Crítica - Máquinas Mortais
Cidades ambulantes num mundo pós-apocalíptico. Quem aprovou isso?
AVISO: A crítica abaixo contém SPOILERS.
Com Peter Jackson assinando o roteiro juntamente a Philippa Boyens e Frank Whalsh, obviamente que nenhum fã do diretor responsável pela consagrada e oscarizada trilogia Senhor dos Anéis iria dispensar a aventura de ficção científica que faz uma mistureba de estilos e elementos para compor seu contexto de sobrevivência a um cataclisma global. Uma pena que não obteve êxito na prática. Poderia resumir simplesmente o maior problema desse filme como sendo seu inchaço narrativo. Jackson não fez milagre mesmo tendo profissionais que outrora co-roteirizaram com ele a saga de Frodo ao seu lado. É um incômodo excesso de informações despejadas para que o espectador engula tudo de uma única vez, o que invariavelmente não respeita a absorção de quem prefere um enredo de apresentações mais firmes e seguras ao invés de uma pressa em querer forçar a imersão - o que não significa preferência por um ritmo vagaroso, afinal uma história pode ser ágil sabendo expor seus detalhes de maneira adequada e sem enfiar goela abaixo uma punhado de coisas.
A trama é bastante ampla, gorda e que vai inflando continuadamente até chegar no final e o pavio da bomba se apagar faltando poucos centímetros (ou minutos, no caso). Enchimento grande demais para um filme só. E a premissa não ajuda muito a defender. As chamadas Cidades-Tração (cidades organizadas por remanescentes e que se movimentam por aí sobre esteiras iguais às de tanques de guerra pra ficar combatendo outras cidades e as de maior envergadura batalham no intuito de engolir as menores - literalmente x_x) viraram sensação no mundo após a Guerra dos Sessenta Minutos (como é denominado o conflito que deu origem ao cenário ambientado) e dividiu a população gerando uma parte rival, a Liga Anti-Tração, uma civilização alternativa na Ásia que como o nome bem sugere são opositores aos embates entre as cidades móveis e são liderados por Shan Guo além de protegidos por uma enorme muralha. Mas o que importa realmente (para o roteiro, não para mim) é o drama pessoal da protagonista Hester Shaw (a vingativa garota que usa um pano vermelho para cobrir da boca ao nariz talvez acreditando que isso esconda sua identidade x_x) que se infiltra na cidade de Salzhakens, capturada por Londres (a Cidade-Tração mais predatória) para matar o chefe da Guilda de Historiadores, o ardiloso Thaddeus Valentine (Hugo Weaving), também pai da loirinha bonitinha Katherine Valentine (Leila George). A motivação da garota à vingança explica-se pelo assassinato de sua mãe pelas mãos de Thaddeus. Melhor ligar sua suspensão de descrença no "modo foda-se" porque o vilão é esfaqueado na barriga (na tentativa de homicídio por Hester) e ainda assim caminha como se não sentisse dor e se recupera mais à frente como se absolutamente nada tivesse acontecido. Ah, esqueci de comentar: O longa é adaptação do livro homônimo do autor Phillip Reeve. Para quem nunca leu a bagaça e resolveu encarar o filme, resta a dúvida de qual é o melhor ou menos pior (porque esse plot de cidades-engenhocas-tanques-ou-sei-lá-o-quê é árduo de levar a sério, além de bizarro do tipo que não dá pra crer que a ideia passou pela aprovação de algum editor). Antes tivessem adaptado isso para um jogo de computador, beleza (pelo menos pra mim tem a cara de um produto dessa mídia). As duas horas são um tanto cansativas e como desgraça pouca é bobagem ainda traz um protagonista pra lá de insosso para fazer par sugestivamente romântico com a fora-da-lei (e também tsundere) Haster Shaw.
Tom Natsworthy (Robert Sheeran) é um jovem historiador que fora expulso da cidade por Thaddeus por saber do alegado assassinato da mãe de Hester sendo empurrado na rampa de resíduos pelo vilão (e o ato não podia deixar de ser testemunhado, para isso serviu o personagem Bevis Pod que cria vínculo com Katherine denunciando a índole de Thaddeus além de desvendar o plano maligno do mesmo). Daí em diante o enredo segue na construção desbalanceada (favorecendo Hester por motivos claros, ela é bem mais interessante, não apenas comparada à Tom, vale ressaltar) entre o casal que passa por maus bocados antes de serem resgatados pelo Deus Ex-Machina na forma de Anna Fang, líder da Liga Anti-Tração, e salvos do tráfico de pessoas. A direção de Christian Rivers desenvolve-se medianamente, mas tiveram jogo de cintura nos figurinos e nas escolhas cenográficas que esteticamente são bonitas em sua maioria (no interior do que no exterior - no caso, as cidades móveis). O background de Hester adquire mais polpa com o surgimento de Shrike, um ciborgue, ou golem, que após ser libertado por Thaddeus de sua prisão, persegue Hester cobrando uma promessa feita por ela na época que a mantinha como sua filha adotiva. Hester fugiu ao saber da chegada de Londres à Europa Continental e abandonou seu pai postiço, deixando-o fulo da vida. O arco do monstro de lata não empolga, muito menos seu desfecho. O conflito individual de Hester tem valor superior à todo o conjunto que envolve a idealização geral. Contudo ele também é vítima desse inflamento desenfreado, o que não compensa, embora mais contido em relação ao conflito à parte dessa trama centrada em Hester - na verdade, quase tudo gira em torno dela, o que por um lado não é ruim, mas não vou me repetir sobre o que desanimou quanto à isso. A super-arma MEDUSA, catalisador da catástrofe de milhares de anos atrás, cai nas mãos de Thaddeus e desde a revelação não era segredo que o projeto destruidor fosse ser utilizado mais tarde pelo vilão para atacar a muralha e subjugar os habitantes não adeptos ao "Darwinismo Municipal" (quê?). A mãe de Hester, Pandora Shaw, tinha posse de um objeto em formato de caixa antes de ser morta por Thaddeus, justo ele o pai de Hester que não saiu de mãos abanando na treta, levando um pedaço de tecnologia antiga (a caixa) enquanto Hester saiu com o colar herdado da mãe - e que por sinal é a chave para desativar a MEDUSA, proporcionando à personagem um caráter protagonístico bem concreto e até eficaz. A ação tem seus altos e baixos, mas num saldo total não é grandiosa.
O clichê da união das tribos encerra o longa aliado à aproximação afetuosa de Hester e Tom que embarcam na aeronave Jenny Haniver (num design que ligeiramente lembra a Esquadrilha Abutre - "pegue o pombo, pegue o pombo" XD).
Considerações finais:
Máquinas Mortais é uma azarada produção desprovida de potencial latente e executável, levada ao formato errado. As mãos de Peter Jackson e seus companheiros escorregaram feio, nem sobrando para a direção carregar nas costas a missão de tirar leite de pedra. Fora as atuações entediantes, dá pra aproveitar uns acertos mixurucas. No mais, tudo parece um artificial compacto de episódios de uma série televisiva que eu não perderia meu precioso tempo acompanhando.
PS: Pensando bem, a TV parece o veículo mais convidativo para adaptar séries literárias com histórias super-carregadas, coisa que no cinema faz-se obrigatório um enxugamento potencialmente prejudicial dependendo do que for. No caso aqui, devia ter ficado só na prosa. Bem feito pro estúdio: o filme não se pagou, arrecadando US$ 82 milhões (troco de pinga pra Universal Pictures) à um orçamento de 100 milhões, totalizando um prejuízo de 150 milhões. Eu acho é pouco!
NOTA: 4,0 - RUIM
Veria de novo? Não.
*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: http://noset.com.br/cinema/maquinas-mortais-2018-e-o-primeiro-fracasso-de-peter-jackson/
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