Frank - O Caçador #26: "Dia da Colheita"
Área rural de Danverous City
A família Huller detinha o maio poder de produção agrícola na populosa região, por vezes aclamada como salvadora dos tempos difíceis de escassez no verão e por outras bastante criticada pela devoção à uma crença questionável que se baseava na queima de um boneco feito de palha, couro e outros materiais significando um tempo próspero caso o fogo o consumisse inteiro. O festival do milho verde, uma prioridade de safra que atravessou gerações na família, era comemorando ano após ano à noite e sempre no meio do ano. Naquela ocasião a festança aconteceu um tanto atrasada, mas isso não tirava as esperanças do otimista patriarca, George Huller que bateu o sino para chamar a atenção de todos os convidados - os que não descreditavam ou acusavam o festival e a cerimônia principal de "culto ao diabo" ou à seres agregados.
As pessoas reuniram-se em torno do boneco de palha em tamanho adulto e George ganhou os olhares de expectativa pela queima. O homem sorria entusiasmado e viu sua esposa, Amalia que acenou positivamente com a cabeça para transmitir confiança ao marido. George então começou a discursar:
- Bem, amigos, demorei para iniciar porque estava pensando em algo menos trivial para dizer. O que posso e devo dizer é que todos aqui presentes tem nossa eterna gratidão por compreenderem nossa visão e empenho de conseguir prosperidade quando cada gota de suor não valeu pelo esforço de mãos humanas o suficiente para colhermos os bons frutos que queríamos. - como o boneco já estava banhado com gasolina, apenas riscou um grande fósforo - Espero dizer "Feliz ano novo" de antecipado hoje. - falou ele para todos gargalharem. Jogou o fósforo no boneco que foi tomado por chamas.
Muitos queriam aplaudir no instante, mas arquejaram de surpresa ao verem as labaredas reduzindo até sumirem. Amalia tentava colocar panos quentes, mas pouco adiantava, o burburinho tomava conta desenfreadamente. George olhou para o colar especial no boneco numa expressão de tensão e desconfiança. Já podia ouvir protestos aos borbotões.
- Pessoal, peço mais um minuto da atenção de vocês, por favor... Muita calma nessa hora, por favor, não é o que parece. Oenake é real! Isso nunca deu erro antes! - levou sua mão ao colar, mas a mão do boneco a agarrou subitamente e a virou como se quisesse fratura-la. George grunhiu encarando apavorado o boneco movimentar sua cabeça e depois as pernas, libertando-se do tronco.
George foi empurrado e o boneco saíra caminhando, espalhando pânico generalizado. Os convidados corriam aos gritos desesperados, alguns tropeçando e esbarrando uns nos outros. O boneco pegara um facão numa mesa próxima a uma churrasqueira e correra atrás de pessoas aleatórias, descendo a lâmina brutalmente. Os olhos escuros e vazios aterrorizavam cada vítima que recebia golpes nas costas ou no rosto. Em seguida, pegou a gasolina e voltou-se à George andando como uma pessoa viva. O patriarca sacou uma arma do bolso e deitado no chão atirou três vezes sem sucesso de para-lo.
O que boneco buscava era somente a caixa de fósforos que viu ali perto jogada e pegou-a. George quis atirar mais vezes, mas as balas esgotaram e ele finalmente havia criado energia nas pernas para se levantar e correr ao máximo. O boneco espalhou gasolina nas mesas e em alguns convidados caídos e riscou ao menos três fósforos. O fogo alastrou-se avassalador, atingindo pessoas que gritavam agoniadas ao sentirem as chamas ardendo na pele no meio daquela celeuma.
O boneco andou por entre as chamas que sequer o penetravam como um ser oriundo do inferno.
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CAPÍTULO 26: DIA DA COLHEITA
Danverous City (Metrópole)
Antes de se sentar na cadeira de sua mesa de computador, Frank deu uma longa espreguiçada após levantar da cama mais cedo do que esperava naquela manhã. Abriu seu notebook e acessou sua caixa de mensagens por e-mail, encontrando lá três novas mensagens de ninguém menos que Carrie Wood que as enviou na noite anterior.
Ao clicar, leu o bilhete digital que continha os dizeres:
"O Fred não está sabendo nadinha do massacre que rolou numa festinha rural na região camponesa. Te garanto, é sério. Não duvida de mim pra não ter que vir perguntar à ele pessoalmente, senão é arriscado ele ficar interessado e novamente sugerir parceria e eu sei bem o quanto você adorou a experiência de dividir sua profissão com alguém que tomou seu lugar no seu melhor emprego. Deixa quieto. Entre nós dois e mais ninguém. Fechado?"
Frank deu um sorrisinho achando graça por dentro.
- Ela não sabe que investigador policial e paranormal não foi meu único melhor trabalho. Eu me amarrava em entregar garrafas de leite com minha bicicleta. - disse ele, em voz baixa. Verificou a segunda mensagem.
"Dizem testemunhas (leia-se: sobreviventes) que a matança foi causada pelo espantalho que foi usado para celebrar o festival do milho verde, um evento anual que a família Huller, os maiores agricultores da região, organiza para fazer preces por boas colheitas. Mas parece que omitiram detalhes nos relatos. A coisa criou vida e ninguém especulou o porque. Talvez alguém da família saiba fornecer informações mais precisas, estão sendo detonados pelos jornais."
- Um negócio pagão e ritualístico do tipo... Ethalak? - se perguntou ele - Bem, próxima. - clicou.
"Tem uma surpresinha chegando na sua casa amanhã a qualquer momento. Não brigue comigo, é a única alternativa que achei pra te manter motivado a seguir na carreira em prol do legado. Surpreso por eu me importar?"
- Não muito, considerando que não subestimo sua audácia em procurar opções pra me salvar. - falou Frank, extremamente intrigado com a tal surpresa. A campainha tocou e o detetive suspirou indisposto a atender. Pegou seu roupão azul-marinho e desceu as escadas - Já vai! Já vai!
Abrira a porta, deparando-se com o carteiro lhe entregando um envelope branco.
- De Carrie Wood para Frank Montgrow. Presentinho da namorada?
- Como é? Namorada?
- Ela desenhou um coraçãozinho com uma carinha feliz. - disse o carteiro que recebeu um olhar repreendedor de Frank - Ahn, acho que tá na minha hora. - sorriu, desconcertado.
- Também acho. - disse Frank, não achando engraçado. O carteiro se distanciou rápido e Frank fechara a porta sem tirar os olhos do envelope. Sentiu algo retangular e pequeno. Rasgou-o, tirando o que parecia ser uma espécie de licença como uma carteira de motorista ou de estudante - Licença para detetives particulares?! Ah, Carrie, você... você não existe - aliviou-se.
No entanto, tinha questões a tratar com ela a respeito que falaria durante a viagem à região ruralista da cidade.
- Já era tempo de eu voltar a respirar o ar do campo. - disse ele, pronto para se arrumar - Espero sair ainda respirando de lá.
***
Departamento Policial de Danverous City
O diretor entrara sem aviso na sala particular de Carrie, uma chegada brusca que a fez fechar o laptop depressa. Ernest parou com o cenho franzido e suspeitando do ato.
- Diretor, que modos são esses? O senhor não é o Frank pra entrar sem bater... - disse ela, nervosa.
- Então me desculpe se fui... desaforado. - disse ele, aproximando-se - Mas não é justo você ser permissiva com o Frank desse jeito e não comigo. - puxou uma cadeira para sentar-se - Ah, lembrei: Ele não é mais meu agente prioritário.
- Sabe... Me desconforta ver que estão tão tranquilo. O prazo pra ele ir dar esclarecimentos ao Conselho de Segurança tá quase no fim, o mínimo que podia fazer era prestar algum apoio. Qual foi a última vez que teve contato com ele?
- Tem razão. E não falo com ele desde... - baixou a cabeça, sentindo-se péssimo - Que amigo horrível eu sou.
Carrie comprimiu os lábios, não sabendo como consola-lo. Ernest a encarou desconfiado.
- Por que fechou o laptop como se fosse uma adolescente querendo que seus pais não descubram o que ela vê na internet?
- Foi coincidência. O senhor chegou de supetão no mesmo momento em que o fechei, simples assim.
- Pra mim coincidência não é explicação, é vago demais. - fez uma pausa, mais pressionador - Carrie, o que estava fazendo?
- Está bem! Eu confesso! Foi um ato falho. Na verdade, eu mandava e-mails para o Frank... - fechou os olhos por um breve instante - ... sobre um caso envolvendo homicídio coletivo no campo com supostos indícios sobrenaturais. Tô na rua, né?
- Ma-mas... Eu não lembro de proibi-la de continuar amiga do Frank, muito menos se falarem durante o trabalho por telefone ou e-mail. Acredito que o superintendente certamente decretaria restrição.
- Mas o senhor tem o poder sobre mim e tem a responsabilidade de me punir por compartilhar informações de um crime a um agente afastado e praticamente expulso. Desconto no salário?
- Não, Wood, nada de demissão ou corte salarial. O que não duvido é que você fez algo para amenizar a situação dele para que possa seguir como detetive paranormal sem consequências graves.
- Sim, outra confissão: Criei uma licença provisória pro Frank, inscrevi o nome dele na Associação de Detetives Particulares, o que significa que as pessoas que o solicitarem terão que paga-lo.
- Provisória até quando?
A assistente engoliu a saliva, mal segurando sua ansiedade acentuada.
- A licença vence daqui à dois meses. Mas é renovável enquanto ele tiver pontos mantidos.
- Se ele cometer uma infração, pode perder pontos e...
- É permanentemente revogada. - afirmou Carrie, meio triste - O pior é que ele tá suscetível a erros.
- Não tenha dúvidas disso. Vamos torcer por ele. Minha boca é um túmulo a partir de agora.
- Sério? Não vai nos dedurar mesmo? Diretor, o senhor é candidato a prefeito, não sei se tem chances de ganhar, mas faça valer cada promessa que faz. Especialmente aos amigos. - disse ela, ferrenha.
Ernest não alterou sua face de seriedade, vendo como a assistente estava reagindo.
- Guardo esse segredo como se fosse minha vida. Não quer me atualizar dos últimos eventos?
- Ah sim, tem muito a contar. Por onde começo? Hum... O Frank conheceu um cara durão chamado Malvus no dia do sequestro dos seus adversários políticos. Você nem imagina que influência ele tem. - disse Carrie, quase aos sussurros.
***
Frank atravessava uma estrada de terra meio úmida ladeada por um matagal bem verde à direita e lutava para desviar das poças fundas d'água. Parara perto de uma casa onde viu um homem de macacão jeans por cima de camisa listrada e boné azul e assoviou com os dedos na boca. O homem virou o rosto nitidamente irritadiço para o detetive, mas se dirigiu à ele para saber do que queria.
- Em que posso ajuda-lo? - perguntando, limpando as mãos com um pano sujo de graxa, havia interrompido o conserto de um carro.
- Eu preciso de um endereço...
- Já sei, é outro federal querendo bisbilhotar a vida dos meus chefes, né?
- O quê? Como assim outro federal? Alguém já passou aqui antes? - questionou, tenso. - De farda ou à paisana?
- A polícia local. - respondeu ele, friamente - Quer um conselho? Dá meia volta. Essa estrada é um horror, seu calhambeque pode atolar e já ando bem ocupado. E os Huller não te dirão nada que possa força-los a abrir o jogo, só não quero me meter nessa encrenca de chacina logo no dia mais esperado dessa família. Sou o capataz, quero manter meu sustento.
- Olha amigo, quanto à envolvimento você pode ficar de boa. Mas se meu carro atolar no meio do caminho, você com certeza é a última pessoa que eu chamaria. - disse Frank, retomando trajeto. O capataz bufou com raiva, ajeitando o boné.
Durante a incômoda viagem pelo caminho carente de asfalto, Frank avistou três mulheres cruzando a estrada, vinda à esquerda, mas a do meio parou acenando com um sorriso. Frank, nem pensando em passar direto, outra vez parou o carro e as três moças vinham ao seu encontro. O detetive esboçou um sorriso de satisfação retribuindo o bom humor.
- O trio de donzelas tá pedindo uma carona? - perguntou Frank - É bom que não seja pra muito longe, tô com compromisso urgente.
- Foi ideia de Renee e apenas dela, podemos ir andando. - disse a mulher loira, pouco simpatizando com Frank.
- Não, Naomi, dá um tempo. - retrucou Renee, a mais centralizada do trio com seus cabelos castanhos ondulados e prendidos fazendo fios caírem sobre o pescoço e ombros. Seu vestido violeta com florzinhas quase decotado não distraiu Frank como ela esperava - A gente quer muito poupar as pernas.
- Para de ser atirada. - acusou Naomi - Não cai no joguinho de sedução dela. - avisou à Frank.
- Vocês duas, francamente... - reclamou Katherine, a mais recatada, uma morena de cabelos negros cacheados.
- Depende do destino. - disse Frank, apressado - Vão pro mesmo lugar?
- Sim, somos irmãs... herdeiras da família Huller. - disse Renee - Por acaso, é um investigador? O sobretudo já entrega.
- Acertou. E que sorte encontra-las, pois estava indo exatamente pra lá mesmo sem a mínima ideia de onde fica.
- Seremos suas guias. - disse Renee, entrando e sentando no banco ao lado motorista.
Katherine foi em seguida, mas Naomi relutava com sua cesta de compras.
- Nossos pais sempre nos diziam pra não aceitar caronas de estranhos.
- Estranho nada, ele pode ser a salvação para o problema dos nosso pais. Para de ser criança e vem logo. - disse Renee. A irmã forçosamente concordou e logo adentrara no sedã prata que deu partida.
O casal Huller recebeu o detetive de braços abertos. Amalia dava um sorriso largo e gentil, o cumprimentando.
- Primeira vez de passagem? Muito prazer, sou Amalia. Esse é meu marido, George. - disse ela, apertando a mão de Frank. Amalia era uma bela mulher de quase meia-idade, possuindo cabelos num tom de preto com dourado um tanto lisos. Ela usava um xale artesanal marrom claro sobre um vestido.
- Meus cumprimentos, detetive. - disse George, cordial. O patriarca era um homem de grande porte e aparentava uma idade mais avançada que a da esposa, ostentando uma barba grisalha relativamente volumosa e um cabelo com poucos fios brancos - Sinceramente, não esperávamos outra visita de autoridades. - olhou para o carro e viu suas filhas saindo - Ora, veja só. Elas se aproveitaram de você, não foi?
Frank fez uma interpretação errônea - e indecente - da pergunta brincalhona de George, mas ignorou.
- Eu sou investigador particular, a agência me solicitou para fazer as apurações da tragédia, eu posso imaginar o quanto estão afetados e desamparados. No que eu puder ajudar, estou a disposição.
- Vou reservar uma estadia de pelo menos três dias na pousada. E vocês mocinhas... Já pra dentro. - ordenou, gesticulando com a cabeça. As três obedeceram sem questionar - Abusadas. Se negaram a participar do nosso festival, entra ano e sai ano e elas continuam dando pretextos ridículos pra não nos apoiarem.
- Vocês são adeptos de alguma religião? - perguntou Frank.
- Não exatamente. - respondeu George com seriedade - Digamos que adoramos uma força superior somente pela fé, sem convertimentos ou celebrações exageradas e nunca fomos devidamente compreendidos por isso. O dia do festival da boa colheita é nosso único tempo não só para mostrarmos gratidão pela fertilidade do solo, mas também para orarmos por próximas vitórias.
- Quero vigiar as meninas, elas andam muito... grudadas ultimamente. O normal delas é uma não se meter nos assuntos da outra. Vou deixa-los a sós. - disse Amalia. George convidara Frank a um passeio pelo milharal. O detetive avistou um espantalho com alguns pássaros o rodeando.
- Pra resumir e não cansa-lo de informações, o festival é a ode ao nosso senhor na qual queimamos um boneco de palha com um colar especial. É graças à ele que nossas preces foram atendidas, mas não entendo o que deu errado da última vez.
- Que colar é esse? - indagou Frank, desconfiado - Tem certeza que é um objeto... fora do comum?
- Aqui está. - disse George, mostrando o espantalho, idêntico ao boneco assassino - Apesar dessa mancha na nossa história, a tradição não pode ser abandonada. Não vou deixar que o futuro seja ameaçado pelos inimigos das nossas bençãos.
- Então não acha que o boneco ganhou vida e matou toda aquela gente?
- Alguém invadiu a festa vestido igualzinho ao boneco e se um dia eu chegar a descobrir quem é... Não respondo por mim. - afirmou George, controlando a raiva - O sangue derramado daquelas pessoas está na nossa conta pra sempre.
O detetive fingiu levar a declaração a sério assentindo, mas obviamente para ele havia uma discrepância. George o deixou à vontade, saindo para cuidar dos afazeres. Frank encarou por uns segundos os olhos tenebrosos, fundos e vazios do espantalho com seu sorriso infame. Olhou para trás para ver se George tinha se distanciado seguramente para que ele pudesse fazer algo não muito correto.
Frank ficara na ponta dos pés e surrupiou o colar do espantalho, guardando-o num bolso interno do sobretudo.
- Vê se não conta pros seus donos, bicho feio.
***
Na pousada, Frank acomodava-se no seu quarto reservado, sentando-se na lateral da cama já pela tarde aproveitando a privacidade para dar um telefonema. Ligou para o celular pessoal de Carrie.
- Você tem uma sorte extraordinária por ser inscrito numa agência de detetives que não consta grampear celulares de contratados na sua política de ética. - disse ela, navegando pela internet no seu computador de mesa.
- Ainda tô meio bolado com você ter levado isso à cabo sem meu consentimento. Mudando de assunto... ou melhor, indo pro assunto que interessa: O papai Huller deu indicações bem suspeitas.
- Onde você tá agora? - perguntou Carrie.
- A esposa dele, Amalia, teve a gentileza de pagar um estadia pra mim numa pousada mais ou menos.
- É bom que tenha se certificado de ninguém estar te ouvindo.
- Sem problema, o cara que me ajudou com a mala tem respeito pelo espaço privado dos hóspedes. Olha, acho que hoje é seu dia de fazer uma pesquisa de virar a noite. - disse Frank, vendo no seu banco de imagens onde selecionou uma foto que tirara do colar. A mandou para Carrie - Vê aí no seu celular. No aplicativo de mensagem. - aguardou - E então, o que me diz?
- E-esse objeto... - disse ela, conferindo em papéis com transcrições dos depoimentos - Sem sombra de dúvidas é místico, pra um conhecedor profundo é só bater o olho e ter certeza. Não tô me gabando, você sabe. Os sobreviventes citaram um colar no boneco usado como... oferenda ou coisa do tipo.
- Embora os Huller se agarrem numa entidade para prosperar na colheita, não acredito que sejam pagãos comuns que apelam pra sacrifícios humanos. Mas o George, o pai das três filhas pras quais dei uma carona até a casa na fazenda, me pareceu meio ignorante, como se estivesse inseguro do que dizia. Ele afirmou que um penetra da festa foi quem passou o facão em todo mundo que via na frente.
- Se o colar é sobrenatural e estava no boneco, por que duvidar do que parece tão óbvio?
- As filhas dele não estiveram no festival e a versão delas não corresponde a do pai. Elas acham que o boneco ganhou vida por causa da adoração à uma coisa que elas juram ser maligna. Tô pensando em interroga-las só amanhã.
- É prudente não forçar a barra. Ah, queria falar uma coisa sobre o Fred... Ele continua sem a menor ideia do caso. Passou aqui na minha sala umas duas vezes... mas percebi que ele não estava se sentindo bem, ele saiu quase correndo, suando e respirando com dificuldade...
- Será que tá com alguma doença respiratória ou talvez ataque de pânico? Se bem que tivemos uma conversa franca sobre o tormento de ser caçador e como ele tem pouca bagagem... receio que ele não consiga ir muito longe nesse caminho.
- Pro bem ou pro mal, ele tem muito a aprender com você. Assim não acaba como aqueles seus amigos... no sanatório.
- Tá legal, Carrie. Nos falamos mais tarde ou amanhã, liga pra mim, fico torcendo pra você achar informação bem bruta sobre esse colar. Até mais, tchau. - disse Frank, logo desligando. Pouco antes de terminar a chamada, tivera uma ideia que considerou esperta. Pôs a foto na pesquisa por imagem e viu um anúncio da MysticMarket dentre os milhares resultados. Acessou o site da MysticMarket, a loja capitaneada pelo excêntrico apresentador de TV Ash Nexton, e efetuou a compra de uma versão inautêntica para colecionadores. Em seguida, ligou para a recepção - Alô, é o Ryan? Oi, Ryan, aqui é o Frank, investigador particular dos Huller. Pode me quebrar um galho amanhã? É uma entrega. Dá pra receber por mim? Falou.
Encerrara a ligação. Frank, com o celular encostado nos lábios, se colocou a pensar imersivamente naquele caso.
***
Enquanto a assistente secreta de Frank não disponibilizava acréscimos ao caso, o detetive logo de manhã visitara os Huller. Amalia e George o cumprimentaram e notaram que ele estava à procura de alguém ao vê-lo esquadrinhando a casa.
- Sabem me dizer onde está a filha mais velha de vocês, a...
- Renee? No quarto dela. Nesse horário não tem quem a arranque de perto da penteadeira. - disse Amalia.
- Posso ter uma palavrinha com ela? - perguntou Frank - Não é nada pessoal, tem a ver com o massacre.
George expressou um visível aborrecimento com a intenção do detetive, mas Amalia contemporizou antes que ele se manifestasse. Frank percebeu e se retraiu, cogitando voltar noutra hora.
- Detetive, vá. Tem todo o direito de fazer seu trabalho como bem quiser. Suspeite e questione à vontade. De acordo, George? - perguntou Amalia num olhar pressionador.
- Honestamente não gosto da ideia de suspeitar de uma das minhas filhas... Mas tudo bem, não quero desavenças com autoridades. - disse George, repentinamente saindo da sala. Renee arrumava seu cabelo e foi surpreendida por Frank.
- Oh! Detetive Montgrow! Quem o permitiu entrar?
- Sua mãe, a contragosto do seu pai que ficou zangado pela minha liberdade de interrogar qualquer um que tenha o mínimo de ligação com o caso, não necessariamente envolvimento direto.
- Ah sim, o papai e suas frescuras. - disse ela, sorrindo - Pois bem, do que quer saber?
- O lugar onde esteve durante o festival. Ou suas irmãs... Estavam com você?
- Fui à casa de um namorado que ainda não apresentei aos meus pais. Quanto à Naomi e à Katherine... - deu de ombros - Eu nem imagino o que elas faziam. Mas combinamos de boicotar entre nós três o festival como todos os anos. Ah, ia esquecendo... - arregalou os olhos, lembrando de algo - O espantalho amanheceu sem seu colar que meu pai acredita ter o poder de afugentar os pássaros e não o boneco em si. Na verdade, o colar é meu, comprei numa vendinha de quinta. Sabe onde está?
Um sorriso discreto se formou em Frank que retirou o colar do bolso. O colar falso que comprou e recebeu naquela manhã.
- Tá falando desse aqui? - peguntou, segurando pelo cordão. Renee sorriu bem largo, pegando-o.
- O que fazia com ele? Pegou escondido? Obrigada.
- Você é boa de intuição. Foi só pra análise, pensei em devolver ainda hoje. Pro espantalho, lógico.
A moça dera um beijo na bochecha esquerda do detetive, uma forma de agradecimento que o encabulou.
- Fico em débito com você, Frank. - disse ela. Naomi e Katherine surgiram na porta entreaberta.
- Papo particular de irmãs. - disse Naomi - Não é a mesma coisa sem você, Renee.
- Me deem licença. - disse Frank, saindo do quarto e andando pelo corredor. Porém, virou-se à elas - Onde fica o banheiro?
- É nessa porta aqui. - disse Naomi, apontando para o compartimento além do quarto de Reneé. As três esperaram-o entrar no banheiro para confabularem.
- Assanhada. - disse Katherine - Vimos o beijinho de gratificação. Por pouco ele não é fisgado.
- Quem me dera, ele não parece fácil. - disse Renee - Tudo nos conformes pra hoje à noite?
- Nós que perguntamos. - retrucou Naomi - Está com o colar, não está? Portanto, faremos um novo desejo. Melhor irmos, ele pode nos ouvir. - disse ela, sussurrando. O trio saíra do corredor após Renee guardar o colar na gaveta e Frank abriu a rangente porta do banheiro com expressão de desconfiança. Voltou para o quarto de Renee, modificando seu plano. Por sorte, Renee não trancou, permitindo Frank a mexer nas gavetas. Achando o colar falso, o substituiu pelo verdadeiro como método de testar melhor sua teoria e repondo o falso ao seu bolso. Deixou a porta destrancada e saiu.
Pouco após o cair da noite, as irmãs Huller reuniram-se no porão próximo ao celeiro da fazenda. Renee, a que tinha mais esbanjava postura de líder do grupo, o que nunca foi consensual para Naomi e Katherine, pusera o colar sobre uma mesa velha de madeira e deu suas mãos ás outras duas que também fizeram o mesmo entre elas, formando um "losango" se vistas de cima. Na pousada, Frank estava num cochilo, ainda uniformizado, com um livro sobre o peito quando ouviu ruídos. Acordou pensando ser seu celular vibrando, mas lembou de não ter deixado no modo silencioso.
A luz do abajur piscava rápido. Frank levantou-se e acendeu o interruptor do quarto, vendo a lâmpada no teto piscar tremulamente. Sua teoria estava parcialmente corroborada.
- Eu sabia! - disse ele, batendo a porta ao sair em disparada do quarto.
O boneco vivo estava fora do milharal, mas caminhava na direção do terreno como se quisesse voltar. Ele estacou, logo abrindo seu torso de onde saíra um enxame de insetos negros que proliferaram-se na plantação, destruindo cada pé de milho que ainda não brotara totalmente. Um dos funcionários da fazenda passava à poucos metros do porão, escutando as portas balançarem. Indo dar uma espiada, o homem tirou seu chapéu de palha, atônito ao ver Renee, Naomi e Katherine clamando para Oenake atender a seu pedido. Tremendo de pavor, o homem virou-se para correr e avisar aos patrões, mas não deu mais que dois passos e sua barriga veio de encontro a um facão portado pelo espantalho. Sangue profuso saía do corte.
Vendo que o homem não resistiria ao ferimento, o boneco fora embora tranquilamente. Porém, ia na direção contrária a do celeiro de onde vinha um barulho que o instigou a verificar a origem. Frank vasculhava o celeiro, temendo encontrar as irmãs fazendo um ritual para seja lá o que fosse a principal força responsável pelo massacre. Na sua cabeça, não passavam de bruxas sabotadoras.
Ao virar-se, deparou-se com o espantalho com seu facão ensanguentado que foi logo tentando desferir cortes no detetive. Frank desviava ao passo que recuava. Pegara um ciscador e defendeu-se de um ataque, a faca prendendo-se entre os ferros do utensílio, facilitando Frank tira-la dele. O espantalho dera um soco no detetive que não o abateu. Frank revidou usando o cabo do ciscador para bate-lo várias vezes, atacando-o em várias partes do corpo, mas o espantalho segurou-o e efetuou um ouro soco no detetive, acertando o nariz. Depois o chutara, mas Frank não largou do ciscador.
O detetive levantou-se e agiu rápido antes que ele reouvesse o facão, usando a ponta do cabo com toda a força para golpeia-lo no corpo. Batera na cabeça com intensidade, derrubando-o para trás. O espantalho caiu numa pilha de feno.
Cansado, Frank largou o ciscador, em seguida tirando a máscara do espantalho ao desatar o nó da corda que prendia o saco na cabeça. Ficara boquiaberto na confirmação da identidade.
- OK... Tem só uma coisa nessa história que não tá batendo. - disse ele, olhando o capataz desacordado - Isso não acabou.
***
O início da manhã seguinte foi marcado pela prisão do capataz denunciado por Frank ainda na noite anterior pelo assassinato do cuidador da lavoura após uma análise do sangue que o detetive coletou do facão já que perícia de digitais estava impossibilitada pelo uso de luvas do responsável do crime.
- O que estão fazendo? Me soltem! Isso é um disparate, uma armação! - gritava o capataz, sendo conduzido algemado à viatura e recebendo olhares acusadores de George e Amalia - Eu não matei ninguém! Por favor, entendam! - olhou para Frank - Você aí? É um tira, não é? Filho da mãe, você me paga! Ouviu bem? - foi jogado no porta-malas - Você me pa... - a frase cortou com o fechar da tampa.
Um policial veio até de Frank trazendo evidências físicas que encontrara num armário.
- Reforços de acusação, como se não bastasse a própria arma do crime. - disse ele, mostrando ao detetive um pote contendo os mesmos insetos que devastaram a plantação - Pelo visto, esse trabalhador planejou a sabotagem há um bom tempo, esses insetos são iguais aos que ainda estão infestando o milharal, acho que não precisa olhar as digitais.
- O controle de pragas já tá à caminho, não se preocupem. - disse Frank - É, sinto que devo me desculpar com o senhor. - voltou-se para George - Duvidei do seu relato até a hora em que desmascarei o verdadeiro culpado, foi vacilo meu.
- Não, está tudo bem, minha chateação, pra ser honesto, era mais com sua suspeita sobre minha filha mais velha, não exatamente com a sua desconfiança, o que é um direito seu e não iria nega-lo.
- Ficamos em dívida com você, detetive. - disse Amalia, comovida pela morte do funcionário - Daremos um funeral digno ao Grant, ele cuidava das lavouras, fazendo a checagem todos os dias, um dos mais dedicados que já tivemos. - ficara em prantos, não suportando - Onde o Willy estava com a cabeça pra nos odiar tanto e cometer essas barbaridades? Por que? Eu não entendo, George!
- Vamos pra casa. - disse George, levando-a com amparamento - Obrigado policial e detetive Montgrow.
Ambos assentiram, gratos pelo reconhecimento. O policial notava uma expressão de insatisfação em Frank, mas preferiu ir embora sem questiona-lo. Uma hora depois, o detetive visitara novamente o milharal com o colar verdadeiro em mãos que havia pego antes da chegada da polícia além de aproveitar um momento de ausência do casal Huller para deixar o colar falso de volta à gaveta de Reneé.
Prendera o cordão no pescoço do espantalho, esforçando-se para alcança-lo ficando na ponta dos pés.
- Se não é você o carniceiro do festival, então por que as luzes piscaram na mesma noite que um cara fantasiado de você matou um funcionário perto do porão e uma nuvem de insetos atacou o milharal? Eu não espero uma resposta, não vai virar a cabeça pra mim e falar só porque pus o colar autêntico, que por sinal é o objeto de suspeita que me faz desacreditar nas palavras do George, o cara que te fez.
Sentindo-se ridículo por falar sozinho, Frank suspirou e fora embora. Porém, o espantalho de sorriso sinistro movera a cabeça como se olhasse o detetive se distanciar. Logo se desprendeu das tábuas de madeira em que ficou pregado, indo no encalço de Frank. Como não tinha acabado de investigar o celeiro, o detetive retornou atrás de mais pistas. Ouviu a porta abrindo-se e posicionou-se em alerta, vendo o espantalho armado com uma foice agrícola afiada e não demorou a tentar desferir golpes.
- Tá de zoeira comigo, né? - disse Frank, confuso, esquivando-se dos ataques da lâmina curva. O espantalho era obstinado, querendo cortar um grande pedaço num único movimento. Frank jogara um balde nele para intimida-lo, mas o mesmo não desistira. Viu uma enxada e a apanhara defendendo-se, depois partindo ao ataque conseguindo tirar a foice das mãos dele. Usou a lâmina da enxada para golpeia-lo nos dois lados, mas o sorridente espantalho desviava habilmente e em seguida agarrou a enxada elevando o cabo para bater no rosto de Frank e ter a chance de soca-lo para que pudesse o derrubar.
Frank caiu num canto do celeiro onde não visualizou nenhuma outro instrumento para improvisar sua autodefesa. A ideia do espantalho em pegar uma serra elétrica circular geralmente utilizada para partir madeira o desesperou profundamente, pois ele se avizinhava rápido com a lâmina giratória mirada no seu rosto. Frank se encostou entre as duas paredes do celeiro, sem ter para onde fugir.
O espantalho com seu sorriso infame aproximava-se com a serra quase triscando na pele de Frank que apertou os olhos fechados e cerrou os dentes com o rosto virado apenas esperando sua carne ser rasgada pelos dentes de metal.
Um tiro de espingarda estrondou, destruindo a porta do celeiro. Katherine entrava, disparando para o alto.
- Já chega! - bradou ela para o espantalho - Larga isso! - o boneco obedecera desligando a serra faltando poucos centímetros de proximidade com o rosto de um atemorizado Frank - Fica parado, não se mexe.
- Tá falando comigo? Ou com seu brinquedinho? - perguntou Frank - Ah sim, ele tá inanimado de novo. - o detetive sacou uma arma e apontou-a para Katherine.
- O que é? Mereço uma bala por salvar sua vida? Abaixa essa droga e me deixa explicar tudo, é sério.
- Você primeiro. - pediu Frank, convencendo-a a largar a espingarda - Eu nunca devia ter me contrariado. Você e suas irmãs formam um time de bruxas bem espertinhas. Foi só eu pôr o colar de volta no espantalho que ele ganhou vida, ou seja, o seu pai mentiu sobre o intruso, que não era o capataz. O relato dele não batia com os das testemunhas que diziam sobre o espantalho assassino.
- Ele não mentiu. - disse Katherine, apreensiva - E nem somos bruxas, apesar de mexermos com a magia de Oenake, a coisa que nossos pais louvam em todo festival que sempre foi da boa colheita, mas depois que eles tomaram uma decisão terrível nós pensamos o mesmo: Basta de descaso com os bovinos da fazenda. Mais da metade ia ser encaminhada pro abatedouro.
- Então foi isso?! Vingancinha pros seus pais pra proteger o gado?! Até onde eu sei, a produção do milho e das hortas rende mais pra economia deles, é óbvio que num momento de aperto eles pensariam em sacrificar o que dava prejuízo.
- Eu sei, mas nós lutamos por uma causa nobre contra matança de animais. Eu lutava. Depois do que aconteceu ontem à noite, resolvi me desligar dessa confusão toda. A Reneé obteve o colar e nos incentivou a adotar a crença dos nossos pais para fazer exatamente o oposto do que eles sonhavam.
Enquanto isso, no porão estavam Naomi e Renee à espera de Katherine para uma nova sessão invocatória.
- Eu não concordo fazer isso à luz do dia, a Oenake vai achar que estamos loucamente ansiosas. - disse Naomi.
- Não ligo. O que quero saber é onde se meteu a Kat. Não foi atrás dela? Não chamou ela no quarto?
- Eu sei lá, ela saiu fora de vista, talvez até do papai e da mamãe. Se queremos isso rápido, teremos que fazer sem ela.
- Está bem, me dê as mãos. - disse Renee, açodada - Oenake, estamos aqui para venera-la, saudá-la e magnifica-la. Conceda-nos um último desejo para desfazermos a comunhão de barganha, não há mais nada além desse para solicitar.
A mesa onde o colar estava sobre não tremeu.
- Ué, não aconteceu nada. - disse Naomi - Será que a porque a Kat...
- Não! - disse Renee, furiosa, pegando o colar - Oenake não tem regras pra número de invocadores. A não ser que... Este colar seja uma réplica barata. Alguém entrou no meu quarto e roubou o verdadeiro... roubou duas vezes.
Naomi não expressava dúvidas.
- O detetivezinho ainda está por aqui, não está? - indagou ela, imaginando ser Frank o ladrão.
No celeiro, Katherine surpreendia-se com o que Frank declarava.
- Você pegou o colar do espantalho sem o papai, a Renee ou outra pessoa flagrar?! Mas espera aí... Se tinha dado um colar falso pra ela ontem pra nos neutralizar, por que colocou o verdadeiro de volta?
- Achei melhor que com o colar verdadeiro, baseado na minha suspeita, vocês dariam um sinal mais tarde praticando feitiçaria com ele e tornaria mais fácil pega-las. Só que vocês arquitetaram um plano bem mais perspicaz transformando o capataz num assassino e forjando provas pra incrimina-lo e me fazer achar que o caso estava encerrado.
- Na invocação de ontem, desejamos que uma praga acabasse com o milharal. Nós dividimos o comando com Oenake, por isso consegui para-lo antes que ele te matasse. O fizemos matar o Grant para eliminar uma testemunha. Oenake controlou o capataz e ele vestiu as roupas do espantalho que pusemos no armário dele e o mandou te atacar para remover o obstáculo. Me desculpa, eu...
- Para, não vem com essa. - disse Frank, interrompendo-a - Você caiu em si e se tocou da furada que você embarcou confiando numa entidade maligna. Mas não é à mim que você deve desculpas.
Frank sentiu a vibração do seu celular dentro do bolso da calça, rapidamente atendendo a ligação.
- Manda aí, Carrie. - colocou no viva-voz para Katherine - Eu tô acompanhado de uma vira-casaca, não preciso falar com você às escondidas.
- Uma vira-casaca? Tá falando de... Ah claro, lembrei que os Huller tem três filhas. O que descobriu delas?
- Não são bruxas como pensei, estão mais pra cadelinhas de entidade paranormal que finge boa intenção.
- Cadelinha? Você é um escroto. - disse Katherine, odiando a definição.
- O colar era praticamente um comunicador pra conecta-las à entidade durante as invocações. Tô no celeiro com a Katherine, ela... me salvou do espantalho, por pouco esse lugar não fica emporcalhado com pedaços de Frank. Elas queriam sabotar a colheita por causa dos animais que iam pro sacrifício.
- Já deu pra mim. - disse Katherine, arremessando o colar na parede, o destruindo.
- Hum... Pacto com entidade somado à impulso ambientalista, interessante. Você vai gostar ainda mais dessa história, escuta só: Oenake beneficia seus devotos concedendo um determinado número de desejos em troca de alimento, no caso pessoas mortas. Cada desejo obrigatoriamente deve levar a um ou mais assassinatos. Mas se o invocador dar fim no colar antes de terminar o pacto, é considerado uma violação e...
- E o quê, Carrie? - indagou Frank, temeroso após ver Katherine destruir o colar.
- Oenake está livre para agir, pois o colar é basicamente uma âncora que a mantém afastada do nosso mundo.
Katherine e Frank se entreolharam perplexos. Carrie estranhou a demora do detetive em responder.
- Frank? Tá com interferência no sinal? Pode me ouvir?
- Sim, sim, te ouço normal. O problema é que... o colar já era.
- O falso, né? Diz que é o falso, por favor...
- Não. - disse Frank que não repreendeu Katherine - Ela não sabia.
Na casa dos Huller, Amalia picava uma cenoura na cozinha, quando veio George envolver seus braços no corpo da esposa num ato romântico. A beijou no pescoço para acalma-la naquele dia que começou turbulento.
- As meninas estão fora, então... Que tal continuarmos de onde paramos? Pra quebrar toda essa tensão.
Amalia deu uma risada maníaca, porém contida, que o intrigou.
- Não entendi. Falei algo engraçado? Há pouco estava desolada com a morte do Grant...
A matriarca cravara fundo a faca na perna direita de George que recuou urrando em dor. Ao se virar, ele constatou o horror que se manifestava.
- Amalia foi tirar uma soneca. - disse Oenake, decrepitando o rosto de Amalia para um cor esverdeada bem como os olhos e lábios - Sabe quando vai acordar? Nunca. - disse, esbugalhando os olhos com um sorriso largo. Desferiu um corte veloz na garganta de George que golfou sangue até morrer. A entidade saíra da casa portando a faca suja, indo diretamente ao porão.
Frank e Katherine ainda estavam no celeiro, desesperados.
- Desculpa, eu não previ que havia consequências nisso. - disse Katherine.
- Olha, você não tem culpa, ao menos não nesse ponto. - falou Frank - Carrie, te ligo depois, se eu sair vivo dessa. - desligara - E agora? Cadê suas irmãs?
- No porão. Combinamos de invocar Oenake hoje de manhã pra fazer o último desejo, mas passei por aqui ouvindo você e o espantalho brigarem e não tive escolha, eu não tinha mais coragem pra me submeter.
Um barulho vindo do porão foi escutado por ambos. Frank correu na frente, segurando a pistola. Arrebentou a porta dupla com um chute e desceu a escada com Katherine vindo atrás. A irmão de encaracolados cabelos pretos gritou horrorizada.
- Não! Maldita! - disse ela, vendo Renee e Naomi caídas e sangrando, ambas mortas - Vou te mandar pro inferno, sua vadia!
Frank barrou Kahterine com o braço esquerdo para impedi-la de avançar contra Oenake.
- Suponho que esse seja o meu papel. Não acha? - falou a entidade num jeito sacana.
- Eu lido com ela. Foge. - ordenou Frank para Katherine. Mas Oenake ergueu sua mão direita, fechando as portas com telecinesia - Cacete... - disparou contra ela que veio em supervelocidade para apaga-lo com um golpe no pescoço usando a lateral da mão. Frank caiu inconsciente e Katherine tremia amedrontada.
- O que vai fazer conosco? - perguntou Katherine - Deixa ele e me mata.
- Com você talvez eu possa brincar por mais tempo. - disse Oenake, sorrindo com os dentes sujos de Amalia.
***
Ao acordar, Frank teve a sensação de ter passado mais do que minutos desmaiado e preso à cordas amarradas nos pés da mesa velha da madeira daquele porão. Forçou os nós, confrontando os olhares provocativos de Oenake no corpo de Amalia.
- Qual é, sua monstrenga? Prefere esperar em vez de papar logo duas vítimas suculentas bem aqui?
- Quero apenas saborear... - disse Oenake, passando seus dedos pela perna direita do detetive, subindo até a cintura - ... rindo dessas carinhas assustadas, não tenho mais tanta pressa de me nutrir.
- Matando nós dois... Quem é o próximo? Vai sair esfaqueando aleatoriamente?
- Estou cogitando visitar o capataz na prisão, lá tem um banquete. - afirmou Oenake - Mas antes pretendo fazer de vocês meus aperitivos - apertou as partes íntimas de Frank que deu um grunhido.
- O George não teve chance né? - perguntou ele.
- Aquele idiota mereceu ser o primeiro. - disse ela, virando-se para Katherine amarrada e amordaçada chorando - Quis transar com a esposa na cozinha, um péssimo exemplo de pai. - riu canalhamente.
Frank movia as cordas e sentiu as fragilidades que lhe dariam vantagem para rompe-las. Oenake sentou-se numa cadeira sem braços, ostentando a faca e fitando Katherine -
- Sabe... Sou eu quem deveria ter desfeito esse pacto malfadado na metade do caminho pra que provassem do próprio veneno. Seria mágico. - tocou na ponta da faca, logo apontando-a para Kat e levitando-a ameaçando perfurar a última herdeira dos Huller - Em qual parte? Coração? Estômago? Ou na cabeça? Isso aí, chora mais, se arrependa de me trair.
O detetive via aquilo como uma distração para que pudesse libertar-se. Um dos nós abaixo iria romper. Mais alguns segundos de esforço e conseguiria. Oenake levitou a lustrosa faca manchada de sangue vagarosamente até Katherine, pronta para crava-la profundo na carne, aumentando ainda mais o desespero dela.
Frank já podia sentir o pulso quase livre, faltando pouco para estourar a corda. Mexeu mais rápido. Oenake escutou o ruído da corda soltando e Frank logo tratou de agilizadamente soltar o outro pulso.
Katherine aproveitou que a faca caíra por Oenake voltar sua atenção ao detetive que se soltava e se levantava roçando as costas na parede, afastando-se aos poucos.
- Ei, olha pra mim! - chamou Katherine - Quer ouvir uma canção de ninar? Se prepara...
Oenake fora pega por trás pela corda que Frank segurava com o máximo de sua força. Katherine começou a recitar um exorcismo de origem gaélica que tanto ela como suas irmãs conheciam de cor e salteado. Proferiu cada palavra com firmeza. Oenake era afetada, debatendo-se na cadeira. Frank tentava manter sua força constante, mas a da entidade estava quase fazendo a corda partir em quatro.
Oenake berrava, balançando insanamente a cabeça, logo acometida por um estranho refluxo. Ao fim do exorcismo, um vômito abundante e verde escapou em jato da boca de Amalia, o jorro parecendo não ter fim e atingindo a parede. Katherine se jogou para o chão para não ser pega pela gosma.
Amalia baixou a cabeça após despejar o conteúdo, aparentando estar desacordada. Frank verificou sua respiração.
- Ela tá viva. - disse ele, aliviado. Foi desamarrar Katherine que logo foi ao abraço de sua mãe despertando zonza, derramando mais lágrimas de luto e culpa pelas escolhas que tomou.
***
Pegando a estrada, com retorno à metrópole, Frank ligou novamente à Carrie para contar dos desdobramentos finais do caso. Começava a garoar na região.
- Tenho por mim que as coisas na vida dela vão se reajustar em pouco tempo, apesar de uma tragédia atrás da outra. A coisa era da pesada, fui além do limite pra mante-la presa na cadeira enquanto a Katherine dizia umas palavras num idioma estranho e a monstrenga saiu como sopa de ervilha estragada. Eu vi a meleca desaparecendo, apagando vestígios.
- Ela não te explicou o dialeto do exorcismo? - perguntou Carrie.
- Não, eu preferi dar espaço pra que ficasse com a mãe dela, lamentando as mortes do pai e das irmãs. Além do mais, no começo não queria que ela soubesse que sou caçador, mas dei umas recomendações básicas pra ela se defender de fantasmas caso a Oenake conjure os espíritos da Naomi e da Renee em vingança pela traição. Ela até suturou um corte que levei na porrada com o espantalho. E se eu pudesse trabalhar livremente, não cobraria nenhum preço pois as vidas perdidas quase sempre são mais do que as salvas, preço maior do que essas perdas qualquer dinheiro que eu receba nunca será. Nunca vai me recompensar mesmo que agora não seja muito diferente... Detetive paranormal numa agência que acha que ele é normal.
- Quer um conselho de amiga? Aplica essa expectativa de superação à sua vida profissional. E temos previsões bem diferentes sobre o futuro dessa família, o que restou dela, aliás. Eu já acho que elas não vão aguentar o tranco de comandar os negócios, não tem as mãos de ferro do pai. Enfim, seu primeiro caso como agente da ADP concluído com sucesso.
- Tomara que não desconfiem que não sou eu o autor dos relatórios. Por via das dúvidas, posso escrever daqui em diante?
- Me manda uma cópia digital salva. Tá bom assim?
- Fechado. E o Fred? Notícias dele? - perguntou num dessossego pela situação do suplente, acionando os limpadores de para-brisa.
- Ele ainda tá cuidando de um caso... normal. Mas ele não atende ligações, nem responde mensagens. Vou sugerir um atestado pra ele, com certeza ele tem uma enfermidade. Só não fica animadinho, não vão te chamar pra substituí-lo. O único motivo de você pisar novamente aqui é a conferência pra se retificar com os membros do Conselho de Segurança e me dói admitir isso toda vez que imagino você enfrentando aqueles gigantes. Até mais, Frank. E boa sorte amanhã.
- Falou Carrie. Num dia, quem sabe, a gente se esbarra por aí. Tchau. - disse Frank, desligando. Conferiu os números da lista de contatos e parou no do de Frred, quase selecionando. Porém, optou por clicar no ícone de lata de lixo, excluindo o número de celular que incluiu na sua agenda quando fez dupla com ele no caso das fantasias vivas, o fazendo de consciência limpa.
-x-
*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: https://aminoapps.com/c/terror-amino-en-espanol/page/blog/el-espantapajaros-de-la-muerte/VZgB_2aF7u7krBE174qeQWZd2dM75PVmk
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