Frank - O Caçador #43: "Audiência com Radamanto"
A opulenta mansão de caráter gregoriano da influente e valorizada família Brodfuller parecia se agigantar para Frank à medida que ele se aproximava. O vento incomumente forte para uma noite sem lua balançou seus sobretudo marrom claro de detetive e a gravata azul-marinho enquanto ele caminhava, as folhas secas voando ao redor dele pelo gramado e a trilha de concreto. Subiu os dois degraus e apertou a campainha.
Um cortês mordomo, trajando um smoking preto com gravata vermelha, lhe atendeu segurando um pano no antebraço esquerdo. O homem careca de estatura mediana deu um sorriso fechado e gentil ao detetive.
- Boa noite, é o detetive que o patriarca contratou recentemente? Ele esteve à sua espera o dia todo.
- Sim, eu mesmo, muito prazer, Frank Montgrow, ao total dispor do seu chefe.
Ambos apertaram as mãos.
- Queira entrar, por favor. - disse o mordomo, abrindo mais a porta.
Seguiram por um corredor bem espaçado cujo piso cobria-se de um tapete preto e nas paredes vários castiçais acesos intercalados por pinturas renascentistas.
- Já vou logo adiantando que não tenho você como principal suspeito da morte horrenda que aconteceu aqui. - disse Frank, referenciando o clichê do mordomo geralmente ser apontado como o culpado de uma tragédia de morte numa família rica - É sério que o seu patrão acredita ter sido evento paranormal?
- Piamente. - disse ele, alisando o bigode do cavanhaque - Os detalhes físicos do assassinato dão a entender que não tenha sido acarretado por forças humanas. Uma fonte segura repassou ao patriarca que você seria a única pessoa certa.
- Fonte segura... Não cabe a mim perguntar sobre, né?
- Eu aconselharia que voltasse sua atenção totalmente ao caso evitando saber de motivos pelos quais o patriarca o escolheu. - retrucou o mordomo, um tanto duro. Chegaram ao fim do corredor: uma porta dupla com maçanetas de ouro - O santuário do rei. Não se acanhe, ele o deixará bem à vontade.
- Obrigado pela recepção. - disse Frank, satisfeito. O mordomo abriu a porta nos dois lados, dando passagem ao caçador. Entretanto, não se parecia em nada com o quarto suntuoso de um milionário septuagenário. Aliás, ele sequer estava presente. Frank olhou em volta o cenário semelhante a um tribunal judiciário às escuras - Ué, o dormitório do patrão é... um tribunal? - franziu o cenho, logo virando-se para o mordomo - Me explica que negócio é esse... - cortou a fala ao vê-lo fechar a porta com um sorriso malicioso na face - Que parada mais esquisita. O que diabos tá acontecendo aqui?
A luz de onde ficava o juiz acendeu-se de repente, revelando uma figura inteiramente preta como uma sombra materializada. Frank percebeu e virou-se para o juiz que vestia preto da cabeça aos pés com uma toga, tinha um rosto inteiramente coberto por um tecido negro como uma máscara e, por fim, uma chamativa coroa preta.
- Quem é você? - indagou Frank, já não gostando nem um pouco da atmosfera daquela situação - Onde eu vim parar?
- Está no tribunal que selará seu destino. - respondeu o juiz - Permita-me apresentar: Radamanto. - fez uma breve reverência com a mão direita no peito e a cabeça baixando um pouco.
O nome não soava estranho para Frank. Radamanto era um dos juízes dos mortos segundo a mitologia grega, filho de Zeus e Europa. Frank aproximou-se, corajosamente curioso. Radamento vira naquilo um ato de desafio à sua autoridade.
- Não se dirija até mim como um parelho. Sente-se no seu devido lugar. - apontou para o banco dos réus.
Frank se encaminhou ao banco dos réus e lá sentou-se. Apenas o fez por considerar a imprevisibilidade do juiz e da importância que seu nome evocava.
- Muito bem. Declaro aberto o julgamento de Frank Montgrow. - bradou Radamanto, logo batendo forte o martelo.
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CAPÍTULO 43: AUDIÊNCIA COM RADAMANTO
Se Frank demonstrava estar completamente confuso, já havia desistido de tentar entender a lógica justificativa para um julgamento que o condenasse por algum crime que ele não lembra de ter cometido.
- OK, meritíssimo, eu posso não estar na posição de fazer perguntas, mas...
- Sua função é aguardar a sentença que eu proclamarei com base no voto do júri. - disse Radamanto, apontando para um grupo de quatro seres similares à ele, porém não trajando togas e sim túnicas, à sua direita numa bancada.
- Mas com base em que acusação? O que eu fiz pra correr risco de ser condenado?
- As suas ações, boas ou más, ao longo de sua existência até aqui, serão os elementos que traçarão seu destino final.
- Destino final? - indagou Frank, desconfiado - Peraí, me deixa ver se entendi: Caso o júri determine que meus pecados prevalecem mais que minhas boas ações, vou ser sentenciado à pena de morte?
- Em ambas determinações, sua alma é transferida. Não prevê castigo físico para o cenário em que sua alma seja inocentada. Uma vez decretado o veredito, poderá ir para o Céu ou para o Inferno encerrando seu ciclo existencial. - explicou Radamanto. O juiz estremeceu ao ver Frank sair do banco dos réus - O que pensa que está fazendo? Você é réu, não pode abandonar livremente o lugar a que pertence agora.
- Desculpa, meritíssimo, mas desde que me entendo por gente sei que existe apenas um único juiz com direito de me julgar. - disse Frank, andando. Olhou por cima do ombro esquerdo - E eu tenho certeza que ele não curte usar toga e véu. Adíos. - falou, enfurecendo o juiz do submundo. O detetive abriu a porta para ir embora, contudo ao pensar que saíra do tribunal... viu-se novamente dentro dele como se tivesse entrado - Que loucura... - a porta fechou-se sozinha - Não tem como sair dessa merda...
- Bem-vindo de volta, Sr. Montgrow. Se arrependeu da sua desobediência? - questionou Radamanto, sarcástico.
- Você é um ser sobrenatural vindo do submundo que tá querendo me submeter às suas vontades sem meu consentimento. O mínimo que eu podia fazer, como o caçador que já saiu na mão com o diabo, era subir aí e te deitar na porrada, mas, pelo que eu acabei de ver, tá fora do meu alcance.
- É por essa façanha que este julgamento foi oficializado. O submundo nunca passou por uma crise como a que sofre atualmente.
- Ah, então a coisa saiu dos trilhos por lá sem o imperador na ativa. - disse Frank, retornando ao banco dos réus ao definitivamente admitir que não tem opção - Não que eu achasse que tava as mil maravilhas com ele no trono, afinal de contas... é do inferno que a gente tá falando. - sentara-se, mais comportado.
- Deve pensar que será julgado pela coragem de enfrentar o príncipe das trevas, embora não tenha você a de fato liquida-lo. Eu até mesmo cogitei julgar o verdadeiro conquistador do mérito.
- Tá se referindo ao Fred? O nefilim?
- Positivo. - disse Radamanto, a voz soturna soando mais fria.
- Mas por que me escolheram?
- Temos observado o valor que os centuriões atribuíram à você. Ao que indicavam, você era detentor da missão de eliminar o anjo caído ao invés do nefilim que usurpou seu propósito.
- Se eu tivesse cravado aquele tridente eu viraria o sucessor do capiroto, apesar de não saber disso na hora.
- Eles fizeram bem em omitir. - comentou Radamanto - É impossível fugir deste tribunal enquanto a sessão estiver em andamento. Começaremos agora. Que venha a primeira testemunha.
Uma porta alguns metros à esquerda de Radamanto abriu-se deixando uma luz branca e azulada, intensa e refulgente, atravessar e por meio dela uma mulher surgia. Frank quase caiu da cadeira vendo de quem se tratava. A moça de cabelos loiros ondulados vestia a mesma roupa de quando morrera. A ferida com mancha de sangue ressecado na blusa verde ainda expelia sangue.
- Isso é sacanagem. Tá, numa linguagem menos coloquial: É uma patifaria! Você é o juiz dos mortos, não dá pra entender porque resolveu me tomar como alvo do seu julgamento soberano e implacável. Então não acha melhor cancelar essa audiência e esperar eu bater as botas?
- Protesto negado. A sua verdadeira missão no plano terreno pode ter sido cumprida e você nem sequer percebeu. Viver mais é um anseio que de nada vale sustentar. Além disso, um homem que recebeu tamanha atenção de seres celestiais não deve ser tratado como uma vida qualquer.
- Não pode ser... Tô vivendo um pesadelo. - disse Frank, sem coragem de olhar nos olhos da jovem moça.
- Você matou essa mulher durante a caça a um demônio que ardilosamente brincou com as vidas dela e de sua irmã, a qual anos mais tarde impulsionou um plano de vingança para fazê-lo deixar sua cidade natal e manchar sua imagem. Em sua defesa, alegou que foi vítima de um engano por julgar que o demônio possuiu a testemunha, não havendo outra saída senão uma delas ser sacrificada considerando a astúcia do demônio de alternar entre ambas a sua possessão.
Ashley olhava séria para Frank, revivendo mentalmente a fatídica noite em que fora morta por ele.
***
Mary tocava segura nos ombros de Frank, ambos caminhando pelo corredor escuro, como se ele fosse seu guia que afastaria qualquer perigo que usasse a falta de luz a seu favor. Mary ainda sentia fortes dores no seu ombro esquerdo deslocado quando o demônio a atacara.
- Socorro! - gritou Ashley de algum cômodo.
- É a Ashley, aquele monstro talvez esteja machucando ela. - disse Mary, atônita - Esquartejando ela, molestando, qualquer coisa! Você não tem mesmo outra lanterna?
- A de reserva pifou total. - disse Frank - Você consegue ir sozinha pra direita? Eu vou pela esquerda.
- O meu ombro tá um bagaço, mas... acho que sim. Se eu a achar no quarto de hóspedes, eu te chamo.
- Beleza. Vai lá. - disse Frank, logo tomando seu rumo, enveredando pelo corredor mergulhado nas trevas. O detetive foi até a sala de jantar, depois à cozinha e verificou os banheiros por último, não vendo sinais de Ashley nem do demônio, muito menos odor de enxofre. Aquilo significava que Mary estaria na direção certa, portanto Frank correra para lá querendo ser mais rápido que uma bala. O quarto de Ashley ficava vizinho ao de hóspedes, embora Mary contasse que no se hóspedes ela de refugiaria melhor pois havia um armário para ideal para se esconder de um invasor de domicílios.
Mas ao chegar tivera uma surpresa que lhe impactou. Mary estava desacordada no meio do quarto enquanto Ashley estava aos prantos sentada num canto da parede.
- Ashley... O demônio passou por aqui e deixou a Mary inconsciente? - perguntou ele, tenso - Ou ele saiu dela pra continuar o esconde-esconde? Eu já me cansei disso, vou acabar com esse joguinho.
- Ela apenas entrou e... - deu de ombros - ... desmaiou.
Frank não processou a explicação como sendo convincente. Foi ver se o pulso de Mary estava normal, mas retirou um frasco com água santa, derramando sobre o braço direito dela. Nenhum efeito de ardência, fumaça leve e queimadura.
O detetive escutou barulho de vidro sendo espatifado próximo à ele e o instinto lhe avisou reagir um pouco tarde para reagir muito bem antecipadamente, pois estava pegando uma faca banhada a água santa ao pressentir o perigo. Ashley vinha com um gargalo de garrafa verde e tentou degola-lo, achando que ele estaria possuído. Porém, o detetive virou-se e segurou o braço esquerdo antes que a ponta de vidro rasgasse seu pomo de Adão e enfiara a faca impiedosamente na barriga da jovem.
Boquiaberta e expelindo sangue pela boca, Ashley baixou os olhos para a lâmina fincada no seu abdômen. Frank desencravou, aturdido após se dar conta do erro fatal. Mary despertava no momento e entrevia dois vultos, um de pé e outro cambaleante quase caindo.
O detetive percebeu Mary levantando e tremeu com o grito que ela emitiu ao ver a própria irmã sangrando bastante no chão e agonizando.
- O que você fez? - perguntou ela, furiosa, olhando raivosamente para Frank.
Mary correu para abraçar o corpo de sua irmã.
- Me desculpa, eu me confundi, eu pensei que...
- Sai daqui! - vociferou Mary, as lágrimas rolando - Sai antes que eu mate você, seu assassino!
***
- Nossa, aquela noite me devastou, meu coração sangra por aquele momento sempre que eu lembro. - disse Frank, finalmente tomando coragem para olhar Ashley - O demônio jogou sujo. Eu cometi dois erros: primeiro ao sugerir me separar da Mary pra procurarmos você e segundo pelo engano de achar que ele tinha possuído você naquela hora porque você claramente havia mentido, daí aproveitou minha guarda baixa pra tentar me matar pensando que eu estava possuído.
- Quando a Mary entrou no quarto eu vi uma sombra sair do corpo dela. - disse Ashley - Mas imaginei que não estivesse imune, então fiquei esperando você chegar para comprovar ou quebrar a cara. Achei estranho você usar derramar aquela água na Mary e isso bastou como prova, eu me precipitei. Passei a entender depois que parti. Você estava realmente confuso. E com minha reação impulsiva, pensou que o demônio estava me usando. De qualquer forma, uma de nós teria que morrer. Não cabia à você parar aquele monstro, você não é um super-herói com poderes de adivinhação. - uma lágrima caíra - Por isso que eu perdoo você, detetive. É um bom homem. Apenas foi tão usado quanto eu e minha irmã.
Frank sentiu o típico nó na garganta que acontecia com uma emoção poderosa.
- Eu testaria o exorcismo, mas notei logo de cara que eu não tava lidando com um demônio covarde e frouxo qualquer. Aquele ali era pura maldade, inteligência e sadismo. Dificilmente um exorcismo dá jeito nesses demônios, sobrando a única alternativa que é mata-lo junto ao hospedeiro. - fez uma pausa - Ainda não sei se sou digno do perdão, mas... Espero que fique em paz. Vá visitar sua irmã na cadeia de vez em quando, tocar o coração dela e expulsar todo o rancor vingativo que ela guardou por anos.
- É uma promessa. - disse Ashley, logo formando um sorriso sereno.
- Está dispensada. - falou Radamanto. O espírito de Ashley retornara à Eternidade pela mesma porta.
O júri dava seus votos ao caso e Frank os observava com apreensão.
- Que venha a segunda testemunha.
A porta novamente abriu-se com a luz branco-azulado resplandecendo. John Cober adentrava no tribunal.
- Ouvi uma voz chamando pelo meu nome... - disse ele. O médium virou o rosto e arregalou os olhos vendo Frank - O que está acontecendo aqui? Frank?! Isso é um... julgamento contra você? Por que?
- Ah, essa não... - disse o detetive, pondo as mãos no rosto - E aí, John? Como vai o pós-morte?
- Eu diria que... paradisíaco, no maior sentido da palavra.
- Sente-se. - ordenou Radamanto, austero. Cober se acomodou no lugar da testemunha - A decorrência da morte do Sr. Cober foi ocasionada por uma reação adversa por extração de força vital requerida durante um feitiço conjurado sob demanda de um bruxo para um propósito maligno. Anteriormente, Sr. Montgrow veio ao seu resgate abdicando da posse de um anel com uma esmeralda incrustada pela vida do Sr. Cober em troca. O bruxo antevia a morte do Sr. Cober como uma consequência fatal para a tarefa que o obrigou a realizar, porém o Sr. Montgrow demonstrou uma tremenda falta de perspicácia ao aceitar o resgate facilmente sem a menor desconfiança.
- Peraí, vai começar a marmelada, né? Em primeiro lugar, a morte do Cober me pegou completamente de surpresa, a Natasha tava comigo e tentou ajuda-lo quando ele teve a convulsão, e em segundo lugar eu tava com pressa de tirar o Cober dali temendo pela vida dele naquele exato momento, não podia subestimar o Clancy.
- Poderia ter interrogado o bruxo sobre a integridade do Sr. Cober estar ou não ferida. - retrucou Radamanto, parecendo exercer o papel de um promotor - Impondo algum sentimento de intimidação.
- Tá legal, eu não pensei nisso antes. Eu bem que gostaria de colocar o Clancy contra a parede, mas não me passou pela cabeça que o John sairia tão ferrado de lá mesmo parecendo tão bem.
- Eu não vou pedir desculpas por não ter sido forte o suficiente. - disse Cober - Aquele miserável queria sugar da minha habilidade até me exaurir completamente. Foi uma das piores experiências... romper uma fronteira que jamais deveria ser rompida, é algo sagrado. Não sei como não vim parar no inferno por cometer um ato tão amoral pra um homem sem escrúpulos como aquele.
- Sr. Cober, está dispensado. - disse Radamanto. O médium timidamente levantou-se do banco de testemunhas e acenou para Frank com um gesto de cabeça. O detetive retribuiu da mesma forma.
- Vai em paz, amigo. - disse Frank - Não tivemos a chance de uma despedida decente.
- Obrigado, Frank. Espero vê-lo por lá um dia, vivo ou morto. Adeus. - disse Cober, retornando à Eternidade sendo engolido pela luz. A porta fechou-se com um baque seco. O júri votava escrevendo nos papéis.
- Que se apresente a próxima testemunha. - disse Radamanto, batendo o martelo.
A porta reabriu e para deixar Frank ainda mais perplexo, David, o caçador com quem esteve preso na realidade alterada por Roman, entrava mostrando-se bem perdido.
- O quê? David? - indagou Frank, logo imaginando o caso que iria ser abordado - Meritíssimo, o senhor me provou que tá disposto a avacalhar com tudo pra cima de mim. É óbvio que sou culpado. E o senhor não devia perturbar o descanso das almas.
- Não questione a minha ética. - rebateu o juiz.
- Bela ética. A sua escola de magistratura tá de parabéns.
- Que diabos tá rolando aqui? - perguntou David - Frank? Dá pra alguém me explicar?
- Sente-se no devido lugar. - mandou Radamanto - Não tem direito a resposta à suas dúvidas, apenas testemunhar a favor ou contra o réu.
- Se me permite... - disse David, sentando-se - Frank Montgrow é o caçador mais pé no saco, egoísta, competitivo e arrogante com quem já cruzei. Ele quer monopólio porque é descendente de uma linhagem muito proeminente e famosa, ele se acha o maioral. Já posso ir embora?
- Não! - disse Radamanto, ríspido - O Sr. Montgrow matou você apunhalando-o na barriga usando de um argumento para impedir que você e seus companheiros não enfrentassem o anjo caído.
- Pois é, enfiou aquele taco de sinuca partido me empalando como se eu fosse um monstro.
- Não vou implorar pelo seu perdão, David. Foi a única maneira de te parar. Ou melhor, de salva-lo.
- Me salvar?! - disse David, exaltando-se - Nós podíamos ter ajudado você a dar cabo do diabo, mas não, você veio com a sua filosofia de "exército de um homem só" que trabalha melhor sozinho e tentou nos convencer de que estaríamos lidando com uma coisa maior do que a gente. Deve ser motivo de orgulho descender de caçadores lendários e se considerar imbatível pro maior monstro que já existiu enquanto deixa seus amigos na mão com o pretexto barato de querer protege-los. Você é um lixo.
Frank recebia aquelas palavras duras com aperto no coração.
- O discurso do Sr. Montgrow tem fundamento. - disse Radamanto. Frank o olhou como não tivesse escutado direito. David franziu o cenho, contrariado - Ele não foi individualista ao tentar afasta-los da ameaça do anjo caído, tendo plena ciência de que não estavam aptos. Se sentiria culpado caso os vesse morrendo pelas mãos nefastas do diabo. Ao contrário de tomar a responsabilidade para si visando provar-se melhor do que outros caçadores, ele escolheu protege-los colocando-se de frente pois era o único capaz de suportar o fardo. As circunstâncias o empurraram para esse abismo e ele preferiu não não arrasta-los por compaixão às suas vidas. Está dispensado.
David andava até a porta olhando mordazmente para Frank.
- Um dia me vingo, Frank. Não vai ficar assim. Você ainda não sabe o que é o inferno.
A porta se abriu sem a luz, somente um vazio escuro pelo qual David atravessou desaparecendo.
David fora condenado à penitência infernal por ter matado um caçador em prol da competição - o que certamente não o moralizava para criticar Frank.
- A última testemunha, apresente-se! - disse Radamanto, batendo o martelo. Quando a porta havia se reaberto, não houve a luz. Na verdade, do outro lado via-se um corredor sombrio e imundo. Frank virou o rosto para a testemunha que viria e teve um susto. Klaus Montgrow, o próprio pai de Frank, aparecia no tribunal para prestar seu depoimento.
- Agora sim, eu protesto com muito gosto! - disse Frank, transtornado - Tá apelando dessa vez!
- Recomponha-se, Sr. Montgrow. Ou mandarei meus seguranças o jogarem no limbo.
- Limbo? Que limbo é esse?
- O lugar para onde vão almas impetuosas como o senhor que desafiam minha autoridade e se perdem eternamente. Se levantar a voz novamente, serei obrigado a expulsa-lo do tribunal.
- Olá, filho. - disse Klaus, pouco à vontade - Ouvi uma voz me chamando... Fui atraído por ela.
- O senhor não devia estar aqui. - disse Frank, a face tomada pela angústia - Eu não devia estar aqui pra ser julgado por uma coisa que fiz por ignorância. - fez uma pausa, os olhos lacrimejando - Matei o senhor a sangue frio... no corpo daquela besta. De todas as pessoas que passaram aqui, o senhor é a que menos me deve perdão.
- Há uma testemunha adicional. - disse Radamanto - Por favor, apresente-se - bateu o martelo.
Para abalar o emocional de Frank ao limite, Megan saíra da porta ficando ao lado de Klaus.
- Megan... Mas a sua alma não tinha ficado na pedra, naquele pedacinho da esmeralda?
- Acredito que a esmeralda foi destruída quando o feitiço de manipulação de almas se desfez. - respondeu ela - As almas dos bruxos ficaram errantes. Não foi diferente comigo. Pra ser sincera, Frank, eu não mereço o inferno e nem o paraíso, tô confortável na zona cinza. Mas... quanto à você, seu pai e eu concordamos que merece toda a glória da paz eterna. A culpa foi toda minha, você sabe disso.
- No entanto, o Sr. Montgrow mais uma vez deixou-se levar pelo caminho mais fácil. - acusou Radamanto - A bruxa chegou antes dele na fazenda onde aconteceu o embate com a besta. Certo?
- Sim. - disse Megan - Cheguei primeiro para vigiar de longe como Frank se sairia. Aliás, também para colocar a coleira que inibia metade da força real da besta.
- Se o Sr. Montgrow optasse por fugir da besta para testa-la e saber a razão pela qual ela havia amansado de modo repentino e encontrasse a bruxa para força-la a contar os segredos, não teria necessidade de matar a besta. A bruxa seria forçada a reverter a maldição que recaiu sobre o caçador.
- Eu devia ter percebido aquela coleira. - disse Frank, arrependido.
- Exatamente. - concordou Radamanto - Seu ato foi irresponsável. Não pensou com clareza, focando somente na vitória. Neste caso em especial você agiu com individualismo. Dispensados os dois.
- Ainda vamos nos encontrar, Frank. - disse Klaus, emocionando.
- No mesmo lugar? - perguntou Frank.
- Eu não sei. - respondeu Klaus, abatido - Fique sabendo que não guardo mágoa. Olho por sua mãe todos os dias. Continue seguindo em frente. Continue lutando. O legado não é mais importante do que a sua vida, não tem problema você não ser forte o tempo inteiro.
- Adeus, Frank. - disse Megan indo junto de Klaus para o plano astral onde os fantasmas geralmente vagavam por um labirinto de corredores numa casa sem fim.
Os jurados entregaram o resultado da sentença à Radamanto.
- Com base nos votos, sem abstenções, eu declaro Frank Montgrow... - o detetive sentia um frio na barriga - ... não, na verdade, declaro este julgamento... anulado. - batera o martelo com força.
- Como é que é?
- Ocorreu um empate nos votos. Sendo assim, é impossível validar esta sessão na aplicação de uma pena. - disse Radamanto - Todos passam por mim às portas da morte. Vai chegar a sua hora. E quando chegar... não tolerará anulações, abrangendo todas as suas escolhas e atitudes, erradas e corretas, não importa qual resultado se faça, será definitivo.
- Quer dizer que... Posso sair?
- Faço o favor de retira-lo. - disse Radamanto, pela última vez batendo o martelo.
Num piscar de olhos, Frank estava fora da mansão parado na trilha de concreto. Sentiu algo frio tocar suavemente seu ombro esquerdo e olhou por um instante.
- Acho que tô precisando cair na cama e pregar o olho. - disse ele, descartando ter sido uma presença fantasmagórica. Verificou o relógio e se espantou - Ainda são sete e quinze? É mesmo, o tribunal era como uma dimensão fora do tempo controlada pelo Radamanto. Faz sentido. Nem sei porque fico tão pasmado. - foi para o seu carro. Não muito distante dali, o espírito de Klaus o observava seguir com orgulho paternal estampado no rosto, com a certeza de que Frank levaria sua mensagem na prática como um bom caçador da linhagem Montgrow faria, sem nunca desistir de travar a batalha.
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*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: https://www.bolognapsicologo.com/psicologia-giuridica/
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