Crítica - Bleach (Live-Action)


Nem tão repeteco assim.

AVISO: A crítica abaixo contém SPOILERS. 

A obra de Tite Kubo se consolidou na década passada como um dos nomes de grande valia no que tange a indústria dos animes e mangás, mas como todo e qualquer sucesso tende a ser finito em variadas proporções, a coisa degringolou em dado momento e o anime, especificamente, sofreu uma queda de popularidade sendo encerrado antes do que realmente deveria (eu apenas assisti dublado até o episódio 222 e sabe-se lá quando os trabalhos vão ser retomados). O mangá prosseguiu até o ano de 2016 num final que aparentemente não gerou aceitação da maior parte do público (eu ainda não li!) e ainda assim Ichigo e cia já não cativava mais os japas como outrora. Eis que nasce a ideia de realizar um filme em live-action para fazer de Bleach um item adicional na coleção cinematográfica manejada por produtores nipônicos que possui seu estilo de construção técnica. Me pego pensando se todos os live-actions japoneses adotam a câmera estática como requisito-padrão. A filmagem aliada a esse aspecto fica muito remetido ao que se esperaria de um dorama.

A bem da verdade, Bleach está largamente distante de ser uma obra profunda e complexa, pois como todo shounen de luta que se preze ele não tem aquele apuro narrativo com uma história que te faça pensar imersivamente. A história existe para justificar as batalhas. Cria-se um pano de fundo interessante o suficiente para colocar os personagens em combate. É assim com Dragon Ball, Cavaleiros do Zodíaco e diversos outros do gêneros. Bleach tem um background "fácil" para ser transposto ao cinemático, o que é um alento prévio. Diferentemente de Fullmetal Alchemist (o filme de 2017) que é dotado de um enredo mais densificado, extenso e complexo, por isso saiu aquela porcaria como se a galera da produção achasse que qualquer anime/mangá pode se sair bem no "real", ali parece não ter havido sequer um pensamento sobre o risco de se adaptar certas tramas. Não funciona para todos integralmente. E se chega a funcionar, é um fiapo e olhe lá. Me permito aqui discordar de um certo site de legionários sobre o longa ser uma "luz no fim do túnel" para live-actions. Vamos com calma. É um alívio notar que as atuações do elenco não estão tão canastronas, com exceção do Byakuya Kuchiki (irmão postiço da Rukia) e suas falas absurdamente didáticas (até um Hollow tem mais expressões). A atriz que interpreta Tatsuki, a BFF da insossa Orihime Inoue (repetindo esse papel, inclusive), tem mais cara de Rukia do que a atriz que estrela a co-protagonização juntamente ao Ichigo. O processo padronizado dos live-actions japas é assim mesmo: reprodução de quase que absolutamente tudo do material-fonte. Obviamente sem chegar a ser uma imitação barata, mas apesar disso é nítida a tentativa de emular até mesmo as feições dos personagens no anime (oh, céus...), uma escolha que beira ao tosco e força o espectador a ignorar. Porém, foi acertado o filme seguir cobrindo somente o arco do substituto de shinigami mesmo sendo altamente condensado e lá próximo do terceiro ato começam as mudanças mais significativas.

O filme não perde tempo e os desdobramentos que os fãs conhecem ocorrem aceleradamente. Não dá nem trinta minutos e já vemos Byakyua e Renji chegando ao mundo dos vivos para intimidar Ichigo e obrigar Rukia a se entregar. O condensamento trava aí. Para prorrogar a fim de conferir mais tempo e completar as quase duas horas horas de filme, a dupla de ceifeiros (chamados aqui de ceifadores, por sinal é a menor das alterações na dublagem BR) resolve dar um tempo para Ichigo se fortalecer e dependendo do resultado poderiam mudar de ideia quanto ao crime de Rukia (ou não). As cenas de treinamento conseguem extrair bem da dinâmica relacional dos dois, êxito que se repete nos diálogos no quarto e na escola. Já a ação é o elemento consolador diante de efeitos especiais que renderizam os Hollows para fazer com que pareçam ter vindo de uma dimensão-game de Playstation 2 (ou 1, né?). Se existe algo reproduzido fidedignamente é de fato a movimentação na hora das lutas, sobretudo no embate entre Ichigo e Renji. Os atores captaram bem o senso de rivalidade que as contrapartes do anime exalam. Claro que não poderia estar em falta o arco pessoal de Ichigo Kurosaki. Iniciar o filme com o flashback que apresenta a morte da mãe do personagem foi uma decisão interessante (tirando o detalhe do cabelo preto do Ichigo, dando a entender que o rapaz tingou de laranja escuro quando chegou na adolescência), dando espaço para o Gran Fisher, o Hollow responsável pelo assassinato, brilhar como vilão secundário (e pelo menos nesta realidade o Ichigo o derrota, vingando-se). Dos incômodos ficam também o fraco desenvolvimento de Uryu Ishida, o Quincy, que recebeu uns cinco minutos de performance e destaque e praticamente zero do tratamento que recebeu na fase.

Urahara nem se fala. Se bem que não senti as ausência de Ginta e Ururu, descarta-los se saiu corretamente, até porque, muito embora a dupla tenha suas utilidades em passagens da trama, eles não servem nada mais e nada menos que combustível para fillers do time de Karakuras. Outro esquecido no churrasco foi o Kon, a alma modificada que funciona como alívio cômico na série, portanto nada de doce de alma (aquilo nunca fez sentido pra mim @_@) colocado no corpo "morto" do Ichigo e muito menos ursinho de pelúcia como receptáculo alternativo (a exclusão disso evidentemente é visada no barateamento de custo, pois o Kon-ursinho tarado e hiperativo necessitaria de CGI e já bastavam os Hollows sofrerem com a verba reduzida). O elenco escolar teve um decente holofote e aqui o amigo maluco de Ichigo não é tão histriônico como no anime (e nem mesmo engraçado), além disso o ator entrega uma interpretação no mínimo besteirol.

É no terceiro ato que o pico explosivo é atingido, surpreendentemente. Elevaram a tensão do momento em que Rukia está prestes a ser levada pelo "irmão" e o suposto amor não-correspondido. A prorrogação caiu positivamente. Emendaram a execução do drama de Ichigo (a cerimônia em memória da matriarca Kurosaki) com a aparição do Gran Fisher para levar ao clímax que consequentemente executa o confronto entre Ichigo e Renji e a posterior guinada de posição da Rukia apenas porque o Ichigo, gravemente ferido, agarrou a roupa do "irmão" (grande ofensa ¬¬) e nesse ponto fica confuso, da mesma forma que no anime, saber se a ceifeira de almas estava de encenação ao tratar Ichigo daquela forma para apaziguar os ânimos e satisfazer a vontade de Byakuya ou se realmente falava sério e aquele piti todo pelo Ichigo "desrespeitar" um capitão. Mas sabemos que ela reconhece a amizade que Ichigo proporcionou, ela perdoou seus defeitos como foi elucidado na narração em off no final ainda que reprovasse a postura de Ichigo ante ao Byakuya (é certo que existiu ali uma pitada de arrogância da parte do ceifeiro substituto). Nunca pensei que admitiria isso, mas o ator Sota Fukushi encarna um Ichigo comparável ao personagem do anime e isso é contentador. Dentre as principais atuações, a dele é a que melhor se sobressai (não vou reclamar da do Ishida, afinal de contas o personagem comporta-se daquela maneira pouco expressiva e um tanto rude) em todos os sentidos, gratíssima surpresa. A direção está OK na maioria dos pontos, só foi desconfortável o lance da câmera parada no início de uma cena por um excesso de segundos e a pouquidade de closes destacantes, tudo aparenta ser mesmo filmado como se fosse um dorama, mas graças ao que fizeram no terço final, a batalha contra o Gran Fisher, a atmosfera suplantou essa camada e adquiriu ares cinematográficos que estão dentro dos recursos de produção.

Pela primeira vez nesta indústria vital, enxergo um longa-metragem de anime que preste.

Considerações finais: 

Desprovido de qualquer teatralidade mecânica demais, o live-action de Bleach tem uma roupagem assemelhada ao anime, sem ter vergonha das próprias limitações como produção cinematográfica do tipo B. Os problemas existem, claro, como os efeitos e a condensação da trama nos dois primeiros atos para fazer uma enrolação básica depois, mas felizmente a culminação disso nos dá um filme minimamente despretensioso e que está ciente do fundo do poço em que a franquia chegou no quesito sucesso. Por isso não ambiciona ser mais do que é capaz. Porém, deixa a desejar no seu ritmo.

PS1: Do pouquinho que se viu do Seireitei é muito provavelmente o que vai ficar.

PS2: Divertidinho, mas ordinário. Assim eu o definiria.

PS3: E eu achando que Ichigo seria salvo por Urahara tal como no anime... Lembrei do meme "Achou errado, otário". Que maneira astuta de resolver a parada deletando a memória do rapaz hein, Rukia? Ah não, isso foi ideia, claro, do roteirista confiante do potencial para uma continuação.

PS4: A dublagem brasileira (com nem metade do antigo elenco) tratou de alterar alguns termos para não desagradar os fãs mais xiitas. Sociedade das Almas? Nop, é Soul Society (que diferença faz? ¬¬). Pressão espiritual? Que nada, é reiatsu.

PS5: Bacana o conceito que atribuíram ao aparelho para detectar Hollows transformando-o numa pedra de caráter místico (parece uma berinjela hahaha) em vez de um celular ultrapassado (negócio bem WTF até para a obra original).

PS6: Os Hollows "sangram" uma fumaça azul quando recebem golpes fatais. Fumaça azul existe também na transição das almas. Voltando aos Hollows, o filme meio que corrigiu a maneira como os danos eram apresentados, visto que a única semelhança entre Hollows e ceifeiros é serem espíritos. Os ceifeiros sangram e os Hollows não (alguém pode se perguntar)? Faz sentido se olhado em retrospecto que Hollows são almas corrompidas e quando recebem golpes na cabeça são purificadas e o efeito da fumacinha é relacionável à transição das almas perdidas por aí.

PS7: Uryu estava presente na batalha e supostamente não teve suas lembranças apagadas. Seria ele a lembrar Ichigo dos eventos recentes? Enfim, se nem a Rukia confiava direito no funcionamento da técnica, está lançado o mistério insolúvel talvez para sempre.

PS8: Toda aquela área destruída pela perseguição do Gran Fisher ao Ichigo foi completamente evacuada? Depois que Renji e Byakuya aparecem não se vê uma alma viva perambulando ou tirando foto de uma garota maluca falando sozinha e se ajoelhando em rendição.

PS9: Parar cenas só para mostrar os nomes dos principais personagens foi super-desnecessário. Eu já sei que o Ichigo tem cabelo laranja, 15 anos, é estudante e também ceifeiro de almas. No entanto, seria necessário no caso das irmãs Karin e Yuso em todas as cenas... porque escalaram atrizes-mirins abissalmente parecidas, quase gêmeas! E nenhuma delas lembra suas contrapartes na outra mídia, como se fossem personagens genéricas e sem carisma.

PS10: Marcelo Campos escalado para o Renji amenizou consideravelmente a atuação mecânica.

NOTA: 7,0 - BOM 

Veria de novo? Provavelmente sim. 

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: http://www.engeplus.com.br/noticia/cinema/2018/live-action-bleach-estreia-na-netflix

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