Nem tudo é o que parece #47
Na manhã seguinte à morte de um dos membros da família bem endinheirada pela qual trabalho - sou jardineiro -, tive que ir cortar a grama e não me ouriçar a toda aquela confusão de entra e sai de investigadores. Estão fortemente abalados... nem faço ideia do que pode estar passando pela cabeça perturbada deles. O filho mais velho foi encontrado retalhado no chão, sem mãos, sem pés e com um buraco profundo no peito como se seu coração tivesse sido removido manualmente.
A mãe não para de chorar. O pai está em pleno desespero. E os irmãos completamente em choque.
O cara podia ser um babaca, mas não merecia esse fim. Vi esse rapaz crescer por uns bons anos. Descanse em paz. Bem, resolvi deixar a vida alheia pra lá e seguir com meu trabalho daquele horário agradável: cortar a grama do quintal que já estava alguns centímetros mais alta. Depois dar uma regadinha e sentir o gostoso aroma de grama e terra molhada.
Liguei o cortador e fui devagar. Também não fingi que nada aconteceu. Só que... era difícil tirar da cabeça apenas por querer. Me sinto parte dessa família tanto quanto o cara morto... Eu trabalho aqui há exatos 15 anos. Recebendo uma merreca, mas me dedicando com o quanto eu posso.
A droga do cortador deu defeito, a lâmina enroscou em alguma coisa...
Argh... Senti um cheiro de... ferro. Não vinha do cortador, com certeza.
Quando fui verificar, dissipando com a mão a fumaça que saía, vi um coração humano preso na parte de baixo cravado na lâmina toda melada de sangue grosso. Nem sabia que era vermelho.
Ainda estou inventando uma desculpa para o cortador ter pifado, esse emprego é tão importante pra mim, preciso dele mais do que tudo.
Não ia deixar um pedaço de carne podre do playbozinho solto ao custo do meu trabalho suado cujo salário o filho da mãe sempre roubava metade.
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Isso aconteceu na época em que deixei minha irmã morar de favor na casa que herdei dos meus avôs depois que morreram há pouco tempo. Numa noite específica, ela saiu dizendo que ia dar um rolê pelo bairro. Disse para que levasse a chave e não fizesse barulho após voltar pois eu estaria dormindo e tinha que dormir como um bebê para não acordar exausta e estressada no dia seguinte.
Demorei um pouco a entrar no quarto, estava lavando uma montanha de pratos pois tivemos visitas nesse dia e eu cuidei do jantar. Dormíamos em quartos separados.
Foi só eu me sentar na cama... que eu senti duas mãos super geladas agarrarem forte minhas pernas sem querer soltar de jeito nenhum.
Gritei dizendo para me largar, sacudindo desesperadamente... e daí reconheci aquelas unhas pintadas com esmalte roxo.
Aquela vaca ainda me paga por ter me assustado daquele jeito. É, a idiota da minha maninha super fofa quis me pregar um peça. Pra quê fui confessar a pior coisa que me faria ter um baque tremendo se eu estivesse dentro de um filme de terror?
Ela ficou rindo feito uma retardada e ao mesmo tempo eu a expulsava do meu quarto xingando ela. Falei que ia ter volta. O troco era pra já.
Uma semana depois, o carma veio na hora mais inesperada.
Ouvi ela gritar bem alto, além de, segundos depois, ela me xingar de vários nomes e, com raiva, pedindo para eu sair debaixo da cama dela.
Eu estava deitada na minha nessa hora.
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É sempre assim, quando algo estranho parece acontecer preciso me convencer de que é só o vento se eu quiser afastar maus pensamentos.
A porta da frente abriu sozinha?
Não esquenta, foi apenas o vento.
Você escuta um "tek-tek" no vidro da janela do quarto?
Sem crise, é apenas o vento fazendo um galho da árvore bater.
Um livro voou da minha prateleira agora mesmo colidindo na parede...
Acho que agora eu devo parar de fingir.
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Ontem à noite menti para os meus pais prometendo dormir cedo, quando na verdade fui fazer um ritual para transformar meu gato no que eu queria. Para isso seriam necessários os requisitos:
- Um gato pelado (tosei ele no zero).
- Uma injeção de tranquilizante (minha mãe trabalha em um hospital psiquiátrico e usei para deixa-lo quieto).
- Uma gota de sangue minha misturada com a dele.
- Uma estrela de quatro pontas, parecida com a rosa dos ventos, desenhada em um círculo perfeito.
- Encantamento a ser lido em voz alta (com cuidado para não acordar meus pais).
Minha ideia era fazer com que meu gato adquirisse uma segunda cor - ele tem pelo branco e gostaria que ele ganhasse uma metade preta. A recomendação veio de um colega da escola que não vou identificar aqui.
Eu fiz tudo direitinho. O esperado foi que duas almas de gatos mortos, com as cores desejadas, possuíssem o meu e eventualmente o pelo dele cresceria do jeito que eu quero. É um ritual para que duas almas habitem um mesmo corpo e isso vai gerar uma criatura diferente, como uma fusão. O recitamento que li é apropriado para animais.
Droga, meus pais estão descendo as escadas, aflitos com toda essa barulheira.
Não sei o que deu errado! Tranquei a porta do meu quarto depois que meu gato começou a virar uma coisa grande e horrível que está quebrando tudo lá dentro!
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Trabalho em uma central de monitoramento de um cemitério muito frequentado em dias de finados. Isso aqui é um tédio dos infernos, apesar da remuneração razoável! Só continuo porque ainda preciso me preparar psicologicamente pra me adaptar a um outro emprego, por isso frequento terapias. O que assisti semana passada foi um bom motivo pra relaxar no divã mais vezes do que eu normalmente costumava. O que eram consultas de duas em duas semanas, passou a ser de dois em dois dias.
Há um estoque de fitas, cada qual com 5 lotes de cores e nomes correspondentes as gravações. No lote vermelho, estavam as de caráter confidencial. Esse nome me atraía como um bom curioso que sou eu. O resultado foi meio traumático.
Desliguei a maioria das telas, cortando o sinal, para rodar uma fita aleatória na maior que tinha no centro do painel que focalizava a entrada do cemitério. A data era o dia anterior. O vídeo começou com estática cinza e barulhenta. Avancei, avancei... só estática por 15 malditos minutos. Avancei mais um pouco. Pulei uma imagem rápida. Rebobinei uns 40 segundos bem devagar. Mantive na velocidade normal assim que pegou o frame que deixei passar. Meu corpo gelou e um calafrio perpassou ele inteiro.
A imagem era da câmera B-4, geralmente ficando numa das telas à minha esquerda. O filtro estava OK, mas o conteúdo... caramba, o que é aquilo?
Um homem de terno e chapéu pretos com uma mulher com roupas da mesma cor parados diante de uma sepultura violada.
A cena dura uns dois minutos, voltando depois com a estática. Avancei no máximo. Passei outra imagem. Rebobinei. Deixei em câmera lenta para estudar cada detalhe. Ainda estavam na mesma posição. Cerca de 30 segundos depois, aproximadamente, eles viraram o rosto... direto para a câmera, ao mesmo tempo. Os olhos deles brilhavam num tom de verde, dois pontinhos brilhantes como vaga-lumes, tipo como os cachorros ou gatos quando estão num ambiente escuro, os olhos ficam assim e dessa forma estavam neles.
Olhavam fixamente para a lente da câmera, sem nenhum movimento. Avancei até o fim em velocidade não muito acelerada. As imagens intercalavam a estática que predominava em maior parte do vídeo. À medida que elas progrediam, mais próximos eles ficavam... antes do final a estática se prolongou até que o terminei de assistir levando um baita de um susto com a imagem congelada dos olhos verdes e brilhantes do homem... Ou seria da esposa?
Não pedi demissão, mas também não ia conferir as outras. Aliás, nem ousaria tocar no lote vermelho de novo. Aqueles olhos... dormi com eles fixados na mente.
No outro dia, recebi uma notícia terrível:
Os túmulos dos meus bisavós foram violados...
Eles estavam enterrados lá. Onde a câmera B-4 focou.
FIM... por enquanto!
*As imagens acima são propriedades de seus respectivos autores e foram usadas para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagens retiradas de: http://www.gramasparaiso.com/tipos-de-grama
https://eudyrj.wordpress.com/2012/06/15/a-mao-cabeluda-e-outras-visagens/
https://giphy.com/gifs/ghost-imagine-11pweiawxjqZQQ
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