Frank - O Caçador #46: "Nos Confins do Submundo"


Frank andava de um lado para o outro na sala de interrogatório, ainda se esforçando para processar a ideia de Lilith requisitar sua ajuda para blefar com a regra implacável do tridente após o seu uso contra o diabo. Ele virou-se para a demônia que esbanjava sua calma com um sorriso esperto que despertava ódio nele. 

- Eu não sei se você percebeu direito, mas sigo uma conduta protocolar que todo caçador na face da terra devia ter a decência de seguir: Nunca... - aproximava-se dela - ... em circunstância nenhuma... fazer acordos... com monstros! Especialmente demônios sociopatas que só querem ver a cobra fumar. 

- Fred era um monstro quando você concordou em ser o parceiro de caçada dele. - contra-argumentou Lilith - Para de hipocrisia e agarra essa oportunidade única. Eu que sou um demônio vil e cruel sem nada a perder estou me importando mais que você ao fazer esse trato. Sua resposta como meio-irmão é "não"? Tá com medo de arriscar?

- Disse a palavrar certa: Arriscar. - retrucou Frank - Um demônio me propondo aliança falando em arriscar já é ponto a favor pra que eu não embarque nessa furada. Acha que tá tudo sussa você vir me pedir favor depois da carnificina que seus novos minions fizeram? A propósito, será que dá pra explicar que fim levaram os desaparecidos? 

- A mordidinha deles é bem contagiosa. Eu não matei ninguém. Zyndao apenas o operador da sala de controle, mas foi necessário pra ele, estava com crise de abstinência, ia pirar a qualquer instante. Digo, esse cara também. - declarou Lilith, olhando de soslaio para o policial decapitado sem o menor remorso - Vocês heroizinhos... foram os maiores assassinos da noite. Mas pra quê culpa-los? Não fizeram mais que a obrigação. 

- Tá, chega, não tem como meu estômago embrulhar mais. Fala por que sou tão necessário e por que só agora. 

- Desconfio que Fred, mais cedo ou mais tarde, venha a encontrar... sua mãe. - disparou Lilith com ênfase. 

- O quê? - indagou Frank, fazendo cara de confuso - A mãe do Fred? A mãe biológica dele, certo? Sem chance, os anjos caídos foram varridos e exterminados pelos centuriões. 

- Aí que você se engana. Eles acreditam que erradicaram toda a espécie. O que não significa que de fato estejam certos. Sabe onde eu quero chegar, né?

O detetive não conteve o pasmo sobre a conclusão que sua mente chegou baseada no que se subtendia nas palavras de Lilith.

- Ela tá viva. - disse Frank, a voz tensa. 

- O que pode ameaçar nosso plano...

- Nosso plano o cacete! O seu plano! - falou Frank, irritado, apontando o dedo no rosto dela. 

- Como eu dizia... O que pode ameaçar meu plano é justamente esse encontro de mãe e filho, tenho certeza que ela jamais o dividiria com outra pessoa da família. Ela seria uma péssima madrasta. 

- Não quero nem pensar. - disse Frank, contrariando o que disse - Merda, já tô pensando. - balançou a cabeça e voltou seu foco á estratégia - Como vai funcionar? É um feitiço?

- Acertou. Uma magia obscura que exige o sangue de alguém que possua ligação genética. Obviamente que eu não iria atrás da esposa ou do filho do Fred que nem mais lembram dele. Você foi minha primeira opção. 

- Nossa, fico muito lisonjeado. - ironizou Frank - E por que a mãe do Fred seguiu viva desde quando os centuriões deflagraram a operação "Nefilim bom é nefilim morto"? Peraí, agora que minha memória tá desenterrando uma coisa... - ficou pensativo um instante, voltando seus olhos sérios para Lilith em seguida - Malvus disse que você a matou, disse pro Fred enquanto dava uma surra nele na igreja. 

- Mentira. - disse Lilith, direta - Ele só inventou essa pra que quando vencessem o Fred fosse atrás de mim pra se vingar. Se bem que ele quase conseguiu. Tivemos um reencontro recente... e nada amigável. Mas fica tranquilo, ele tá sabendo equilibrar o dualismo de forças, melhor do que meu elixir reverso faria, tanto é que brilhou tão intensamente que senti minha pele fumegar à 5 metros de distância e fugi, não dissemos uma mísera palavra um pro outro.

- OK, o Fred conseguiu dominar seu lado puro e te botou pra correr quase te matando com uma super-luz destruidora. É, isso me tranquiliza sim. 

- Se o encontrarmos, pode ser minha última chance de provar minha inocência. Mas Kezabel tem de estar presente, ela é a prova física. - disse Lilith, andando uns passos e pensando a fundo no plano e nas implicações de um encontro entre Fred e sua mãe que se fazia necessário para salva-la. 

- Kezabel... Nome bem angelical. - comentou Frank, sarcástico - Por que ela foi morar no submundo?

- Kezabel e eu selamos um acordo para sabotar Malvus. Um estratagema de duas ex vingativas que de tanto serem traídas e descartadas comungaram para faze-lo pagar. Fui a informante dela sobre os planos diabólicos quando ele me coroou rainha. Nos termos de Kezabel, eu deveria entrega-la o trono quando tudo estivesse acabado. Mas a mobilização dos centuriões pra caçar o nefilim obstruiu nossos esforços e ela se auto-exilou no submundo pouco depois de dar à luz à Fred. Perdemos contato bem antes disso, por sinal. Cuidei do bebê nefilim e quebrei o acordo, agindo por mim mesma a partir daí. 

- Então é por isso que você tá se borrando de medo dela, né? Não é pelo Fred encontra-la e sim na possibilidade de você virar demônio assado nas mãos da ex-parceira de crime. - constatou Frank - Eu pagaria pra ver isso. 

- Sei que adoraria. Mas quero saber: Tá dentro... ou tá fora? 

- Se você arrisca sua vida, também arrisco a minha. De uma coisa tenho certeza: Um de nós vai sair perdendo. Trato feito. - decidiu, mantendo a seriedade mesclada à raiva de pactuar com um demônio. 

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CAPÍTULO 46: NOS CONFINS DO SUBMUNDO

Os primeiros raios solares despontando no horizonte penetravam através da ampla janela da sala de Hoeckler. Frank entrava carregando-o com o braço esquerdo sobre sua nuca e o jogara no sofá. Deu mais batidinhas no rosto dele para ver se acordava. O detetive começou a repensar de deveria tê-lo tirado de lá ou abandonado para eventualmente ser vítima. 

-  O sol já raiou, a soneca acabou. - disse Frank, batendo palmas para faze-lo despertar - O toque sonífero da Lilith talvez adormeça até uma baleia azul. Sendo assim, fica aí ressonando. Fui. - virou-se na direção da porta. Contudo, o detetive escutou gemidos e voltou-se para o superintendente que abria os olhos e se recuperava da sonolência - Filho da mãe... 

- O que disse? - indagou Hoeckler, sentando-se melhor e esquadrinhando o ambiente.

- Nada não. Eu, ahn... já tava de saída. A situação ficou sob controle, ao que parece. Enfim, não sou eu quem devo prestar um relatório e sim os caras da S.W.A.T. falsificada. 

- Não, espere, Frank... - disse Hoeckler, levantando-se - O que aconteceu com o demônio possuindo a legista?

- A Lilith é um demônio de categoria especial, tá num outro patamar de maldade comparado aos gatos pingados que tô acostumado a exorcizar. Além disso, ela não precisa de possessão, aquela é a aparência humana dela... ou uma das muitas aparências que pode assumir. Se quer saber: Eu matei ela. 

- A matou? - perguntou Hoeckler, descrente - Vi ela jogando você na parede como se fosse um boneco.

- Tenho uma lâmina capaz de matar demônios, a Lilith também é vulnerável. 

- Me deixe ver a espada ou punhal, seja lá o que for isso. 

A hesitação de Frank não foi, nem de longe, das mais disfarçáveis. O instante de inércia do detetive se prolongou. 

- Frank, me mostre a lâmina agora. - repetiu Hoeckler, categoricamente. 

O detetive tirou do maior bolso interno do sobretudo a lâmina sacerdotal, exibindo-a de modo que Hoeckler pudesse estuda-la, mas o superintendente fez um gesto pedindo que a entregasse. 

- Sem marcas ou vestígios de sangue. - disse o superintendente, analítico. 

- Limpei ela quando terminei. - "justificou" Frank. 

- E cadê o corpo do demônio? Onde você o depositou? 

- A Lilith fugiu agonizando pelo corredor, provavelmente se teletransportou e morreu noutro lugar. 

- Basta de mentiras! - vociferou Hoeckler que logo se dirigiu à sua mesa e puxou uma gaveta onde guardara a lâmina - Você é um tolo. Assim que me pegou pra me carregar, já havia acordado e não vi nenhum corpo além do policial que você deixou morrer. Só fingi dormir até chegarmos aqui e te pregar uma peça. Sou um filho da mãe, né? Darei bons motivos. 

- Peraí, essa arma é minha! Não tem o direito de confiscar só por causa de uma mentirinha. 

- Mentirinha?! Você quis me tripudiar achando que eu fosse cair nessa conversinha pra boi dormir! - atacou Hoeckler, aproximando-se do detetive bufando de raiva. 

- Me devolve a lâmina... - disse Frank, audaciosamente sacando uma pistola e mirando-a em Hoeckler - ... ou juro que vou estourar seus miolos de cérebro do mal aqui mesmo! 

- Ah, vai? Quero ver, Frank. - disse Hoeckler, pegando no cano da pistola e encostando na sua testa - Atire se for corajoso. Eu já não me importo mais em sentencia-lo à punições. Mas prometo devolver sua preciosa espada caso pense melhor na proposta, de preferência uma reflexão que o faça dizer sim. 

Travando a arma, Frank baixou-a, a repulsa tomando sua face. 

- Eu salvei sua vida como meio de não ser castigado. Eu podia te largar lá pra virar presunto. 

- Sim, é o que devia ter feito. Me deixar ser jantado por aqueles monstros. Ou encher meu corpo de balas pra massacrar aquele demônio que me possuiu. Teria sido mais fácil! Afinal, somos inimigos, não? O mínimo que podia fazer salvaria a vida daquele policial cuja família vai sofrer porque sua doce compaixão o obrigou a escolher a pena mais branda. Eu quero que se arrependa... por cada segundo de sua vida pela decisão de poupar a minha. 

- Com toda essa ingratidão, vai chegar a hora de pedir arrego. - disse Frank, friamente - Pode ter certeza que se isso acontecer o seu pedido vai ser negado. Até lá, minha resposta ainda é não. Corrigindo: Minha resposta sempre será não. 

Frank não baixara a cabeça ao se sentir enojado com a falta de consideração de Hoeckler para com seu ato de altruísmo. Hoeckler manteve-se firme, estreitando seus olhos ferinos ao detetive. 

                                                                        ***

Uma aeronave de grande porte sobrevoava o terraço do DPDC, seus dois rotores gerando uma ventania forte que fazia Carrie e Ernest afastarem daquele ave mecânica colossal. Aquele foi o local mais seguro na altura que a calamidade havia estado quando foram obrigados a fugirem após o alerta da bomba e permaneceram ali até que a desativassem. 

Os agentes da ESP se preparavam para adentrar no helicóptero que baixou mais uns metros. Surpreendendo seus amigos, Frank subira até lá e ganhou um abraço apertado de Carrie. 

- Sr. Montgrow, foi um prazer receber sua cooperação. - disse um agente estendendo sua mão direita. - Bom que apareceu justo agora, estamos com pressa. 

Frank, meio que relutantemente, fez um aperto de mão.  

- Será que pode me dar um status geral? - perguntou Frank. 

- Todas as anomalias foram liquidadas em menos tempo do que pensávamos que conseguiríamos. Por pouco a ala carcerária não foi afetada. Mas o número de baixas na equipe do DPDC ultrapassa 30, somados aos que foram infectados e se transformaram. Entre nós, felizmente, não houveram sacrifícios. O conselheiro está bem?

O detetive fechou a cara ao pensar em Hoeckler, ainda remoendo com certo arrependimento a sua ousadia de apontar uma arma à ele. 

- Te garanto que ele tá totalmente ileso. 

- Obrigado, Sr. Montgrow. Reconsidere avaliar a proposta... 

- Olha, é melhor vocês caírem fora, tivemos uma incrível aventura digna de um filme de terror, mas prefiro que cada um voltar a ficar no seu quadrado. Não tomem a liberdade de virem me ajudar, trabalho melhor sozinho, só pra deixar bem claro. 

O agente fez que sim com a cabeça. 

- Nós entendemos. - disse ele, logo virando-se para subir na aeronave. O robusto helicóptero alçou voo com seus pesados rotores zumbindo e deu partida seguindo para o leste. O sol estava parcialmente nascido e o azul do céu se tonificava. 

- Enfim a sós, com nossa privacidade restabelecida. - disse Ernest. 

- É, pelo menos aqui ninguém sonda nossa conversa. - disse Frank - O Hoeckler pode ter mandado instalar escutas em todas as salas que a gente normalmente entra. 

- E o miserável provavelmente grampeou nossos telefones. - disse Carrie, quase certa daquilo. 

- Por falar no dito cujo, considero denuncia-lo ao Conselho de Segurança por causa da bomba, isso fere a ética da corporação. Claro, no caso de eu ser eleito. 

- Esquece, diretor, o Conselho tá comprado, tenho certeza. - afirmou Frank - Em outras palavras, eles também são vinculados à fundação, não podemos confiar em ninguém da alta cúpula. 

- Como superintendente ele tem ligação muito estreita com o CDS. - disse Carrie - Não me admiraria que estivessem coadunados com os objetivos da fundação. Pois é, estamos ferrados. 

- Sendo assim, o Hoeckler tá blindado contra qualquer acusação sobre a bomba. - complementou Frank - Quero descer, não gosto de ficar mais que dois minutos no topo de um prédio. 

- Medinho de altura, é? - indagou Carrie, brincalhona, seguindo-o para a escada por onde se dava o acesso.

- E se for? E daí? A altitude suga meu ar, sabe... 

- Aham, sei. - disse a assistente logo atrás dele. Ernest vinha por último, meio tristonho. 

- Façam o que quiserem, se não aparecer casos que só o Frank resolva, ele está liberado. Tenho muitas notícias ruins pra dar. - disse o diretor. Frank e Carrie pararam olhando-o um tanto abatidos. 

                                                                            ***

Na sua sala, Carrie levantou-se da cadeira, atônita com o que acabara de escutar da boca de Frank. 

- Como é? Repete pra mim! 

- Não vou pedir pra você não ficar zangada comigo, quero meu puxão de orelha. - disse Frank. 

- Puxar sua orelha nada, tá merecendo levar um tapa na cabeça. Frank, você ficou insano? Essa sua associação com a Lilith é... fora de lógica, ela é um demônio e sabemos que são mentirosos e manipuladores profissionais. Pode haver um outro modo de entrar no submundo sem a ajuda dela. 

- Um portal pro inferno? Não acho que tem tempo de sobra pra pesquisar. Segundo ela, o Fred pode esbarrar com a mãe dele, melando o plano de resgata-lo com segurança. Só que pra isso dar certo, a regra do tridente precisa ser anulada. E a vagaba ainda não disse como se faz o feitiço. 

- Tá vendo só? O suspense que ela fez não inspira confiança. Se há tempo de sobra pra alguma coisa, é pra cancelar esse plano. 

A demônia subitamente aparecera na sala, dando o maior susto em Carrie que voltou a sentar-se. 

- Isso é jeito de entrar? - perguntou Frank, aborrecido. 

- Essa não é a questão em foco. - retrucou Lilith, não usando mais o jaleco por baixo da blusa branca sem mangas - Tive a impressão de ouvir a palavra cancelar. - olhou para Carrie que tremia - Sua amiga tá aconselhando você a debandar, né? Desculpa, queridinha, vou me apropriar dele por umas horinhas. 

- O que vai fazer com o Frank? - questionou ela em pânico - Desmembra-lo? Desova-lo? 

- Olha, a minha versão de uma época mais remota arrancaria as tripas dele pra fazer uma trilha e não se perder no caminho. - respondeu ela, sorrindo de forma maliciosa - Necessito dele inteiro. - olhou para Frank - Minha versão atual é mais maleável, preservando alguns traços antigos. Ele tem sorte e eu também. - pegara na mão esquerda do detetive.

- Ei, quando foi que te dei essa intimidade? - perguntou Frank. 

Ambos teleportaram-se num piscar de olhos, deixando Carrie sozinha.

- Ah que droga, não vou saber a resposta?! - reclamou ela, afobada, pondo as mãos na cabeça com os cotovelos apoiados na mesa até que deitou a cabeça sentindo-se exausta. 

Frank e Lilith estavam finalmente adentrados no submundo. 

- O clima tá meio diferente da primeira vez que vim. - disse ele olhando para as nuvens negras tempestuosas.

- É que estamos próximos de uma zona inóspita. - disse Lilith, caminhando pela área arborizada - Ninguém jamais viveu nela por mais que um dia. 

- Se é que é possível diferenciar dia e noite nesse inferno. - disse Frank, segundo-a. A dupla atravessou a fronteira da área repleta de árvores, algumas secas e mortas, outras ainda apresentando resistência e folhagens densas. O detetive tentava ignorar o vento forte e gélido, mas teve de admitir que sentia muito frio - Tá começando a baixar um frio... Será esse vento? - perguntou, esfregando os braços com as mãos. Lilith parara - O que foi?

- Temos companhia. - respondeu ela, olhando os arredores. Frank pôde enxergar pontinhos vermelhos e brilhantes se movimentando na escuridão profunda e não eram vaga-lumes. 

Frank recuou para perto de uma árvore, atento para tomar uma iniciativa rápida contra o que quer que fosse. Garras longas, finas, sujas e afiadas tocaram no seu ombro direito. Frank se afastou ao percebê-las tocando-lhe e uma criatura magérrima de pele cinzenta e olhos enormes emitindo o brilho vermelho saiu do arbusto abrindo sua boca com duas fileiras de dentes pontiagudos. Frank sacou sua arma atirando de imediato, o que foi estopim para as várias outras atacarem em conjunto. Lilith pegara uma e a queimou com seu poder de gerar fogo infernal, desintegrando-a enquanto Frank atirava em qualquer uma que se aproximasse dele, ao menos nas que pudesse mirar. Cada uma tombava com um tiro certeiro. 

- Recomendo mante-las o mais longe possível. As garras podem picar e fatiar a carne melhor que uma faca de cozinha. - disse Lilith, cercada por quatro - Obviamente que essa dica serve apenas para humanos. 

Demorou alguns segundos para Frank notar a presença repentina de um terceiro combatente daquelas criaturas. O detetive cessou o tiros ao vê-lo massacrar todas que via pela frente com uma espada que as decapitava numa extrema precisão. O homem misterioso empurrava, socava e chutava as que vinham lhe cercar, logo depois aplicando seus golpes hábeis com a espada. Perfurou a cabeça da última restante e forçou a espada para cima retirando a cabeça e em seguida desencravando com um movimento que a jogou à uma longa distância. 

- Antes de agradece-lo, só uma perguntinha básica: Quem é você? - indagou Frank, guardando a arma. 

O homem se direcionou para onde a luz dos relâmpagos alcançava e revelou sua face. 

- Eu não acredito... - disse o homem, um senhor de idade meio avançada, com barba cinzenta um pouco volumosa e trajando roupas esfarrapadas, das calças à boina. Sua expressão denotava muita surpresa.

- Quem não tá acreditando sou eu... - disse Frank. Lilith assistia com desconfiança. Um sorriso leve formou-se no rosto dele - Isaac? É você de verdade? - olhou-o dos pés à cabeça, emocionado. 

- Mas você não devia me reconhecer. - disse Isaac, estranhando - O que houve com a marca?

- Adrael, um centurião, removeu ela do meu braço, daí recuperei as memórias da nossa temporada de caça aqui nessa terra sem lei. Eu e... minha acompanhante estamos numa missão pra resgatar um amigo.

- Que não é o senhor. - salientou Lilith - É o sacerdote que fez comunhão aos anjos e acabou se dando mal, não é? Fico impressionada que tenham se conhecido e virado amigos. 

- Quem é ela? - perguntou Isaac. 

- Te conto no caminho. Você vai sentir vontade de correr e se esconder, mas juro que explico. Quer vir conosco? Assim você tem meu apoio quando aparecerem mais desses monstrengos. 

- Tudo bem. - disse o sacerdote, retraidamente, optando por acompanha-los - Apesar de saber me cuidar sozinho. 

                                                                                       ***

Já haviam se afastado da zona tempestuosa, avistando uma mansão de dois andares com uma fachada pouco convidativa para se morar. Lilith andava à frente de Frank e Isaac, subindo os degraus da escadinha que levava à porta de entrada do casarão. A visão tangencial de Frank captou uma luz levemente avermelhada à sua esquerda por onde se estendia uma rua deserta repletas de casas inabitadas e virou o rosto observando uma estrela vermelha entre as nuvens negras no horizonte. 

- Não lembrava que tinha pôr do sol. É somente por essas bandas que tem? - perguntou Frank. 

Isaac pensou em responder, mas se conteve. 

- De tempos em tempos, o sol daqui vive uma fase de morte e renascimento. - contou Lilith - Se apaga para depois se renovar e novamente ser eclipsado pela lua e assim o ciclo vai repetindo. Cuidado, é nesse período que os seres com o apetite mais voraz ficam incontroláveis. Vamos entrando? 

- É nessa mansão caindo aos pedaços que tá guardado o material mágico do plano? - questionou Frank entrando junto de Isaac. 

- Ali está. - disse Lilith, andando diretamente ao que parecia uma tumba deitada e aberta. Frank foi dar uma olhada mais de perto. Torceu o nariz para o macabro boneco em tamanho humano com uma face de olhos e boca meio quadrados e totalmente vazios - O novo governante da Terra Negativa. 

- Esse manequim medonho é o que vai substituir o Fred? Para de enrolação e desembucha. 

- Pra que tenhamos sucesso, os dois requisitos básicos: O seu sangue e o do Fred. Primeiro o seu, claro.

- Não, isso você já falou, quero saber de que forma a magia desse feitiço vai tapear a regra. 

- A mágica unificada aos sangues vai criar uma duplicata. Fred deve doar mais sangue que você. 

- O quê? Tipo um clone?! É absurdo demais pra ser verdade. Olha, eu tava pensando o seguinte: fico num dilema se o plano não der ruim. O Isaac merece uma segunda chance de viver ao lado da esposa até que a morte os separe, embora o Fred também mereça voltar. 

- Tá insinuando que quer levar o velhote com você em detrimento do Fred? - perguntou Lilith, zangando-se - Só podem entrar e sair duas pessoas por vez no submundo. 

- Não é insinuar, é uma opção que tô considerando. A propósito, Isaac, eu cumpri a promessa: encontrei a Bertha. Ela sente muito a sua falta, acredita que você tá morto. 

- Ótimo, quando voltar, dê à ela os pêsames. - disse Lilith, aproximando-se de Isaac ameaçadoramente. 

- Pára! - disse uma voz interrompendo a tentativa de assassinato da demônia antes que Frank agisse. 

Para o espanto deles, Fred pulou uma janela e caminhou. 

- Fred... - disse Frank, emocionado. 

- Chegou numa hora inconveniente. - disse Lilith - Agora que é puro e iluminado, sabe como fazer uma entrada triunfal. 

- Eu não ia deixar você tocar num fio de cabelo branco desse homem. - disse Fred, logo voltando-se para Frank - E aí, cara? Como andam as coisas lá em cima? 

- Nenhum abraço? Sério, tava com saudade do meu meio-irmãozão. Você não? 

Ambos abraçaram-se forte e Lilith expressou um certo desdém, revirando os olhos. 

- Frank, o que tá fazendo aqui? E com a Lilith! Não me diga que... 

- Sim, fizemos um pacto para salva-lo da regra do tridente. - destacou Lilith. 

- Pacto coisa nenhuma! Acordo de conveniência soa melhor. - retrucou Frank - E por que ia matar o Isaac? 

- Fred, o seu irmãozinho quis troca-lo por esse velhote pra que ele voltasse pros braços da esposa. 

- E quem disse que eu quero voltar? Eu não posso fugir do meu destino como exterminador do diabo com a "honra" de se tornar sucessor dele. - disse Fred. 

- Na verdade há um meio de te tirar do submundo. - disse Frank - A vadia aí é quem vai se dar ao trabalho.

- Me perdoem a intromissão, mas... - disse Isaac - ... se eu entendi bem a situação, então prefiro me abnegar. O nefilim e eu tivemos um breve contato. - revelou olhando para Fred - Me convenceu de que alcançou sua pureza de essência, portanto não é mais uma ameaça ao outro mundo, o nosso mundo. Frank, por favor, amo Bertha mais do que tudo nessa vida, só que por mais que o nefilim seja meio-sangue do seu sangue, ele tem conexão fraterna com você, sendo assim... é sua família. 

Frank e Fred entreolharam-se carregados de emoção mórbida. 

- O meu plano é digno de um voto de confiança. - disse Lilith - Em minha defesa, quero fazer isso pra me redimir... com você, Fred. Por culpa do elixir, você seria todo meu. 

- O negócio que você deu pra ele tomar era roubada, né? Suspeitávamos desde o princípio. - disse Frank.

- E pela minha mãe? O que tem a dizer? Da última vez, jurei que se a visse de novo ia mata-la. - disse Fred, externando sua raiva. Os olhos do nefilim brilharam completamente em azul. 

- Malvus mentiu pra que você me matasse. - disparou Lilith - Fred, sua mãe está viva. No passado firmamos um acordo. Me fazer a legítima esposa de Malvus por um tempo foi parte da nossa estratégia de derruba-lo em vingança por traições, ilusões e mentiras. 

- Depois eu que sou o hipócrita... - disse Frank, baixinho, os braços cruzados. 

- Quer dizer que... - disse Fred, sentindo-se meio confuso - Ela está aqui... Como ela sobreviveu? Eu sei que os anjos quiseram me matar quando eu era bebê, mas... 

- Não mataram porque eu estive lá. Os covardes deram meia-volta sabendo que o nefilim estava protegido pelo demônio que acabaria com a marra deles num instante. Mas não cobro nada em troca. Estou me dando a oportunidade de me redimir pra te dar a oportunidade de reconstruir sua vida do zero, com ou sem o Frank. 

A cabeça de Fred se amontoava de pensamentos forjados por uma indecisão atormentadora. 

- Só duas pessoas podem entrar e sair... - disse Frank - É uma merda porque antes cheguei a pensar num cenário em que você iria com o Fred e eu com o Isaac. 

- Contra essa regra não tem feitiço ao alcance que anule. - disse Lilith - Além disso, terei que distrair Kezabel para que ela acredite que o sósia é seu verdadeiro filho, não importa o quanto eu não queira vê-la. - voltou-se para Fred a fim de pressiona-lo - Fred, pode não vir a conhecer pessoalmente sua mãe, mas terá sua liberdade. Escolheria mil vezes a liberdade do que uma mãe problemática. 

- Não faça escolhas por mim, eu não vou deixar que uma cópia barata tome o meu lugar! - disse Fred.

- Fred, pensa bem, sua mãe é um anjo caído, você achou seu equilíbrio, ou melhor, fez sua pureza dominar sua alma, Malvus era um anjo caído, você perto dele ficava a um passo de se transformar na sua versão "Incrível Hulk Esmagador". Eu entendo que é difícil pra caramba, mas... vai botar sua conquista a perder, mesmo sendo sua mãe. Infelizmente, temos que arriscar a droga desse plano. 

Isaac assentiu para Fred, partilhando da mesma incerteza de Frank. 

- Me passa uma faca. Estava ouvindo a conversa escondido. Meu sangue é importante tanto quanto o do Frank, né? Vamos nessa. - disse Fred, enfim assumindo o risco. Frank entregou à ele uma navalha de um canivete. O nefilim foi até o caixão onde jazia o ser inanimado que parecia feito de uma madeira escura. Fez um corte no antebraço esquerdo, derramando seu sangue em grande quantidade - Você, Frank. - passou o canivete para o detetive que realizou um corte também no antebraço esquerdo. Lilith recitou o feitiço num latim arcaico e o sangue esparramava pelo boneco em sinuosas linhas pelo corpo. 

- Parecem estar formando... veias. - disse Fred, olhando meio impressionado. 

A perplexidade total veio aos dois quando a pele do ser inanimado descascava-se dos pés à cabeça vagarosamente com o revestimento escuro se desintegrando no ar e desnudando a pele humana. 

- Incrível... - disse Isaac, vendo o clone levantar-se - É idêntico à ele. 

- Hora da lavagem cerebral. - disse Lilith, tocando seus dedos nas têmporas do clone que até aquele momento encarava tudo ao seu redor num misto de confusão e descrença. Incutiu nele as informações cruciais para que quando fosse formalmente apresentado à Kezabel estivesse acima de suspeitas - Prontinho. Não vai dizer oi pro seu irmão gêmeo? 

- Olá. - disse a cópia, saindo do caixão - Estou ansioso pra conhecer nossa mãe. 

- Fez ele acreditar que somos irmãos?! 

- Do contrário, ele ficaria bastante confuso vendo uma duplicata parada diante dele. - justificou Lilith - Vem cá, Fred... - olhou para o sósia, mais precisamente para as partes íntimas - É desse tamanho mesmo? Se sim, ainda posso aproveitar caso o plano não falhe. 

- Se manca. - disse Fred, desprezando-a. Frank prendeu uma risadinha. 

- Bem, qual é o próximo passo? - perguntou Frank - Invocar a Kezabel? Não sei se tem com invocar um anjo caído... 

Lilith fechou os olhos e acionou a habilidade que os demônios utilizavam para rastrear pessoas ou monstros num curto raio de proximidade. A visão passou rapidamente por vários lugares. 

- Achei ela. - disse Lilith, reabrindo os olhos. 

- Mamãe? - perguntou o sósia. 

- Sim. Ela tá dando um passeio pela floresta. Que tal nos unirmos pra fazer uma surpresa? 

Um sorriso de felicidade se desenhou no rosto do falso Fred. No original, via-se o completo oposto. 

                                                                             ***

Perambulando por uma área mais ampla da tenebrosa floresta, Kezabel desfilava com seu manto preto-cinzento que lhe cobria as pernas e os braços, mas não os pés descalços, numa postura que transparecia desafiar perigos que se pusessem no seu caminho, mas tão espantáveis quanto uma mosca. A centuriã corrompida dotava-se de uma beleza única, um rosto moreno com maçãs esguias bem delineadas, lábios meio carnudos, olhos verdes e cabelos castanhos bem lisos que caíam aos ombros. Ruídos nos arbustos a fizeram parar e desviar os olhos para os lados. 

- Apareça. Ataque furtivo é manjado demais pra funcionar comigo. - disse ela, confiante. 

- Eu não tentaria isso. - disse Lilith, aparecendo diante dela. Kezabel virou-se e não esboçou pasmo ao rever a ex-parceira de vingança - Nunca subestimei essa sua facilidade pra antecipar armadilhas.

- Lilith. - disse Kezabel - Há quanto tempo mesmo? Já fazem uns... cinquenta anos ou mais, se não me engano. Admiro sua coragem de aparecer bem na minha frente com cara de quem não estragou tudo. 

- Eu não estraguei nada, meus feitos depois da minha rescindência são mais elogiáveis do que pensa. 

- Diga, minha querida velha amiga, qual seria a boa razão pra não despedaçar cada partícula do seu corpo. - disse Kezabel, aproximando-se - Tínhamos um interesse em comum. Mas você jogou em prol de si mesma. Você é o time de um jogador só. Se queria concorrência, por que aceitou minha proposta? 

- Deixa eu te contar uma boa nova: Malvus virou poeira e o detentor do mérito de acabar com a raça dele está bem aqui atrás. - disse a demônia, apontando com o polegar direito.

- O tridente foi encontrado? - indagou Kezabel, arqueando as sobrancelhas - Como? Quem? 

- Um certo alguém pode te fornecer maiores detalhes. - disse Lilith, logo estalando os dedos - Fred, é com você. 

O clone saía de um arbusto trajando um manto marrom pego na mansão que o cobriu quase inteiro. 

- Mamãe. - disse ele, fixando os olhos em Kezabel que franziu o cenho - Estou vivo. 

- Lilith... O que está havendo? Quem é esse e por que ele acabou de me chamar de... mamãe? 

- A criatura mais temida pelos anjos. Seu filho, o poderoso nefilim. Ele não causou uma boa impressão? Talvez esteja nervoso, mas o consola saber que terá uma eternidade para se conectar à você 

- Mãe, Lilith foi minha guardiã quando minha vida, ainda tão curta, estava ameaçada. - disse o clone. 

- O protegeu dos anjos? Você, Lilith? - perguntou Kezabel, incrédula. 

- Lembre-se que serafins não são muito páreos pra mim. Fred foi doado ao orfanato de freiras onde me instalei como uma pra preencher o vazio com algo diferente, mesmo tão... paradoxal. 

- Mãe, sou eu, esperei por esse dia desde que eu nasci. - afirmou o clone numa alegria que soou ligeiramente estranha à Kezabel. 

Não muito longe dali, Frank, Fred e Isaac vigiavam escondidos a performance de Lilith e seu instrumento de farsa. 

- Eu não ficaria com esse sorrisinho bobo. - disse Fred - Essa maldita da Lilith não me conhece. 

- Não sei vocês, mas tô com a sensação de que a mamãe tigre não foi muito com a cara do filhote. - disse Frank, temeroso com o resultado - Anda logo, sua demônia, deixa eles a sós. 

- Existe um portal na minha caverna, Frank sabe disso. - disse Isaac.

- Um portal? Criou uma passagem mágica pra voltar ao nosso mundo? - perguntou Fred - Peraí, então por que diabos você ainda tá aqui? 

- Devido à minha imortalidade de sacerdote, foi doloroso imaginar meu futuro com a Bertha em que ela morresse primeiro e eu passaria uma eternidade de sofrimento. - desabafou Isaac, quase chorando - Por favor, não tem sentido ficarmos aqui olhando, vamos depressa pra caverna. 

- Não, temos de permanecer pra verificar se Lilith vai intermediar conforme ela prometeu. - disse Fred - Ela sente nossa presença agora, se virarmos as costas por um segundo é arriscado ela nos trair. 

Enquanto isso, Kezabel mostrava-se altamente cética quanto àquele ser seu filho legítimo. 

- Me mostre do que é capaz. - pediu ela, rodeando-o. Lilith ficou uns metros afastada, meio apreensiva.

- O que quer que eu faça? - perguntou o clone. 

- Não sei, suponho que você é quem devia saber. 

- Está bem. Vou remover o tronco daquela árvore. - disse o falso Fred. Porém, Kezabel notara que nas pegadas que ele deixava havia um elemento diferente. Ela agachou-se e tocou no pó negro junto à terra do solo úmido e esfarelou entre os dedos, tendo um lampejo de conclusão. 

- O que foi? Perdeu alguma coisa? - perguntou Lilith. 

- Não. Mas alguém vai perder. - disse Kezabel, reerguendo-se. Esticou a mão direita e parou o clone imobilizando-o com sua telecinesia - Sabe, Lilith, você engana muito bem, mas... cometeu o pior erro de sua vida que foi fazer amizade com quem não pode ser facilmente enganado. - fechou a mão e o clone emitiu gritos agudos de dor e seu corpo evaporava-se numa fumaça negra até por fim explodir. 

- Sujou. - disse Frank, cerrando os dentes. Fred correu para lá - Ei, espera... Isaac, fica aqui, vou impedir esse cabeça oca de fazer uma besteira. 

- Mãe! - chamou Fred, correndo e parando cansado - Eu fui parte dessa farsa, me desculpa. Lilith me manipulou, forçando que eu concordasse em ir embora sem que tivéssemos um momento juntos. 

- Então você é o autêntico. Dá pra perceber. - disse Kezabel - Parabéns pela façanha de matar Azrael. Estou orgulhosa. Seu pai também estaria.

- Sim, o pai dele... - disse Frank, chegando - ... que por sinal é o mesmo cara que eu chamava de pai. 

- Você deve ser o Frank. Klaus falava tanto de você e do medo de que um dia descobrisse a verdade. 

- E você é a vagabunda que ele levou pra cama.. - rebateu Frank - O Fred vem comigo e ponto final. 

Lilith surgira por trás de Kezabel a fim de decapita-la com a mão esquerda, mas a centuriã caída, com seu excelente reflexo, deu um giro e segurou-a por pouco. 

- Espera, Kez, podemos conversar, esfriar a cabeça... - disse Lilith, pela primeira vez demonstrando um medo profundo.

- Minha cabeça está fria. A sua já vai esquentar. - disse Kezabel, ateando fogo fátuo no braço esquerdo da demônia que segurava. As chamas azuladas se alastraram rapidamente pelo corpo de Lilith que recuava aos berros com a ardência que consumia sua alma. Fogo soltava-se da sua boca e das órbitas vazias dos olhos e o corpo, num aspecto caveiroso e esquelético, carbonizou até reduzir à cinzas das pernas para o resto, uma queda humilhante. Frank e Fred não contiveram espanto - Julgamento final. - falou ela, incapacitando Frank fisicamente ao ponto de fazê-lo ajoelhar-se e em seguida cair. O detetive cuspia sangue com fortes dores internas - O poder decisório é todo seu, filho. Escolha o irmão que você não tem obrigação de considerar, ele morre sangrentamente, você fica sozinho e eu magoada. Escolha a mim e ele viverá, mas nós dois seguiremos inseparáveis, como devia ter sido desde o começo. 

- Não, por favor... - disse Fred, se afligindo - Mãe, pára com isso, o meu lugar não é aqui! Não desconta isso no Frank! 

- Mas você pertence ao submundo que passei a chamar de lar, não é mais um mero exílio! Você está em casa, Fred. - disse Kezabel, esforçando-se para transmitir sentimentalismo com uma face triste e um tom choroso - Ao meu lado vai descobrir suas verdadeiras raízes. Eu sou a metade que faltava pra completa-lo. Você pode ser quem quiser, o que quiser, é maduro o bastante pra que defina seus rumos. Mas nunca faça isso me abandonando. 

Fred pôs as mãos na cabeça como que sinalizando um ápice de desespero. Testemunhar seu meio-irmão numa agonia enquanto torturado por um anjo caído lhe remeteu à lembrança de Malvus pisando no tórax de Frank e o espancando a chutes. Não poderia relegar o detetive à morte naquela vez. 

- Sim, vou com você. - disse Fred - Com a maior boa vontade. 

Kezabel cessou sua inflição de dor e Frank parou de se contorcer e expelir sangue pela boca. Foi até seu filho e ficara de mãos dadas com ele. 

- Fred, não... - disse Frank, ainda caído.

- Sinto muito, Frank. - disse Fred, desapontado com aquele desfecho - Talvez seja um adeus. Mas nada nesse ou no nosso mundo muda o fato... de que você sempre foi o melhor parceiro com quem já tive o prazer de conviver. Mais do que isso, você é meu irmão, independente de ser pela metade. 

O nefilim virou o rosto para sua mãe, seus olhos adquirindo o brilho azulado e intenso. Os dois viraram-se para uma direção e caminharam juntos, as mãos dadas representando o enlace familiar. Fred elevou seu brilho azul que piscou quando desapareceu com Kezabel para vivenciar uma nova história. 

Desolado, Frank se manteve no chão, lamentando a partida e decisão de Fred, além de pensar na única esperança que restava de faze-lo criar um final minimamente feliz que tornasse o dia menos desastroso. 

                                                                            ***

Frank e Isaac rumavam para a caverna na qual o sacerdote viva. O velho homem percebia a tristeza estampada na face de Frank. 

- Era ao custo de sua vida, Frank. - disse Isaac - Não tinha saída. As criaturas das trevas usam desses artifícios sujos pra resolver impasses. O anjo caído te mataria com a desculpa de que fez por amor, pois você foi um obstáculo. Se Fred acreditaria ou não nela, que continue um mistério. De uma coisa estou quase certo: ela não vai medir esforços pra transforma-lo num diabo ainda pior que o anterior.  

- Bem que você avisou. - disse Frank, arrependido - Nada disso aconteceria se fôssemos logo pra caverna e caíssemos fora. Não acredito que vou dizer isso, mas... senti uma pontinha de pena da Lilith. A desgraçada queria mesmo que o plano saísse nos trinques. 

Ambos pausaram a caminhada após ouvirem ruídos. Frank sacou sua arma imediatamente, puxando a trava. As criaturas que os atacaram antes pularam dos arbustos e árvores em maior número. 

- Vamos, Frank, não perca tempo dispersando os modrongos! - disse Isaac, ansioso para correr. 

- Modrongos? É o nome que você deu pra esses vermes? 

- Tinha que me referir à eles por algo menos genérico que "fatiadores". 

Frank e Isaac partiram em disparada e o modrongos os perseguiam famintos e vorazes com seus olhos vermelhos brilhantes na escuridão. O detetive atirava a esmo enquanto corria, chegando a remover alguns do encalço. Percorrer até a caverna e em simultâneo manter as criaturas distantes foi uma prova praticamente hercúlea. Isaac adentrou na caverna aos tropeços, seguindo pela curva. Frank acendeu uma lanterna e deu uma olhadela para trás vendo se os modrongos estavam próximos. 

- Parece que os despistamos. Só parece. - disse Frank, apontando o facho da lanterna para os desenhos no chão e no teto da caverna que eram círculos concêntricos com diversos símbolos dentro deles dispostos em roda - É aí que você vai conjurar o feitiço do portal, né? 

- Me dê um instante. - disse Isaac, fechando os olhos. Falou em língua enoquiana, recitando o feitiço. 

Os círculos de cima brilharam numa luz branca que baixou sobre Isaac. 

- Venha Frank, depressa! - chamou ele, vendo a sombra dos modrongos se aproximando. O detetive se colocou ao lado do sacerdote, sendo banhado pela intensa luz. Os dois foram tragados, desaparecendo antes que os modrongos invadindo a caverna os alcançassem. E a luz se findou, sobrando escuridão e pontinhos vermelhos brilhantes com rosnados selvagens ao fundo. 

                                                                            ***

Regressados à Terra, Frank e Isaac tiveram uma breve despedida em frente à casa em que Bertha vivia sozinha. Isaac bateu timidamente à porta de sua amada e Frank observava encostado na lateral do carro. A esper com poderes premonitórios atendeu a visita que viria para se permanecer. 

- Eu voltei. - disse ele, tocando nas enrugadas mãos brancas dela. 

- Essa voz... - disse Bertha que logo sorrira - Isaac?! É você mesmo? Meu Deus... 

- Achei que reconheceria apenas pelo toque. Levando em conta o tempo que passei longe de você, tenho muito o que esclarecer. Posso entrar? 

- Não peça permissão. A casa também é sua. - respondeu Bertha, alegre - Esperei mais de 40 anos pra dizer... Bem-vindo de volta. 

Isaac virou-se para Frank dando um joinha com um sorriso fechado. O detetive devolveu o gesto com uma piscadela. Assim que o sacerdote entrou para recomeçar sua vida, o celular de Frank vibrou indicando uma nova mensagem cuja pessoa remetente ele já adivinhava. Pegou o celular e verificou. 

"Volta pra cá voando senão cabeças vão rolar. Parece que exagerei? Não, não parece. Mas vem a mil que um caso novinho em folha brotou da terra pra reduzir mais do sono que você perdeu."

- Nem pra tirar um cochilo... Aí é dose. - reclamou ele, indo abrir a porta. Apesar do tormento com relação à Fred e da falta de descanso, um sentimento de compensação por Isaac dava mais leveza ao espírito de Frank. Girou a chave e engatou com seu sedã prata pela pacata rua iluminada pelo sol da manhã fresca. 

                                                                             -x-

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.


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