Frank - O Caçador #60: "Admirável Gado Suculento"


O Sr. Ritchmond resolveu espairecer um pouco naquela noite enluarada fumando um cachimbo numa andança lenta para sentir mais suavemente a brisa pela sua fazenda na área rural de Danverous City. No entanto, um barulho distante o ouriçou. Virou o rosto para a direção do pasto das cabras e ovelhas. Os demais animais nos currais e chiqueiros se agitaram e tamanha afobação preocupou o criador de gado. 

Ritchmond se dirigiu ao pasto armado com uma espingarda levantando consigo mesmo a hipótese de um ladrão, caminhando uns bons metros até lá. Deparou-se com algumas cabras correndo assustadas, ovelhas encolhidas perto dos estábulos e... um bom número de cabras jazidas mortas no chão sem seus olhos. Ele avaliou, estupefato, uma das cabras atacadas por fosse lá quem tivesse sido o autor da barbárie. O animal estava com a boca aberta e nas órbitas oculares vazias escorria bastante sangue. Na barriga havia um buraco enorme por onde foram extraídos os órgãos. Entreviu algo passando pela mata, decidindo vistoriar. 

Adentrando no matagal, Rtichmond destravou sua espingarda na esperança de que o assassino que estripou seus animais a sangue frio. Apontou para vários lados, quase certo de que ele não estaria muito longe e teria notado sua iniciativa de persegui-lo. Um vulto passara entre as árvores e Ritchmond atirou. Sacou uma lanterna do bolso finalmente, pois achava que clarear o ambiente chamaria a atenção do assassino. Passou o facho de luz pelo ponto onde o viu e seguiu mais adiante até que pôde luminar pés inumanos correndo que o estimularam a correr atrás. Ritchmond pôs a lanterna por baixo do braço, mas logo percebeu a desvantagem de usar uma arma grande quando precisaria da lanterna lhe ajudando. 

Dando-se conta disso, baixou a espingarda, parando e tirando a lanterna do braço. Porém, ao voltar seu foco para o caminho à frente a luz da lanterna iluminou a criatura bem próxima à ele. Um ser de aspecto humano e animal, possuindo enormes chifres similares ao de uma cabra que eram curvos e uma pele em tom de sépia que destacava seu rosto enrugado com uma boca projetando presas salientes, além de pelos marrons como uma barba. 

Ritchmond travou querendo correr o mais depressa que podia. A criatura abriu sua boca manifestando raiva e desferiu um golpe contra o fazendeiro com sua mão direita. A lanterna caíra no solo, sua luz tremendo e enfraquecendo. 

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CAPÍTULO 60: ADMIRÁVEL GADO SUCULENTO

Área rural de Danverous City

O sedã prata de Frank encurtava sua distância com o sítio Ritchmond naquele início de manhã com sol forte. Um rapaz de chapéu de cowboy e vestindo camisa branco-azulada de mangas longas acenou balançando as mãos para que Frank parasse o carro. O detetive estacionara perto da cerca de madeira, ativando o alarme após sair do veículo. O jovem de 25 anos de rosto amigável com olhos verdes e barba por fazer que o recebera gentilmente era Kyle Ritchmond, neto do proprietário da fazenda. Frank podia notar um sinal de tristeza na face do rapaz. 

- O senhor deve ser o detetive Montgrow, certo? - perguntou Kyle - Seja muito bem-vindo. 

- Senhor não, ainda não fiz 50 anos. - disse Frank - Brincadeira. Sou eu mesmo. - o detetive desfez do sorriso leve ao ver que Kyle não correspondeu à piada - Ahn... Se não for incômodo perguntar... 

- Tudo bem, é do seu ofício fazer perguntas, afinal de contas. A propósito, fui eu quem liguei pro DPDC denunciando... a morte do meu avô. - disse ele, virando o rosto para um lado atormentado com o luto. 

- Você acabou de responder a pergunta que eu faria. - afirmou Frank - Meus pêsames. - estendeu a mão direita. 

Kyle a apertou com sua mão esquerda, grato pelas condolências. 

- Eu tava bem aqui desde bem cedo te esperando. Já encerramos o velório do vovô. 

- Foram todos embora e ficou apenas você? 

- Não, meu pai e minhas tias ainda estão lá dentro... em reunião. - disse Kyle, transparecendo desinteresse - Eu saí pra encher meus pulmões de ar, não aguentava mais escutar as abobrinhas das minhas tias. O assunto não muda nunca: A herança do meu finado vovozinho. Quer vir comigo? 

- Só se for agora, vamos nessa. - disse Frank, logo entrando no sítio juntamente com Kyle que abriu a porta da cerca. Os dois caminhavam em direção à casa enquanto conversavam - Bem, Kyle, de acordo com o relatório da polícia local, seu avô tinha marcas de garras profundas no peito, tendo morrido por perda de sangue. Ele vivia sozinho? 

- Costumava viver meio solitário por aqui, mas no mês retrasado decidi passar minhas férias do trabalho pra ajuda-lo nas tarefas, considerando a idade dele pra aguentar o tranco sozinho. - disse Kyle - Fiquei escrevendo meu livro quando ele resolveu sair pra dar uma refrescada na mente fumando cachimbo. 

- E a que horas você exatamente sentiu que ele tava demorando bastante?

- Ele saiu por volta das dez, nem vi o tempo passar, achei que voltaria logo... Quando olhei no relógio eram meia-noite e quinze, fui beber água antes de dormir, crente que ele já havia chegado... Até que saí pela mata e o encontrei. 

- Tem animais selvagens vagando na mata durante a noite? - questionou o detetive. 

- Vovô uma vez matou um coiote, tem a cabeça empalhada na sala. Mas coiotes não saem muito de seus territórios demarcados, pelo menos não com frequência. É isso que me faz pensar que o animal que arrancou os olhos e os órgãos das cabras é bem maior. Talvez nem seja uma pessoa. Um monstro, será? 

- Sendo bem sincero com você, Kyle: A julgar pelas evidências até agora, não é um palpite descartável. Já ouviu falar no chupacabra? 

- Minhas tias estão dizendo que foi o chupacabra, só que viajando na maionese, sabe... tem quem diga que o chupacabra seja um alienígena. - disse Kyle com ares de riso - Mas mesmo assim continuam mais falando da herança. 

Finalmente chegavam no casarão do Sr. Ritchmond subindo os degraus da escadinha de madeira. 

- Pessoal, temos visita. - disse Kyle entrando na sala. Frank veio logo atrás, um tanto tímido - Vocês podem por um minuto pararem de especular sobre quem é o herdeiro e sobre o monstro que matou o vovô pra dar as calorosas boas-vindas ao homem que pretende solucionar o mistério? 

Jake, o pai de Kyle, levantou-se do sofá para cumprimentar. 

- Olá, como vai? Me chamo Jake, pai do Kyle. 

- Opa, vou indo bem. De você eu sei que não preciso perguntar. Meus sentimentos a todos vocês. - disse Frank, acenando levemente para as tias de Kyle: Louise, a mais velha, Elaine e Victoria que, por sinal, tinham perfis de dondocas e lançaram olhares especialmente interessados ao detetive. 

- Hum, se os detetives oficiais de Danverous City forem tão garbosos como o senhor me mudo pra lá de mala e cuia. - disse Elaine, tomando seu uísque borbour. Victoria a olhou com repreensão - Com todo o respeito, claro. 

- Muito discreta, como sempre. - alfinetou Louise, tricotando uma roupa de lã. 

- Não ligue pra essa assanhada da Elaine, detetive... - disse Victoria deixando a frase no ar.

- Frank. - disse o detetive sorrindo amigavelmente - Frank Montgrow. Com a corda toda pra zerar esse caso. 

Kyle reprimia uma risadinha vendo a paquera das tias-avós se esbanjar sem nenhum disfarce. 

- Eu sinto que tivemos muita sorte quanto a isso. - disse Victoria, uma mulher de cabelos loiros bem claros que pareciam sempre passarem num salão de beleza - Por favor, não nos entenda mal por discutirmos a herança, estamos todos numa sintonia de luto, dor e revolta. Nosso irmão deve ser vingado, não importa quem tenha sido responsável pela barbaridade, animal ou pessoa... não importa. 

Frank fez que sim com a cabeça para ela. 

- Garanto que farei no que estiver dentro das minhas possibilidades, completamente. 

                                                                               ***

Kyle foi novamente ver o corpo do avô na casa de ferramentas que serviu de local para ser velado. Porém, preferiu manter-se observando-o do lado de fora pela janela. Frank veio colocando-se ao lado direito dele para fazer-lhe companhia, um ombro amigo em que pudesse chorar enquanto não chegava o momento de mergulhar de cabeça na investigação. Joseph Ritchmond jazia naquela caixão repleto de flores brancas. 

- Nunca me senti tão impotente e fraco... - disse Kyle, não tirando os olhos do avô - Podia ter impedido.

- Não, você não podia. - contrariou Frank - O que dá pra fazer com o inevitável é adia-lo. As coisas acontecem como se predefinem a acontecer. Não tô tentando bancar o filósofo, só... querendo te ajudar a se sentir melhor, você não carrega esse peso sozinho nem se quiser. Agora sobre suas tias... por mais desconsoláveis que elas pareçam estar, dá pra ver que herdar essa fazenda tem significa bem mais pra elas. 

- Elas querem satisfazer seus próprios egos e nada mais. - disse Kyle - Posso ser um dos herdeiros legítimos, mas tô pouco me lixando pra essa herança, seja lá o que ela for... dinheiro, joias, ouro... O maior erro do vovô foi colocar aquelas duas sanguessugas num pedestal. E daí que são irmãs? Os descendentes são candidatos mais fortes e dignos. Meu pai, ele sim, é quem merece essas terras. 

O toque de um sino pôde ser ouvido, chamando atenção de Frank e Kyle que viraram-se para o casarão.

- Hora do almoço, rapazes! - disse Elaine - O senhor também, detetive! 

- É reunião de família, melhor eu ficar por aqui! - disse ele em voz alta. 

- Eu insisto, venha! 

- Cuidado com o veneno dessas cobras. - avisou Kyle para o detetive, logo andando de volta à casa. 

Frank teve de ceder ao convite feito com tamanha gentileza para não desfazer sua boa imagem. 

                                                                                   ***

Após o almoço, todos se acomodaram novamente na sala de estar para retomarem a discussão, mas não acerca do assunto que Kyle e Frank gostariam que fosse debatido com a mesma seriedade. 

- Alguém se habilita a revirar esse casa toda pra descobrir onde está a tal carta? - perguntou Victoria, sentando-se no sofá com um copo de suco de laranja na mão direita - Ou comprovar se ela não existe. 

- Não dá pra provar que uma coisa não existe. - revidou Kyle de pé encostado na parede. 

- Espera aí, que história é essa? O Sr. Ritchmond deixou uma carta? É sobre a matança das cabras? - questionou Frank. 

- É óbvio que é sobre a herança. - disse Kyle. 

- Papai escondeu uma carta na qual revela o nome de quem herdaria a fazenda. - informou Jake. 

- Francamente, vocês estão me decepcionando. - disparou Frank - Como podem se preocupar numa hora dessas com a droga de uma carta pra saber quem é o herdeiro quando tem uma situação bem mais crítica nesse momento que é o assassinato do irmão de vocês - olhou para Elaine e Victoria -, do seu pai - olhou para Jake - e do seu... - cortou a frase ao desviar o olhar para Louise - Ahn... Você é o quê mesmo do Sr. Ritchmond?

- Essa é minha irmã, Louise. - disse Jake. 

- Desculpe, eu não me apresentei formalmente. - disse Louise, uma mulher de cinquenta e poucos anos de cabelos curtos castanhos usando um colar de pérolas e um vestido floral verde e vermelho - Só pra que fique bem claro, não estou aqui pela caça ao tesouro. - afirmou ela lançando um olhar reprovador para as tias-avós que desdenharam do comentário - Eu na verdade sou filha adotiva do Joseph. Mas criada como legítima da família. Pra mim tanto faz se ele me escolheu ou não. Já tenho o suficiente. 

- É brincadeira, não? Parece até piada. - implicou Elaine - Quer que acreditemos nessa conversinha de gratidão pelo que se tem ? Não minta pra si mesma, Louise. Todos vieram com o mesmo propósito.

- Tô com você nessa, Elaine. - disse Victoria - Admitam vocês três - referia-se a Louise, Jake e Kyle -, admitam que compartilhamos da mesma curiosidade e foi isso que nos trouxe até esse fim de mundo. 

- Olha lá como fala hein. À duras penas, papai construiu esse lugar com mãos de ferro e estabeleceu um dos maiores pontos de negociações pras indústrias aviária, bovina, agrícola... - disse Jake - Deviam ter mais respeito por esse "fim de mundo" - fez aspas com os dedos - que ele considerava um paraíso. 

- Se eu for a herdeira, vou transformar essa fazenda num paraíso. - disse Elaine. 

Frank chegou perto de Kyle cochichar ao ter a impressão de que uma rusga entre parentes se iniciava. 

- Não é querendo ser desrespeitoso, mas não vou ficar aqui assistindo picuinha de família. - disse o detetive, pegando Kyle pelo ombro para conversarem reservadamente num canto enquanto Elaine e Victoria distribuíam ofensas e comentários ácidos contra Jake e Louise - Com todos assim na maior baixaria por ganância, me leva a considera-los suspeitos, ou seja, o seu pai ou uma das suas tias pode estar por trás da criatura pra abocanhar a fortuna do velho. 

- Tô vendo que começou a ficar interessante. - disse Kyle - Se precisar de algo pra desmascarar, conta comigo. 

- Desconfia até do seu pai? Ah, ainda tem a Louise... 

- A tia Louise é a que menos parece sedenta pela herança. Meu pai quer apenas pelo legado e um dia passar o bastão pra mim. 

- Agora entendi porque a Elaine e a Victoria provocaram o Jake. Se for pra apostar, eu... 

Um pigarro forte soou bem atrás de Frank e Kyle. Ambos se viraram um tanto desconcertados. 

- Posso saber o que tanto cochicham? - perguntou Victoria. 

- É assunto de investigação. - disse Kyle - O assunto de família já terminou? 

- Estou farto de vocês duas, vou pro celeiro ver como andam os cavalos. - disse Jake. 

- Não vá sem mim, Jake. Estou sufocada nesse ar tão impuro. - disse Louise, passando por Victoria quase roçando no braço esquerdo dela como um indicativo de provocação. 

- Eu espero que não estejam desconfiando de nenhuma de nós. - falou Victoria, preocupada. 

- Não, imagina, eu só... tava falando com o Kyle porque... a briga nos incomodou. 

- Não quer sentar aqui comigo? Digo, conosco? - perguntou Elaine, as pernas cruzadas. 

- Eu vou recusar o convite dessa vez. 

- Já vai embora? - indagou Victoria, esboçando um semblante triste - E a investigação? 

- Tá preocupada agora com a investigação? Pensei que a herança fosse mais importante. - disse Kyle. 

- Estou preocupada com ambas. - retrucou Victoria, aborrecida. 

- Eu duvido muito. - disse o neto do Sr. Ritchmond virando a cara. 

- Detetive, fique por essa noite, seja nosso hóspede. - sugeriu Victoria.

- Tradução: Detetive, fique até irmos embora, seja nosso amante. - disparou Kyle. 

- Calado. - redarguiu Victoria, fulminando-o com o olhar. 

- Não há tantos quartos disponíveis - disse Elaine, vindo até eles - Quem sabe... possamos dividir. 

- Não, eu... amo muito a minha esposa. - mentiu Frank para desarma-las - Com licença. 

Frank saíra apressado de um modo que fizera as tias-avós de Kyle perderem um pouco das esperanças. 

                                                                          ***

Ao cair da noite, Frank aproveitou para deitar-se na cama no quarto de hóspedes, colocando as mãos juntas atrás da cabeça olhando o ventilador de teto girar lentamente. A família Ritchmond terminava o jantar, embora a atmosfera desarmônica motivada pela disputa quanto a herança permanecesse. 

Alguém batera na porta, acordando Frank de um breve cochilo. 

- Quem é? 

- Detetive Montgrow, eu só vim pra saber se está confortável. - disse Elaine. 

- Melhor impossível. - disse Frank - Que horas são mesmo?

- São quase nove horas. Bem, já vamos pra cama. Tenha bons sonhos. - disse ela num tom caliente que enrubesceu Frank. O detetive esperou o tempo passar um pouco mais para engatar uma caçada ao monstro devorador de olhos e órgãos vitais das cabras. Mas não adormeceu. A inconveniência de Elaine e a resposta sobre o horário dissiparam qualquer vestígio de sonolência que pudesse conservar. 

Quando sentiu que já tivesse passado aproximadamente uma hora e meia, levantou-se, vestiu novamente o sobretudo e tirou debaixo do travesseiro um rifle bem carregado. Saíra do quarto praticamente na ponta dos pés percorrendo o corredor escuro. No pasto, as cabras se agitavam com a presença sorrateira de um invasor que enxergava com bastante foco as suas presas. Frank saiu caminhando pelo pasto ouvindo o cricrilar de grilos por toda parte. Procurou a direção certa para chegar ao pasto sem chamar atenção dos animais e ficar de vigília perto do celeiro. E foi exatamente olhando para o celeiro que ele avistou um vulto correr. Destravando o rifle, Frank correu até lá. 

Aproximou-se do celeiro e dobrou para a esquerda, a arma em riste. Por detrás dele, a criatura de corpo humanoide com chifres de cabra desceu de cima do celeiro para um ataque furtivo. Mas ouvindo o grunhido, Frank logo virou-se e disparou imediatamente. O monstro desviou parecendo dar uma cambalhota para o lado para em seguida avançar no detetive com um pulo feroz. Frank foi derrubado usando o rifle como defesa para as garras não o tocassem e o chutara forte, logo batendo o rifle contra o rosto dele e podendo se reerguer. A criatura, ao contrário do que ele pensou, não revidou, correndo diretamente para o pasto fazer sua refeição. Frank atirou mais duas vezes, conseguindo acetar a perna esquerda da criatura que tomou outra direção indo para a mata. Frank correra no encalço da aberração contando com as balas que restavam, mas parou ao ver as luzes do casarão acenderem-se. 

Voltando-se para o caminho que a criatura seguiu na fuga, não a viu mais. 

Retornou à casa pela porta da frente vendo Elaine, Victoria, Jake e Louise, trajados de camisolas e pijamas, todos muito alarmados. Jake empunhava uma espingarda de cano longo. 

- Abaixa a carabina, sou eu. - disse Frank tranquilizando-os. 

- Detetive?! Então quer dizer que... - olhou para o rifle de Frank - Me desculpe, pensamos que fosse... 

- A coisa matadora de gado, eu sei. Devem ter acordado com os tiros, certo? Pois é, encontrei o bicho. 

- Ai meu Deus... - disse Victoria, aflita, tocando Jake nos ombros atrás dele - Muito corajoso de sair sozinho com uma arma que talvez não cause nenhuma ferida de raspão nesse monstro. 

- Detetive, você comprovou mesmo que se trata de um... chupa-cabra? - indagou Jake. 

- Com esses olhos que a terra há de comer. Ele chegou perto de avançar nas cabras, mas o espantei, até consegui meter uma bala que deixou ele meio manco. - disse Frank aproximando-se deles. 

- Mas afinal, cadê o Kyle? - perguntou Louise - A porta do quarto dele está trancada... 

- Então por que a preocupação? - perguntou Elaine. 

- Obviamente foram tiros muito altos, acordaria qualquer um. - disse Louise - Estranho ele não ter saído. 

- Acontece, normal. - disse Elaine - Um sono pesado é natural pra um jovem da idade dele. 

- Pessoal, pra ser extremamente honesto com vocês... - disse Frank - ... eu passei a vê-los como suspeitos. 

As reações de Elaine e Victoria foram as mais afetadas e intensas. 

- Eu sabia, eu sabia! - disse Victoria - Naquela hora em que você e o Kyle cochichavam feito dois amigos que dividem um segredo muito obscuro estavam falando da gente, desconfiando que um de nós tenha um envolvimento na morte do Joe. Isso me magoa, detetive. Por que eu mataria meu próprio irmão?

- Faço a dela a minha pergunta. - disse Elaine, chocada com a confissão franca do detetive. 

- Escutem bem, todo o papo da herança, o mistério de quem seja o herdeiro, a carta, vocês estarem tão gananciosamente interessados, sem falar no aparente descaso com a morte em si do Sr. Ritchmond... me levaram a crer que o culpado seja um familiar. Preciso verificar os pertences de vocês três. 

- Peraí, por que só delas? - perguntou Jake - Tá suspeitando da minha esposa, ela nunca faria isso. 

- E por que Jake é menos suspeito que nós? - questionou Victoria, revoltada. 

- Não, primeiramente vamos ao quarto do Kyle. Sigam-me os bons. - disse Frank entrando no corredor. 

O detetive bateu na porta com a mão direita aberta com certa força. 

- Kyle! - chamou em voz alta. 

- Jake, temos que chamar a polícia local, quanto mais gente caçando esse monstro, melhor. - disse Louise.

- Tem razão, o detetive Montgrow não tem culhões pra matar esse monstro horrendo. - disse Elaine. 

- Algo me diz que... ele é o único capaz. - disse Jake dando um bom voto de confiança. 

- Chega, vou arrombar. - decidiu Frank, recuando uns três passos. Dera um chute pesado na porta que abriu-se até bater na parede. Na cama aparentemente ele dormia coberto dos pés à cabeça - Kyle? 

Frank tocara, mas seu tato lhe dizia que algo estava errado. Puxou o cobertor que cobria apenas alguns travesseiros e uma bola de basquete. O velho truque de colocar travesseiros para fazer acreditar que há alguém ali dormindo. 

- Parece que vou ter de riscar seus nomes da lista. - disse Frank para as mulheres. 

                                                                               ***

Na manhã seguinte as coisas pareciam mais amenas entre os familiares. Frank chamara Jake para conversar a sós no corredor após terminarem o café. Kyle havia retornado bem cedo para o alívio do pai. 

- Eu não vou encarar a passada de pano que você deu pro seu filho e simplesmente descartar a hipótese que o coloca como principal suspeito, o que é chocante pra alguém que parecia indicar zero de suspeita.

- Acho que é minha vez de ser completamente honesto. - disse Jake olhando sério para Frank. 

- Enquanto tentava pregar o olho ontem, me surgiu uma dúvida: O seu pai tinha alguma crença em monstros assassinos de gado nas fazendas e sítios? Não apenas no chupa-cabra, claro.

- Papai me confidenciou uma informação, fizemos um juramento pra guardarmos esse segredo como nossas próprias vidas. Aconteceu na época do meu avô. Poucos anos depois dele se descobrir herdeiro da fazenda, um grupo de investidores pecuários veio oferecendo uma proposta milionária de compra e ele recusou. Mas insistiram tanto que meu pai perdeu a paciência. Não foi mera coincidência dias depois as cabras amanhecerem mortas sem olhos e com buracos enormes na barriga. Ele tinha plena certeza de que mãos humanas não teriam feito aquilo. Num dia de sorte, capou o monstro, mas com um efeito colateral. 

Jake retirou do seu bolso uma espécie de medalhão dourado com símbolos talhados em relevo. 

- Ele se sujou com o sangue da besta, um sangue tóxico... que amaldiçoa a vida de quem deixa uma gota cair na pele. A maldição passa de geração à geração, de pai para filho... Daí ganhei isto de presente no meu aniversário de 20 anos. 

- Um amuleto anti-maldição. - disse Frank, reconhecendo o artefato. 

- Meu pai sabia que foi obra dos compradores e a confirmação total veio pela bruxa com a qual ele obteve seu amuleto. Ela disse que se tratava de um Huay Chivo, um monstro que parece ser o próprio demônio. Os malditos fizeram um ritual maia para transformar um dos seus nessa besta-fera carniceira.

- Huay Chivo, esse nome não me soa nada estranho. É bem a cara de monstro matador de gado. 

- Eu assumo, detetive. - disse Jake, sentindo-se um péssimo pai - Falei que Kyle tinha ido caçar o Huay Chivo pela floresta com tanta insistência somente pra acoberta-lo. Aos 19 anos ele saiu de casa direto pra faculdade e... eu ia abdicar do meu amuleto por ele... se não fosse por cada amaldiçoado ter seu amuleto próprio. Me perdoe por não ter corrido atrás de garantir a proteção do Kyle contra si mesmo. 

- Esse perdão você tinha que pedir ao seu filho. Mas talvez ele não daria a mínima. Ele sabe o que tá fazendo, a maldição não apodrece os miolos dele. O senhor que me desculpe, mas... tenho que acabar com isso. Ao estilo caçador. 

Derramando lágrimas e as enxugando, Jake assentiu para Frank. 

- Na hora da oportunidade, faça o que tiver que ser feito. 

Escondido atrás da parede do corredor à direita, Kyle escutava a conversa com uma expressão de desapontamento. 

                                                                         ***

Ao finalzinho da tarde, Frank fora a casa de ferramentas onde encontrara Kyle organizando algumas caixas de madeira. 

- E aí, garoto? Mandando ver nos trabalhos? - perguntou entrando. 

- Sou um fazendeiro em treinamento. - disse Kyle terminando de empilhar as caixas - Não posso ser herdeiro sem suar a camisa pra me preparar. - falou, limpando as mãos com uma flanelinha vermelha. 

- Kyle, deixa eu te perguntar uma coisa... 

O jovem foi até a porta fechando-a. 

- Pra ninguém vir interromper nossa conversinha particular. 

- Não precisa fechar a porta, as suas tias e o seu pai estão vendo televisão, conferindo os números da loteria. - disse Frank virando-se para ele - Já viu seu pai usar um objeto dourado e redondo? 

- Tipo... esse aqui? - perguntou Kyle, retirando o amuleto bloqueador de maldições do bolso da calça. Girou a chave, trancando a porta. Frank rapidamente sacou sua arma, apontando-a para Kyle - Você mordeu minha isca direitinho, sabia? Meu pai te deu o aval pra me matar e eu te dou o meu pra que o mate. 

- Eu devia ter assistido mais episódios do Scooby-Doo pra aguçar meu sensor de culpado. Passa a merda desse amuleto pra cá senão tu leva bala na cabeça. Como foi que você surrupiou? O Jake falou que não fica sem o amuleto nem de dia. 

- É, exceto quando ele vai tomar banho. Como foi tão fácil? Você deve estar se perguntando. 

O sol já havia se posto há vários minutos, o azul escuro do céu indicando a chegada da noite. 

- Não precisa dizer, só quero que entregue o amuleto, destranque essa porta e ninguém sai ferido nem morto. Agora saquei qual é a tua: Pegou o amuleto do seu pai pra fazer com que ele se transforme na frente das suas tias, estraçalhe elas e depois coma uns olhinhos de cabra. Eliminar os possíveis herdeiros numa paulada só. Genial o seu plano, moleque. 

- O herdeiro foi um mistério pra eles, não pra mim. Li a carta dias antes do vovô morrer... digo, dias antes de eu ter acabado com a raça dele por se meter no meu caminho. O herdeiro legítimo... é meu pai. Por pouco tempo já que eu vou mata-lo e nadar numa piscina de dólares fresquinhos.

- Seu doente, você vai se ferrar bonito e tenho dito! 

Kyle jogara o amuleto para um canto distante. 

- Se você quisesse me matar, já o teria feito. - disse Kyle, repentinamente seus ossos fazendo barulhos enquanto ele se ajoelhava sofrendo a transformação tão excruciante que o fazia rasgar a camisa. Chifres similares aos de uma cabra brotavam da sua cabeça e a pele se enrugava e amarelava num tom de sépia. Por fim, o Huay Chivo ergueu seu rosto monstruoso para Frank, os dentes pontudos salientes e os olhos selvagens num aspecto demoníaco. 

Na casa, Jake voltava para sala com um copo d'água na mão. Elaine e Victoria assistiam TV vestindo roupões de seda e usando toalhas enroladas na cabeça. De súbito, Jake parou na sala e derrubara o copo de vidro que caiu no chão se despedaçando. Elaine e Victoria se estremeceram, levantando-se ao mesmo tempo do sofá. Jake cambaleava, chegando a derrubar uma vaso de porcelana. 

- Jake! O que há com você? - perguntou Elaine. 

- O que tá acontecendo? - perguntou Victoria, amedrontada. 

Louise vinha correndo do quarto. 

- Mas que gritaria é essa? - perguntou, logo vendo Jake sofrer a metamorfose e exibir seu rosto amarelado, os dentes pontiagudos para fora e os olhos terrificantes ao olhar para elas por cima do ombro. As três gritaram de puro horror. Paralelamente, Frank travava um difícil embate contra Kyle. 

Sendo derrubado com um pulo, Frank tentava se desvencilhar lembrando do que Jake dissera sobre o sangue, embora isto não viesse a prejudica-lo pois dificilmente teria filhos levando em conta sua idade um tanto avançada para tornar-se pai de primeira viagem. Frank o chutou na barriga com o joelho várias vezes até num instante de vulnerabilidade dera-lhe uma cabeçada, conseguindo afasta-lo. Arrastou-se para reaver sua arma, mas teve seus pés puxados. Por pouco, Frank pegara a pistola, virando seu corpo. Atirou umas dez vezes no peito da criatura que se debatia um pouco com o impacto das balas. 

- Vira peneira, seu escroto! - disse Frank dando o último tiro. O Huay Chivo caíra para trás, debilitado. 

Porém, o detetive não era de simplesmente acreditar que com uns tiros um monstro daquela natureza seria morto. Aproximou-se para certificar-se, mas pegando uma tesoura de jardineiro por cautela. 

Virou as costas após não visualizar sinais de respiração. Contudo, o Huay Chivo "reviveu" dando um salto para pegar Frank num bote teoricamente sem escapatória, mas o detetive agilmente se virou enfiando a tesoura no queixo da criatura. A tesoura atravessou o queixo e suas pontas eram visíveis bem acima da cabeça. O monstro recuou trôpego, grunhindo e expelindo bastante sangue pela boca. 

Kyle definitivamente caíra morto enquanto seu pai causava o maior terror entre as mulheres na casa. 

Depois de causar estragos na sala, Jake saiu pela janela num pulo estilhaçando o vidro e firmando-se no chão, logo correndo freneticamente para saborear olhos e órgãos das poucas cabras que restaram. 

                                                                             ***

No dia seguinte, Frank e Jake despediam-se tristemente pelos fatídicos ocorridos da noite passada. 

- Olha, nem pensa que a saída correta seria te matar e entregar a fazenda nas mãos do teu filho. 

- Tarde demais, já pensei. - disse Jake andando ao lado do detetive até a saída da fazenda - Kyle tinha mérito pelo legado. Eu não sei... Meu coração tá dividido. Uma metade sangra pelo Kyle ter feito o que fez com as intenções que tinha... e a outra está tranquila, aliviada porque fui salvo graças ao senhor. 

- Mérito pelo legado, OK. Mas não pela conduta insana e a ambição. 

- Acho que falhei como pai. Já nem quero mais saber dessa fazenda, da fortuna... 

- Olha, Jake, eventualmente você supera. Não existe legado perfeito. Tem sempre um patinho feio. Mas na história do patinho feio ele se mostra melhor que os outros em alguma coisa. Que tal virar o fazendeiro pra corresponder à esperança do seu pai do que desistir se arrependendo e se culpando pelos atos do Kyle? Pode não ser à altura, mas no melhor que você puder fazer será recompensador. - aconselhou Frank, tocando-o no ombro - Se cuida. E as supergatas? Vão ficar bem? 

- Ainda estão bem travadas no choque tanto pelo meu surto quanto pela verdade sobre o Kyle. - disse Jake, abatido - Digo à elas que mandou um abraço. Adeus, detetive. - apertara a mão esquerda de Frank.

- Repito: Se cuida. Tá bom? Falou. - disse Frank transparecendo um desânimo tão elevado quanto o de Jake, afinal sentia dó pelo mesmo ter sido vítima da transformação que o fez matar mais animais. 

Frank entrou no seu sedã prata acenando para Jake. Durante a partida, Frank recebeu uma mensagem de Carrie dizendo que sua folga acabou. Frank deu um sorrisinho de satisfação. Ouvir a voz da assistente pelo celular lhe fez muita falta mesmo num caso relativamente simples. 

- É, Carrie, você não sabe o que perdeu. - disse ele ansioso para contar dos casos que investigou desprovido do suporte de pesquisa que ela proporcionava como ninguém. 

                                                                              -x-

 *A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.

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