Capuz Vermelho #47: "Como cães e gatos (Parte 1)"
"Se tudo isso não passar de uma fachada, juro que saio pela porta da frente e deixo se matarem feito um bando de animais selvagens. Das consequências a gente cuida depois."
Trecho do segundo Diário de Rosie Campbell - Pág 10.
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Manchester
Uma demorada sessão de tortura desenrolava-se num recinto com paredes descascadas de tijolos à mostra e iluminação proveniente da lua nova pelas precárias janelas. Uma outra estaca de prata cravejava no torso daquele homem apenas com com calças e sapatos comuns e a parte superior vulnerável e repleta de filetas secos de sangue.
Duas pessoas da raça rival aos licantropos, conhecidos como felintropos - indivíduos sobrenaturais com amplificadas características selvagens de felinos - eram os conduzidores. Uma garota - Beth, mulher de sobretudo e cabelos loiros cacheados que caíam aos ombros - e seu namorado - Paul, um rapaz vestindo camisas de flanela azul e rosto jovial com cabelo castanho curto e uma barbicha.
- Até quando preferem continuar perdendo tempo comigo? - perguntou o cativo, os pulsos presos por correntes penduradas no teto. - Não entendem que fazendo isso vão estar cavando suas covas...
- Nós nunca fugimos de uma briga. - disse Beth, segurando uma estaca - E temos a noite toda. Então, senão quiser que a próxima lâmina chegue ao seu coração... é melhor ceder.
- Anda, Walter. - disse Paul, apertando o rosto dele - Cansamos desse jogo idiota. Está aqui há quatro dias e ainda pensa que seus amiguinhos vão vir negociar resgate. Você é um bucha pra eles. Perguntando pela milésima vez: O que tanto eles querem de nós que se recusarmos disparam com um massacre impiedoso? Hein? Fala! - vociferou.
- Aí, Paul, dá uma olhada... - disse Beth, apontando para uma carta que passara para soleira da porta.
- À essa hora? Que estranho... - disse ele, pegando-a. Rasgara o envelope com sua unha crescida de licantropo e lera o conteúdo que o deixou espantado.
- O que tem escrito?
- Parece que um tal de Tristan Mandler, dizendo ser líder da alcateia regional, quer levantar bandeira branca. - disse Paul, entregando a carta à namorada. - Me diz o que acha dessa palhaçada.
Ela olhara para o prisioneiro, desconfiada.
- Tá sabendo disso? Jantar de requinte para celebrar a paz?
Walter fez que não com a cabeça.
- Não é uma gangue de mafiosos, é um alcateia de lobisomens. Muita coisa muda em quatro dias.
- OK, não tenho porque duvidar. - disse Beth, logo olhando novamente à carta - Além do mais, nunca fui convidada para esse tipo de festa. Podemos ir, só pra curiosidade. Se for cilada, a gente arrebenta com eles, como sempre fizemos.
- E como sempre nós falhávamos. - disse Paul, pessimista. - É curioso mesmo, ai que droga... Tudo bem, iremos, fazer desfeita seria apenas outra fuga covarde. - olhara para Walter - E quanto à você, amigo... encerramos por aqui. - trocou olhares com Beth - É todo seu, amor.
A felintropa passara a língua entre os lábios ao tirar as luvas roxas de algodão. Ao transformar-se, seu rosto adquiriu pelagem bege tal qual de uma leoa, com olhos iguais e garras crescendo.
Virou-se para rasgar a pele de Walter em um impetuoso rugido felino.
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CAPÍTULO 47: COMO CÃES E GATOS (PARTE 1)
Área florestal de Raizenbool
Batidas insistentes na porta atraíam uma cansada Rosie que bocejava por ter acordado cedo em um sábado. No entanto, ao chegar perto da porta, sua mão esquerda parou centímetros à maçaneta. A hesitação fervia. "Quem diabos seria às 7 da manhã num fim de semana?"
- Quem é? - perguntou, o tom seco. Hector veio logo atrás, curioso, após ter tomado banho.
- É o Derek. Assustei vocês? Se sim, desculpe não ter chamado.
Rosie abrira, franzindo o cenho. O líder do DECASO sorriu amigável, seu cabelo preto de corte social bem penteado. Entrara, trazendo alguns papéis anexados.
- Sem tempo para formalidades, temos um novo caso.
- Desculpa, mas é que... - disse Rosie, ainda estranhando - ... realmente é tenso você vir pessoalmente até nós com um trabalho, ainda mais tão cedo. - ela olhou para Hector.
- Tenho que concordar. - disse o caçador - A gravidade é tão forte pra justificar a sua vinda?
- Por favor, não quero incomoda-los. - disse Derek - Existe uma opção: Posso ir embora, deixar este anexo com vocês e ligar mais tarde contando todos os detalhes. - fez uma pausa - Eu ouvi um "não"?
Rosie e Hector entreolharam-se concordantes.
- Foi o que pensei. - disse o líder, contente, depositando o papel na mesa - Sei que não estão muito acostumados com minha presença, então me desculpem.
- Tudo bem, a sensação ruim passou. - disse Rosie, andando até eles. - O que aconteceu de bizarro e sobrenatural desta vez para estragar nosso dia?
- Em Manchester, há um rixa ferrenha entre duas facções selvagens de objetos classe Alfa.
- Pode traduzir isso pra nossa língua? - perguntou Rosie.
- Ah, tinha me esquecido que não receberam o dossiê com as criaturas catalogadas nos níveis de classificação, mas vou providenciar. Pois bem, direto ao ponto: Preciso que apartem uma briga de cães e gatos antes que uma guerra estoure nas ruas da cidade e a população fique à mercê.
Hector matara a "charada" na hora.
- Espere... Felintropos em Manchester? Não pode ser verídico, são mais comuns na Espanha, Holanda e em Portugal. Na minha época de líder da Legião, lembro de termos liquidado com somente três aqui na Inglaterra.
- Felintropos... Tipo, homens-gatos? - indagou Rosie. - Preciso de uma pesquisa antes de ir, não?
- Tempo é ouro diante dessa problemática. - salientou Derek, abrindo o anexo - Eles estão em terras britânicas, em grande concentração, há um bom tempo. Estas pessoas aqui... todas elas são caçadores dados como desaparecidos nas últimas três semanas. - Derek olhara para eles. - Infiltrados na alcateia Lycan para saber o que está sendo tramado para aniquilar os felintropos.
- Isso é basicamente um plano kamikaze. - disse Hector, preocupado - Se um escapa para a informação ser dada ao restante que ficou isento, o líder da alcateia suspeita desse desaparecimento e coloca em risco a vida desses caçadores. Deve saber quem é e quem não é humano, talvez só adiando suas sentenças de morte, jogando com as vidas deles.
- Boa teoria, Sr. Crannon. - disse Derek - Porém, duvido que à essa altura as identidades reais dos intrusos tenham sido descobertas. O líder se chama Tristan Mandler e ele costuma ser bem liberal com seus servos. Provavelmente faz acordos com humanos para serem guardiões do esconderijo enquanto caçam, alguns caçadores podem desempenhar esse papel.
- Espera, esse aqui não é o Nick? - reconheceu Rosie apontando à foto - A última vez que o vi foi no QG do Exército antes de enfrentarmos Mollock em Londres. - olhou para Derek, séria - Ele entrar nessa foi ideia sua?
- Ideia de todos nós. - retrucou ele - Não se preocupem, ele está sem nenhum arranhão. Matou os felintropos que o capturaram e reverteu o interrogatório. Eram dois gatos pingados que sabiam demais e ninguém do bando sentiria falta.
- Essa sua tentativa de ser engraçado não ameniza. - disse Rosie, desconfortada - Ele podia estar morto. Agora quer que a gente se arrisque do mesmo jeito?
- Vocês dois são a única esperança. - disse Derek, visualizando ambos - Os felintropos andam capturando membros da alcateia, estão desesperados e cegos de raiva. Assim que apurarem o máximo de informações sobre o que verdadeiramente está por trás dessa briga, aconselho a traçarem um plano e evitar que esse barril de pólvora exploda. Posso contar com vocês?
Rosie suspirara, sem mais nada a contestar.
- É claro que sim. - disse ela, em seguida olhando para Hector que assentiu sério.
***
Manchester - 13h40
A dupla rumava até um hotel quatro estrelas numa movimentada rua do centro da cidade.
- Não estou muito habituada com multidões. - disse Rosie, observando a aglomeração de pessoas que iam e voltavam e o trânsito meio cheio - Mesmo que não tenhamos um lugar melhor para estar, podíamos ganhar umas férias, só nos últimos dois meses foram mais de 40 casos. Era só o que faltava... Não bastavam caninos sobrenaturais, agora temos também felinos. A natureza é uma maravilha.
- Se o Derek estivesse ao nosso lado agora - disse Hector - teria lhe dado um sermão e questionado porque você assinou na linha pontilhada.
- Que bom ele não estar. - disparou Rosie - Ficaria bancando o nosso chefe com aquele nariz empinado. Você também não digeriu a ideia dele ter nos visitado para nos avisar de um caso tão... trivial? Imaginei algo no nível de Mollock ou quimeras de Robert Loub, fiquei preocupada. É muito estranho...
- Está estranhando errado. Pra mim é bastante óbvio que ele quer estreitar os laços conosco. - disse Hector, tranquilo. - Em todo caso, não tire conclusões precipitadas. Você vem comigo? - perguntou, parando na entrada do hotel.
- Não, eu... - disse ela, olhando para os cantos da área - Vou dar uma volta. Te encontro depois.
- OK. Se notar algo suspeito...
- Tá, eu já sei. - interrompera ela - Por acaso quer assumir o papel que o Derek gostaria?
O caçador revirou os olhos, virando-se para adentrar no hotel e fazer a reserva. Rosie sorrira para si mesma, logo caminhando pela calçada despreocupadamente.
Em dado momento, sentira uma presença constante estando próxima. Com uma olhada de relance para trás, ela confirmara e apressou o passo. "Odeio ser seguida assim em plena luz do dia..."
Não havia mais ninguém atrás dela ou ao lado do homem misterioso de aparência elegante com colete marrom por cima de uma camisa branca de longas mangas e uma gravata vermelha. Tinha cabelo castanho, alguns fios espetados na frente e uma face com queixo quadrado e olhos estonteantes fixados na jovem. Rosie atravessara a rua na esperança de confirmar.
Porém, percebera estar fora do radar, logo precisando olhar novamente. Ele estava seguindo à um prédio para reservas de festas e confraternizações. A jovem divisou um atalho e percorrera, invertendo os papéis. "Me seguiu como se quisesse me dizer algo e depois desiste... Ah, isso não vai ficar assim." Ao se ver diante do estabelecimento, ela confirmara a entrada dele. "Ele não desapareceu... Realmente é ele que entrou, a estatura é a mesma."
Pelo interior do local, Rosie o seguiu com discrição. Entretanto, sua ansiedade foi posta à prova ao vê-lo cruzar portas e corredores quando não mais parecia ser o mesmo local onde entrara. "Pra onde você tá indo?" As paredes verdes do estabelecimento ficaram para trás, naquele instante parecia um presídio de segurança máxima com paredes cinzentas e decrépitas e iluminação ruim.
Ao perde-lo de vista, ela abrira uma porta aleatória. Entrou num recinto escuro e frio. De repente, uma mão ergueu a alavanca de ferro do interruptor e as luzes brancas acenderam-se. Rosie virou-se para a figura que saiu da escuridão. O mesmo cara.
- O que isso significa? Armadilha? - perguntou ela.
- Na verdade, algo bem mais cortês. - disse ele, aproximando-se - Prazer, sou Tristan Mandler.
A revelação pegara-a desprevenida.
- Se tiver que apertar sua mão, vou acabar torcendo seu braço. - disse ela, recuante - Me fala: Por que me seguiu e o que diabos um licantropo de alta patente faz num espaço pra aluguel de ternos?
- Antes de mais nada, peço que não saque sua estaca. - disse Tristan, comedido - Meu sexto sentido diz que você foi enviada para investigar não só a nós como também os bichanos. Sua aparência diz muito, apesar de meio extravagante, sem querer ofender. Eu não vou ataca-la, neste exato momento não a vejo como carne fresca mas como... uma cooperativa.
- Dá pra ser mais claro? Tem um quarto de hotel quatro estrelas à minha espera. E um parceiro pronto para receber novidades.
- Isso é ótimo. - disse Tristan, retirando um cartão branco do bolso - Pegue. Está convidada para a confraternização desta noite, pode levar seu parceiro, não tenho problemas com detetives ou caçadores. - a jovem pegara, lendo.
- Isso... é algum tipo de pegadinha? - perguntou ela, incrédula - A quem quer enganar? Poucas horas atrás sou alertada de que vocês e os felintropos estão em pé de guerra e agora você vem à mim dizendo querer promover a paz!? Não posso confiar que você seja o real Tristan.
- Pedir para que confie em mim é inútil. - declarou ele, dando de ombros - Mas a proposta é genuína. Estou cansado de travar lutas que só terminam em baixas e gera mais ódio desnecessário.
- Por que não tentou convencer os vampiros?
- Não tentamos porque nossos contatos são raros numa trégua que já dura séculos. Além do mais, eles são limitados, nós somos multifuncionais. Estou agora tentando o mesmo com os gatinhos. A união fará a força, todos sairão ganhando se forem bonzinhos.
Rosie pensara por um longo instante.
- Fechado. Nós iremos. Mas se por um minuto a coisa cheirar mal... faremos nosso trabalho. Prometo.
O líder da alcateia concordou num sorriso fechado... mas torto.
***
Um felintropa chamada Bella Danston, moradora de apartamento pouco espaçoso no subúrbio, recebera uma carta entre duas outras correspondências que ignorou ao ter certeza de serem contas. Abrira o terceiro envelope. Enquanto lia, ela afastou uma mecha do cabelo castanho claro e meio chanel cujos fios de trás iam até a nuca. Um bilhete anônimo.
Um homem saíra do banheiro apenas de toalha, intrigado.
- O que aconteceu? Parece tensa...
- Não tô gostando nada disso, Dave. - disse Bella, inquieta - Dessa vez um anônimo me manda um bilhete, com um envelope igualzinho ao do convite, dizendo que a festa ficará ainda melhor na meia-noite. Pelo visto, algum suposto convidado surpresa resolveu mandar isso pra todos e causar suspense.
- Mas quem se daria ao trabalho de escrever tantos bilhetes pra tantas pessoas em pouco tempo? - questionou ele - Seja lá quem for, é um idiota.
- Ou talvez estejamos sendo espionados por algum Lycan que resolveu nos assustar com isso.
- Me deixa ver. - pediu Dave, logo lendo rapidamente a mensagem - É, temos uma boa razão para nos preocuparmos. - olhou para ela - Essa caligrafia não é de ninguém que eu conheça da alcateia. Todos lá se entrosam e vivem como irmãos, não há segredos entre nós.
Bella aproximou-se do namorado.
- Vamos fazer o seguinte: Nesta festa sequer vamos olhar um no outro. - tocara-o - Vai se esforçar? Independente do que aconteça?
- Se acontecer algo ruim... vai ser difícil me segurar pra não proteger você na hora.
- Sejamos otimistas, pra variar. Nada vai acontecer comigo, com os outros ou com você. Deve ser alguém do seu bando querendo pregar uma peça em nós sem consentimento do chefe.
Dave ficara em silêncio, mantendo a seriedade enquanto Bella abraçava-o.
***
- Eu ouvi direito? Jantar pacífico!? - disse Hector, levantando-se da cama, altamente cético. - Inacreditável... - passou a mão na boca - Rosie, nem pensar que vamos nos submeter...
- Olha, pára e pensa um pouco. - disse Rosie, acalmando-o - De repente pode ser uma oportunidade. Quer mesmo deixar escapulir com medo de falharmos? Pois saiba que depois da minha conversa com Tristan fiz reserva num vestido. O Derek pode pagar o aluguel, do seu terno também.
- Eu não sei... Se tudo não passar de uma fachada...
- Eu também tenho dúvidas. Ele não me ameaçou, nem me chantageou se eu recusasse. E deixei bem claro... que se for atuação nós vamos partir para o ataque.
- Rosie, em dois anos, sinto como se tivesse visto todas as facetas da licantropia. Tempo o bastante para perceber que quando se carrega essa maldição não existe confiança, nem própria.
- E quando foi que nunca estivemos dispostos a sofrer riscos? - perguntou Rosie, sincera. - Não vou usar a ladainha de "já passamos por coisa pior" pra te convencer. Eu quero descobrir a verdade e essa é a chance valiosa. E também quero saber como fica de terno.
O caçador esboçou um sorriso fraco, baixando a cabeça.
- Sobre riscos... tenho que admitir. Convite aceito. - decidiu, fazendo Rosie sorrir - Não temos medo do imprevisível. - fez uma pausa - Acho que essa é a parte que você diz "é assim que se fala".
- Não, isso é clichê. - disse Rosie, bem-humorada. - Então está definido. Seremos da alta sociedade por uma noite...
***
"... no meio de monstros com falsas posturas civilizadas. Quero ver até onde isso vai dar."
Em algum lugar da cidade, havia um esconderijo subterrâneo pertencente a alguém misterioso.
O proprietário entrara na sala com odor de mofo, trajando um manto negro. Uma maleta cinza ganhou sua atenção e fora aberta cuidadosamente. No interior, estava um arsenal de afiadas lâminas de prata. Para a porta de um armário à esquerda ele olhou. Ruídos vinham lá de dentro.
Por um momento, quis utilizar as lâminas, mas a inauguração ficaria para depois.
Pegara uma pistola e carregou com três balas de prata, dirigindo-se ao armário. A porta ficou escancarada assim que ele entrou, revelando um licantropo meta-simbionte acorrentado nos braços, rosnando selvagemente querendo a liberdade.
A porta se movimentou um pouco, deixando uma brecha estreita. Neste momento, o homem dera três tiros na fera, os disparos produzindo "relâmpagos" no interior escuro.
***
Manchester - 21h15
A grande noite finalmente havia chegado para a determinação de uma trégua saudável e sem indícios de atritos no meio disso. A ideia de serem antagônicos sem guerrearem perturbava a cabeça de muitos como um evento de impossibilidade absurda. Mas a segurança dos cidadãos era mais valorosa.
Caminhando por uma trilha de cascalho, Rosie e Hector esbanjavam elegância. A jovem com um vestido vermelho escuro com detalhes e sem mangas e que chegava aos joelhos. Já o caçador ostentava um smoking preto com gravata borboleta. O local da festa tinha intensa iluminação. Uma mansão comprada pelo próprio Tristan e ali oficializaria a moradia de sua alcateia.
Escondido em arbustos, uma figura de vestes negras e encapuzada observava a dupla seguir.
Na longa mesa de jantar, as facções sentavam-se em lados opostos, de frente uma para outra. Rosie e Hector ficaram lado à lado na parte dos licantropos. Até que um felintropo reclamou:
- Ei, vocês são os caçadores, convidados especiais, escolherem um lado não é justo.
- Escolhemos nos sentar onde quisermos. - disparou Rosie, sem paciência para discussão. - O anfitrião não lançou nenhuma regra para nós dois tomarmos partido.
- Rosie, por favor... - sussurrou Hector, bem perto do ouvido dela - Aja com auto-controle, assim criaremos menos problemas, eles são instáveis e implicantes, mas...
- Eu ouvi isso hein. - disse uma felintropa com uma taça cheia - Super-sentidos ligados no máximo. Esqueceram onde estão metidos?
- Ahn... perdão. - ajeitou a gravata - Ás vezes não meço as palavras.
- Tudo bem ser sincero. - disse ela - Só não exagere ou seu lindo rosto não será mais tão lindo.
- Ameaçando os convidados especiais, que coragem. - disse um dos licantropos.
- Defina ameaça. - retrucou ela - Apenas dei um aviso a respeito de como os outros podem reagir não sabendo lidar com a verdade. Acha que eu queria estar aqui?
- Muito menos nós. - rebateu ele - Era para eu estar num bar jogando um bom poker com os amigos.
- Que vida de cão vocês levam. - disse um felintropo, prendendo uma risada. - Entenderam?
- São preguiçosos até pra fazerem piadas. - debochou outro licantropo - Qual será o cardápio de vocês? Leitinho quente no pires ou atum defumado?
- Vai se ferrar. - disse a felintropa, bebendo um gole do champanhe.
- É, temos muita moral, portanto respeitem porque o negócio aqui é sério. - disse um felintropo meio gorducho e com cavanhaque. Mostrou seus olhos, semelhantes ao de um tigre - Eu quero acreditar na paz e na esperança... Nenhum bando é melhor que o outro, somos singulares e nossas capacidades não precisam ser medidas pela força bruta num conflito. Há uma boa razão para estarmos aqui.
- Por que esses olhos de tigrão? Parece até que está com fome. - provocou um licantropo. - Tem dois humanos do nosso lado, podemos dividir. Os Lycans ficam com a garota e vocês com o caçador.
Rosie inquietou-se repentinamente e Hector ficara desconfortável.
- Por que vocês ficam com o melhor doce? - perguntou um felintropo, um jovem de 20 poucos anos. Rosie cravou um olhar irritado nele.
- Essa definitivamente é a pior festa que já fui. - cochichou ela para Hector.
- Somos duas, amiga. - disse a felintropa.
- Não me chame de amiga. - franziu o cenho - E desliga essa super-audição, é mal-educado ouvir conversas alheias. Além disso, nem eu e nem meu acompanhante serviremos de sobremesa pra vocês. Estamos aqui por cortesia... e por acreditarmos na paz, ainda que seja difícil. Chegou o tempo de engolirem seus orgulhos e fazerem diferente dos humanos atualmente.
Tristan bateu um garfo na taça chamando a atenção de todos.
- Primeiramente, belo discurso, senhorita Campbell. É exatamente esse o objetivo. Nossas diferenças não são maiores que o amor próprio que existe em cada um de nós. É hora de passarmos por cima dessas barreiras e colocarmos uma pá de cal nas desavenças presentes e passadas. Gostaria, do fundo do meu coração, que todos estivessem sintonizados harmonicamente, acreditando nesse propósito, nesse ideal. Entendo que é difícil. Superar o passado é difícil, pungente e sofrido. Eu lamento por todas as batalhas. Lamento por todo o sangue derramado. Espero que deste dia em diante... só lamentemos não termos estado juntos numa ocasião assim muito antes na sangrenta linha do tempo.
O felintropo que pareceu crente na paz começara a bater palmas lentamente, emocionado. Mas Tristan o interrompeu.
- Opa, os aplausos não são para agora. Devemos esperar o seu grande líder chegar, quero fazer um discurso com ele. Atrasos acontecem, não é? - dissera, sorrindo para todos. Levantou a taça - Saúde.
Bella não estava tão segura daquilo e sentiu-se enjoada por não acreditar nas palavras de Tristan.
***
Antecipando o discurso principal entre ambos os líderes, o amplo salão fora liberado para os convidados beberem, comerem e conversarem, cada grupo procurando não se misturar até que todos tenham assimilado o ideal de paz reforçado, o que levaria mais que uma noite de reunião pacífica.
Rosie e Hector tomavam champanhe, preferindo manter-se juntos. Surpreenderam-se ao verem Bella aproximar-se deles com postura amistosa.
- Preciso aproveitar que estão isolados. Só quero conversar e ajudar, não vou tirar sarro como os outros. Eu sou diferente.
- Você é...? - quis saber Hector.
- Felintropa. - disse ela, a fala rápida - Bella Danston. Me sinto tão pouco à vontade quanto vocês. Essa festa não passa de um movimento para apaziguar as coisas. O jeito fofo e diplomático que o Tristan encontrou de recuperar uma adaga mítica de prata chamada Órion roubada por nós há anos.
- Não faz sentido Tristan organizar tudo isso pra conseguir de volta uma arma anti-licantropo. - disse Rosie. - Então esse é o motivo da rixa secular entre vocês.
- O que explica é o fato dessa arma tão poderosa ser capaz de matar o alfa dos licantropos. O ancestral. O primeiro de todos. Está guardada no cofre desta mansão.
- Tristan está confiante até demais nesse plano. - disse Hector - Nem considera a probabilidade de um felintropo tentar um golpe furtivo e roubar a arma só para plantar a discórdia.
- Mas é comprovado que a adaga tem esse poder? - perguntou Rosie.
- Não teria porque duvidar. - disse Hector. - Todo ser sobrenatural tem sua maior fraqueza. Obviamente, não precisa ser testada pra dimensionar seu poder.
- Mais uma coisa: Existiu uma lenda de que matando o ancestral todas as linhagens Lycan morreriam. Disso ainda não há muita certeza, mas muitos acreditam ser mentira.
- E por que resolveu nos contar? - questionou Rosie, intrigada.
- Porque sinto que alguma coisa muito ruim vai acontecer nessa festa... - disse Bella, a boca meio trêmula - Recebi um bilhete à tarde de alguém dizendo que viria pra agitar a festa à meia-noite...
Hector olhara no relógio de pulso.
- Faltam poucos segundos pra meia-noite.
Pontualmente no horário, um súbito apagão pegara a todos de surpresa. O salão inteiro mergulhou numa escuridão sufocante por 15 segundos.
Encerrado o tempo, as luzes retornaram. Murmúrios e arquejos de espanto tomaram conta.
No centro do local, dois corpos de licantropos completamente estraçalhados e com poças de sangue circundando-os e aumentando jaziam para o desespero de Tristan que observava tomado pelo medo.
CONTINUA...
*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: http://www.queromedo.com.br/2012/07/lobisomem-origem-e-curiosidades.html
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