Crítica - Carros 3
A sequência que deveria se chamar Carros 2.
AVISO: A crítica abaixo contém SPOILERS.
Introdutoriamente, afirmo que esta é a primeiríssima animação da Pixar sendo resenhada aqui no blog e olha que há um bom tempo eu vinha alimentando esse desejo, acho que vem desde o ano 01 do UL quando Universidade Monstros foi lançado, inclusive até cogitei num dado momento em apostar no formato de min-reviews compiladas, basicamente um especial Pixar, mas a ideia nunca teve muita prioridade e meio que acabei "esquecendo-a", afinal de contas eu ainda engatinhava nesse lance de opinar criticamente sobre longa-metragens.
Pois bem, aqui estou após assistir ao terceiro filme da cinessérie Carros que... honestamente, já declaro que não é, nem de longe, a minha favorita da parceria Disney-Pixar. Não é simples ranço, está mais alinhado para um pouco de estranheza. Investiram num universo bem nonsense (se ignorarmos a famigerada Teoria da Pixar) no longínquo ano de 2006 quando o primeiro longa (bastante segmentado na sua proposta, por isso agradou) dava o ar de sua graça nas telonas. Nonsense e com limitações de enredo. Carros que falam, agem e vivem como uma sociedade humana. Essa premissa básica me basta para considerar a franquia como a mais infantil e a menos criativa da Pixar. Mas como não subestimo o padrão de qualidade estabelecido pela mesma, obviamente seria tarefa árdua tratar Carros com um desdém injusto.
Pode-se extrair bons elementos disso se o roteiro entretém de forma que esse domínio converse com a história a ser contada, ainda que hajam limitações evidentes. Este terceiro filme praticamente se representa como um generoso "retorno às origens" posteriormente a um antecessor tido como fraco e, há quem diga (creio), o pior de todos os filmes já produzidos pela Pixar. Carros 2 é essa bomba de mil megatons que todo mundo diz? Me pergunto pois nunca assisti, embora tenha visto, na época de lançamento, algumas amostras prévias na TV. Achei a trama, numa análise sinóptica, no mínimo questionável e remetendo a um certo risco nas tais limitações ao abordar uma aventura de amigos que caem na estrada, se envolvem em muitas confusões numa história de espionagem, numa tentativa de fugir da mesmice e do repeteco. Acredito que não funcionou - justificando a quantidade esmagadora de reações negativas. A mesmice, em Carros, se bem trabalhada, pode originar um bom produto.
Se no segundo filme a pedra angular da franquia (o mundo das corridas esportivas, o atletismo automobilístico) foi deixada para escanteio, é aqui onde a redenção tem sua última chance, a qual é aproveitada e agarrada com unhas e dentes pelo roteiro seguro e cuidadosamente conduzido para respeitar o que foi construído no primeiro filme aliado a um viés reflexivo que funciona eficazmente. Relâmpago McQueen, até então invencível e inalcançável, se depara com uma nova geração de corredores e um acidente brutal acaba por "traumatiza-lo" fazendo-o se afastar das corridas mediante a um novo campeão que surgiu na área e certamente um novo rival chamado Jackson Storm - unidimensional, um pouco odiável na disputa acirrada com Cruz na grande corrida do terceiro ato assumindo uma postura mais antagônica, mas aceitavelmente bem explorado.
Nessa caminhada para dar a volta por cima e reerguer sua reputação, McQueen conhece a treinadora Cruz Ramirez, uma personagem cuja inserção não expõe indícios da relevância dela para a trama, eu nem sequer pensava que ela ganharia tamanha atenção (assisti meio que na pressa, sem ler a sinopse antes, o que para mim é meio anti-natural). Atenção esta merecida pois ela constrói uma química ímpar com McQueen ao longo do filme que não é vista nem sentida quando ele contracena com Sally nas poucas interações entre ambos. Dado o seu background, Cruz tem o mérito desse tratamento.
Mas mesmo assim o foco ainda é McQueen, sempre será ele o centro de tudo e do todo, afinal trata-se da jornada de reconstrução motivacional após experimentar uma sensação de impotência, diria que até de velhice, de se sentir mais lento e obsoleto perante um oponente aparentemente insuperável. É o ponto de partida para a decadência física e psicológica (esta mais extensiva). Se o plot de Carros 3 fosse uma sequência direta do primeiro filme, seria, em parte, comparável à Homem-Aranha 2 cujo drama é também abordado (à sua maneira, claro) com um angustiado Peter Parker lidando com o enfraquecimento e subsequente perda de seus poderes. McQueen pensa ter perdido sua velocidade por conta dessa trava psicológica auto-imposta. Jackson Storm quebrou o protagonista com sua vitória que saboreia com sarcasmo e McQueen tem que juntar esses cacos para restaurar sua glória. Uma analogia pertinente: É como se ver fora de forma. O que você faz para melhorar? Vai à academia. É nisso que o "Marquinhos" embarca, levando-o a conhecer a ótima Cruz Ramirez que compartilha um sonho a ser retribuído por seu aluno no clímax que quer se redimir pelas duras palavras vomitadas num sermão dado por ele - frustado pela sua carreira desmoronar aos poucos.
Um dos momentos mais divertidos do segundo ato é com certeza a corrida de demolição (destaque para a competitiva e afoita, de nome engraçado, Maria Buzão), um ambiente que traz representação simbólica da "fossa" de McQueen. Ao lado de Cruz, ele se desafia numa corrida onde o objetivo é menos leve que nas corridas nas quais estava acostumado - destroçar seu adversário fazendo ele virar "sucata" retorcida ao invés de só fazer todos comerem poeira (no caso aqui, lama). E esta lama é o simbolismo para o status quo de McQueen. Pelo menos na minha interpretação, não foi à toa a dupla ser conduzida para um lugar como aquele, sobretudo McQueen. Contudo, foi irrisoriamente previsível que no meio de toda aquela quebradeira existia algo que estragaria o disfarce de McQueen. Um caminhão-pipa (ou parece um) que acidentalmente despeja água no ex-campeão. Toda a confusão para escapar da Maria Buzão levou à esse evento, mas não tirou o brilhantismo da condução.
Além de tudo isso, é de se tirar o chapéu para o CGI dos cenários. A qualidade de computação gráfica deu um salto evolutivo gigantesco em 11 anos, aproximando-se de um realismo notório, é simplesmente incrível. Não poderia deixar de mencionar a cena do acidente trágico de McQueen que algumas vezes repete seu mantra, o lance de ser a própria velocidade. A atitude dele na disputa final da Copa Pistão foi respeitável, muito mais do que somente emprestar seu protagonismo. Cruz não poderia reconhecer outra prova de amizade maior do que aquela em vista do que ela tanto desejou ao se espelhar em McQueen, mas nunca se testou o bastante para traçar esse sonho como se deve o que a forçou a treinar outros em vez de mergulhar fundo nessa área para si mesma. McQueen ceder seu lugar na corrida para ela se mostrou uma evolução moral do personagem que renunciou sua motivação própria para impulsionar alguém a atingir os limites de sua auto-superação. Isso é empatia pura, a meu ver, e isso ser desenvolvido em McQueen nesta altura do campeonato foi de uma feliz decisão, amadurecendo-o.
Considerações finais:
Carros 3 é a continuação certa mas com o título errado, definitivamente. Não se reinventa grandiosamente pelo fato deste mundo estranho não apresentar muitas possibilidades de expansão, mas consegue usar a mesmice sem dar aquela sensação de "ah, já vi isso antes", até porque a aventura é mais sensível e explora aspectos mais profundos e significativos a respeito da auto-superação cujo primeiro mandamento é não duvidar de suas capacidades independente do quão fundo é o poço onde você foi jogado ou se jogou. Aliviante em não deixar brechas para um quarto filme (possível ter?), o longa me fez ganhar um pouco mais de simpatia pela franquia que atravessou sua linha de chegada com folga, apesar de algumas previsibilidades. Para os que ficaram hesitantes decorrente da experiência do segundo filme, aviso que a maldição da trilogia não teve vez aqui.
PS1: Mate, o carro-guincho BFF do McQueen, não consegue arrancar nem um sorrisinho de canto meu, acho um personagem patético. Felizmente recebeu o menor tempo de tela que ainda é maior em relação à sua comicidade.
PS2: Enquanto o filme rolava na tela do meu degastado PC, viajei numa teoria doida, querendo complementar a Teoria da Pixar, porque esses carros agindo como seres orgânicos é curioso demais levando em conta esse suposto universo compartilhado. Não lembro o que veio antes e depois de Carros na teoria, mas chutando... deve ser Wall-e e Vida de Inseto (que depois vai para Monstros S.A, acho que é assim). Minha teoria: Os carros possuem consciências humanas implantadas em seus cérebros (os motores?). Uma transferência mental à inteligências artificiais geradas por máquinas como meio de sobrevivência para a espécie humana. As máquinas escolhidas foram... os veículos, - talvez a escassez de material não ajudou a criar androides -, mas eles não possuem lembranças de suas vidas humanas mesmo a consciência se mantendo intacta. Apagar suas memórias e transferir consciências para a perpetuação da humanidade - mesmo não sendo mais exteriormente humanos - através das máquinas criadas pelo próprio homem. Será que fumei muita banana? (como diz o Imaginago hahahah).
NOTA: 8,5 - BOM
Veria de novo? Sim.
*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: https://jerimumgeek.oportaln10.com.br/carros-3-novo-trailer-8171/
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