Crítica - Death Note (Netflix)
A perigosa e tênue linha entre adaptação e deturpação.
AVISO: A crítica abaixo contém SPOILERS.
Desde os primórdios de seu anunciamento, não depositei um mísero voto de fé ou confiança nesse projeto porque sabe-se que obras orientais dificilmente são prestigiadas em uma adaptação forjada pela ótica americana. A comparação mais do que óbvia com o execrável (isso não é referência ao Márcio Seixas) Dragon Ball Evolution é inevitável em questão de falhar miseravelmente em adaptar um conjunto de obra para a atmosfera cinematográfica. Receei muito, mas muuuuuito mesmo em conferir essa empreitada da supervalorizada Netflix. Não encarem essa adjetivação como "hate", não é porque seja estimada excessivamente que ela não tem projetos realmente atrativos, isso ela tem de sobra. Mas, previsivelmente, Death Note, esse Death Note que ousa se chamar assim, não é um deles. Não se pode ganhar todas, não se pode acertar em todas as vezes. Eu, como fã confesso da obra original de Tsugumi Ohba e Takeshi Obata, não posso associar esse filme como algo em pé de igualdade com o anime que conheci há 3 anos em sua exaustiva exibição na Play TV.
Light Turner não é Light Yagami. Não há NADA, além do primeiro nome, do protagonista frio, metódico e arrogante nesse personagem que em nada se projeta no seu "eu anime". É uma versão insegura, insossa e frouxa do Light que conhecemos, além de oxigenada - e que reação ao Ryuk foi aquela? Cabível ao que o personagem é (já que é desprovido da soberba de Yagami), mas exagerada. Aqui não vou tentar separar anime e adaptação, porque, verdade seja dita, comparações são inevitáveis e isso nunca irá mudar enquanto novas insistências forem realizadas. E pensar que o projeto, inicialmente, ficaria ao encargo da Warner que o rejeitou friamente. Pergunta que não quer calar: Teria sido melhor ou pior? Diria que melhor em estética, especificamente nos efeitos especiais, mas derraparia feio em adaptação porque a americanização seria tão descarada quanto na produção para streaming. Ao menos, em efeitos conseguiu se sobrepor à atuação sofrível do Nat Wolf, isto nos poucos minutos de tela do nosso querido shinigami Ryuk, inspiradamente interpretado por Willem Dafoe, aqui mais canalha e risonho do que nunca, embora não tão divertido quanto o do anime. Nem pense que ele ficou isento do show de descaracterização. Sabemos que Ryuk tem uma essência que poderia ser transposta ao live action tão fidedignamente como seu visual. Senti falta daquela neutralidade, daquela vibe "foda-se" a respeito de quem deve vencer esse jogo de gato e rato entre Kira e L. Mas não, ele foi introduzido como se fosse uma entidade sobrenatural característica de filmes de terror com todo aquele showzinho de suspense (luzinhas piscando, coisas se movendo e blá blá blá) que em nada casa com sua natureza, nada casa com a proposta da obra que este filme tinha a obrigação de respeitar. Ele incita o protagonista a usar o caderno (que possui um visual mais realístico do que no anime onde o caderno é como se fosse um comum feito no mundo dos humanos) e enfatiza uma seletividade. Ao menos, tivemos um Ryuk observador em boa parte de sua participação ínfima.
Mia é a favorita do shinigami à candidata a "deusa do novo mundo" e que de Misa Misa não tem é nada. Ela DEVIA ser o Kira! Mas seu romance com Light é maçante e a inversão de papéis que enfiaram no roteiro serviu para criar mais antipatia. O enredo é uma montanha-russa de climas desconexos. Ora é um filme com ares colegiais, ora um filme de investigação, ora filme colegial/adolescente com pitada de terror e gore (muito superficial, diga-se de passagem), ora romance adolescente (com direito à baile de inverno, bullying e tudo o que não pode faltar num filme assim, faz parte do lance de americanizar para atender ao público), ora policial... Ele dá voltas e piruetas em várias facetas mas nunca se encontra no ponto certo. Uma dúvida: Porque Mia toca no caderno e não vê Ryuk? Apenas o primeiro humano que o pega é quem enxerga o shinigami? Se assim é, então só mais uma tentativa bem patética de se diferenciar do original para ser tratado como à altura dele e inserir regras inéditas também não funcionou.
E o que dizer do opositor do protagonista, o maior detetive do mundo, L? Ele se chama L, se senta como o L, enche a pança de doces como o L, tem um jeito de falar semelhante ao L, tem o "L" com a fonte característica do L quando se comunica pelo computador, ele tem um quarto particular para suas investigações como o L, ele curte aquele sorvete verde como o L... mas o que é o L perto desse L? Já respondo: Um personagem melhor. O L que enxergamos no filme não passa de um detetive desequilibrado inspirado na figura daqueeeele L de aparência peculiar que fica "amiguinho" do Light e até o contrata para ajudar na investigação. Como assim o maior detetive do mundo é um rapaz de temperamento explosivo com sério despreparo emocional e psicológico? Não aparenta fazer sentido. Para desmascarar Kira seria necessário paciência e não impulsividade. O que diabos foi aquela perseguição que fez eu verificar quantos minutos faltavam para acabar o filme? "L" perseguindo "Kira" diretamente com aquela "pistola de água". Sim, esse foi o ponto alto da mediocridade que não esperava que o filme pudesse alcançar logo no seu clímax onde se aguardava pelo menos uma redenção de todo o desfilar horrendo de má condução narrativa.
Mas já dizia Murphy: Nada é tão ruim que não possa piorar. E piorou... Registro aqui minha dúvida cruel: Quem em sã consciência, enquanto está flagrando uma abordagem de um detetive contra seu alvo, ouve o perseguidor armado dizer que pegou o Kira, bate nele e mostra respeito porque acreditou que aquele garoto oxigenado que tremia nas bases era o fucking-god-Kira? "Senhor Kira". Que cara bobão! Não bastasse as conveniências de roteiro absurdas, daí me vem com essa. Pergunto de novo? Quem em sã consciência faria algo assim? Você acreditaria no próprio L em pessoa na sua frente que aquele "zé" era o próprio Kira sendo você favorável ao Kira? Eu, nesta situação, deixaria rolar o que fosse, não tiraria conclusões precipitadas não importando o quão confiável seja o L - na verdade, não era tanto, então acho que haviam pessoas que duvidavam do comprometimento e da sua postura calma em frente às câmeras e esse cara talvez era uma delas. Porém, acreditou fácil demais, fez o que fez, livrou o Light e isso é sim conveniência forçada de roteiro. Kira e L são bem parecidos, mas de forma deturpada. Ambos deixam-se levar pela emoção, quando suas contrapartes prezam melhor pela razão, a lógica e a inteligência, três coisinhas que não deixariam eles menos interessantes.
É Ryuk escolhendo um pupilo (Mia, no caso), Mia sendo mais Kira que o próprio Kira (e acaba morta), Kira retratado como um adolescente ferrado na vida (perde a mãe, relação difícil com o pai, sofre bullying, vai pra detenção, confia algo que devia permanecer em segredo a uma garota que ele nem conhece direito, fala sobre o caderno nos corredores pra todo mundo ouvir, é descoberto muito facilmente etc, etc, etc), Watari-marionete (pelo menos a menção ao orfanato e às crianças superdotadas deixou uma ponta de curiosidade e sugere a existência dos discípulos Mello e Near)... Esse filme teve de tudo, menos uma adaptação decente e que fizesse jus ao material-fonte. Nem a icônica frase de Ryuk salvou o final.
Considerações finais:
Death Note da Netflix é a prova cabal de que obras orientais não funcionam numa visão ocidental. E olha que a premissa da história tem encaixe certo em moldes cinematográficos. É realmente um negócio complicado. Você pegar uma trama já consolidada do jeito que está, depois adapta-la com a melhor das intenções a um conceito estabelecido e "enclichezado" mas acabar mais distorcendo a mística da obra do que bem adaptando somente para agradar ao nicho que não detém tanto conhecimento do material original. Foi o que aconteceu à esse filme. Definitivamente, não é um filme feito para fãs, é raso, artifical e, infelizmente, não honra em nada ao que tentou se inspirar ou emular e o pior é que conseguiu a proeza de falhar nos dois.
NOTA: 2,0 - RUIM
Veria de novo? Jamais.
*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: http://comicbook.com/anime/2017/06/29/death-note-netflix-ryuk-photo/
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