                                                           ***

Num depósito iluminado por uma fraca lâmpada fluorescente meio esverdeada e repleto de caixas e material de construção, Penny mantinha-se cativa amarrada pelos pulsos numa cadeira de aço sendo constantemente intimidada pela presença tenebrosa do Inquisidor que emitia um som cavernoso e diabólico na sua voz. A entidade balançava o porrete espinhoso, demonstrando a ânsia de utiliza-lo no que seria uma sessão expiatória dolorosamente reveladora. 

A jornalista imaginou-se desatando os nós e usando seu sapato de salto alto como improviso de auto-defesa. O medo profundo mitigava tal pensamento. Sentia na pele um arrepio nunca antes experimentado. O Inquisidor parou de circunda-la e rapidamente, de súbito, aproximou seu rosto ao lado do dela. Penny fechou os olhos com cara de choro para não encarar aquela face horrenda que parecia coberta de concreto sólido deformado. 

- Por favor, tira essa máscara. Vamos jogar limpo. - disse ela, a voz trêmula. 

- Você não tem direito à exigências. - redarguiu o monstro, o timbre demoníaco saindo do que ele chamava de boca - Afinal, não uso máscaras, diferentemente de vocês, insolentes e desonestos. 

- Gostaria de acreditar que por trás desse estilo bad boy, com jaqueta de couro, jeans rasgado e botas rebeldes, existe um homem perturbado com a vida que necessita de amor, carinho e afeto. 

- Eu tenho as razões mais sãs desse mundo para fazer o que faço. Por que não confessa suas mentiras?

- Quantas delas?

- Todas! - disse o Inquisidor num tom ríspido que elevou o terror em Penny. 

- Está bem... E-eu mentia pros meus pais quando criança. Se viam xixi na cama, culpava meu cachorrinho poodle que sempre dormia na cama comigo. E mais uma série de outras enganações que cometi adiante, principalmente na minha carreira jornalística. Quer que eu entre em detalhes, né? A minha vida depende disso. Lá vai: Fui paga para fazer denunciação falsa contra Sherman Faye, um deputado em ascensão na última eleição, ainda montando uma notícia falsa sobre um caixa dois na campanha dele que ninguém conseguiu desmentir, isso contribuiu pra sua derrocada nas urnas. 

- Mais... Mais! - pediu o Inquisidor, fazendo Penny tremer de susto. 

- Menti sobre uma cirurgia de emergência do prefeito. Expus dados falsos sobre um conluio de opositores contra candidatos à prefeitura que foram sequestrados. Ahn... 

- Parece que vou ter que apelar à moda antiga. - disse o Inquisidor, pondo-se diante de Penny e aproximando seu rosto horrível ao dela. Os olhos negros da entidade adquiriram um brilho vermelho, fixamente encarando os de Penny. Aquele olhar persistente funcionava para enxergar numa macrovisão as camadas da alma de uma vítima para certificar-se de que não restavam mentiras "inconfessáveis". 

- O que acabou de fazer? Senti uma coisa estranha atravessar meu corpo... 

- Não confessou tudo. - concluiu o Inquisidor - Não foi forte para lutar por sua vida e contrariar seu impulso pela mentira. - levantou seu porrete espinhoso, preparado para aplicar um único golpe fatal. 

A porta do depósito foi arrombada com um chute e Frank entrara com uma pistola na mão direita e um medidor de EMF na esquerda. 

- Quem ousa interromper a execução da penitência? - perguntou o Inquisidor, transtornado. 

- Esse coroa aqui que tá doidinho pra te encher de sopapo e bala. - disse ele, guardando o aparelho no bolso e contando apenas com a arma em punho - Vai lá, Marcel! 

Frank disparou um tiro contra o Inquisidor que não surtira nenhum efeito danoso. O assassino de mentirosos tentava golpeia-lo com o porrete, mas Frank desviou, atirando mais duas vezes. As balas ricochetaram no taco e acertaram as paredes. Guardando a arma, Frank partiu para um confronto mano-a-mano, levando o punho direito fechado contra ele, mas o Inquisidor defendeu-se com o braço esquerdo e dera uma cabeçada na testa de Frank que não o derrubou. A entidade o pegou pela gola do sobretudo e o jogou para um lado fazendo cair sobre uma estante de ferro.

- Quem é você? Amigo do detetive? - perguntou Penny. 

- Explico melhor depois quando a gente cair fora. - disse Marcel, fazendo suspense ao desamarra-la. 

O Inquisidor notou Penny e Marcel escapando pela porta correndo e prontamente foi ao encalço deles. Porém, Frank levantou-se, acertando um tiro no rosto cinzento e duro. A entidade virou-se irada para o detetive e ameaçou usar seu porrete com habilidade. Frank corre para a direita e a arma atingiu a estante, esmagando o ferro oxidado. Desviou de outro golpe, abaixando-se, em seguida desferindo um soco no peito dele, mas sentiu seus ossos da mão doerem. Dando um chute contra a barriga de Frank, o Inquisidor não perderia tempo para descer o porrete nele aproveitando que o derrubara. 

No corredor molhado e sujo, Marcel parou Penny pegando-a pelo braço esquerdo. A repórter julgou a atitude como rude e atrevida.

- O que tá fazendo? Me solta! - disse, tirando o braço da mão do caçador - Espera aí... Agora que me toquei. Suas roupas... - fez uma consideração surpreendente para ela - ... são parecidas com as do... 

- Verdadeiro Inquisidor. - completou Marcel - Você ficou brava porque te peguei daquele jeito... Vai ficar louca de ódio porque não vai sair com a verdade na palma da sua mão. - sacou velozmente uma arma do bolso e atirou no peito de Penny à queima-roupa.

Frank, vendo-se sem brechas para se levantar e fugir daquele próximo golpe do porrete do Inquisidor, aceitou a dor que aquilo lhe infligiria usando os braços para cobrir o rosto. 

- Na cara não, vai estragar o velório! - disse ele, os olhos fechados, pronto para receber a pancada. No entanto, houve uma certa demora. Depois uma demora um pouco mais longa. O detetive não via o Inquisidor em parte alguma - Sumiu assim... sem mais nem menos? 

O detetive saíra do depósito e metros à frente viu Marcel parado de costas e correu até ele. Ele entreviu algo entre as pernas de Marcel... as pernas de Penny caído no chão. Por fim, viu claramente a jornalista morta com uma mancha redonda de sangue na blusa branca. 

- Ela mereceu, Frank. - disse Marcel, sem remorso pelo ato - Tem que entender que fiz...

- Fez isso por mim?! - disse Frank, colérico, agarrando-o pelas gola da jaqueta e o pondo contra a parede - Você que invocou o desgraçado, não foi, seu verme? Fala logo! 

- Não banca o policial malvado pra cima de mim, Frank, por favor. Eu salvei sua vida, foi o único jeito. 

- Mentiu sobre o Inquisidor ser lenda, não contou sobre ter o invocado e ligou pra mim certo de que com ela sozinha a barra tava limpa pra você mata-la naquele momento. Tô errado? 

- Eu não pensei, nem por um minuto, que ele fosse trapacear. - declarou Marcel.

- Ah, claro, porque fazer contrato com entidade sombria é super de boas! Olha o que você fez usando o argumento de salvar minha vida! - virou o rosto dele para o corpo de Penny - Ela podia ser uma pedra no meu sapato, mas concordamos em salvar a vida dela mantendo nosso plano. 

- Tá vendo só a palhaçada? Não se ligou do quanto a gente é hipócrita? Criamos uma mentira para convencer uma jornalista mentirosa de que os monstros não são reais. No fim das contas, o que nós dois fomos além de se igualar à ela e à tantas outras pessoas que montam tramoias pra se dar bem? 

- Não somos iguais. A ideia foi sua, afinal. Eu apenas não tive escolha, nunca achei um bom plano no sentido moral da coisa. 

- Mas você aceitou e isso conta. Aquele que invoca o Inquisidor e possui um histórico longo de mentiras, também se torna vítima, a última vítima. Eu rescindi o contrato pra salvar sua pele, ele é durão, ia te fazer em pedaços. O único jeito era fazendo o trabalho dele. Mas como você mentiu na entrevista, e obviamente tem muita mentira na sua história, você iria ser o último a morrer na ordem. O invocador, o alvo e aquele que interfere na execução. Ele sente o cheiro da mentira de longe na pessoa.

Frank o largara, cansado daquela conversa. Retirou do bolso seu celular. 

- Isso aí, chama a polícia. Não tenho mais nada a perder. Prefiro passar anos na prisão sendo odiado por quem eu me importo do que passar impune pra virar vítima do Inquisidor que com certeza voltaria pra acabar comigo pela quebra de acordo se eu não fosse honesto sobre... o meu crime. 

Frank lançou um olhar que se resumia a um misto de repulsa com dó. 

- Não importa se me salvou, protegeu, me fez ganhar na loteria. Não importa. Se foi pelos motivos errados eu não perdoo ninguém. - disse o detetive, logo telefonando para a polícia e denunciar Marcel.

                                                                                 ***

Confessionário

Eu não sei bem ao certo se todos os seguidores continuam me dando moral, apesar do número de inscritos não ter reduzido. Esse canal passou um tempinho fora do ar, mas graças a um tutorial indicado por uma amiga pude restaura-lo. Não posto nada aqui há aproximadamente dois anos. E por que resolvi voltar assim de surpresa? Bem, aconteceu um lance que botou esse canal sob a mira de uma atenção indesejada, me forçando a deleta-lo. Não posso e nem quero detalhar. O irônico, nesse caso, de falar de honestidade é isso: Omitir fatos pra parecer que tudo está bem. Ainda temos o direito de guardar segredos, né? Eu só não sei se é correto usar a mentira como opção para mante-los a sete chaves. O que vocês acham? No mais, tentem ser mais honestos de vez em quando, mesmo que as circunstâncias te empurrem pra contramão. 

Desde que constatei uma coisa terrível sobre a besta de Vanderville, decidi parar de vez. Essa é a última vez que vocês me escutam falar. Adeus.

                                                                            -x-

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.


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