Frank - O Caçador #10: "A Besta de Vanderville"
Confessionário:
Que alívio finalmente poder dizer: O grande dia chegou. Só tenho a agradecer imensamente ao seguidor ou seguidora Magia_Implacável por ter me fornecido as coordenadas que conduzem à localização da bala. Elas não existem nos arquivos do meu pai, pois, em teoria, ele não desejava que eu fosse parte do legado e acabasse sofrendo o mesmo destino no futuro. Não queria que o desejo de vingança subisse à minha cabeça. Mas meses atrás conheci uma amiga, a qual tem bastante em comum comigo apesar da experiência dela ser limitada, que me ensinou uma lição importante e esclarecedora. Às vezes a vingança pode ser considerada justiça quando a razão realmente pede por isso, quando se tem uma motivação contundente para fazer o que é certo. Depende muito do contexto. A vingança movida à raiva é vazia. A vingança movida apenas pelo luto é justiça. Agora tenho dois trunfos para realiza-la e só vai bastar um único tiro. Mais do que o legado, é pela vida do meu pai.
Esta será... a minha última caçada. Venho pensando nisso desde que encontrei aquela papelada por acidente e entrei nesse mundo obscuro onde meus ancestrais viram o fim da estrada nas garras de uma criatura bestial e sedenta por sangue fresco. Me desejem sorte. Vou precisar. Esse canal será fechado se eu voltar inteiro. É uma promessa que fiz à mim. Voltar a ser um homem comum depois que meu principal objetivo como caçador fosse cumprido. Eu sobrevivi até aqui, seria covardia voltar atrás agora.
Adeus. Agradeço de coração quem me acompanhou em todos os áudios.
***
CAPÍTULO 10: A BESTA DE VANDERVILLE
Vanderville - 04h15
As pernas de Frank corriam freneticamente por um espaço coberto por vegetação baixa na atmosfera gélida realçada pela luz do luar cheio e vivaz.
Os sons das suas botas pisando no solo arenoso eram abafados por grunhidos selvagens e sibilantes.
Arriscou uma olhada para trás e arregalou, temendo o perigo de proximidade se tornar grave. A criatura andava com as quatro patas o que conferia melhor velocidade na hora de abocanhar a caça.
Quando conseguiu a distância ideal, a mão negra, grossa, de pelo curto e caráter animalesco agarrara a perna direita de Frank com força, derrubando-o contra o chão e, logo em seguida, o arremessando como um mero objeto em direção a parede feita com tábuas de madeira de um celeiro daquele território que era propriedade de um fazendeiro proeminente na região.
O corpo do detetive quebrou a parede de madeira em vários pedaços, fazendo enorme barulho, até rolar pelo chão repleto de feno.
- Sua... desgraçada... - disse Frank, rolando pela última vez e sentindo as costas latejarem em dor profunda. Cerrava os dentes e gemia pelo alto desconforto.
A visão da criatura era ampliada como a de uma águia e ligeiramente cinzenta. E se aproximava ferozmente do celeiro invadido para perpetrar um novo golpe contra seu caçador.
***
Danverous City - 25 horas antes
De surpresa, Frank entrara na sala de Carrie parecendo empolgado por um último favor naquele fim de expediente. A assistente o olhou de relance enquanto arrumava suas coisas.
- Ah, foi mal, Carrie - recuou ele - Já está de saída, não ia falar nada demais...
- Não, pode dizer, hoje não dei bandeira pra pressa. - disse ela, bem-humorada. Porém, franziu o cenho depois - Espera, não era para você estar cuidando do caso do Wendigo em Ylon? Por favor, fiz aquela pesquisa com tanto afinco, na esperança de ouvir você dizer que arrancou a cabeça do monstro. Qual é, Frank? - indagou, aproximando-se meio tensa - Não vá me dizer que ligou para minha musa do rock e a forçou com algum impulso motivacional a dar conta dele sozinha.
- Em primeiro lugar: A Natasha prometeu que só nos falaríamos de novo quando por um acaso do destino a gente se encontrasse no meio de um caçada em comum, o que não quer dizer que ela tomou pra si os casos vampirescos da cidade com o direito de chegar primeiro. - disse Frank, andando pela sala tranquilamente. Virou-se para Carrie em seguida - E em segundo lugar: Eu tô atrás de arrancar a cabeça de um monstro bem específico. Tem tempo pra uma pesquisa rápida?
Carrie, instintivamente, olhou no relógio de parede. 23:04.
- Depende. - disse ela, dando de ombros, pouco aberta ao pedido - Que criatura tão específica é essa que você me pede pra pesquisar logo agora?
- Quer saber o que eu estava fazendo e onde estive? OK, vou fazer minha parte. Fiquei preso num engarrafamento insuportável e no limite do estresse acabei dando uma volta pra esfriar a cabeça e... chamei um colega de caçada, o Alvin, só que ele estava ocupado...
- Daí você foi perguntar aos irmãos dele. Deixa eu adivinhar: Simon e Theodore? - disse ela, não levando a explicação nem um pouco a sério.
Frank suspirou, aborrecido.
- Ele não tem irmãos. Mas nem tudo estava perdido: Havia um outro nome na lista, a minha esperança do dia, e ele se chama Matt. Ficou por um curto tempo no mesmo grupo que eu, o Morris e o Jack, e o número ainda estava num celular meu de quatro anos atrás.
- É, você, pelo visto, tem muitos amigos de bando. - disse Carrie, com um ponta de incerteza.
- Meus únicos amigos são você e o diretor. - enfatizou Frank, erguendo de leve o indicador - O resto... - deu de ombros - ... não passam de colegas na base do uma mão lava a outra de vez em nunca.
- Muito bem, o tempo tá passando. Preciso relaxar. Me fez perder tempo com uma pesquisa inútil hoje de manhã. - reclamou Carrie, indo em direção à mesa para religar o laptop - Ainda que seja estranho você ter colocado dificuldade pra resolver um caso tão trivial, não vou dispensar um favor já que você faz parecer tão importante. - ao ligar, moveu os dedos nas teclas com rapidez - Manda aí.
- Preciso que dê uma olhada em relatórios policiais de Vanderville dos últimos 6 meses. - disse Frank, lacônico, andando até ela para acompanhar - De preferência, os que figurem a categoria... ataque de animal.
- O quê?! - soltou Carrie, espantada - Mas... Você acredita mesmo na lenda da besta que supostamente estraçalhou várias pessoas nas florestas? Pode ser qualquer coisa, menos o que descrevem na internet. Tudo o que existe são artes de teóricos malucos e até fanfics de gente que se acha o bam-bam-bam do conhecimento sobrenatural que não é nada comparado ao seu. Frank, não acho que a besta de Vanderville... seja essa montanha de músculos que soltam na web.
O detetive esforçava-se para não falar além do necessário sobre a ligação de sua linhagem com o monstro de caráter bizarro.
- A única fonte real talvez... - disse ele, meio incerto.
- Talvez...? - indagou Carrie, curiosa.
Frank a olhou retraidamente.
- O meu pai... ele tentou destruir essa besta numa caçada que pode ter consumido anos que ele poderia ter gasto com uma vida tranquila e junto da família que criou. Ele falhou e desistiu de caçar. Até morrer quando eu ainda estava no ensino médio.
Tocada pela história parcialmente falsa, Carrie demonstrou todo o sentimento de apoio.
- Então acredita que... a verdade sobre a besta pode estar em um arquivo do seu pai?
- Não existe pode estar, eu sei que está. - disse o detetive. - Só não tenho certeza quanto as anotações condizerem com a realidade. Pode ser igual, pode ser ainda mais assustador ou pode só haver uma cartinha de desabafo sobre o fracasso que ele se sentia como caçador. Tem algo lá sobre a besta, sem dúvidas, não está nas primeiras gavetas à toa.
- Bem, estamos lidando com um ser que provavelmente nem existe. - disse Carrie, fechando o laptop - Fica a seu critério, eu vou apenas me alimentar de informações.
- Se eu comprovar que o que está nos arquivos ter semelhanças com o que foi divulgado na internet. a lenda deixa de ser o que é. - disse Frank, desejando ter poder para teletransportar-se diretamente aos armários no porão de sua casa. - Como você me disse mutias vezes... Lendas podem ter um fundo de verdade.
- Exato. Mas tenho por mim que essa pode ser uma exceção. - especulou Carrie, séria. - De qualquer modo, não posso te impedir de buscar a veracidade que tanto quer. Afinal, tem a ver com você de um jeito bem pessoal. Só que...
Frank engoliu a saliva, lembrando-se do quanto sua assistente conseguia ser intuitiva.
- Só que o quê?
Um instante de silêncio pareceu um congelamento no tempo.
- Nada. É só uma ideia maluca. Bobagem. Impressão minha, não tem porque falar.
- Ah... tá certo. - disse Frank, estreitando os olhos.
***
Vanderville
A criatura adentrou pela enorme abertura na parede de madeira destruída, caminhando praticamente de modo bípede apesar da coluna vertebral possuir um sério limite que não permitia forçar.
Frank ainda se via à mercê ao estar largado no chão apoiando-se nos cotovelos e de frente para o monstro que mirava seus quase invisíveis olhos fixamente à ele manejando as longas garras afiadas brilhando como lâminas ao luar. O detetive sacara duas pistolas de seu sobretudo e prontamente disparou inúmeras vezes. Numa visão realista, o movimento servia para prolongar a vida de Frank em alguns minutos de sobrevivência.
O corpo da temível besta mal se debatia com as balas que penetravam em seu robusto corpo. Apenas buracos não muito profundos que em teoria seriam regenerados em segundos.
"Não vou ter tempo pra recarregar, assim que não tiver mais nada ele vai partir pra cima com tudo!", pensou Frank, desesperando-se.
A munição acabara quando ele menos esperou.
A criatura esperou um instante. O detetive olhara para escada reta de madeira em uma curta distância à sua direita. A mesma levava para o segundo piso do celeiro e ainda assim não oferecia total segurança para pensar em uma nova estratégia.
Rapidamente, Frank levantou-se e correu até a escada, tentando subir de dois em dois degraus.
A besta rosnou ameaçadoramente como um cão enfurecido e partiu à persegui-lo, sua visão acinzentada focando em lançar uma mordida profunda nas pernas de Frank.
***
Danverous City - 14 horas antes
Frank costumava checar suas redes sociais e caixa de e-mail semanalmente, sempre as sextas-feiras. Sua negação lhe dizia que o dia 22 de Setembro estava ainda distante. Porém, ele havia chegado depressa e o que era necessário para confirmar sua vingança no dia exato não passava de uma pilha de nada. A vingança perfeita estaria arruinada. O detetive estava sentado à mesa da cozinha, passando as mãos no rosto em aflição com longos suspiros após perceber que não havia novidades na caixa de entrada. "Não pode ser... Será que todo mundo esqueceu? Como um público tão pequeno esquece de uma coisa que fiz questão de enfatizar em praticamente todos os áudios? Não é impossível um negócio desses...".
O celular vibrou tocando no silencioso.
- E aí Carrie? Se quer saber, não vou pro trampo hoje.
- Ainda são nove horas, talvez não tenha problemas você se atrasar, sexta-feira é sempre o dia de bom-humor do diretor. - disse a assistente - Bem, liguei pra saber do que você descobriu sobre a besta. No arquivo do seu pai não tinha nenhuma pegadinha, certo?
- Acha que meu pai ia pregar uma peça em mim relacionada a um monstro que ele fazia parecer o diabo encarnado? Sem chance. - retrucou Frank, franzindo o cenho.
- Parece meio irritado... - percebeu Carrie - Aconteceu alguma coisa? Não era tão profundo assim?
- Carrie, os arquivos corroboram 90% do que dizem na internet. - disparou Frank, apertando o botão de atualizar no laptop. - Acredite em mim, muita gente já ficou cara a cara com esse monstro e sobreviveu pra contar. Meu pai não especificou nenhuma teoria, só tem anotações e transcrições de relatos da época, ele fez uma linha do tempo super-organizada e desenhos com semelhanças enormes com base nas inúmeras descrições que ele coletou, tem até um diário completo da caçada onde aconteceu o pior fracasso da vida dele.
- Be-bem... - Carrie gaguejava, aparentemente espantada pois o tom do detetive transparecia seriedade - O mistério que sobra é a abstinência da criatura por carne humana. Ela não se alimentou nos últimos 6 meses, de acordo com os dados mais recentes da polícia local.
- Como é?! - soltou Frank, quase derrubando sua xícara branca com café - Isso é sério? Quer dizer... Você tem plena certeza, olhou tudo direitinho aí? Nenhum corpo nos últimos 6 meses foi recolhido com marcas de garras e mordidas no necrotério da cidade?!
- Absolutamente nenhum caso dessa natureza. - confirmou Carrie, conferindo novamente em seu computador - Isso consequentemente fez a lenda perder força. Alguém pode ter chegado primeiro...
- Não, não, i-impossível... - disse Frank, deixando seu nervosismo explícito, apertando a tecla de atualização a todo segundo - A besta não pode ser morta por meios convencionais... Digo, balas de prata são letais contra ela, mas há um tipo de bala com formato parecido com as das que são atiradas por fuzil de uso militar. Só existe um revólver com um carregador feito especificamente pra esse tipo.
- Olha, Frank, essa sua... empolgação, se é que posso chamar assim, não tá me soando bem. - opinou Carrie, preocupada - Sei que quer ser bem sucedido aonde o seu pai falhou... mas vai com calma aí, inclusive com essa informação que você me deu agora já posso descartar a hipótese de um caçador estar no páreo com você.
- Tudo bem, eu... eu tô calmo, graças a você. - disse Frank, os olhos ansiosos vidrados na tela do laptop - Deixa eu te contar uma coisa importante... - baixou um pouco a cabeça - ... pra variar. - deu uma risadinha nervosa - Presta atenção... Eu... lancei um desafio no meu canal aqui na internet... para alguém me fornecer a localização da arma e da bala. Dei um prazo até hoje e... até agora nada.
Carrie pareceu muda do outro lado da linha.
- Por que não me disse antes, seu idiota? Eu podia ter encontrado pra você em poucos minutos e em vez disso preferiu esperar por um bando de desconhecidos durante meses. Isso vinha com uma recompensa?
- Err... não. - disse Frank, contido, o suor descendo pela testa - Mas muitos se voluntariaram sem pedir nada em troca. Essa arma é lendária, Carrie. Não é em qualquer lojinha mequetrefe que você encontra. Meu pai disse... que um grande e famoso caçador nascido e criado em Vanderville forjou a bala e a arma porque calculou só de cabeça as medidas do crânio da besta e acertou a trajetória que a bala devia percorrer. Tinha que mirar exatamente no meio do cérebro, pois o formato da bala danificando todo o conjunto neural ia ajudar a colapsar com todo o organismo dela a partir da morte cerebral. Quando meu pai voltou de mãos vazias, ele devolveu a arma com a bala ao mausoléu onde o caçador superdotado tinha depositado. Lembro de ter perguntado e ele me dizer: "Frank, meu filho, isso é uma história grande demais para sua mente ainda tão pequena. Se um dia chegar a descobrir a verdade, não se atraia à ela. Você deve fugir disso, seguir em frente sem olhar pra trás. Quando crescer não seja como eu, seja para a vida o que eu nunca tive chance de ser." - seus olhos marejaram naquele instante.
- Frank... tá tudo bem? - indagou Carrie, percebendo uma ponta de pesar mórbido na voz do amigo.
Antes que ele respondesse, o sininho de nova mensagem piscara em vermelho na caixa de entrada.
Estremecendo, Frank clicou às pressas, depois enxugando uma lágrima que derramou sem querer.
- Agora sim está. - disse ele, olhando o conteúdo e formando um sorriso de canto.
- O que foi? Alguém te mandou e-mail sobre a bala?
- Carrie... Hoje será o último dia em que essa besta vai caminhar sobre a terra.
- Muito auto-confiante pro meu gosto. Geralmente não acaba bem. Frank, você tem certeza de que dá conta dessa bagagem?
- É o que verei hoje a noite. - disse o detetive, mal piscando ao olhar a mensagem completa.- Dessa noite não passa. Ah, não passa mesmo.
"Maga_Implacável: Olá TheHunter, descobri onde fica guardada a tal arma especial. Com um hack perfeito, obtive a combinação do cofre do mausoléu invadindo o endereço de IP do proprietário atual. Esse lugar foi comprado por Herbet Midlong há 28 anos e preservou cada detalhe pelo valor histórico ao invés de transformar em um museu. Está aberto a visitação gratuita. A parte mais antiga da linhagem dos Montgrow morou nessa mansão por mais de 30 anos. Nunca ouvi falar dessa família, mas não pareciam tão influentes apesar da fortuna. Você vai dar uma de espião que eu sei kkkk. Espero que entre e saia sem levantar suspeitas.
Aqui a senha do cofre:
S-C-P-0-3-0-3
Tenha boa sorte! Sou uma grande fã sua <3"
***
Vanderville
A tentativa de se manter provisoriamente seguro no piso de madeira sustentado foi por água abaixo.
Frank descera ás pressas, quase bolando no chão ao pular, visualizando poucas opções para enfrenta-la por alguns minutos já que aqui ali seria o local propício para ganhar o jogo.
O rosnado ficara mais próximo, forçando o detetive a pegar o que estivesse à sua frente para defender-se improvisadamente. Uma pá grande foi a escolhida.
Esperou o perigo de proximidade tornar-se estreito para enfim se virar e golpeá-la de esquerda com a pá diretamente na mandíbula alongada e fortificada. Depois veio um golpe de direita ainda mais violento que a afastou alguns metros para trás. Mas sempre voltava, expelindo a salivas pegajosa.
Mais golpes de ambos os lados. Uma sequência cansativa. O detetive, aturdido, mal via respingos de sangue a cada ataque, não importando o nível de intensidade. O último fizera sobrar apenas o cabo. A pá fora parar em algum canto opaco.
"Medida drástica agora!", pensou Frank, ainda confiando no uso do cabo.
Grunhira em voz alta e avançou com o cabo mirando no abdômen da besta, empurrando-a severamente contra uma das parede de madeira, com o impacto derrubando uma estante próxima com vários ferramentas.
A besta revidou prontamente com uma bofetada desferida do dorso da sua grande pata, arremessando o detetive contra a parede da frente. O impacto das costas de Frank não provocou muitos danos à madeira. "O dono dessa fazenda vai precisar de uma reforma nisso aqui...". Enquanto levantava-se, passou os dedos rapidamente na bochecha esquerda, sentindo dois cortes diagonais que sangravam um pouco. A besta recompunha-se como se nem tivesse sido encarada antes, a luz da lua banhando-a de modo parcial, o que lhe dava um aspecto genuinamente sinistro. O detetive a fitou com cólera, olhando á sua direita algo que pudesse usar como nova arma improvisada.
Pegara um facão que "desembainhou-se" com o barulho de lâmina e o jogara verticalmente contra o peito da criatura que estava semi-bípede. A faca penetrou com força profunda no alvo.
Como nova alternativa, Frank pegara uma forquilha, posicionando-se para mais um round e mirando as três pontas diretamente à besta que retirava o facão sem esboçar nenhum sinal de vulnerabilidade.
Ao largar a lâmina no chão, espantando a Frank, a criatura produziu um rugido que parecia feito sua mandíbula chegar ao limite da abertura da boca. O detetive teve a sensação do som estridente fazer tremer o espaço, mas não se abalou.
Outra vez ele avançara, usando a forquilha. Ainda estava difícil definir uma posição correta para sacar a arma lendária e mirar com toda a precisão requerida.
***
Danverous City - Mausoléu Montgrow - 9 horas antes
Depois da rápida tour pelas área das criptas com os túmulos de familiares de Frank, era a hora de cruzar a ponta para receber o presente que era dele por direito
- Aqui está , senhor Montgrow. - disse o gerente do mausoléu, associado com o apropriador, entregando a chave da sala onde se encontrava o cofre. Um homem calvo de estatura mediana, de terno marrom com gravata vermelha e rosto de meia idade e meio redondo com olhos quase puxados por trás de um óculos. Por um segundo, o fitou com curiosidade - Afinal, por que não disse antes que é herdeiro legítimo da propriedade? Nesse caso, o senhor é quem deveria tomar posse de todos os bens, não o imbecil do meu sócio.
- Desculpa ter feito esse suspense, amigo. - disse Frank, demonstrando estar nervoso naquele corredor de paredes cinza escuro e iluminado por lamparinas brancas - A empolgação aqui tá difícil de controlar, sabe. Isso... significa muito pra mim. O meu pai criou um dossiê profundo sobre todas as valiosidades que a família conseguiu em décadas. E agora que sou o último descendente vivo...
- É, eu entendo perfeitamente. - disse o homem, condescendente. - Que mal lhe pergunte, mas... sabe me dizer o que seria o conteúdo no cofre?
O detetive foi acometido por uma pontada de desconforto pela inconveniência inesperada.
- Ahn... eu não acho que deveria falar sobre isso... abertamente com o senhor.
- Eu dou minha palavra, por favor. Não vou expor a ninguém. - disse ele, em um semi-tom de súplica.
- Olha, o senhor me fez bem em dar essa chave - mostrou o objeto revestido de um dourado vivo - antes de fazer esse pedido nada ético.
- Ma-mas... Eu peço por favor, não quero parecer um idiota curioso...
- Não quer parecer? - indagou Frank, arqueando as sobrancelhas em tom irônico - Sinto muito, amigo, não vai ser hoje que terá a chance de provar o contrário. O que envolve isso tudo é negócio de família. Entendeu? - virou as costas andando com tranquilidade sem prever um surto do gerente para lhe tomar a chave e chantageá-lo - Obrigado pelo atendimento. - falou, sem muita boa vontade.
- De-de... de nada. Boa sorte. - disse o homem, levemente erguendo a mão direita para Frank em um semblante de desalento. - Quisera eu ser mais jovem e ter mais corpo, assim não teria sido fácil pra ele. - falou ele, em tom baixinho. - Merda. - reclamou, saindo do corredor.
O detetive havia escapado de uma tentativa - estupidamente falível - de um golpe desonesto.
***
Vanderville
Frank fora derrubado na sua tentativa de perfurar a besta com a forquilha enferrujada que pegou aleatoriamente. Caindo no chão, o detetive se via impotente e a mercê de um ataque fatal.
Sacou uma outra pistola, a última das que aproveitaria para mante-la distante na medida do possível.
No entanto, antes que apertasse o gatilho, sentiu a grossa pata da criatura tirar a arma de sua mão e depois pega-lo pela gola do sobretudo e ergue-lo.
"Essa não, essa não!", pensou, em completo desespero.
- Anda logo, seu monstrengo maldito... Sou todo seu. "Foi mal, pai. Seja lá onde estiver... me desculpa por essa vergonha ao legado." Fechou os olhos apertadamente, aguardando as garras afiadas transpassarem sua carne.
Para a sua estranheza súbita, contudo, a besta preferiu coloca-lo de volta ao chão e encara-lo parada, bufando com seu focinho gélido e presas à mostra.
Boquiaberto e confuso, Frank imaginou estar fora da realidade. Olhou para o nada por vários segundos, respirando pesadamente.
- O que diabos é isso? - indagou a si mesmo, depois desviando o olhar pata a besta curiosamente amansada - Vamos, sua besta do inferno, me ataca! - vociferou ele. Ignorar a facilidade estranha para abraçar a vantagem sairia mais barato do que simplesmente forçar o estímulo selvagem da criatura. Por isso, foi lentamente levando a mão direita a um bolso de trás do sobretudo no qual estava a arma especial com a bala de prata bicuda. - Desistiu, foi? - estreitou os olhos, recuando alguns passos - Tem alguma coisa errada nisso.
Sentiu outra parede de madeira do celeiro atrás de si, dando uma olhada rápida por trás. Por fim, exibiu o revólver carregado, mirando-o diretamente no ponto exato para liquida-la: o centro da testa por onde a bala atravessaria o cérebro, desligando todas as funções vitais instantaneamente.
"O que tá acontecendo? De repente... ficou fácil demais. E-ela... mal se mexe...E se não houver só uma besta? E se for armadilha de um caçador local?"
A criatura pareceu ter despertado de um transe quando se empertigou de supetão e voltou a rosnar, logo em seguida indo em direção à Frank com as quatro patas e boca aberta despejando respingos de saliva viscosa.
- Agora senti firmeza! Vem sua desgraçada! - disse Frank, segurando o revólver como a garantia de sua sobrevivência, pronto para atirar quando ela pulasse para dar o bote selvagem.
***
O dedo indicador direito de Frank apertava tranquilamente cada dígito da senha do valioso cofre.
- S, C, P... 0-3... 0-3. - depois apertou um botão ao lado dos números e letras para confirmar o acesso. - Prontinho. - disse ele, esfregando as mãos devido à ansiedade.
A luz que brilhou era de uma cor verde florestal, sinal claro de que o e-mail não se tratava de uma pegadinha maldosa de um falso seguidor como o próprio detetive temia.
Parecia algo valedouro demais para ser tão fácil de obter.
Abrindo o cofre, o detetive logo deparou-se com uma maleta preta ligada a um fio elétrico.
Ao pega-la com cautela, tentou abrir as fivelas devagar com uma mão e segurando-a com a outra.
Uma luz amarelada provinda de lâmpadas minúsculas, conectadas no interior da mala, o banhou de baixo à cima como um raio de sol ainda nascente.
Petrificado de admiração, Frank observou o aspecto único do revólver que possuía cano longo.
- Vem pro papai. - disse ele, levando sua mão esquerda ao objeto-chave de sua conquista.
***
Departamento Policial de Danverous City - 4 horas antes
Ernest Duvemport entrara irrompedor na sala particular de Carrie em passos firmes e largos. Num segundo, a assistente tinha detectado como o chefe se portaria dado os movimentos e postura.
- Carrie, sabe onde o Frank se meteu? Por que não deu as caras hoje? - perguntou, destacando seu celular cuja tela mostrava letras pequenas em três linhas curtas.
- Ahn... A mãe dele estava com problemas, ele precisa de pelo menos um dia pra resolver o que quer que seja a urgência. - mentiu ela, mal olhando para o diretor estando concentrada no laptop com seus óculos de armação pequena que utilizava esporadicamente. - Ué, achei que ele tinha lhe avisado...
- É, ele me deu um aviso. - disse o diretor, aproximando-se - Visitar a mãe depois de um bilhete misterioso enviado a um amigo não soa muito comum. - mostrou o celular à subordinada.
- Espera aí, bilhete misterioso...? - indagou Carrie, voltando seus olhos a tela, visualizando o conteúdo com sua rápida leitura. Sua garganta pareceu falhar. A mensagem dizia: "Estou indo rumo à missão da minha vida. Não se preocupem. Você e Carrie são os melhores amigos que um caçador pode ter. O que vai acontecer nessa noite vai determinar se é um Adeus ou um Até logo. Mas não se preocupem, por favor." - Eu não acredito. Ele... Ele foi mesmo.
- Pra onde? - quis saber Ernest, rigoroso no tom.
Erguendo o olhar para o chefe, Carrie lançou uma expressão tão séria que até o deixara nervoso.
- Matar a besta de Vanderville.
***
Vanderville - 23h00
Um sedã prata, modelo de 2010, encostou em uma região meio gramada e meio arborizada, próximo, à esquerda, de um terreno íngreme repleto de pedras e terra fresca que conduzia à uma zona de aspecto localizada à poucos metros dali. Com o desligamento dos faróis, o motor parou de roncar em seguida. A lua pálida de luz azulada resplandecia sobre toda aquela extensão em meio ao céu estrelado. Os grilos cantavam sua ópera corriqueira.
Frank baixara o vidro do carro para averiguar a área com seu binóculo e ver se a barra estava limpa.
Aparentemente, sem sinal de pessoas ou animais circulando pelas terras. Os ataques da besta quase propulsionaram uma falência ao fazendeiro dali, um rico e influente homem que auxiliava no setor agrário para a sustança da cidade. A fazenda já foi atormentada por cerca de 10 ataques em apenas 5 meses, onde se extraíram provas concretas de animais mortos com olhos arrancados e corpos rasgados e estraçalhados pelo que se teorizava duplamente ser a ação de um rival do fazendeiro ou um animal selvagem provindo da reserva florestal.
- Bem, chegou a hora. - disse Frank, saindo do carro portando um rifle altamente carregado. Estudou a região com minúcia, fechando a porta - Deve ser por essas bandas que ela gosta de perambular. A noite vai ser longa... mas tenho que encontra-la antes do amanhecer. - lembrou-se do celular, logo pegando-o e religando-o para conferir se haviam chamadas não atendidas. "12 chamadas de Carrie Wood ignoradas.". Uma expressão de desconsolo se fez em seu rosto de 40 e poucos anos. Porém, a decisão já estava tomada. "Foi mal, Carrie... Foi mal, diretor... Mas não posso desistir agora que cheguei até aqui, não tem como. Um dia a gente se reencontra... talvez aqui ou no outro mundo.", pensou Frank, respirando fundo para conter a angústia e conformar-se com o peso doloroso daquela missão sem garantia de retorno.
Desligou o aparelho, acionou o alarme do carro, puxando a trava do rifle antes de executar o passo inicial à caçada de sua vida. A caçada mais importante de todo o legado Montgrow.
***
6 horas e 10 minutos depois...
A onda do estampido repercutiu pelo local e pouco mais além. O projétil bicudo e extraordinário saiu rompante do cano, cursando a trajetória determinada pela mira que Frank se esforçou ao máximo para conter a precisão dentro do essencial.
A bala penetrou com velocidade incrível na testa da criatura que combaliu ao chão imediatamente, apoiando-se com as duas patas dianteiras.
Ergueu seu corpo, recuando desajeitadamente e produzindo uma mistura estranha de gemidos e grunhidos de dor. De seu corpo tremeluzia uma luz aparentemente dourada, intermitentemente mostrando as "sombras" dos ossos de suas costelas.
A besta arfava intensamente. Frank, em estado de choque absoluto, limitava-se a observar a façanha.
"Eu não posso acreditar... Consegui...", pensou ele, mal reagindo, a fumaça saindo do revólver.
Os últimos arquejos da besta precederam uma queda lateral que sinalizava a morte explícita.
Sobrou o silêncio. O corpo da besta jazia inerte como uma pedra.
O detetive, após um longo instante, resolveu aproximar-se sem intimidação. Claramente estava acabado. A fitou com ojeriza, embora por dentro explodisse o senso de justiça.
- Isso foi pelo meu pai. Seja lá pra qual inferno você for... é bom ficar por lá mesmo. Pra sempre.
- Não devia falar assim. Está faltando com respeito. - disse uma voz feminina que assustou-o. Frank virou-se para a direção da voz, fortemente alarmado. Antes que perguntasse quem era, já estava vendo a figura da mulher se esclarecer aos estarrecidos olhos cujas pupilas dilataram.
- Vo-Você?! - soltou ele, franzindo a testa em confusão.
Uma mulher de vestido preto-azulado andava lentamente até ele. Sua fisionomia, rosto e cabelos foram reconhecidos num segundo para a perplexidade do detetive. Por outro lado, tinha que concordar que ela a beleza dela tornava-se mais nítida sem os óculos.
- O que... Ma-mas... - Frank mal definia por onde começar, balançando a cabeça em negativa - Megan?! O que você tá fazendo aqui?
- Sei o quanto está surpreso, mas eu, sinceramente, preciso ser ouvida. - disse ela, a expressão aflita -Só pra começo de conversa, a Carrie tinha razão sobre mim, rastreei a conversa que tiveram no dia em que você investigou a criatura no sanatório.
A cabeça de Frank girava em perdição.
- Como é que é?! - disse ele, elevando o tom e fitando-a com desconfiança. Depois veio a lembrança baqueante na forma da voz inconfundível de Carrie: "Três palavras: Não confie nela"
A bruxa deu um passo adiante, mas fora repreendida.
- Não, fica longe de mim. - ditou Frank, apontando-a com o indicador direito - Agora você vai me dizer... o que fez com a Carrie pra deixar ela tão fora do normal. Só pra começar. Quem é você, Megan?
- Quer mesmo do começo? Ótimo. - disse ela, dando de ombros - Não me chamo Megan. - revelou, balançando a cabeça em um não - Vou me apresentar de novo: Dorotheia. Fisguei sua confiança, seu coleguismo, sob as ordens de gente poderosa que quer testa-lo para um fim que empregadinhas como eu não podem saber nenhum "a". Uma delas é Arnold Crissman, aliás um dos meus amantes.
Uma ânsia de vômito acometeu Frank. Era demais para sua mente atordoada processar de uma única vez naquele instante.
- Não para por aí. Arnold e a empresa são chefiados por um pessoal ainda mais poderoso... e perigoso também na mesma proporção. - disse ela, meio temerosa - Recebi ordem de sigilo contratual e como eles tem olhos e ouvidos em todos os cantos, já sabem que estou quebrando um mandamento passível de punição. - fez uma pausa, olhando para a janela do celeiro um pouco acima, observando o céu noturno aparentar estar clareando. Tirou um anel preto, de aspecto sofisticado, do seu dedo anelar para joga-lo à Frank - Toma. Fica de lembrança. - o detetive pegou-o certeiramente - O Anel do Feiticeiro. Pertenceu ao grande Merlin. Não tão bonzinho como nos livros. Sei que você tem uma coleção de itens sobrenaturais, considere isso um presente.
- Então você é... - disse Frank, mal conseguindo desentalar suas dúvidas de tão chocado. - Uma bruxa. E-esse anel... o símbolo dele... por isso é tão familiar, já o vi num arquivo do meu pai.
Megan assentiu com firmeza, seus olhos marejando.
- E é sobre ele que devemos falar agora. A besta de Vanderville como você acreditava nunca existiu.
- O quê? - indagou Frank, franzindo o cenho - Tem seu dedo podre nessa história... Desembucha logo. - pediu, rispidamente.
- Ah e como tem, você não faz ideia. - disse ela, derramando uma lágrima.
- Para com esse choro que isso não tá ajudando a limpar a sua barra. - disse o detetive - Diz logo... Dorotheia. O que você tem tanto a ver com a besta? Eu acabei de mata-la, ela tá morta bem ali - apontou com o polegar esquerdo. - Eu venci. Honrei o legado de caçador.
- Minha história com essa linhagem prova exatamente o contrário, Frank. Você... não fez... absolutamente... nada. Por nenhum dos seus ancestrais. - enfatizou ela, transparecendo sinceridade - Sou uma bruxa com mais de mil anos nas costas. Vi o mundo virar de ponta à cabeça várias vezes. Muito antes de transitar entre a solidão e o ódio, eu me apaixonei perdidamente por um homem destemido, corajoso e vigoroso... ele era como você. Pra ser exata... seu tataravô.
Ao ouvir aquilo, Frank sentiu como se o chão do celeiro rompesse sob seus pés, o deixando cair num abismo sem fim.
- Porém, chegou o maldito dia em que vi uma faceta obscura de Nathaniel Montgrow. Descobri que estava me traindo com uma das vadias que ele salvava e que o pagavam com sexo barato e sem compromisso. O homem que eu amava era um Don Juan com fachada de herói. Depois da dor veio a raiva. E a partir da raiva, fiz o que achava que era certo. Ser só mais uma na lista de objetos de prazer dele me deixava louca, arrasada e com vontade de matar. Mas não matei, fiz coisa pior. Ele tinha um filho, criado sozinho por ele depois da morte da esposa. Numa noite de inverno, eu o reencontrei. Ele achou estranho. Não quis conversa comigo como antes, mas fiz questão de prolongar. E então dei meu bote como uma serpente bem astuta. O fiz beber uma poção, nada mais que uma mistura de sangue humano e toxina de lobisomem. Meu querido Nate se transformou numa criatura horrenda... numa besta selvagem. - relanceou o cadáver animalesco atrás de Frank que expressava espanto na face - Não bastava ter perdido meu amor, era justo também fazê-lo perder a própria humanidade. A vingança perfeita de ontem é a amargura de hoje.
O detetive só fazia crescer sua ojeriza pela mulher.
- Tem outra coisa... antes de me despedir.
Frank rira com certo escárnio.
- Só pode tá de brincadeira com minha cara, né? - indagou, desfazendo do sorriso e voltando para a expressão de enojo - Me deu de presente o seu anel, vou te retribuir com umas algemas que trouxe. Anda, sua bruxa de merda, termina logo com isso. Enganou a Carrie, enganou o diretor, a mim... Não pense que vai sair livre, leve e solta dessa história, você tá ferrada.
- Tá bem. - disse Megan, ficando apreensiva - Nate se tornou a primeira besta e deu início á maldição que se estendeu por toda a linhagem. O feitiço tinha como regra não deixa-la sair da cidade. O filho dele, seu falecido bisavô, virou caçador e quando adulto foi atrás de matar a temível besta de Vanderville, forjando uma réplica perfeita da arma e bala. A original está com você, foi a que o Nate trancou no cofre do mausoléu. Lembro do dia em que ele a testou, estávamos juntos na floresta, foi... um lindo dia, eu amava tanto ele. - engoliu seu pranto, mordendo os lábios - O filho dele... foi mordido pela besta... o antigo homem que jurei meu amor. Outra regra da maldição: a mordida é contagiosa apenas para pessoas com consanguinidade. Do seu bisavô passou para o seu avô... do seu avô para o seu pai... e hoje a sequência macabra teve fim. Graças a mim.
A face de Frank estava totalmente tomada pelo horror.
- Graças a você? - questionou, forçando-se para não desabar em choro - Mas como?
- Acho que não reparou. - disse, apontando para o corpo da besta - Pus uma coleira enfeitiçada nele que reduziu a periculosidade em 50%. - Frank virou-se para olhar um pouco mais de perto. A claridade primordial da manhã ajudava - Por isso foi tão fácil. Isso inclui também a combinação do cofre, eu sou a Maga_Implacável. E sabe por que eu fiz por você, Frank?
- Por mim o cacete... - disse, encarando com cólera fulminante - Você me fez mata-lo... - disse, com os dentes meio cerrados, os olhos querendo transbordar lágrimas.
- É doloroso, eu sei! Mas tenta me entender, por favor. Tinha que acabar. Aliás, fiz por nós dois. Me ajudou a tirar um peso tremendo nas costas. Não sinto mais culpa. Agora só lamento por você. E digo mais: Dei essa colher de chá não por maldade, mas por reconhecer o seu valor. Eu ouvi seus áudios na internet. Frank, essa cidade... precisa de alguém como você.
- Por que não fez isso antes? Com meu bisavô? - perguntou Frank, vendo-se sem forças.
- Porque na época o ódio ainda me consumia. Me cegava. Você é diferente. Na primeira vez que te vi já quis me desligar da organização que anda te sondando, mas não podia voltar atrás, eu tive que seguir conforme o protocolo. - justificou ela, contagiada pela emoção. O sol da manhã já despontava seus primeiros fachos de luz no horizonte. - Pode me odiar à vontade. Só tenho que te agradecer.
- Pelo quê? - indagou Frank, falando com os dentes quase fechados tamanha era a fúria.
- Por ter conseguido. Você é um herói. - disse, recuando alguns passos. Os raios do sol já penetravam no piso do celeiro através da janela. Ao se colocar no facho de luz solar, a pele de Megan efervescia até surgirem manchas vermelhas de queimaduras gradativamente aumentando - Eles teriam ficado orgulhosos. Proteja essa cidade. Quando eles vieram até você, recuse qualquer proposta.
- Espera aí... - disse Frank, desesperando-se ao notar o corpo de Megan entrar em combustão gradualmente - O anel era...
- A coisa que me mantinha viva, acertou. - disse Megan, as labaredas preenchendo o corpo e, por fim, o rosto. Os raios de sol completaram-se até a parede do celeiro indicando alvorada definitiva. As chamas cresceram de imediato pelo corpo da feiticeira em paralelo com um grito agudo de dor. Como uma autêntica bruxa, Dorotheia deixou o mundo engolfada por fogo.
Frank parou em dois passos, abismado com o que testemunhava. No fundo, esperou ajuda-la, apesar das acusações ferrenhas.
O corpo da moça carbonizou-se inteiramente de modo a deixar irreconhecível, caindo aos pedaços no chão em carvão puro.
O silêncio voltara mais forte. Maltratando o apertado coração do detetive que se voltou para o cadáver da besta... antes seu exemplo para toda uma vida. As lágrimas se soltaram com facilidade.
Debruçou-se ao corpo sobrenatural mergulhando em prantos com soluços como se lamentasse a morte de um ente querido. Megan não era digna de ódio, mas era condenável. E enfim o ciclo foi interrompido como ação altruísta de sua parte, embora não fosse suficiente para absolve-la.
O copioso choro de Frank foi o único som que preencheu o silêncio daquele velho celeiro que iluminava-se com o sol de um novo dia.
-x-
FIM DA 1ª TEMPORADA
*A imagem acima é propriedade seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: https://supertela.net/misterios/criaturas/9-fatos-interessantes-sobre-o-mito-do-lobisomem/
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