Frank - O Caçador #53: "A Verdade Não Está Lá Fora (Parte 1)"


Quando a redução do efeito do gás indutor de sono mostrava-se mais acelerada, Frank, suas pálpebras ainda muito pesadas devido à sonolência, já podia sentir o abatimento tomar-lhe conta ao ver turvadamente s paredes brancas da cela e a porta retangular de vidro reforçado. O potencial do gás pareceu afetar até mesmo a percepção de tempo do detetive que tinha a sensação de terem se passado dias ali. 

- Que horas são? - indagou ele, deitado, a voz ainda carregada de sono. Bocejou longamente - É dia? É noite? 

O alto-falante não emitiu nenhum som, para o seu desagrado. Frank se espreguiçou e depois sentou-se. 

- Não ouviu não? Eu acabei de acordar, seu mané! Pára de fingir que não tá aí. - coçou os olhos. 

Nenhuma resposta saiu do aparelho. 

- Eu não posso passar o resto do ano trancafiado feito um animal. Isso é cárcere privado, seu filho da mãe. Nunca conheci um homem tão duas caras quanto você que administra uma corporação policial e ainda comete um crime contra seu empregado pra proteger seus interesses do mal... Tá achando que vai sair impune disso? Nem ferrando. Tu vai se dar muito mal, cretino. 

Tentou levantar, mas os músculos pareciam pesar toneladas. 

- Eu tento ver o lado bom desse ano louco que vivi, o mais louco de todos. - disse ele, sorrindo fracamente - Enfrentei um bruxo com uns mil anos de idade que me forçou a cair num abismo pro inferno como o único jeito de salvar a cidade de um feitiço que trazia fantasmas vingativos pra possuir gente inocente. Enfrentei o próprio diabo em pessoa. Descobri que meu pai traiu minha mãe com um monstro e ainda deixou um filho bastardo, um ser metade humano e metade sobrenatural mais poderoso do que qualquer outra coisa que eu já vi, e quase me sacrifiquei pra salva-lo. E agora tenho o Atticus... Um cara com tanto poder nas mãos, mas pouca sanidade pra usa-los. Caramba, até voltei a ser criança. - deu uma risada - Se um caçador vive por um legado, o número de riscos que ele sofre ou o número de desgraças que ele atrai não significa que a vida dele é uma merda. Só enriquece a jornada. Porque se ele for bom no que faz, sabe contornar qualquer problema do seu jeito, mesmo sozinho e desesperado. É pra isso que eu vivo. É essa a minha paixão. Não vou me render nem me esconder pela dificuldade. 

A abertura súbita da cela despertou Frank que finalmente teve forças para se levantar. Olhou com o cenho franzido para a porta deslizando para o lado direito, conferindo passagem para que saísse. 

A passos vagarosos, Frank andou para fora da prisão. O ar do corredor era gelado numa temperatura mínima. 

- Não tá fazendo pegadinha comigo, né? - perguntou ele, desconfiado. 

O som intermitente do alarme lhe provou o contrário. O detetive correra pelo labirinto, aturdido com o alarme insuportável, na busca de uma saída. As luzes vermelhas piscaram. O detetive viu celas abertas e vazias, sem a certeza se estavam daquela forma ou os prisioneiros escaparam, o que acionou o alarme. 

Um tremor paralisou o detetive por uns segundos de tensão. O chão vibrava sob os pés de Frank que relutou bastante em olhar para trás, mas o fez afastando pensamentos de fuga e medo. 

Na verdade, não viu nada além de pegadas enormes no piso com dedos triangulares de uma criatura que aproximava-se rosnando alto. Seria algum dragão ou dinossauro invisível? Frank não duvidava que uma fuga em massa de monstros estava em pleno curso e necessitava de procurar a saída o mais imediatamente possível. 

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CAPÍTULO 53: A VERDADE NÃO ESTÁ LÁ FORA

Como sua única opção da escapatória diante de uma criatura que não podia ver, apesar das deduções inspiradas pelas marcas de garras deixadas no chão, Frank correu freneticamente pelos corredores da ESP, perdendo-se no labirinto infindável. O barulho do alarme seguia atormentando sua audição. 

- Alguém, pelo amor de Deus, faz a merda desse alarme dos infernos parar! - reclamou ele em voz alta.

- Seu desejo é uma ordem. - disse Atticus aparecendo atrás do detetive. O esper estalou os dedos da mão direita e o as luzes vermelharam cessaram o pisca-pisca tal como o alarme parou de apitar. 

- Atticus!? - disse Frank, surpreso - Foi você quem causou esse fuzuê todo libertando uma porrada de monstros? 

- Pra libertar você também, obviamente. Não tem de quê. 

- Olha, se é por falta de agradecimento... Valeu. - disse Frank para conforta-lo - Só que eu já saquei que me tirando daquela cela não foi pelas razões certas. Sua intenção era espalhar o caos nesse lugar pra provocar a ESP e eles caírem matando em cima dos seus discípulos. Me livrar foi uma consequência. 

- Estava no meu plano te libertar, tive uma visão de você sofrendo lá dentro... e com isso acabei descobrindo onde fica o reduto de monstros que a fundação guarda pra experimentos e testes. 

- Uma visão? Profetizou que eu seria sequestrado e jogado na cela? 

- Não, tenho certeza que foi uma visão do presente. Pode-se dizer que... Sou praticamente onisciente.

- E eu que pensava que você não podia subir um nível a mais. 

Um estrondo foi ouvido corredores à frente, assustando Frank que pressentiu o perigo à espreita. 

- Frank, você tem que ir. Esse lugar inteiro está sob nossa domínio agora. 

- Vão ocupar isso aqui? Parecem até manifestantes sem-terra tomando propriedade privada. 

- Se decidir correr, vai ficar à mercê de criaturas que você nem tem ideia do que são. - disse Atticus, aproximando-se do detetive, seus olhos heterocrômicos num olhar penetrante - Vou larga-lo à própria sorte. 

- Você bem que devia sumir com todas elas, manda-las pra uma outra dimensão. - sugeriu ele, irritado.

- É uma instalação subterrânea, não terão como fugir... bem algumas talvez não, mas a maioria sim. 

- Atticus, se pelo menos 0,1% de monstros tiver escapado pro mundo exterior, é arriscado acontecer um desastre, uma histeria coletiva que vai abalar as estruturas. Pessoas comuns sabendo que aberrações da natureza que não pensam em nada além de matar estão à solta pra causar o maior fim do mundo. 

- Aberrações como eu? Porque se sua referência for potencial destrutivo, então... eu me encaixo. Logo, isso faz de mim uma aberração. Meus amigos também. Tudo o que não é humano e causa dor é visto por pessoas iguais à você como monstros. Mas eu te salvei por mérito. 

- Que mérito eu tenho sendo salvo por um ser paranormal? Sua índole não é boa, mas quer me manter vivo quando sou um obstáculo pra sua ideologia que quer conquistar tudo na força bruta. Logo eu, um reles, fraco e desprezível humano que caça coisas que desafiam a compreensão... e mata elas sem dó. 

O sorriso tranquilo de Atticus transpareceu certo contentamento. 

- Porque nós dois merecemos evoluir. Você como caçador. Eu como aberração. 

Atticus estalou os dedos, mandando Frank de volta para sua casa. O detetive via-se no meio da sala de estar quando há nanosegundos atrás estava conversando com o esper na base subterrânea da ESP.

- Ah não... Esse cara vai virar aquele lugar de cabeça pra baixo. - disse ele, temente. 

                                                                         ***

Assim que voltara para casa, após ser despachado por Atticus, Frank percebeu que estava atrasado para exercer sua cidadania indo votar para a eleição municipal, percebendo que havia despertado na cela à tarde e o relógio marcava dez para as quatro, pouco mais de uma hora para o encerramento do pleito. 

À noite, correu para o DPDC acompanhar os resultados na sala de Ernest juntamente com uma torcida organizada de policiais, detetives e assistentes pela vitória do querido chefe. Frank entrou  recebeu uma leve bronca de Carrie que veio até ele correndo, ansiosa para que ele se unisse à turma.

- Os atrasados estão proibidos de se retificar. - disse ela, puxando-o - Vem, começou a contagem regressiva.

- Ué, mas já? - indagou Frank ficando próximo do pessoal que estava vidrado na TV presa à parede por um painel.

- É claro, seu bobo, estão contabilizando os votos faz mais de duas horas. O que ficou fazendo?

- Depois que fui votar, passei em casa pra... Peraí, não notou que fiquei sumido a maior parte do dia?

- Em dia de eleição o trabalho aqui é facultativo, ainda mais se o chefe estiver disputando. Não sabia disso?

- Tô sabendo agora. - respondeu ele que preferiu manter-se em silêncio sobre sua estadia numa cela da fundação ESP após ser vendado, algemado e raptado - O bom é que o vampirão não vai se reeleger. 

- Eu gostaria de ver o diretor arrancando aquele colar que o protege do sol só pra todos assistirem ele queimar até virar cinzas. - disse Carrie que logo percebeu ter cometido um pequeno deslize. 

- Ele não teria essa coragem. Todo mundo assistindo a morte de um vampiro sem seu amuleto exposto ao sol... O diretor nunca faria isso ciente das consequências.

- Ahn, é... tem razão, ele não seria louco. - disse Carrie, embaraçada. 

- Tá na maior empolgação, né? - perguntou Frank olhando-o - Não é todo dia que a gente vê ele assim. 

- Pois é. Pra quem reclamava de que um resultado previsível não teria muita graça, ele tá que nem pinto no lixo. 

O resultado definitivo foi anunciado pelo telejornal local. Com 55% dos votos válidos, Ernest vencera a eleição para prefeito, deixando os adversários à vários pontos percentuais de distância. 

Todos comemoraram euforicamente em pulos, palmas e gritos de alegria. Ernest abraçava-se com sua equipe e seu vice, feliz da vida. Frank e Carrie foram contagiados pelo festejo e dirigiram-se à ele para parabeniza-lo. 

- E aí, diretor? Digo, prefeito de Danverous city! Parabéns pela vitória! - disse Frank, dando um forte aperto de mão nele. 

- Ah, obrigado, amigo. - disse Ernest, logo abraçando-o.

- Quem é o mais novo prefeito? Quem é? Quem é? - indagava Carrie, brincalhona - Meus parabéns. - disse, abraçando-o. 

- Sem vocês dois aqui a minha festa estaria incompleta. - disse Ernest, emocionado. 

- Será que quando o senhor terminar a comemoração, estourar o espumante e beber umas taças, dá pra conversarmos um pouco? - pediu Frank - É sobre um rolo cabuloso que aconteceu comigo ontem. 

- Vai ter que esperar até amanhã, Frank. - disse Ernest, dando batidinhas no ombro esquerdo do detetive - Hoje é dia de celebração, não de dor de cabeça. - determinou, voltando-se para a sua equipe. 

- Poupa ele. - disse Carrie - Mas se quiser ouvidos para darem atenção à esse tal rolo cabuloso... 

Frank sabia que diante de Carrie seria um erro não contar detalhes do que viveu nas últimas horas. 

                                                                                  ***

Na instalação subterrânea da ESP, um pequeno grupo de agentes curvavam-se aos espers seguidores de Atticus, largando suas armas de grosso calibre na sala de controle. Atticus orgulhava-se de subjuga-los. 

- Muito bem, eu poderia deixa-los ir por bom comportamento. - disse o líder. Esticou sua mão direita abrindo-a. As armas que jaziam no chão sumiram como mágica - Mas terão que prestar um favor. 

- A fundação não tem que dar satisfação a nada que diga respeito à ela. - disse um agente. Atticus foi até ele a passos largos e agarrou o seu rosto agressivamente, fixando seu olhar insano nele. 

- Te dou o privilégio de ser meu confidente. Seus superiores não ficarão sabendo. 

- Por que tá pedindo pra ele falar? - questionou Harry, sentando numa cadeira giratória - Lê a mente dele. 

- Eu quero escutar saindo da boca dele, cada palavra. Qual é a senha para destrancar a cela especial?

- Não Clemont, não diga... - avisou o agente à direita de Clemont - Se disser, está tudo acabado. 

- Cale-se. - disse Atticus, olhando de relance para o agente que intrometeu-se fazendo-o perder a voz, o que surpreendeu os outros espers com a extrema facilidade a que culminou a manifestação dos poderes múltiplos de Atticus - Vamos, diga a senha. É lá que mantém o segredo mais bem guardado. 

- Eu não sei. Apenas os conselheiros tem conhecimento da senha alfanumérica, ninguém abaixo deles tem autorização pra abrir aquela cela. O que está trancado lá não pode sair em hipótese alguma. 

- Espera que dizendo sobre um prisioneiro que não pode ser solto me convença a desistir? 

- Falo sério, tem estado aqui encarcerado há décadas, nunca viu a luz do dia e nem sabemos o que é. Já tivemos que deportar agentes traidores que tentaram burlar o sistema de segurança das travas da porta. 

- Ele só tá deixando a gente mais curioso. Mas dane-se. - disse Flynn - Atticus, esquece essa prisão, temos que focar no que viemos fazer aqui, no caso uma bagunça que eles não vão conseguir arrumar. 

- Um conselheiro que saiba. Me dê um nome. - exigiu Atticus. 

- Conselheiro Hoeckler. - disse Clemont, a face de raiva lançando um olhar mordaz para o esper.

- Ele é o chefe do maior departamento policial da cidade... E não por coincidência é onde o Frank trabalha. Verei o que ele tem dizer. - disse Atticus, soltando o rosto de Clemont e indo para um canto para concentrar sua mente e enviar uma mensagem telepática. O detetive ainda estava na sala de Ernest em meio à festa da vitória distraído até que a voz falou em sua cabeça.

- Ai... - disse Frank, pondo as mãos na cabeça, derrubando o copo de refrigerante que segurava. Carrie notara e veio prontamente ajuda-lo. A assistente perguntava repetidas vezes, afligindo-se por ele. 

- Frank! O que foi? 

O detetive abriu os olhos. A dor passara quando a voz calou. 

- O Hoeckler tá com a corda no pescoço. O cerco tá se fechando pra ele... 

- O quê? Me explica o que foi isso! De repente parecia que uma enxaqueca das brabas te atacou. 

- Foi o Atticus, ele se comunicou por telepatia. Quer a senha pra abrir a cela onde a fundação trancou uma criatura que não pode escapar, o que não significa que não possa escapar. 

- E o Hoeckler? 

- Ele é um dos que sabem a senha. O Atticus tá exigindo que eu pergunte à ele dentro de 24 horas, senão mata o Hoeckler. A pergunta que não quer calar: Onde que se enfiou o desgraçado? 

- Não, Frank, a pergunta é: Você tem alguma obrigação moral de salvar a vida dele? 

- Pior que eu tenho sim. Não gostaria, mas tenho. Se o Hoeckler virar poeira, os agentes vem atrás de mim retaliando porque eu negligenciei a vida dele por não perguntar a senha. Eu e ele estamos ferrados.

Ernest notava um clima menos tranquilo entre Frank e Carrie, mas optou por se resguardar. 

                                                                                ***

Na praça Olympus, os preparativos para o comício da vitória seguiam a todo vapor e uma multidão de eleitores aguardava o mais novo prefeito de Danverous City subir ao palanque para discursar solenemente. Contudo, fora das vistas, um agente designado pela ESP trajando roupas pretas e usando balaclavas da mesma cor estava em cima de um apartamento observando com um binóculo o mutirão de pessoas que se aglomeravam. 

- Nem sinal do campeão. - disse ele tocando no comunicador preso ao seu ouvido esquerdo - Opa, espera aí... Tem uma limousine chegando. - esperou alguém sair - É ele mesmo. - viu Ernest descendo do comprido veículo e caminhando por um trajeto barreirado para que nenhum fã alucinado o incomodasse, acompanhado de uma escolta policial armada com metralhadoras - Escudado por uns quatro caras da Força Tática, daqueles que tem olhos de águia. Melhor me abaixar agora pra prevenir. 

Ernest foi recebido com uma calorosa salva de palmas do público. Em meio à população, algumas câmeras da imprensa piscavam flashes e outras filmavam para transmissão ao vivo. 

Enquanto isso, no DPDC, Frank encontrara Carrie no corredor e foi rapidamente até ela. 

- Ei, Carrie, você viu o Hoeckler por aí? 

- Felizmente não. Em meu juízo perfeito, eu mudaria minha rota se o visse à 1 km. 

- Procurei em todo canto, nem no gabinete em que ele fica enfurnado o dia todo não tá. 

- Ele não é de dar folga pra si mesmo. - disse Carrie, desconfiada - O histórico de faltas dele é zero. 

- Como a gente não tem o número do miserável, vou conseguir com o diretor. - disse Frank, discando o número de Ernest - O Hoeckler tem que saber logo que o Atticus não tá pra brincadeira com o negócio da senha.

- Mas à essa hora o diretor deve estar recitando o discurso. Por falar nisso, eu ia pra sala dele assistir. - disse Carrie, mostrando uma chave - Presentinho de despedida antes do novato assumir. 

- Eu nem imagino esse lugar sob outra direção. - afirmou Frank, esperando pacientemente a ligação ser atendida - Alô! Diretor? Tá quase indo pro palanque, né? Não fica bravo, liguei por uma emergência. Parece idiotice o que vou dizer, mas... Preciso falar urgente com o Hoeckler, o senhor tem o número dele. - fez uma pausa, escutando um sermão de Ernest - O lance é grave, diretor. O tempo tá apertado. - fez outra pausa, expressando inquietação ao ouvir a resposta - Não tenho como explicar agora se o senhor tá prestes a fazer o discurso, então só me dá logo o número. - outra pausa - 57 no final, né? OK.

- Memorizou o número? Acredito só vendo. - disse Carrie. 

- O talento de Frank Montgrow não se resume apenas a armas e o que fazer com elas. - falou o detetive, telefonando para Hoeckler antes que esquecesse o número. Colou o aparelho no ouvido. 

- Convencido. - disse Carrie, zoando a auto-estima elevada do detetive. 

A ligação, para o desprazer de Frank, deu como "fora de área". 

- Cacete, tá fora de área. Ele é um homem morto. Depois sobra pra mim. 

- Tem certeza que ele não tá na base secreta da ESP?

- A sede da ESP é praticamente um bunker de alta segurança. E os espers estão mantendo agentes reféns, os que estavam lá quando invadiram e soltaram os animais do zoológico pra esculhambar geral. 

- Então nos resta a hipótese mais plausível. - disse Carrie, pensativa com um dedo no queixo. Virou-se para Frank, séria - O superintendente fugiu da cidade, provavelmente do pais. Deve estar luxando num hotel cinco estrelas rindo à toa. 

- De qualquer forma, o Atticus pode acha-lo tranquilo, não tem pra onde se esconder ou fugir. 

Um homem careca de terno cinza e gravata vermelha se aproximou deles. 

- Desculpe interromper, mas estão falando do conselheiro Hoeckler? 

- Peraí, o que um agente da ESP à paisana faz aqui no DPDC? - interrogou Carrie, franzindo a testa. 

- É, a gente estava falando dele, mas queremos mudar de assunto. - disse Frank, não gostando nada da presença do agente. 

- Posso falar com você em particular? - perguntou o agente ao detetive. 

Na sua sala, Frank acomodou o agente Olson para conversarem acerca de uma pauta que exigia atenção.

- Se ele não vazou do país, então onde diabos ele tá metido? - perguntou Frank, encostando-se na mesa. 

- Ele está em reunião presencial com o Conselho de Segurança. 

- E por que você veio? É sobre a proposta outra vez? Pra encurtar o papo, eu ainda recuso. 

- Bem, você dizer "ainda" dá uma ponta de esperança. 

- Perca logo essa esperança. Eu morro negando essa promoção. Vai contra as minhas raízes de caçador e um caçador não precisa de alguém ditando o que ele deve ou não fazer pra lidar com uma coisa bizarra. 

- O seu ponto está mais do que esclarecido. Sr. Montgrow, tanto é que não vim insistir que se junte à fundação vendo que os esforços do conselheiro Hoeckler se provaram falhos. Vim pra avisa-lo.

- Se eu puder adivinhar... Tem a ver com o Atticus e os espers que estão ocupando a fundação. 

- Errou de novo. Mais ou menos. O sistema de segurança que mantém as anomalias contidas foi alvo de um burlamento. É provável que algum esper aliado ao esper-X tenha capacidade de manipular objetos eletrônicos e alterou a configuração padrão do sistema impossibilitando que as celas sejam fechadas. Mas apenas uma em especial é imunizada contra manifestações paranormais. Por isso o que está preso nela não pode escapar com habilidades de manipulação tecnológica. O núcleo do sistema único da cela tem uma programação diferente com placas revestidas de um material resistente à anomalias. 

- Essa anomalia de que você tá falando... É a coisa que vocês tem medo de que escape, certo?

- Não tenho permissão pra revelar o que é. Portanto, me limito a dizer que... sim. 

- Pois eu tenho um aviso pra te dar: O Atti... digo, o esper-X me contactou via telepatia fazendo a maior chantagem contra o seu querido conselheiro Hoeckler. Me deu 24 horas pra pergunta-lo da senha que abre a cela que não pode ser aberta. Expirado o tempo, é caixão e vela preta pro patrãozinho. 

- Vou repassar à ele. - disse Olson, expressando preocupação na face - Isso é terrível... 

- Se não pode me dizer o que tem na cela, diz pelo menos a razão pela qual a coisa não deve sair. 

- Em termos precisos, não posso me aprofundar muito. - disse Olson, levantando-se da cadeira - No mínimo, consequências irreversíveis pro mundo, em vários sentidos e proporções. É... estarrecedor o cenário que prevemos. 

Carrie abrira a porta mostrando apenas sua cabeça. 

- Frank, o diretor já tá na metade do discurso. Não vem assistir? 

- Até mais, Sr. Montgrow. Fique com meu cartão de visita, tem o endereço da nossa sede caso queira fazer uma visita. - disse Olson, virando-se para sair. Acenou com a cabeça para Carrie que forçou um sorriso educado. A assistente tornou a chamar Frank, desta vez com um gesto de mão. 

                                                                         ***

Ernest discursava para a plateia que o ouvia atenta. A imprensa estava em alerta máximo sobre o viés que o novo prefeito seguia, enveredando para um assunto específico de um modo pouco direto.

- Em todos esses anos, pessoas da mídia travaram batalhas de contrapontos. Um lado apresentava uma tese de que os fenômenos relatados por cerca de 20.785 cidadãos de Danverous City, de acordo com o centro de estatística financiado pelo DPDC, eram oriundos da falha geológica que coloca nossa cidade no epicentro de terremotos que ocorrem geralmente dez vezes anualmente. O outro lado questionava e contrariava se gabando de um ceticismo que soava intelectual e até presunçoso pra alinhar a perspectiva das massas à deles. Mas hoje... hoje será diferente! Não haverá divisões. Não haverá mais dúvidas. Vocês precisavam de um emissor confiável para transmitir estas palavras. Transmitir a verdade nua e crua da realidade oculta. Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará! 

Na sala do diretor, Frank e Carrie assistiam com atenção. Frank, por sinal, estranhou o tom do discurso.

- Carrie... O diretor tá falando da fenda de onde saem os monstros... - olhou para a assistente suspeitando de algo - Você tá meio tensa. - virou-se para ela - Quer me contar o que ele planeja falar?

- Exatamente o que você tá pensando. - respondeu Carrie, tirando um peso das costas - Não é óbvio? O diretor vai expor publicamente que Danverous City é infestada de monstros por causa da fenda. 

Frank sentiu suas mãos gelarem e os pelos do corpo arrepiarem-se. 

No alto do prédio, o agente apontava um fuzil sniper para Ernest auxiliado por uma mira ocular. Pôs o cano da arma entre as grades do guarda-corpo e destravou. A pessoa que lhe passava instruções pelo comunicador deu sua ordem final. 

- Através da fenda que se formou após décadas de tremores e está querendo circundar nossa cidade para quando o profetizado megassismo acontecer ela venha literalmente abaixo... Através dela... 

Um estampido baixo foi ouvido, mas o que foi visto foi mais significativo. 

Ernest se estremeceu no palanque, sentindo o peito esquerdo ser transpassado e queimar. A plateia se alvoroçou com gritos apavorados vendo uma mancha de sangue ensopar a camisa branca do prefeito que tocou o ferimento e olhou para a palma da mão encharcada. No DPDC, Frank e Carrie não acreditavam no que haviam acabado de testemunhar. A assistente pôs as mãos na boca, perplexa. 

- Meu Deus... - disse Frank, horrorizado ao ver Ernest caindo com a mão sobre o peito - Não... Não... Isso não tá acontecendo. 

Carrie desmaiou tamanha sua comoção, mas Frank a segurou bem a tempo. O detetive ora olhava para a assistente, ora para a tela da TV. Uma sensação de descrença total não deixou ele assimilar a tragédia dantesca que sabotou a grande revelação. 

                                                                                ***

A situação de reféns se mantinha inalterável na ESP com os agentes que foram neutralizados e coagidos a não usarem suas armas contra os espers. No entanto, o agente Clemont ousaria quebrar as regras de Atticus. Vagarosamente ele levava sua mão esquerda ao coldre para retirar uma pistola carregada. Os demais agentes perceberam o movimento. 

- Por mais quanto tempo vai nos deixar aqui? Temos nossas vidas, famílias pra alimentar com nosso suado salário. - disse o agente Vargas para Atticus que estava de costas parado - Ei, tô falando contigo!

- Eu sei, mas pouco ligo se estão com fome, sede ou saudade dos seus entes queridos. 

Um outro agente ao lado de Vargas bateu o cotovelo no braço direito dele e passou as pontas dos dedos indicador e polegar esquerdos na boca fechada para simbolizar um zíper fechando, ou seja, pedindo-o para ficar calado. Apontou com os olhos e a cabeça para Clemont sacando lentamente sua arma. 

- Não saio daqui até obter a senha que Frank irá me contar quando tiver se resolvido com seu chefe. 

- Vai sonhando, canalha. - disse Clemont, mirando a arma na cabeça de Atticus. Disparou com gosto.

Porém, o esper virou-se velozmente e parou a bala em pleno ar e a levitou para faze-la cair na sua mão. 

- Não é possível. - disse Clemont, atônito- Esse filho da mãe... é mais rápido do que uma bala?

- A rapidez em grande parte foi da minha mente. - disse Atticus, segurando a bala - Com minha precognição, soube que uma arma seria apontada pra mim. Previ tudo: os exatos milésimos e segundos da trajetória para que eu virasse no tempo certo de para-la numa distância de um metro e meio. 

Os agentes tremeram nas bases, atemorizados com a abismal habilidade de antecipação de Atticus. 

- Acho que essa fundação não precisa de amadores como vocês. - disse ele, jogando a bala no chão e erguendo as mãos de leve. Os agentes flutuaram como se estivessem pairando em gravidade zero. 

Atticus fizera os corpos dos agentes voarem girando numa velocidade baixa inicialmente. Eles gritavam implorando por suas vidas, mal sabendo que tais gritos soavam feito música aos ouvidos do esper que foi aumentando a velocidade com que giravam os agentes pela sala cada vez mais. O pico de aceleração foi atingido rápido. Casey, Lilin e Barbara, três espers que "patrulhavam" os corredores junto aos outros, pararam para observar o festim sádico que o líder da Resistência Esper conduzia. 

- Deu a louca nele. - disse Barbara, surpresa. 

- Não, sabemos que o cara é louco, ele só tá demonstrando. - disse Casey.

- Vai mata-los. - disse Lilin, tensa - Estão... se desintegrando. 

Os agentes pareciam terem sido jogados numa centrífuga gigante na qual seus corpos se esfarelavam em pó. Clemont odiaria ver no espelho sua face se decrepitando inteiro, fazendo a boca secar e as órbitas dos olhos ficarem vazias. Ate mesmo as roupas reduziam-se a pó. Os gritos dos agentes silenciaram após todos serem esfarinhados. Atticus soltou uma gargalhada alta, insana e mefistofélica que deixara os três espers amedrontados. As cinzas caíam sobre ele após pararem de girar como um redemoinho de areia. Pela primeira vez em muito tempo, ele sentia a endorfina e a dopamina em níveis tão acentuados, e todo seu regozijo estampava-se no sorriso aberto, o maior que formara no rosto.

                                                                        ***

Uma equipe de paramédicos levava Ernest numa maca direto para uma ambulância. Neste mesmo momento, um sedã prata freava barulhento. Frank e Carrie saíram apressados do carro e foram correndo para subirem na ambulância e assistirem de perto os procedimentos para salvar a vida do prefeito eleito.

- São parentes da vítima? - perguntou um paramédico. 

- Funcionários do DPDC. - disse Frank. - Sou agente prioritário e ela é minha assistente. Podemos ir com vocês? 

- Somente um pode acompanhar. 

- Vai você, Frank. - disse Carrie, mal contendo seu abalo. 

- Nada disso! Nós dois vamos! Os dois melhores amigos dele! Ele nos considera família. 

O paramédico os olhou contrariado. 

- Está bem, venham. - concedeu ele, permitindo-os entrarem no veículo. 

A ambulância seguiu veloz pelas ruas até a chegada ao hospital de emergência. Ernest foi transferido para uma outra maca e levado rapidamente para a UTI. Frank e Carrie foram barrados no corredor. 

- Vocês devem se acalmar e aguardarem aqui. - disse o cirurgião - A operação pra remover a bala é muito delicada. Pelo que indica o exame preliminar, atravessou as duas válvulas, prejudicando artérias. No caminho até aqui se alojou muito a fundo. 

- Ai caramba... - disse Frank, passando a mão no rosto - Façam o que tiver no alcance de vocês, por favor. - tocou o médico nos ombros - O possível e o impossível pra salvar a vida dele. - falou ele num tom choroso. Carrie derramava lágrimas, profundamente impactada - Vocês não podem fracassar. 

- Não posso garantir nada após a remoção da bala. - disse o médico, incerto quanto ao quadro pós-cirúrgico de Ernest. 

A cirurgia arriscada correu bem e os médicos removeram o projétil sujo de sangue colocando numa bandejinha transparente. Contudo, o monitor cardíaco mostrou uma frequência instável e apitou. 

Frank e Carrie foram para a janela alarmados. Os médicos cercavam Ernest que parecia estar tendo uma parada cardiorrespiratória junto a uma hemorragia severa. Frank sentiu naquilo o prenúncio da derrota. 

- Saiam de perto... - disse Ernest, ofegando - Quero... falar com Frank. Meu agente. Ele está bem ali. 

Frank entrou depressa na sala e ficara próximo de Ernest, segurando a mão esquerda dele. 

- Não se esforça tanto... - disse Frank em prantos - O senhor não tinha nada que botar a boca no trombone. Eu não sei o que vai ser do DPDC sem o senhor, mas... de uma coisa eu sei: Eu juro pela minha vida que quem encomendou a morte do senhor vai pagar caro. 

- Faça promessas que saiba... que é capaz de cumprir. - disse Ernest quase sem forças - Não faça nada de que se arrependa. - fez uma pausa para ofegar - Será que não dá pra me chamar pelo nome uma vez?

- Você foi o melhor amigo que tive... Ernest. - disse Frank, segurando firme a mão do diretor - Quase como um pai, tanto pra mim quanto pra Carrie. Ela tá desabando. Desmaiou só de te ver tomando aquele tiro pela televisão. - um nó na garganta travou a fala do detetive - Não sei o que seria de mim... sem você pra me dar a oportunidade que mudou minha vida. Sou eternamente grato... Obrigado. 

Uma lágrima descia pelo canto do olho esquerdo de Ernest que sorria fracamente para aquele que foi seu melhor funcionário. As aventuras, conversas, risadas, desavenças, encontros na taverna, cada memória jamais se perderia no seu espírito quando alçasse à Eternidade. Os olhos de Ernest fecharam-se lentos. O ruído do monitor de frequência cardíaca sinalizou o fim aliado à linha verde reta. 

Os médicos afastaram Frank tirando-o quase que à força da sala. O último recurso era a desfibrilação. 

Frank abraçou-se com Carrie seu queixo sobre a cabeça dela. A assistente soluçava num copioso choro. 

Os médicos haviam tentado ressuscita-lo, mas nenhum choque o fazia reagir. 

Após deixar Carrie em casa, Frank fora à taverna na qual sempre frequentava junto a Ernest para tomar umas doses e papear como bons amigos. O detetive foi ao balcão sentando-se no banco alto. 

Na TV noticiava-se a trágica morte do prefeito recém-eleito. Frank preferiu ignorar a transmissão. 

- Você soube? - indagou o barman - Mataram o prefeito na maior covardia. Estão à caça do assassino. Já tem até suspeita de que um opositor mandou matar. Vai querer alguma coisa? Parece bem... abatido. 

- A coisa mais forte que tiver no estoque. - disse Frank sem olha-lo. Cada menção ao nome de Ernest cortava-lhe o coração.  

- Eu desisti de ver salvação nessa cidade. Ou se vive mentindo para manter o sistema ou morre sendo honesto tentando acabar com ele. - disse o barman, pondo a bebida para Frank. 

O detetive pegou a bebida e dedicou-a ao seu grande amigo. "Ao senhor, diretor", pensou ele, logo virando num único gole. 

                                                                             -x-

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: https://tijolaco.net/como-nao-age-o-stf-diante-de-um-crime/

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