Capuz Vermelho #48: "Como cães e gatos (Parte 2)"
CAPÍTULO 48: COMO CÃES E GATOS (PARTE 2)
Dois ensanguentados corpos de licantropos estirados no piso de ladrilhos em xadrez. Uma chama há pouco tempo diminuída voltara ao estado anterior num segundo. Um silêncio torturante pairou no salão inteiro por vários segundos com faces de perplexidade e desilusão estampadas. Rosie sentiu as palmas das mãos gelarem e Hector apenas encarava chocado. Bella manteve a mão direita cobrindo a boca por um tempo. A surpresa baqueante deu lugar aos olhares de fúrias dos lobos.
- Mas que grande merda foi essa? - perguntou um, aos berros.
- Não é óbvio? Dos 52 convidados, apenas 39 vieram. - disse um deles - Receio que estejamos lidando com algum plano desesperado, os gatinhos aí queriam transformar o evento numa brecha para agirem. Por que minhas recomendações nunca são levadas a sério?
- Ah é, e o que sugeriu? - disse um felintropo, exasperado - Deixa eu adivinhar: Sequestro... tortura... pressão psicológica e etc. Sem querer ser arrogante, mas nós pensamos nisso primeiro e fizemos a nossa tarefa melhor do que imaginam.
- Com isso admitem que estão por trás disso? - questionou outro licantropo, mais jovem que a maioria.
- Não seja burro. - repreendeu outro Lycan - Foram rápidos em pegarem um dos nossos e torturar, mas não espertos ou corajosos o bastante para tentar um movimento tão ousado como esse.
- Aonde foi parar o ideal de paz que estava sendo pregado? - disse o felintropo meio gorducho, de cabelo social e barba cheia, cujo nome era Garfield. Ele andou adiante querendo ter voz ativa - É uma fatalidade, eu sei, ninguém esperava, mas precisamos pensar antes de julgar. A propósito, nenhum de nós foi responsável, garanto que não queríamos executar esse tipo de ato quando estamos tão cansados de confrontos que sempre acabam da mesma forma! Eu estou cansado disso!
- Quem é você pra falar em nome de todos os felintropos? - perguntou uma Lycan, soberba. Direcionou-se aos corpos - Somos aliados ao anfitrião, então estamos isentos de culpa por traição. As feridas são profundas e foram nos corações. O assassino não seria idiota em deixar as armas do crime, mas se o fizesse facilitaria para analisar se há digitais. Outro porém: Ele podia estar usando luvas.
- Sinto informa-la, mas essa é descartável. - disse um licantropo de cabelo longo - Os gatos molhados não são vulneráveis à prata. A menos que seja um humano, mas acho menos provável...
- Não fomos nós! - bradou um felintropo, revoltado, sendo impedido por outros dois a não avançar.
Bella mordeu forte os lábios, logo andando até o "olho do furacão". Rosie a olhou, mas hesitou detê-la esperando o que ela fosse fazer.
- Tenho uma confissão a fazer. - disse ela, segura.
- Ora, vejam só! - zombou o Lycan que deu o número exato de convidados - Eu bem que avisei que deveríamos ter acatado minha ideia. Torturando esses flagelados conseguiríamos bem mais que um "miau". Tô curioso pra saber de onde vem tanta confiança.
- Cala a boca! - disse Bella, nervosa - Não é nada do que estão pensando. Vou ser direta: Hoje à tarde um bilhete anônimo foi enviado à mim. Escrito por alguém que viria "agitar" - fez aspas nos dedos - a festa e não deu mais detalhes. Era o mesmo envelope do convite. Deve ter sido aleatório, qualquer um de nós, felintropos, teria recebido. Deviam agradecer pela sorte de ter sido eu, porque, honestamente, eu seria a única a revelar.
- Nós devíamos dar cabo de você pela burrice de não ter nos avisado. - criticou um licantropo, apontando com o indicador à ela - Estaria nos preparando para o pior, agora é tarde demais!
- Escutem aqui, seus ignorantes. - disse Rosie, pondo-se ao lado de Bella e assumindo postura desafiadora - Culpa-la nessa altura não faz o menor sentido. Só estão agindo pela emoção. Bella estava apreensiva, além de não saber exatamente se era apenas uma pegadinha ou algo sério.
- O líder dos felintropos ainda não chegou! - ressaltou algum licantropo, na retaguarda do grupo. - Está muito claro! Tiraram proveito da nossa boa vontade de estabelecer a paz para nos atacar!
- Certamente tem a ver com a lâmina... - disparou Tristan, até então emudecido pela tragédia. Todos o fitaram - Não descarto a possibilidade de ser algum caçador...
- Confiemos nessa possibilidade então. - disse Hector, determinado - Tenho certeza que todos aqui presentes estavam engajados, até aqueles que não admitem, nessa iniciativa que eu apoio imensamente. Considerando que há algo importante em jogo, o adequado seria cessarem as acusações infundadas e se concentrar em pegar o responsável real. Todos podem fazer sua parte na investigação se agirem corretamente.
- Eu concordo. - disse uma voz grave de um homem com barba por fazer e de terno preto e com aspecto meio nórdico com cabelo loiro e comprido amarrado atrás. As atenções voltaram-se à ele e somente à ele - Me embrulha o estômago que isso tenha ocorrido em plena cerimônia fleumática. - pegara uma taça com champanhe na mesa - Todos vocês devem sair à caça do sujeito. A adaga Órion está guardada aqui, talvez seja isso que ele quer. - comeu uma azeitona. A maior parte se retirava às portas dos fundos, ansiosos para resolverem o mistério. O homem olhava Tristan fixamente.
- Andrew. - disse Tristan, sério. - Há quanto tempo...
- Tristan - disse Hector -, você sabe onde ficam os geradores? Ele pode ter programado a sabotagem para acontecer exatamente quando descesse na passarela - apontou para a passarela alguns metros acima que servia de "arquibancada" para quem quisesse assistir às danças e/ou pronunciamentos, ela era acessível por uma escada nos fundos e "contornava" quase todo o salão retangular - e mata-los para em seguida escapar pelas saídas alternativas.
- Fica no último corredor, partindo daquela porta - apontou -, vai acha-lo na terceira porta à direita.
- Obrigado. - disse ele, virando-se para Rosie e Bella - Preferem que eu acompanhe?
- Vamos agir separadamente. - disse Rosie - O que acha de agora escolhermos um lado? Pra investigar, claro.
- Por mim tudo bem. - assentiu ele - Afinal, eu me encaixo na turma deles.
- O que ele quis dizer com... - disse Bella, franzindo o cenho.
- Err, melhor nós irmos, vem. - disse Rosie, interrompendo ao puxa-la pela mão.
Hector fora surpreendido pela companhia de Dave enquanto seguia à porta indicada por Tristan.
- Quem é você?
- Ah, desculpe... aparecer assim de fininho. Sou Dave, namorado da Bella. Mantemos nosso caso em segredo há anos.
- Porque está revelando algo tão íntimo a um detetive que caça licantropos?
- Eu confio em você. Notei como estavam conversando com Bella. Inclusive, foi muito sensato da sua parte defender os felintropos e desviar as suspeitas.
- Já que pensamos igual... - abrira a porta - ... então siga-me.
***
Com o salão finalmente esvaziado, os dois líderes aproveitaram para conversarem abertamente.
- Minha intuição de lobo está me levando a crer numa opção que não gostaria de aceitar. - disse Tristan, desapontado com o rumo das coisas, mas desconfiado. - Você chega aqui, todo pomposo, relaxado e despreocupado como se regozijasse do fato da festa ter sido estragada do pior jeito possível. - andou até ele - É a adaga que você quer, né? - sorriu torto - Por isso mandou todos embora. - olhou para os cadáveres - Devo encarar isto como um alerta. Uma vez que eu diga não, os convidados não comparecentes matarão meus lacaios um por um até que eu ceda.
- A contradição é uma armadilha que só o faz perceber que caiu tarde demais. - disse Andrew, também se aproximando - Está disposto a negar a todos os princípios que você lapidou e disseminou há pouco tempo... pelos seus instintos mais latentes?
- Sou o anfitrião, logo eu faço as perguntas. - disse Tristan, severo - Onde esteve antes do apagão?
- Sobre a adaga, ela continua sob meu poder. - salientou Andrew - E não vou ser obrigado a dar satisfações numa hora dessas. Não me admira que escolheu este lugar justo numa noite de lua cheia.
Tristan deu uma risadinha.
- Isso tudo aqui é meu. A compra foi legalizada pelo governo, passando os bens ao meu nome. Portanto, tecnicamente, a adaga... é tão minha quanto sua. Fantástico, não?
- Só pra acalma-lo, porque sei que está se segurando pra não liberar o monstro, eu não tenho nenhum conhecimento sobre o assassino. Não me importo pois não é problema meu e isto por si só não significa que meu nome seja adicionado à lista de suspeitos.
- Enquanto o desgraçado não for pego, me nego a cair no seu jogo.
- Escute, Tristan, eu também anseio por tempos menos sangrentos para nós dois, mas o que está fazendo é controverso demais para o meu gosto. No mínimo esperava que mantivesse sua posição, mas não, olhe pra você, acusando como todos os seus cães. Você tem sérios problemas...
- Meu problema agora é sua presença me deixar tão consternado. - disse Tristan, exaltando-se - Eu suspeito de você. Não vou descansar até que a justiça seja feita. - dera-lhe um empurrão. - Some daqui, Andrew. A Órion permanece no cofre pelo tempo que eu desejar.
O líder felintropo, cansado das provocações, sacara uma faca de prata da manga do terno e a fincara na jugular direita de Tristan que logo revidara com um empurrão mais forte fazendo Andrew ser jogado até uma parede e cair numa mesa derrubando e quebrando várias taças. O líder Lycan correu à porta tentando remover a faca, o sangue jorrando e manchando a camisa branca com colete preto.
***
Em um corredor, Hector e Dave vasculhavam à procura de evidências como rastros de sangue ou marcas de pegadas. A lanterna oferecida por Dave emitia forte luminosidade, rasgando a escuridão.
- Você foi um dos que chegaram primeiro. - disse Hector - Explorou a maior parte da mansão?
- Bem, eu e a Bella não passamos por aqui... eu acho, mas não tinha uma lâmpada apagada, o Tristan foi exigente com a iluminação e a estrutura. Ainda assim, é estranho. Depois que matasse os Lycans, o assassino levaria três ou quatro minutos para religar a energia. A luz volta e "magicamente" aparecerem dois Lycans abatidos. Foi o homicídio mais veloz que testemunhei, nem eu conseguiria tão rápido.
- Estamos lidando com um profissional. - disse Hector, prestes a entrar noutro corredor - Ele não programou o gerador sozinho. Não seria possível dada a rapidez como tudo aconteceu, não pode ter se deslocado de um lugar ao outro numa fração de segundos, baseado na suspeita de que é humano.
- Tá suspeitando de um cúmplice?! Leu minha mente, amigo. Mas mantém a dúvida: É caçador ou...
Hector recuou dois passos, quase esbarrando em Dave que se postou à sua esquerda logo arquejando de horror e afastando-se. A luz da lanterna apontava para dois corpos de felintropos, um rapaz e uma garota, banhados numa poça de sangue. As marcas dos golpes eram similares às nos Lycans.
- É um caçador. - concluiu Hector, logo virando-se para Dave. Mas onde estaria Dave?
O felintropo desaparecera sem vestígios, preocupando à Hector. Um corredor à esquerda estava iluminado e ele voltou alguns metros para entrar, desligando a lanterna.
Chamou pelo nome do licantropo umas cinco vezes.
Na metade do corredor, ele se viu estranhamente sozinho. Sentira cheiro de sangue e fora até a parte escura do corredor. Ao ligar novamente a lanterna, o susto fora intenso.
Dave, que há poucos minutos estava bem e vivo, fora descoberto morto da mesma forma que os outros. Hector expressou pesar e incômodo, recuando e depois se virando para o lado oposto.
Porém, um vulto pulara do teto por trás dele, logo enfiando uma espada que atravessou no meio do seu tórax.
Hector golfou bastante sangue pela boca antes de cair e a lâmina da espada ser removida com um ruído característico. Uma figura mascarada, encapuzada e trajada toda de preto o fizera.
***
Rosie e Bella caminhavam pelos corredores com intercalações de escuros e iluminados.
- Ao que parece, os geradores não estão mais funcionando como deveriam. - disse Rosie, mantendo o foco. - Os assassinatos foram apenas distrações. Partindo disso, é provável que seja um caçador.
- Estou preocupada com Dave. - disse Bella, insegura - Todos nós corremos sério risco, de uma hora pra outra ganhamos alvos nas nossas costas. Esse cara foi muito preciso... Acho perigoso andarmos nos corredores escuros, pode estar à espreita e matar qualquer um num piscar de olhos.
- Bella, se acalma. - disse Rosie, voltando-se à ela - Sim, ele é rápido, mas é um contra vários. Se o plano era acabar com o evento, ironicamente serviu para nos tornar uma equipe só.
- Uma equipe? - indagou Bella - Desculpa, mas... eu não vejo as coisas tão simples assim. Bem, você é uma caçadora...
- Jamais matei felintropos. - defendeu-se Rosie - Acredito em você, Bella. Quero que faça o mesmo por mim, pelo menos por agora. - disse a jovem. Bella assentiu, concordante. Um ruído abafado as fez ouriçarem. Rosie gesticulou pedindo que ela ficasse parada, indo cautelosamente à parte escura.
Num banheiro, Hector despertara como se tivesse dormido longas horas. O paletó do terno, largado no piso, fora retirado pela pessoa que o empalou, deixando-o somente com a camisa branca. Sua visão logo ao acordar deparou com uma imagem estarrecedora que o fez levantar.
Viu suas mãos encharcadas de sangue fresco. Certamente não matara aquele homem careca degolado, nem o amarrara e pendurara no teto. O sujeito vestia-se igual ao caçador misterioso.
Enquanto isso, Rosie descobrira quem estava espreitando na opacidade. Antes que ela erguesse sua mão, a pessoa levantou voz de desespero.
- Por favor, por favor, por favor! - disse o felintropo meio gorducho, saindo à luz - Meu discurso naquela hora foi sincero, não matei ninguém, se é o que pensam...
- Ei, calma aí. - disse Rosie, tocando-o no ombro - Respira fundo. Tenho quase certeza que o assassino é humano. Especificamente, um caçador.
- Estou mais satisfeito, mas não menos preocupado. Me perdi do resto do grupo... Será que...
- Garfield. - disse Bella - Tá tudo bem, vem com a gente. Sabe dizer como andam as coisas lá fora? Aposto que muitos não quiseram brincar de "Cace o caçador".
- Ouvi uns comentarem que a maioria dos Lycans estão no jardim. Podem estar bolando uma estratégia, talvez.
Bella de repente apurou o olfato. Seguiu na direção do odor. Rosie e Garfield a seguiram.
- Bella... O que foi? - perguntou Rosie.
- Nariz arrebitado. Cheiro esquisito no ar. - disse Garfield, fazendo o mesmo - Na verdade, é...
- É sangue. - disse Bella, convicta, andando mais rápido a um banheiro.
Ao entrarem, pegaram Hector encarando o cadáver de um homem com vestes comuns de caçador.
- Hector!? - disse Rosie, olhando em seguida ao corpo - Não me diga que esse é o...
- Não, está enganada. Alguém está tentando me incriminar. - teorizou ele. - Fui atacado depois que Dave sumiu. - na camisa desabotoada não havia nenhuma cicatriz - Fui atingido no tórax por uma espada. Muita precisão para não atingir o coração. Fiquei inconsciente e fui arrastado por ele até aqui.
- Ele quem? Ele? - perguntou Rosie, apontando ao corpo.
- Não. O verdadeiro caçador. Quanto à esse...
- Quem é esse cara? - perguntou Garfield, confuso.
- Cadê o Dave? - quis saber Bella.
- Bella, eu sinto mui...
A entrada súbita de dois licantropos cortara-o. Estacaram ao verem o cadáver pendurado e com um corte profundo na garganta. Lançaram olhares desconfiados.
- Está com as horas contadas. Tô falando com você. - disse um deles para Hector.
- Mas por que? Eu fui abatido em guarda baixa, levado desacordado e minhas mãos sujadas de sangue como prova falsa deste assassinato que não cometi.
- E esta faca? - perguntou o segundo, pegando-a.
- Me expliquem essa história. - exigiu Rosie - Hector será punido por ter matado um caçador?
- Eu não matei ninguém. - defendeu-se ele. - Acordei e a primeira coisa que vi foi ele exatamente neste estado.
- Esse cara - disse o Lycan - é ninguém menos que Doug Grayner, a nêmese do Tristan, inimigo declarado há muitos anos, também queria a lâmina. Ele jurou que ninguém além dele o mataria com as próprias mãos e você estragou tudo. Tenho pena de você porque vamos ter que contar.
- Como é que é!? Isso é injusto. Tristan não pode me matar porque arruinei sua vingança sem saber de nada. - disse Hector, ferrenho. - Aliás, não fui eu!
- Ignorância não é o mesmo que inocência. - disparou o Lycan.
Hector estourou sua paciência e rosnou para o lacaio de Tristan andando à ele. Rosie apartou.
- Não vamos perder mais tempo com briga desnecessária. Mais importante agora é desmascarar o verdadeiro assassino. - olhou para Hector - Você vem conosco?
O caçador-detetive mantinha o sangue fervendo, odiando ser injustiçado.
***
Os grunhidos arrastados do licantropo eram música aos ouvidos do caçador-assassino que injetava-lhe através de uma seringa grossa de vidro um líquido amarelo no pescoço, usando o antebraço esquerdo para segura-lo com toda força na parede.
- O que tá fazendo comigo? Eu não sou autorizado a responder!
- Eu assumi a posição superior. - disse o caçador - Viraram meus cães que latem quando eu mandar.
- Que merda é essa? Por que me sinto tão fraco?
- Um soro inibidor. Bloqueia a licantropia por 4 horas, está neutralizado e vulnerável. Agora diga-me. - apontou uma espada à garganta dele - Onde fica o cofre?
Interrompendo a conversa, dois Lycans irromperam da escuridão doutro corredor, avançando ferozes, mas pararam para olhar a lua cheia através de uma janela em arco num pequeno compartimento. Os olhos de ambos tingiram-se de amarelo com pupilas dilatadas. As presas e os pelos cresceram. Os músculos se avantajaram e as mandíbulas se alongaram.
O caçador sacara outra espada, girando-as auto-confiante. Os Lycans atacaram selvagens tentando rasgar a carne do assassino com as garras, mas ele esquivava-se com exímia agilidade, sem dificuldade em cravar as lâminas nos corações deles após alguns cortes que espirraram sangue.
O interrogado ficou boquiaberto e intimidado com a figura espectral do caçador virando-se.
- À cinco corredores... direita, esquerda, esquerda, direita, esquerda.
Sem dizer nada, ele se encaminhou como um soldado imbatível.
***
Tristan arrombara a porta dupla do escritório com um ombro. Estava cambaleando devido à adaga fincada na lateral do pescoço. O local tinha uma lareira acesa. O líder descravou a faca lentamente, os dentes cerrados e olhos fechados apertadamente. Jogou-a no chão e se dirigiu-se a um quadro pouco atraente. Andrew poderia estar caçando-o em qualquer parte e rápido como um gato não demoraria a encontra-lo e nesse caso manter a adaga segura nas mãos certas era prioridade.
Antes pegara luvas negras numa gaveta da escrivaninha, colocando-as e depois removendo o quadro.
Um cofre metálico com botão de giro se revelou.
Enquanto isso, o caçador disparava balas de pratas contra três Lycans transformados com uma sub-metralhadora. Um deles resistiria e mesmo trôpego tentou feri-lo, mas o caçador sacara duas facas curvas e desferiu cortes velozes até chuta-lo contra parede e enfim usando um pé para obstruir a respiração até movê-lo quebrando os ossos do pescoço. O Lycan caíra duro como pedra.
Paralelamente, Hector, Rosie, Bella e Garfield sentiam-se vigiados com os dois Lycans que acusaram o caçador-detetive de matar Doug Grayner.
- É sério, acho melhor vocês dois se juntarem ao pessoal lá fora. - disse Garfield - É desconfortável, me sinto refém. Não são confiáveis...
- Podemos fazer um favor. - disse um deles. Hector franziu o cenho. - Uma colher de chá.
- Diga o que é. - pediu Rosie, curiosa, sem parar de andar.
- O cofre com a adaga está localizado à dois corredores daqui, num escritório. Sigam à direita, depois à esquerda. Existe um atalho, bem mais curto. - afirmou o outro. Ambos pararam.
- Por que resolveram ajudar? - perguntou Bella.
- Acreditamos que há outro caçador à solta. Puxamos a ficha do Grayner mais os relatos do Tristan. O modus operandi dele é bem menos... discreto. Atira primeiro, humilha, pisoteia, explode... depois pergunta. Teria sido um massacre se ele tivesse chegado primeiro. Queremos ele morto depressa.
Rosie e Hector mantinham-se atentos. Garfield continuava suando de nervoso.
- Mas você Hector... Se prepare. O Tristan não vai querer saber. Se dissermos que foi você e vamos dizer porque há provas... Que o todo-poderoso tenha piedade da sua alma. - disse ele, dando a meia-volta ao lado do parceiro.
Os olhares compreensíveis à Hector só o deixavam aflito. Seguiram em frente na direção indicada.
No escritório, Tristan girava o botão do cofre dando a combinação. Ao abrir, maravilhou-se novamente contemplando a reluzente lâmina de prata com cabo, pomo e guarda-mão não sendo difícil imagina-la como uma espada - os felintropos bem que gostariam, mas o tamanho original médio promovia vantagens.
Aproximando-se da porta, o caçador aprontou seu lança-granadas e mirou-o na fechadura, logo disparando. Tristan mal tocara na Órion. A porta explodira em inúmeros pedaços que voaram pela sala em meio à fumaça preto-cinzenta. O líder encolhe-se abaixo do cofre, terrificado. Da fumaça irrompeu o caçador, largando a arma e sacando uma das suas adagas.
- Fim de jogo, lobo. - estendeu a mão - O pouparei se der a adaga.
Andrew entrara pelos fundos, com revólver em punho e atirando no caçador três vezes, mas o colete o protegera dos disparos. Tristan o olhou estranho e ficara mais confuso quando o caçador arremessara a lâmina contra ele, aparentemente matando-o.
- O que você tem de destreza tem de idiotice. Não vê que fazendo isso está me ajudando?
- Você é o próximo. - disse o caçador, sacando outra. Tristan olhara para a lua pela janela, mas algo dera errado. De repente lembrou da faca de Andrew... a ponta, especificamente. estava manchada de sangue um pouco fresco. - Não consegue né? O miserável só estava atuando, eu é quem devia cair. Tínhamos um pacto. Ele se drogou com o soro inibidor, extraiu o sangue infectado através da faca para deixar sua fera bem comportada para que quando eu te achasse minha vantagem ficasse clara. Mas cansei de disfarces.
- Você o matou? O traiu?
- Talvez. - disse o caçador, avançando contra Tristan. Ambos lutavam corpo à corpo.
O quarteto liderado por Rosie adentrou na sala presenciando o confronto. No momento em que Tristan era empurrado à parede sendo agarrado pelo pescoço, ele dissera:
- A... A Órion... alguém pegue-a... rápido! - usou toda sua força para sair.
Rosie se habilitara, andando discreta até o cofre enquanto Tristan resistia ao agarro do caçador. Andrew, surpreendentemente, levantou-se com a lâmina na mão e obstruindo um corte no pescoço.
- Vamos lá, parceiro. Dê o que ele merece.
- Parceiro?! - disse Bella, estupefata - Chegamos aqui e pensamos que estava morto! O que significa isso, afinal? Somos seus seguidores, ficamos, eu e Garfield, desesperados e agora chama esse assassino de parceiro!
- É complexo demais para sua pequena mente! Nenhum de vocês entenderia. Ele pode estar cansado da aliança, mas eu preciso que ele vença a batalha.
- E as mortes dos felintropos que idolatravam você foram em vão? - questionou Hector.
- Meros peões no tabuleiro. Me julgue, não dou a mínima. - disse Andrew, com sorriso cínico.
Enfurecida, Bella transformou-se - sua pelagem era amarela e os olhos de um gato - e com supervelocidade atacara-o enfiando as garras direto no coração do líder, além de fazer uns arranhões na face dele.
- Doug Grayner estragaria nossa festa. Por isso me encarreguei dele. - disse, suas últimas palavras.
Hector, transformando-se, fora ajudar Tristan na luta contra o caçador. Rosie pegara a adaga e correra até a porta. Bella, desconsolada, ajoelhou-se. Perdido, Garfield acabou tentando o movimento mais arriscado ao pegar uma cadeira e a quebrara na cabeça no caçador. O assassino implacável se virou e lhe fincou uma adaga no abdômen.
- Garfield! - gritara Bella, abalada.
O caçador percebera Rosie dirigindo-se à porta com a Órion e descravou a adaga em Garfield para lançar contra ela. Porém, Hector, superveloz, tomara a frente, recebendo o golpe... exatamente no meio do lado esquerdo no peito, caindo instantaneamente de joelhos arquejando de dor.
- Hector! - disse Rosie - Aguenta firme...
- Ele aguentará. - disse o caçador, retirando uma seringa com soro inibidor e pondo-a no chão. Levantou o pé direito ameaçando quebrar - A menos que me dê a Órion. O soro tem propriedades curativas, neutraliza também o efeito da prata em contato direto ao coração. Se recusar, diga adeus.
Rosie olhara para Bella que fez não com a cabeça chorando abraçada ao corpo de Garfield.
A situação de Hector exigia arriscar de qualquer forma. Ela engoliu em seco.
- Está bem. - decidiu, entregando a adaga. O caçador apanhou a seringa e a deu, pegando a adaga. - É bom que funcione, porque senão... vou me tornar o seu pior pesadelo. Eu juro.
Captando a mensagem honesta, o caçador logo correu à janela, pulando-a e quebrando o vidro.
Tristan não perdera tempo e o seguira imitando o movimento sem ser percebido pois as atenções estavam em Hector que agonizava dolorosamente.
***
Uma sala de estar foi o refúgio escolhido para se acomodarem na salvação da vida de Hector. Rosie e Bella carregavam o caçador-detetive com os braços dele sobre suas nucas e o deitaram num sofá.
Respirando com dificuldade, ele olhava para Rosie com súplica.
- A pulsação dele está muito fraca. - disse Bella - A lâmina não atravessou o coração, mas o contato é o bastante para uma aproximação curta.
- De quanto tempo? - perguntou Rosie, aflita e hesitante.
- Cinco minutos. Talvez menos. Seria bom injetar essa coisa logo ou...
- Rosie... - disse Hector, arfando - Faça. Vai... ficar tudo... bem.
A jovem o olhou tristemente, segurando a seringa. Encorajada, ela virou o rosto aplicando o soro no braço do caçador. Bella aparentava ter incertezas, assim mordera seu pulso de onde proveu sangue para fazer Hector beber.
- O que está fazendo?
- Só pra garantir. Esse soro não é novidade, é feito à base de um fluido que apenas felintropos produzem e que espalha-se na corrente sanguínea, mas só extraído pelas gengivas.
Subitamente, Hector sobressaltou, sentando-se revigorado. Seu fator curativo religou-se, fazendo desaparecer o profundo corte. Rosie mal continha o sorriso.
- Obrigado. Às duas. - disse Hector, comovido.
- Não precisava daquilo. - disse Rosie. - Nunca senti tanto medo de perder alguém desde que minha avó teve um princípio de infarto.
- Ele tinha algo com que me curar. Por outro lado, você não.
Dois felintropos entraram na sala, afoitos.
- Sabemos que você foi considerado assassino do grande caçador Doug Grayner por engano. - disse um apontando à Hector. - Não teria matado alguém que não conhece. Temos más notícias.
- Tristan está vindo nesta direção com sangue nos olhos, certamente quer mata-lo.
- Impossível. - disse Bella - Ele... ainda estava na sala quando matei Andrew que disse ter matado Grayner, foram as últimas palavras dele.
- Recapitulando: Andrew sugeriu que fôssemos investigar, deixando-o a sós com Tristan, o que foi a deixa perfeita para um golpe premeditado. Tristan teria se transformado na luta contra o caçador. Andrew injetou o soro nele para que não tivesse chances contra o caçador na hora de proteger a Órion. - disse Hector.
- Esse movimento fez com que o caçador ganhasse carta branca pelo resto da missão. - disse Bella.
- Mas tinha uma faca no chão. - disse Rosie - Será que Tristan e Andrew lutaram primeiro antes do caçador chegar?
- O que isso importa agora? A gente dá cobertura, pegamos o lança-granadas, vamos explodir os miseráveis. Fujam. - disse um felintropo.
- Tristan estava grogue devido ao efeito da droga que pode não reagir bem com esforços físicos. - disse Hector, sem nenhuma dúvida. - Talvez não escutou o que Andrew disse antes de morrer. E com aqueles Lycans crentes de que fui o responsável...
- Eu resolvi ficar. - disse Bella, cortando Hector. - Podem ir. Foi um prazer conhece-los.
- Bella, obrigada. De verdade. - disse Rosie.
- Escute... - disse Hector, levantando-se - Sobre o Dave... eu sinto muito... - balançou a cabeça, pesaroso. Bella decifrou pela expressão, tentando controlar o choro. Correra para fora da sala aos prantos. - Acho que estraguei a despedida.
***
O líder da alcateia seguia a passos firmes com uma face de fúria acompanhado de dois Lycans transformados que rosnavam até salivarem. Um carro preto deu partida, dando a volta ao outro lado da mansão. Este foi de encontro ao portão aberto do lugar pelo qual Rosie e Hector conseguiram escapar sem serem vistos. O vidro do carro baixou.
- Venham, entrem! - disse Derek, abrindo a porta do carona. Rosie ficara no banco de trás. - Fiz vigília o tempo inteiro ouvindo tiros, uma explosão e gritos apavorados. Noite de terror, não foi?
- Isso não está certo. - disse Rosie - Devíamos voltar e tentar convencer de que Hector não matou o caçador que planejava um massacre pra esta noite.
- Ouvi o que Tristan falou. - disse Derek, as mãos no volante - Não importando quem fosse, ele mataria aquele que ousasse interferir no seu destino liquidando o seu pior inimigo. Era o único disposto e destinado a fazê-lo. Ao menos era o que ele achava. Não podemos arriscar a vida de um membro prioritário. - suspirou - Esse caso foi um fracasso.
- Por mais que eu detestasse admitir... - disse Hector, desalentado - ... é verdade, Rosie. O caçador misterioso escapou com a adaga. Eu fui acusado injustamente e quase morri. - isso fez Derek virar o rosto à ele com curiosidade - E felintropos gentis morreram em vão. Perdemos tempo.
- Lamento. - disse Derek. - Se eu soubesse que seria assim teria requerido um dia de folga à vocês com o General. - ligara o carro, dando partida. - Os levarei de volta ao hotel.
***
Em algum lugar desconhecido, o caçador misterioso entregara a adaga prateada a um homem de meia-idade meio calvo com um pedaço de ferro em relevo no lugar do olho esquerdo e vestes totalmente pretas. Seu broche era uma estrela dourada de oito pontas no formato de setas.
- Oh... Então esta é a famosa adaga Órion. - disse ele, estudando-a com interesse. Ele voltou-se ao caçador, dando sorriso fechado - Parabéns, meu jovem guerreiro. Se provou imbatível contra todas as barreiras. Respeito empregados tão proficientes. Agora finalmente temos o elemento crucial para a última chave. - encarou o nada com grande seriedade.
O caçador resolvera tirar sua máscara negra que ocultava o rosto por inteiro.
- A Caosfera vive. - disse Adam, o ex-líder da Legião, a face altamente sisuda.
CONTINUA...
*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: http://www.cel.org.au/event/wildeye/
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