Frank - O Caçador #52: "Jornada ao Centro do Pesadelo"


A principal área de um canil virara o palco de um embate violento entre Frank e um vampiro recém-transformado que trabalhava ali e sucumbira à sede de sangue passando a se alimentar de cães que misteriosamente encontravam-se mortos dia após dia pelos donos, sobretudo uns que estavam encaminhados para a adoção, levando os proprietários a obrigatoriamente prestarem contas com os clientes. O detetive sofria numa luta contra um único vampiro, apesar da vantagem de um caçador só estar seguro para enfrentar um vampiro solitário, devido ao porte físico do mesmo que superava o seu em alguns quilos de músculos. Frank foi empurrado contra as grades das celas dos cães, batendo suas costas com força. O vampiro avançou rápido com sua boca aberta mostrando as presas afiadas e seus medonhos olhos azuis arregalados.  

Frank impediu que ele se aproximasse mais alguns centímetros parando-o com as duas mãos e em seguida o jogando para o lado. O vampiro caiu sobre algumas gaiolas de ferro e Frank pôde reaver seu facão afiado e revestido de pura prata. No entanto, seu celular tocara inconvenientemente. O retirou depressa do bolso antes que o vampiro se reerguesse. 

- Número desconhecido?!. - disse ele em tom de reclamação. Resolveu apertar no ícone verde - Alô! Seja lá quem for, ligou numa péssima hora. Deixe seu recado após o bipe! 

- Espere, aqui é uma pessoa que ligou pra repassar um aviso urgente do superintendente Hoeckler, agente Montgrow!

- É do DPDC?! Olha... - disse Frank, apreensivo ao ver o vampiro levantando-se - Agora não posso! 

- O superintendente quer você neste exato momento pra uma reunião! - disse a voz masculina. 

- Será que dá pra entender que tô no meio de um serviço barra pesada? - perguntou ele, recuando enquanto o vampiro aproximava-se cada vez mais sedento pelo sangue do detetive - Câmbio, desligo! - encerou a chamada, desligando na cara. 

O vampiro parira novamente para cima de Frank que apenas conseguiu fincar o facão no peito dele, ao menos o afastando vulnerabilizado. Frank teve uma dificuldade ao descravar o facão do peito ensanguentado e resolveu usar seus punhos, socando o vampiro nos dois lados do rosto e desferindo um chute na barriga. Reparou num machado de incêndio e quebrou o vidro com o cotovelo. De posse da arma, Frank direcionou o machado num corte horizontal que arrancou a cabeça do vampiro instantaneamente. Recuperou o facão pisando no tórax do vampiro caído enquanto o puxava. 

Descravou o facão e o limpou no sobretudo. 

- Vocês vampiros tem uma carne dura de fatiar hein. - disse olhando para a cabeça no chão com os olhos azuis abertos descolorindo para um cinza escurecido. Alguns cães presos ganiam apavorados - Podem dormir tranquilos, nenhum maluco com dentes afiados vai sugar o sangue de vocês. - não tirava do pensamento a ligação - Reunião, reunião... Pra quê? 

Discorrendo a situação para o dono, Frank tentava ao máximo acalma-lo após as revelações. 

- Um vampiro?! - disse o homem de meia-idade negro e careca com um chamativo bigode. 

- Exato, Sr. Carringan. Infelizmente essas pragas sanguessugas existem como baratas e ratos mundo afora. Sendo honesto, não pensei em contar a verdade, mas como ele me atacou bem no horário de serviço, dando de comer aos totós ou prestes a beber do sangue deles, e não deu outra, tive que finalizar meu trabalho ali dentro mesmo. Mas já limpei a bagunça. O corpo e a cabeça dele estão no porta-malas. Falta só enterrar numa vala pra cabeça amanhecer com a boca cheia de formiga. 

- Eu não sei se agradeço satisfeito ou com medo. - disse Carringan - Você matou ele cortando fora a cabeça e ainda colocou o cadáver no porta-malas? Nada ortodoxo, mas... admiro sua destreza com esse tipo de criatura que me assombrava muito na infância. Agora sei que eles existem... 

- Mas muitas pessoas que conhece podem continuar não sabendo se mantiver segredo.

- Nem minha esposa acreditaria, não vindo de mim. Apesar desse espanto de descobrir que vampiros são reais, foi um prazer, detetive Montgrow. - disse Carringan apertando a mão direita de Frank. 

Carringan retornou para seus aposentos fechando a porta principal do centro de adoções de animais. Frank dirigiu-se ao seu carro girando a chave no dedo indicador e entrara no veículo, o clima da noite já sinalizando que havia entardecido bastante. 

Porém, antes que enfiasse a chave para ligar o carro, a mente do detetive foi invadida por uma voz alta e familiar. 

"Frank, se dispor de tempo, venha me encontrar, preciso de ajuda!"

- Atticus? - indagou Frank, surpreso. O detetive via-se horrivelmente dividido sobre aceitar ou negar o pedido. 

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CAPÍTULO 52: JORNADA AO CENTRO DO PESADELO

Departamento Policial de Danverous City

A fim de questionar Hoeckler sobre a ligação feita à ele num momento inapropriado, Frank se direcionou à sala do superintendente diante do qual deveria agir com extrema cautela, pois qualquer extrapolação àquela altura muito provavelmente seria determinante para impulsionar consequências. 

Como parte dessa postura forçadamente cauta, o detetive batera na porta que abriu-se logo. 

- Ora veja só quem reaprendeu a ter modos. - disse Hoeckler com seu sorrisinho irônico.

Frank notou a presença de mais pessoas na sala, mas não estranhou, afinal especulou que a reunião não aconteceria sem ele e portanto foi marcada para o dia seguinte na certeza de que ele viria. 

- São seus colegas de panelinha? - indagou Frank visualizando as pessoas que estavam sentadas nos sofás. 

- Conselheiros da fundação, tais como eu. - respondeu Hoeckler - Queira entrar, por favor.

- Claro, porque se eu não entrar por bem acabo entrando por mal. 

- Nunca há apenas uma opção para nós. - retrucou Hoeckler. 

O detetive entrara no recinto espaçoso e luxuoso que era o gabinete do superintendente. 

- Sente-se, Frank. É uma reunião formal como todas as que fizemos. 

- Não sou um de vocês, então tomo a liberdade de ficar de pé. - disse Frank, insubordinado. 

Os quatro conselheiros entreolhavam-se sérios, claramente desaprovando a conduta do agente especial. 

- Este é Frank Montgrow. - disse Hoeckler ao lado de Frank tocando no ombro direito dele num gesto amistoso que nitidamente não transparecia a mínima verdade - O homem que tentei recrutar à duras penas. 

- Olha, vamos pular as formalidades e as apresentações. Alguém me ligou enquanto eu tava no meio de uma luta contra um vampiro pedindo que eu viesse pra uma reunião de emergência e pra ser reunião de emergência verdadeira, acho que no mínimo devíamos ir diretamente ao ponto. - salientou Frank. 

- Está com toda razão, Sr. Montgrow. - disse um conselheiro de óculos e cabelo loiro meio espetado - Mas a questão a ser debatida aqui é sua integridade física constantemente ameaçada pelo esper-X. 

- O Atticus não me ameaça, só é de fazer joguinhos, ele não passa de um moleque travesso que não tá nem aí pra mim, apesar de eu ter me metido mais do que eu devia pra convence-lo dos erros que ele tá cometendo montando um exército pra uma guerra civil posando de líder nobre e pacífico. 

- O esper-X é tudo, menos pacífico. - disse Hoeckler. 

- E acham que eu não sei? Mas ainda assim me coloco a disposição pra resolver as diferenças de um modo que não exija de nenhum dos dois lados um enfrentamento físico. Na base do diálogo. 

Os conselheiros contiveram risadas, inclusive Hoeckler que virou o rosto para disfarçar. 

- Façam chacota, me zoem à vontade, eu sei o que pretendo fazer. 

- Até parece que você faria frente ao poder do esper-X se ele decidisse usa-lo para matar. - disse um conselheiro alto e esguio de terno azul-marinho - Admita que essa abordagem é motivada por medo. 

Frank quase cedeu à vontade de ir embora, contudo segurou-se. 

- De fato, Gideon. - disse Hoeckler, tomando um gole de café - O problema é que medo pra um experiente caçador tem um significado oposto. Acredita piamente que existem resquícios de humanidade no esper-X para que ele mude suas convicções.

- Um caçador que se preze tem que lidar com qualquer coisa que seja paranormal, não importando o grau de periculosidade. Vocês se acham tão capacitados, então por que não encaram de peito aberto?

- Estamos com uma escassez de recursos para conte-lo. - disse o conselheiro Gideon - Todos aqui estão de acordo sobre oficializar sua integração depois que obtermos os meios para a contenção do esper-X. 

- Só por cima do meu cadáver que vocês vão machucar o Atticus ou qualquer outro esper. - desafiou Frank. 

- Por que insiste tanto em protege-lo, seu grande imbecil? - perguntou Hoeckler, levantando-se para confrontar o detetive - Use a cabeça, Frank. Conosco terá mais segurança e avanço estratégico para enfrenta-los. Não queremos morte e sim estudo aprofundado. Nosso campo é mais teórico que prático.

- Se não querem matar, então que droga de justificativa vocês tem pra explicar os explosivos que seus agentes armaram no local onde os espers estavam se reunindo, hein? 

- A falta de recursos nos levou a tomar essa medida drástica. - disse o conselheiro Dale, o de cabelo loiro - Abortamos a missão logo que nos foi reportada a intervenção de outros intrusos... 

- Sabe nos dizer quem eram? - perguntou Gideon - Nossos radares não detectaram precisamente. 

Frank ficou dividido entre a relutância e a confissão. Hoeckler o pressionava com sua expressão. 

- Foram anjos. - disse Frank revelando de mau gosto - Ou centuriões, como quiserem chamar. 

- O que capturamos estava no meio deles? - perguntou Hoeckler, mostrando que estava ainda traumatizado com a fúria de Adrael que proferiu uma ameaça da qual jamais esqueceu. 

- O que quase te esfolou que nem boneco de pano? Sim. Mas eles tinham intenção de matar os espers também. 

- Eu odiaria ter que dar crédito pra alguém que poupou nosso esforço fazendo nosso trabalho e ao mesmo tempo nos tem como inimigos. - disse Hoeckler, frustrado pelo experimento mal-sucedido com Adrael - E pensar que chegamos tão perto de extrair uma carga de energia que nos livraria do esper-X.

- Vocês não cansam de se contradizer, né? Ou querem matar ou só usar os espers como ratinhos de laboratório. 

- Caso a renovação de material de contenção não seja suficiente, teremos que apelar. - disse Gideon. 

- É bom que isso demore um bocado porque eu vou continuar na minha tentativa. E se querem saber da nova: O Atticus se comunicou comigo via telepatia pedindo minha ajuda. Parecia bem desesperado. 

- O quê? Não está louco de aceitar. - disse Hoeckler, inquieto e irritado com a teimosia de Frank. 

- Louco eu seria de não tentar ao menos uma vez convence-lo a largar de mão dessa parada de ideologia supremacista. Vocês querem transforma-lo numa cobaia, mas eu quero evitar que ele se torne um Hitler com superpoderes. Tá mais fácil pra mim do que pra vocês que sabe-se lá porque não vão atrás desses recursos.

- Os espers se enquadram num nível de ameaça que indica perigo cataclísmico. - disse Gideon - Os avanços na ciência e na tecnologia atuais que possuímos não chegam nem na superfície do necessário pra abate-los. 

- Cansei, essa é a conversa mais desperdiçada que já tive. - disse Frank, andando até a porta. Porém, Hoeckler tocara-o no ombro num sinal de que ele estaria mandando-o ficar - Se eu sair, tô demitido, né?

- Não. - disse Hoeckler, frio - Um aviso: Quer jogar com suas regras, faça a vontade. Mas não pense nem por um minuto que o esper-X é negociável. Esse chamado pode ser uma armadilha. 

- Já disse que ele não tá nem aí pra mim, não disse? Ele não me vê como ameaça porque sou um reles detetive que ele pode transformar em poeira. Mas um pedido de ajuda não nego. - disse Frank. 

O detetive saiu da sala fechando a porta fortemente. 

- Deixe ele por sua conta. - disse Dale - Pessoas que não agem pela razão se desiludem tarde demais. 

Uma coisa era certa: Hoeckler não podia inadmitir que havia uma ponta de preocupação pela vida de Frank. 

                                                                                 ***

Naquela mesma manhã um tanto nebulosa, o grupo de espers liderado por Atticus prestava uma homenagem à Magda diante do túmulo depositando flores. O último a deixar uma rosa foi Atticus. Eve veio se aproximando dele com semblante triste. 

- O que mais me dói é que ela foi morta por um cara tão poderoso quanto você. 

- Não diga asneiras. - disse Atticus levantando-se e limpando uma lágrima - Aqueles homens de olhos brancos não eram iguais a nós. Podem ser poderosos, mas eu estive perto de vingar a Magda porque ela me entregou a Banshee. 

O esper voltou-se para seus companheiros. 

- Quero que saibam que nossa guerra não se resume aos humanos. Não vamos celebrar a conquista da liberdade e dignidade reconhecida pra descansar e no fim cada um por si cuidando das suas vidas. Teremos mais uma batalha, mais árdua. Esses... anjos querem exterminar a raça esper. Todos aqui cresceram imaginando que fossem seres de luz e incorruptíveis... Mas a luz também fere. 

- Então é isso? - indagou Flynn - O próximo passo é vingar a Magda contra seres mais fortes? 

- Até que chegue o dia terei alcanaçado um patamar insuperável. - disse Atticus com orgulho - A cruzada não acaba quando tivermos prevalecido sobre os humanos e meu crescimento não vai parar até lá. 

Ao fim do memorial, uma tímida esper chamada Kesya viera no intuito de consolar Atticus. 

- Oi. - disse ela, uma jovem de longos cabelos pretos meio ondulados usando dois casacos pretos. 

- Oi. - disse Atticus que preferia um tempo sozinho deixando os espers voltarem para suas casas. 

- É bem clichê o que tenho pra dizer... A Magda está num lugar melhor agora, não fica assim. 

- Dizem que os anjos guardam os portões do paraíso. Vimos o que eles são na realidade. Não dá pra chamar de lugar melhor. - disse Atticus - Eu mal te vejo entre o grupo, sempre meio isolada... 

- Acontece que tenho problemas de confiança em mim mesma em relação ao meu dom. 

- Você viaja por sonhos. - disse Atticus a olhando fixamente - Cria uma projeção astral que transita pelos sonhos das pessoas mais próximas à você. Sua baixa auto-estima é por causa do descontrole desse poder.

- Me sinto uma violadora de privacidade. E qual a utilidade de bisbilhotar os sonhos dos outros?

- Atticus. - disse Frank vindo de encontro ao esper - Captei tua mensagem e a de ontem também. 

- Frank, que bom ter vindo. Achei que ia me ignorar por estar chateado ou ressentido pelo que fiz semana passada. 

- Ainda tô bolado contigo, mas mesmo assim não deixei de matar minha curiosidade pra saber o que tá por trás dessa solicitação desesperada. Tá pedindo arrego pra um cara que não devia valer nada pra ti. 

- Sua vida tem valor enquanto querer nossa proteção ao invés da opressão. 

- Vocês tem um assunto particular, então... vou nessa. - disse Kesya, recuando aos poucos. 

- Não, Kesya, você fica, é importante. Eu chamei o Frank pra falar de um pesadelo recorrente que me atormenta quase toda noite. Tem a ver com um segredo mantido a sete chaves pelo governo. 

- E por que levar a garota? Ela decifra sonhos? 

- Eu invado sonhos. - disse Kesya, um tanto retraída - Não é por mal, tá fora do meu controle. 

- Tudo bem, eu entendo. Só o que não entendo é eu ir junto. Já invadi o sonho de alguém e não é um passeio divertido. 

- Porque eu quero que descubra esse segredo que ameaça a tão valorizada segurança nacional. Você não quer?

Frank realmente não podia resistir ao convite de desvendar um segredo tão obscuro, ainda que por uma via perigosamente sobrenatural. Não conseguia dizer "não" para si mesmo sobre o quão tentador era. 

                                                                                ***

No DPDC, Ernest visitara Carrie na sala particular da assistente para uma conversa de "matar o tempo".

- E aí, futuro prefeito? Tô sabendo que disparou nas pesquisas. Saltou para 60% das intenções de voto. 

- É cedo pra cantar vitória, Wood. - disse o diretor sentando-se na cadeira - Já não sei se confio nesses resultados depois da experiência de ter sido mantido refém por um esper que pode manipular a realidade ao seu bel prazer. Ele quer que eu vença, assim o será. Que graça tem gerar expectativa?

- Ele não é uma divindade. Isso mexeu com seu bem-estar, tava indo com a corda toda pra despencar logo agora. Se anima, o senhor vencendo é o que conta. O Atticus não facilita isso com os poderes dele.

- Até o Frank desconhece a extensão de poder desse maníaco. Quiçá a ESP também. 

- Sim, mas acho bem improvável que Atticus manipularia as pesquisas e o desfecho da eleição. E por que o senhor? Se ele pudesse, faria com que qualquer um ganhasse com ampla vantagem. 

- Pra ele as probabilidades podem ser como pecinhas de montar para uma criança de 2 anos. - retrucou Ernest - Sou o que está na frente, fui escolhido, é óbvio. E se ele tiver esse poder? Hein? Saio vitorioso com uma trapaça das piores. Me diga como isso não pode desmoronar com a minha honradez.

Carrie deixou os ombros caírem sem saber como prestar um apoio emocional que reerguesse o ânimo. 

- Não tá pensando em renunciar a candidatura, né? 

- Estive pensando quando acordei. Mas, em vista do cenário, seria muita covardia. O candidato preferido estamparia os jornais como um arregão, um despreparado. Vergonha e decepção são as últimas coisas que quero meus eleitores tendo ao meu respeito. - cofiou sua barba por fazer cinzenta. 

- Já escreveu o rascunho do discurso? 

- Não, nada de decoreba ou improviso. Tenho um tema para ser incluso, lá mais pro finalzinho. Eu não contei pro Frank porque lida diretamente com o maior trabalho dele, ia choca-lo demais. 

O que mal Ernest se atentava no momento era que Hoeckler sondava a conversa pelas escutas ligadas, ouvindo tudo pelo seu laptop conectado ao sistema de áudio dos mini-gravadores instalados na sala. 

- Hum... Conte-me mais, Duvemport. - disse o superintendente inclinando seu ouvido para o auto-falante do laptop. 

- Tão chocante a ponto de estremecer sua amizade com ele? O que é? Diz logo duma vez. 

- Carrie, não comente isso com ele, não mencione direta ou indiretamente. Não peço um favor, peço que prometa. 

- Pode deixar, independente do que for, na minha boca não entra mosca. - disse Carrie, sentindo a gravidade do que Ernest teria a dizer. 

- Planejo revelar para toda a cidade o que se esconde bem além da fenda e sai dela. 

Carrie gelara de apreensão. Hoeckler quase saltou da cadeira tamanho o impacto de escutar aquilo. 

- Não teria essa coragem. - disse ele, trincando os dentes - Ou teria? 

                                                                              ***

No espaço dimensional forjado por Atticus na forma de uma vasta mansão de arquitetura neoclássica, Frank e Kesya seguiam o esper pelo corredor dirigindo-se à um quarto cujo interior possuía uma bela cama de casal com lençóis e fronhas de seda púrpura nos travesseiros. Atticus logo se deitou. 

- Está pronta? - perguntou ele para Kesya. 

- Mas você ainda nem dormiu. - respondeu ela - Não funciona tão rápido. Seu corpo tem que estar muito relaxado. 

- É mesmo, tem um nome pra isso aí, mas não lembro... Como se chama mesmo? - perguntou Frank. 

- O sono REM. - disse Kesya. 

- Assim vai levar horas até que ele durma profundamente e tenha o pesadelo. - destacou Frank. 

- Não precisam esperar. Sou um esper multifuncional, lembra? Posso acelerar minha atividade cerebral durante o sono. 

- Acredito nisso, considerando a sua lista quase infinita de poderes. - disse Frank, um pouco incomodado em ser parte de mais uma vivência invadindo o sonho de alguém. 

Atticus fechara lentamente os olhos e procurou relaxar seu corpo ao máximo. 

- Tenho que fazer uma inspeção. - disse Kesya em tom baixo. Atticus moveu uns dedos das mãos. 

- Tá se mexendo... - disse Frank - Será que... já tá contando carneirinhos? 

Kesya aproximou-se de Atticus e baixou sua mão direita sobre ele ficando alguns centímetros e passou-a pelo corpo inteiro. 

- Incrível, ele entrou no sono REM. É um recorde mundial. - estendeu a mão para Frank - Segura firme.

Frank pegara na mão de Kesya e fechou seus olhos ao mesmo tempo que ela. 

Adentrando no mundo onírico, ambos viam-se num corredor de paredes e piso de concreto iluminado por fracas lâmpadas fluorescentes meio esverdeadas. 

- Olha ali. - disse Ksya, apontando para o início do corredor à direita, o único para o qual dobrar - Deve ser pra lá que o Atticus vai, aquela luz verde... - olhou para Frank, receosa - Quer ir na frente? 

- Fica bem atrás de mim, não desgruda. - disse Frank, começando a andar - Ahn... Kesya, não é?

- Sim. O que é? 

- O que te levou a embarcar nessa maluquice do Atticus? Só pra você ter uma ideia, o cara é um doido varrido com diagnóstico psiquiátrico. Ou ele é muito persuasivo ou os espers que o seguem são tão doidos quanto ele. 

- Tudo que eu mais queria era me sentir parte de um grupo, só isso. Achava que era a única da minha espécie.

- Você pertence a uma espécie sim, a espécie humana, nada diferente do que prega o seu estimado líder.

- Mas nós temos habilidades que assustam as pessoas. Não que eu quisesse guerra se eu não fosse aceita. O Atticus incrivelmente faz parecer que um mundo de coexistência é possível. Eu já não sei mais... 

As luzes tremeluziram fazendo ambos pararem logo que dobravam o corredor. 

- Tá com medo? - indagou Frank.

- Isso parece um sinal de que o sonho virou pesadelo... então sim. 

Vindo do corredor de onde estava a porta maciça de ferro, uma criatura medonha surgia. Em resumo, tinha corpo humanoide totalmente nu e cinzento, mãos e pés horrivelmente deformados com unhas grossas e cascudas, além da cabeça conter um par de chifres curvados posicionados para baixo nas laterais do rosto desprovido de olhos que exibia apenas uma boca com dentes animalescos. Frank ficou irrequieto ao reconhece-lo. 

- Vamos botar sebo nas canelas, esse cara aí não é brincadeira. Eu devia pensar que ele apareceria. 

- Quem é esse monstro? - perguntou Kesya, atemorizada. 

- Conhecido como... O apanhador de sonhos. 

                                                                                ***

Não visando outra maneira de escapar das garras letais do Apanhador de Sonhos, a dupla teve de seguir correndo pela direção oposta, da qual vieram. A criatura dobrou para o corredor, apertando seus passos. 

- Ele não tá correndo, mas até parece que tá quase encostando na gente... - disse Kesya, olhando para trás.

- A presença dele num sonho é muito forte. - disse Frank - A pior parte... é que a gente não pode triscar o dedo nele. 

O monstro intocável bateu com sua mão esquerda raivosamente na parede, esburacando-a.

- Pára! - disse Kesya, estacando - Tá dizendo que não podemos tocar nele? O que acontece? 

- Não estamos fisicamente aqui e como o Apanhador de Sonhos é uma entidade que se manifesta espiritualmente, ele se alimenta do que não é matéria, ou seja, nossas consciências que estão presas na mente do Atticus. - disse Frank, dando olhadas de relance para a criatura cada vez mais próxima - É por causa dele que os pesadelos são interrompidos e fazem a gente acordar de repente, o cérebro tem um tipo um interruptor que é acionado sempre que ele aparece, é um mecanismo de defesa pra mente. Os chifres são como antenas que captam nossas energias, o maldito enxerga por eles, digamos assim. 

O Apanhador de Sonhos se aproximava mais, andando e socando as paredes. 

- Ele fica mais P da vida quanto mais anda. - disse Frank, a aflição em alta - Ou mais excitado quanto mais próximo da vítima.

- É por conta do meu poder que o Atticus não acorda. - constatou Kesya, assustada - O que a gente faz?

- Ninguém sonha com o Apanhador de Sonhos perseguindo e louco pra devorar sua consciência. Vamos ter que arriscar. - disse o detetive - Vai você na frente, eu distraio ele. Não deixa ele te pegar. 

- Mas ele é enorme! - disse a esper - A menos que... - visualizou uma brecha: entre as pernas. 

Kesya correu quando a criatura tomou uma proximidade perigosa com eles e deslizou no chão antes que o monstro a agarrasse com as duas mãos, passando por entre as robustas pernas cinzentas dele. 

- Isso, garota! - disse Frank - Agora vai lá! 

- Não vou sem você! - disse Kesya parando no meio do corredor à espera do detetive. 

Frank esquivava-se das mãos deformadas do Apanhador de Sonhos, pulando para trás e desviando dos movimentos velozes do monstro enfurecido. O detetive encontrou uma estreita passagem num curto período de segundos e passou raspando as costas na parede e se jogando ao chão para se afastar, por fim levantando-se e retomando a corrida desesperada. A criatura grunhiu em cólera e tornou a persegui-los.

- Você é uma garota corajosa. - disse Frank dobrando para o corredor onde avistaram a porta entreaberta de ferro. 

- Aquilo foi pura sorte. Um milímetro a menos e eu tava ferrada. 

Chegando à porta, ambos estavam em sintonia pela curiosidade extrema relacionada ao que havia do outro lado e que desse significado à luz verde que atravessava a fissura. O Apanhador de Sonhos novamente tornava a missão periclitante ao caminhar pelo corredor continuando a socar as paredes. 

Frank tentava abrir a porta pesada com o auge da sua força física. 

- Dá uma forcinha aqui... - pediu para Kesya que rapidamente forçava a abertura a se expandir. 

O Apanhador de Sonhos estava na metade do trajeto e ainda mais acelerado, rasgando o concreto as paredes com suas mãos horrendas e soltando rugidos furiosos. Os estalidos na porta subiam de volume conforme abriam. 

- Tá bom, acho que dá pra entrar! - disse Frank acreditando que fora o suficiente. Tentou passar pela abertura e encarou o que se via no interior.. A fonte que emitia a luz refulgia fortemente, mas não ofuscou uma sombra correndo de um lado. Uma sombra em forma humana que intrigou o detetive. 

Atticus, num sobressalto brusco, acordou. Frank e Kesya estavam de volta aos seus corpos e viram o estado de Atticus que suava em profusão e expressava pasmo na cara.

- Eu sinto muito que não tenham conseguido avançar um pouco mais. - disse o esper, levantando-se. 

- Nos 45 do segundo tempo... Faltou isso... - disse Frank simbolizando com o dedo indicador e o polegar direitos o curto tempo e espaço que o monstro tinha para alcança-los - ... pra sermos apagados.

- Desculpa, só colocamos você em perigo. - disse Kesya, em seguida olhando para Frank - Nós três. 

- Não, está tudo bem, o mínimo que eu pude ver me deu uma noção pra elaborar uma hipótese. 

- Vi o que parecia ser uma pessoa lá dentro... Um homem. - disse Frank. 

- Pode ser que seja a instalação secreta da fundação que mandou agentes apagarem as memórias dos meus pais adotivos e explodirem o templo maçônico. Esse homem que você viu talvez seja algum cientista que estuda o que brilha aquela luz... 

- Tem essa da luz verde também... Mas você tinha dito que o segredo era do governo. 

- Eu não faço ideia. Podem ser dois segredos intimamente ligados. - disse Atticus - Ligado também ao meu pesadelo profético que me despertou do coma... e aos meus poderes. 

A proporção das coisas teriam atingido um ponto que Frank se receava em explorar mais a fundo. 

                                                                           ***

Após despedir-se de Atticus e Kesya, Frank retornara ao DPDC para um caso que pôde solucionar em poucos horas. Na hora de ir para casa, já bastante tarde da noite, o detetive ia até seu carro no estacionamento desativando o alarme. Porém, dois homens que estavam escondidos atrás de um outro carro chegaram por trás de Frank, um deles pondo algemando-o primeiro e o outro cobrindo sua cabeça com um saco de veludo preto. O detetive lutava para se libertar, mas foi dominado pelos dois brutamontes que o conduziram para joga-lo no porta-malas do carro deles. 

Um tempo depois, Frank via-se acordando numa cela branca com uma grande porta automática de vidro. Felizmente seus pulsos estavam livres das algemas, mas uma dorzinha no pescoço incomodava.

- Saudações, agente Montgrow. - disse uma voz sintetizada pelo alto-falante - Espero que aproveite a estadia.

- Quem é que tá falando? É você Hoeckler? - questionou Frank, ríspido. 

- Ah, você adivinhou. Seja muito bem-vindo à ESP. 

- Adorei as boas-vindas, é uma cela bem confortável. Foi você quem mandou aqueles acompanhantes?

- Eles tiveram que injetar um soro na artéria do seu pescoço para acalma-lo. 

- Dessa vez eu juro que vou te escorraçar quando eu sair. 

- Quando sair? Não, meu caro Frank. Terá tempo para refletir sobre suas escolhas enquanto os profissionais cuidam de controlar a situação externa. Você é um empecilho, perigoso para nós e para si mesmo.

Um gás saía de orifícios nas partes inferiores das paredes e enchia a cela com uma bruma. 

- O que é isso? Cortina de fumaça? 

- É apenas o meu... beijinho de boa noite. - disse Hoeckler, zombando da condição que o colocara. 

Frank tirara o sobretudo e com ele tapou o nariz a fim de não respirar o gás, mas certamente era inútil. A risada infame de Hoeckler foi a última coisa que ouvira antes de cair no chão afetado pelo gás.

Na sua sala de estar, Atticus levantou-se depressa da sua poltrona e os espers ficaram curiosos.

- Tive uma visão. - disse ele olhando para o "nada" - É o Frank. 

- O detetive que você quer evitar? - perguntou Flynn. 

- Sim... Ele está em apuros. - disse Atticus, olhando-os - Na sede da fundação que nos quer mortos. Preso numa cela de contenção. Finalmente sei onde se localiza.

- Tá, mas e daí? Não é melhor deixar que eles venham até nós pra contra-atacarmos? - perguntou Eve. 

- Não. - disse Atticus, sorrindo com uma confiança soberba - Nós iremos até eles. Vamos tirar o Frank de lá. 

                                                                                 -x-

N.A: Perdoem o errinho de alinhamento no primeiro parágrafo, acontece (nem sempre) quando posto a imagem, daí fica muito espaçado entre ela e o texto e quando subo o texto pra que fique na distância normal acaba nessa merdinha que destoa de todo o resto. É meio chato, mas o importante é a leitura ;)

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.

*Imagem retirada de: https://porelclima.es/toolbox/1090-usar-sistemas-de-deteccion-de-presencia-en-zonas-de-paso

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