Frank - O Caçador #19: "Bem-vindos à selva"
Oahu, Havaí
A noite desprovida da lua dificultava apreensivamente a caminhada apressada de dois homens que portavam metralhadoras à procura de alguma coisa no meio da floresta que parecia a cada metro um organismo vivo querendo espreme-los de tão cheia. Um deles ligou a lanterna passando o facho pelos cantos. O outro teve sua atenção puxada e sem que o companheiro notasse optou por seguir o farfalhar baixo perto de uma árvore robusta. Sem encontrar nada, franziu o cenho, impaciente.
- Aí Terry... Não acha melhor a gente meter o pé? Tô com a sensação de...
Um porrete batera na careca brilhante dele, derrubando-o até a inconsciência. Terry escutara na hora e veio correndo destravando a arma. Ele ouvira um som de algo arrastando e logo percebeu as pernas do colega desaparecendo no mais escuro ponto.
- Dave, não! Quem está aí? Responda! - gritou ele, mirando em várias direções - Aparece de uma vez!
O silêncio o incomodou torturantemente. Alguém estava brincando com suas vidas sem temer levar uns tiros. Fez uma fogueira para em seguida criar uma tocha e seguir em fuga ou buscando Dave. Terry levantou-se e suspirou pela boca, limpando o suor. Aquilo se fez como distração...
O golpe veio direto na nuca do soldado que caiu para frente desacordado. Os passos que aproximavam-se eram firmes e barulhentos pisando nas folhas secas. Uma figura humana estava encarando sua presa demoradamente por baixo de um manto esfarrapado e sujo iluminado pela luz do fogo. Ao tira-lo, mostrara sua cabeça... um crânio bovino que parecia um ser macabro e furioso olhando para a vítima.
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CAPÍTULO 19: BEM-VINDOS À SELVA
Oahu, Havaí - 18 horas antes
Uma equipe do DPDC integrada para uma iniciativa de treinamento tático pisava nas areias quentes na chegada à ilha por meio de um sofisticado barco. Os membros carregavam pesadas bagagens com mochilas, bolsas, malas contendo uma variedade imensa de itens para as missões simuladas.
Pela benção - ou não - do destino, Frank e Carrie estavam inclusos no grupo, ambos encarando o truculento chefe de operações especiais Dawton Herber que caminhava frontalmente ao seu batalhão de homens e mulheres engajados na tarefa.
- Tá se sentindo bem? - perguntou Frank à assistente. O detetive, na ocasião, não esbanjava seu habitual sobretudo bege de trabalho, logo trajando uma camisa branca de mangas e calças verde-escuro - É um pouco tarde pra desistir. Não tá sendo fácil pra mim também.
- Eu vou matar o diretor. - disse Carrie, aborrecida, sofrendo com o calor - Abdicar das nossas vidas confortáveis por um mês inteiro pra um projeto que talvez não dê em nada.
- Pensa pelo lado positivo. Quem sabe você melhora sua mira.
- Os pombinhos aí estão com medo? - perguntou um dos membros em tom de deboche - Não se achem especiais porque são próximos da alta cúpula.
- Aí amigo, ninguém aqui te perguntou nada. Tá legal? - disse Frank - Boquinha fechada, sem crise.
- E você nem devia se achar especial por ser novato. - rebateu Carrie - A mochila que eu carrego tá bem pesada, então não torra nossa paciência. Só tô sendo honesta.
- Ah tá... - disse ele, virando o rosto, desinteressado.
- Esses calouros metidos a veteranos são um bando de... - disse Carrie, tendo sua fala interrompida pelo comandante Herber que ordenou com um sinal de punho fechado e erguido para pararem. O homem vestia um colete preto por cima de roupas azul-escuro e sua fisionomia era robusta com um rosto caucasiano destacante de barba por fazer e cabelo grisalho curto. O grande e sempre chamativo detalhe do chefe era sua cicatriz "cortando" seu olho esquerdo, adquirida por uma experiência que evitava de qualquer forma rememorar. Ele olhava para seu bando firmemente, como um bom líder.
- Antes de nos emburacarmos na toca do coelho, eu preciso que ouçam atentamente algumas considerações básicas sobre os testes, vou dar as instruções. Os acampamentos devem permanecer próximos, nada de cruzar a fronteira territorial marcada sem que haja uma ordem direta, cada dia terá uma atividade diferente e por último e não menos importante... não comam as frutinhas venenosas.
Todos começaram a rir. Menos Carrie que expressou desconforto.
O primeiro dos 31 treinos era dedicado a tiro ao alvo para aprimorar o manejamento e a pontaria com armas de fogo dos agentes que enfrentam operações de alto risco frequentemente.
Com as barracas já montadas e o restante preparado, o teste se iniciara ao meio-dia. Os alvos eram placas postas em troncos de árvores e um grupo de quatro agentes realizava o treino em quatro áreas diferentes e não muito distantes num intervalo de duas horas para cada um. Carrie puxara a trava do revólver na sua vez e demonstrou que o nervosismo não era seu guia no momento. Olhou para Frank que acenou com a cabeça positivamente em torcida. Ela sorriu forçado e concentrou-se.
Disparou nos três alvos à sua frente em grande rapidez, mas sem acertar os centros.
- Tá vendo só? Essa é a prova de que uma assistente de agente não devia estar aqui. Que merda!
- Calma, me deixa te dar uma salvação. Toma. - disse Frank, dando um outro pente de balas.
- É sério isso? O Dawton pode te pegar e...
- Até onde eu sei ele tá supervisionando uma equipe de calouros na montagem de armas, a barra tá limpa. Vamos lá, você consegue, não precisa exigir muito de si mesma. Seja a arma.
- Seja a arma. OK. - disse Carrie, recarregando - Ainda é estranho. A desculpa do diretor pra me colocar aqui não saiu da minha cabeça até agora. Malditas câmeras de vigilância na rua onde derrubamos aqueles zumbis no Halloween passado. Eu não tenho talento pra isso.
- Olha, posso até não concordar com a ideia do diretor, eu também não queria você aqui, na verdade eu não queria estar aqui, mas...
- Pode caçar algum animal por aí e nos trazer comida. Será um mês todinho nesse fim de mundo. Nem parece o Havaí. Que bela colônia de férias recebemos. - disse ela, mirando - Sem monstros, fantasmas e tudo de bizarro que você já tá tão acostumado a enfrentar. A menos que...
- Não, nesse período quero mais é focar nessa meta de nos tornarmos melhores do que já somos.
- Está falando isso pra quem? Pro seu anjo da guarda que dá aquela força pra te salvar?
- Com você, é claro. Já disse e repito: Você tem potencial, fui muito bem convencido ano passado.
Carrie disparou várias vezes, conseguindo acertar somente um e conseguindo derrubar a placa.
- Tenta você. Eu desisto. - disse ela, entregando a arma. Frank suspirou parecendo cansado.
***
Numa das barracas armadas na área restritamente demarcada, três agentes confabulavam sobre um assunto não tão conhecido entre os demais e fariam tudo para manter secreto.
- Aqui está. - disse Tarboln, o cara que se fazia "líder" apenas porque idealizou - Esse aqui é o ponto, tenho certeza. - circulou com um pincel vermelho uma parte do mapa - Acreditem em mim... Há uma imensa chance de nos livrarmos desse inferno se encontrarmos esse tesouro, estaremos feitos.
- Não tô contagiado por esse entusiasmo. - disse um deles, Drake, pouco confiante - Dá só uma olhada. - mostrou um livro de história aberto no capítulo sobre a ilha - Desde que o homem aprendeu a fazer fogo em cavernas, existiu uma tribo nativa que praticamente se considerava proprietária da selva de Oahu, nunca permitiram visitas assim como nunca deixaram vivos quem invadia o território. A aldeia é próxima do vulcão num raio de 2 km e o tesouro talvez...
- Talvez nada! - cortou Tarboln - Tem que estar ali. De alguma forma, podemos acha-lo.
- E se não passar de lenda? - perguntou o outro, Liam - Não vamos nos sacrificar a toa, Tarboln.
- Então é assim, estão fora? Já estão se borrando nas calças só de pensarem nos sermões do Dawton?
- Não é esse o problema, cara. Não ouviu o que eu disse? Te mostrei como eles são, é sinistro... Usam crânios de gado e tá parecendo que você acha uma coisa tranquila como atravessar um lindo bosque para chegar ao fim do arco-íris e pegar o pote de ouro depois cantarmos e dançarmos com os nativos.
- Como são idiotas... Eu tô crente do nosso sucesso porque nós somos melhores. Sabemos atirar... E eles o quê? Lançar machadinhas? - indagou, dando de ombros totalmente despreocupado.
- Tá OK. - disse Drake - Eu posso checar a zona, no menor sinal de alerta vermelho eu corro pra avisar. Tô mentindo pra mim mesmo fazendo entender que não acredito nesse tesouro.
No vasculhamento, Drake, seguindo a longa trilha diretamente ao vulcão conhecido como Ethalak, o mesmo nome designado à tribo, mantinha a mão direita no coldre com a arma, em prontidão.
Pisou num galho que quebrou fazendo um razoável barulho. O tempo estava meio nublado, o que favorecia uma caminhada sem pressão do calor. Continuou caminhando, sendo cauteloso.
Porém, algo o observava por entre as folhas de um arbusto. De repente, um pequeno machado voou na direção de Drake que desviou inclinando seu corpo para trás rapidamente. A arma cravou num tronco de árvore.
- Oh não, ele estava certo. - disse ele, apavorando-se. Sacou a arma e seguiu em frente.
Mas achara algo que o estarreceu. Alguns corpos putrefatos estavam pendurados nos galhos de uma árvore, o que fez pegar o rádio-comunicador imediatamente.
- Atenção! Aqui quem fala é o agente N-51 para o comandante Dawton! Senhor, não vai acreditar...
Sentiu uma presença atrás de si e virou-se atirando uma vez. Ao virar-se de volta aos corpos, deu de cara com um homem usando um crânio de boi e trajando um longo "colete" de pele de urso pardo e "bermudas" de pele de crocodilo. Drake gelara ao vê-lo, interrompendo a comunicação.
O homem-boi exibiu uma machadinha com ênfase, logo direcionando-a para ataca-lo no rosto de Drake.
***
Frank e Carrie haviam escolhido o período da tarde para darem uma caminhada pela floresta dentro dos limites estabelecidos sob ordens do comandante Herber. A assistente parecia um tanto entediada.
- Sinceramente não consigo entender como mantém esse ânimo. E nem podemos fazer ligações.
- Nisso eu concordo, mas o diretor em plena campanha eleitoral não querer ser incomodado não é de todo ruim. - disse Frank, armado com um facão - A experiência em Londres me fez abrir os olhos.
- Ué, pra quê?
- Danverous City é a cidade que jurei proteger das coisas malignas e bizarras, mas não é a minha prisão. Em mais de 40 anos, tive uma chance de pisar em solos estrangeiros pela primeira vez.
- Então sua segunda missão em dupla com a Natasha... na verdade foi a primeira vez que viajou?
- Vai dizer que não tem outros segredos impressionantes? - questionou ele, sorrindo torto.
- Peraí... Outros segredos meus? Como assim? - perguntou Carrie, franzindo o cenho - E anda mais devagar... meus pés estão me matando. Só aceitei caminhar pra ver se a comida ruim digere logo.
Frank cessara os passos erguendo levemente a mão esquerda, ficando sério.
- Carrie, diminui a respiração.
- O quê? O que foi? Onde ele tá? - perguntou ela, afligindo-se - Por que tá me pedindo isso?
- Ouvi um ruído suspeito bem próximo. - disse Frank, esquadrinhando o espaço - Não tem animal selvagem nenhum por aqui, só pra constar. Mas soube que aqui nessas redondezas já viveu uma família que criava gado numa fazenda há várias décadas. Ninguém sabe que fim levaram.
- Podem ter sido mortos por nativos muito provavelmente extintos hoje e... virado fantasmas?
- Não. - disse Frank, sacando o medidor - Sem leitura. Melhor a gente voltar.
- Ou por uma criatura sanguinária que não conhecemos. - disse Carrie, seguindo-o na volta.
Retornando ao acampamento, o detetive estranhou a movimentação dos outros agentes. Dawton estava proferindo ordens como quem está lidando com uma emergência.
- O que tá pegando aqui? - perguntou Frank.
- Mal pusemos nossas patas nesse lugar e já temos nossa primeira baixa. - disse Dawton.
- O que aconteceu? - perguntou Carrie - Não diga "primeira baixa".... é otimista demais. - ironizou.
- O agente Drake Finner foi abatido por algo que o apunhalou de surpresa. Liam e Tarboln sabiam que ele atravessava para além da fronteira que determinei, pelo visto conspiraram sobre um tesouro perdido e oculto... uma lenda idiota que eles compartilharam. É decepcionante.
- E mandaram Drake ir atrás desse tesouro? - perguntou Frank.
- Segundo eles, para vasculhar e ver se é seguro. Os nativos da antiga tribo canibal ainda habitam...
- Senhor, convertemos o vídeo da micro-câmera do Finner. - disse um agente, entregando o tablet com o vídeo para ser executado - As sinalizações de fronteira estão sendo colocadas e reforçadas.
- Bom trabalho. Obrigado. - disse Dawton, logo apertando o play do curto vídeo. Frank e Carrie aproximaram-se para assistir. As imagens principais mostraram um tiro sendo disparado e em seguida um homem com um crânio bovino cobrindo a cabeça, espantando os três. Após Drake ser derrubado, foi perceptível ele ser arrastado como um saco e no percurso a câmera se desprendeu de onde estava conectada próxima da cintura dele - Mas... O que diabos é essa coisa?
Frank e Carrie se entreolharam sérios.
- O que dizia mesmo sobre nativos canibais? - perguntou Frank.
- O que sei é exatamente isso, continuam habitando nas proximidades do vulcão Ethalak, adormecido há 100 anos. A última erupção quase provocou o extermínio dessa civilização. Com a caça a animais desenfreada, esgotaram os recursos e só podiam sobreviver à base de ervas potenciais cujos efeitos ajudavam a ignorar a fome ou até mesmo dar sensação de saciedade. O resto é irrelevante.
- Espera, nós gostaríamos de saber do restante da história. - disse Carrie.
- Ela tem razão, comandante. - disse Frank, tentando convence-lo - É importante, pode nos dar uma resposta por mais maluco que pareça. A gente não é facilmente assustado.
- Eu não tô escutando isso. Até parece... - retrucou Dawton, pouco ligando. Virou as costas à ele.
- Não, tô falando sério, por favor, esse caso é maior do que...
- Lamento desaponta-lo, Sr Montgrow. - disse Dawton, ríspido - Você é um agente em treinamento militar, não o Indiana Jones. - fez uma pausa, olhando-os irritado - Voltem aos seus postos.
A dupla o encarou se distanciar partilhando da frustração.
***
À noite, todos se colocavam em alerta a respeito do grupo encarregado de vistoriar a área circundante do acampamento para impedir a ação dos nativos cujo modus operandi era o recolhimento de vítimas posterior ao ataque levando-as supostamente a um covil. Frank gostaria de apresentar suas teorias a Dawton e a hesitação foi desfeita num ato de coragem quando a demora dos homens o deixou aflito.
- Comandante, será que tem um minuto?
Dawton enchia um metralhadora com algumas balas e ajustava-a sentado num tronco cortado.
- Isso depende, Montgrow. Ainda insiste na historinha pra boi dormir envolvendo os nativos?
- Não, dessa vez é sobre algo real. Já fazem horas que os caras saíram pra fazer sabe-se lá o quê e até agora nem um mísero sinal. Não tá preocupado?
- Eu estou paciente. O que você sugere, afinal?
- Me oferecer pra dar uma olhada. O diretor te deu a minha ficha, tem uma boa noção da como sou competente, mas não é pro senhor que devo satisfações. Então eu insisto... e não desistir.
O comandante o olhou minuciosamente, sem alterar a dura expressão. Entregou-lhe uma arma.
- É a sua prova de competência ou o seu funeral. - disse ele, concedendo permissão.
Frank lançara-se na procura por pelo menos um dos agentes responsáveis pela vigilância. Sentiu que já havia avançado o suficiente para ter encontrado algo. Até que seu olfato apurado foi afetado.
Era um odor pútrido de carniça às moscas. Olhou para cima e constatara. Apontou a lanterna e vira os cadáveres pendurados e apoiados nos galhos. Todos eles de agentes-tutores da Força Tática. Em seguida ouvira os ruídos, desligando a lanterna de imediato. Sua única opção foi correr devido ao revólver oferecido por Dawton não estar carregado o bastante para lidar com uma possível criatura sobrenatural espreitando. Esbarrou com alguém de súbito, caindo para trás.
- Fique onde está! - gritou Carrie, se levantando e armada com um martelo - Nem mais um passo!
- O que é isso? Carrie?! - disse Frank, mal acreditando - Larga isso aí! Sou eu.
- Frank?! Eu te machuquei? Tá tudo bem?
- Nada demais... só uma martelada na minha cabeça que tá doendo pra cacete. - reclamou ele.
- Ai, desculpa. Assim que vi um vulto correndo na minha direção, me preparei e esbarrei de propósito pra acertar de perto. Eu sou muito precipitada. Tá sangrando?
- Carrie, tem coisas mais importantes agora, não é hora pra ser minha babá. - disse Frank, tocando na ferida pra ver se tinha sangue - Tem corpos de agentes largados nas árvores.
- Oh meu deus. O que a gente faz?
- O Dawton vai ter que acreditar na gente. Ele disse que eu não era o Indiana Jones né? Mas pode ter certeza que vou ser o Schwarzenegger. - disse Frank, logo pegando-a pela mão e saindo dali depressa.
Os dois voltaram juntos ao acampamento e Frank seguiu diretamente à Dawton. Não se viu nenhum agente saindo para fazer uma contra-medida.
- Já chega de fingir que não tá se importando, comandante. Eu vi com meus próprios olhos.
- Espere, o que a assistente está fazendo com você? Combinaram de investigarem juntos?
- É senhorita Wood pra você. - disparou Carrie, aborrecida.
- Escuta comandante, o negócio é o seguinte: Todos aqui correm perigo e os nativos ou seja lá o que for não vai simplesmente ler as plaquinhas de proibição e dar meia-volta.
- Frank achou corpos de agentes. Não foi um plano nosso nos esbarrar na floresta.
- Significa que descumpriu minhas ordens, Wood. - disse Dawton, categórico - Vou lhe tirar dez pontos dos quinze que você ganhou hoje com os testes.
- Perder nesse joguinho no meio dessa ilha maldita não vai custar meu emprego, vai?
- Será que dá pra gente manter o foco? - questionou Frank, elevando o tom - Com todo o respeito, comandante, eu não faço ideia do porque está tão tranquilo com isso, mas é melhor que o teste de amanhã seja investigar o que tá causando essa matança antes que a pilha de corpos aumente.
- Saiba seu lugar, Montgrow. Ouviu bem? O treinamento prossegue independente disso.
- Ele não tá exigindo nada, só estamos querendo ajudar. - disse Carrie - Vidas estão em jogo. No seu lugar, eu não ficaria tão empenhada em conseguir a droga de uma medalha de reconhecimento enquanto meus subordinados são catados um à um por um predador invisível. Com licença.
Carrie saiu a passos largos em direção à barraca.
- Sinto muito pelas baixas. Mas sou um homem que honra o compromisso jurado.
- Quantos vão precisar ser sacrificados pro senhor finalmente cair em si? - questionou Frank, logo andando para fazer companhia à Carrie. O comandante do força de treinamento tremia os punhos de tanta consternação.
***
Na manhã seguinte, o detetive não reduziu em nada sua coragem e aproveitou que Dawton estava plenamente concentrado no teste do dia que consistia em camuflagem e tiro com duas equipes de membros escolhidos pelo próprio comandante. Frank olhava constantemente para trás andando pelo solo úmido da floresta que suas botas robustas pisavam. Sua camisa branca estava repleta de suor e nem tinha avançado um quilômetro direito. Sabia que a desobediência colocaria sua participação em cheque no treinamento, mas nada mais importava do que as vidas ameaçadas em perigo real.
Em posse do mapa que Tarboln mostrou aos colegas, ele se guiava pela trilha que Drake percorreu. Alguém o observava disfarçadamente e saíra da moita devagar. A percepção aguçada do detetive não tardou e nem falhou naquele instante. Virou para um lado, estranhando.
- Se tiver alguém aí, pode aparecer. Tô com uma arma de grosso calibre e não tenho medo de usa-la.
De repente, vira Marcus, um dos agentes que se enturmaram com Tarboln, surgir à sua frente com um sorriso debochado. Frank hesitou com o mapa em mãos, protegendo-o.
- E aí, Montgrow. Tudo em cima?
- Tá fazendo o quê aqui? Devia estar no teste que o comandante tá passando.
- Olha que engraçado. Eu ia te dizer a mesma coisa. Mas eu também não tô afim.
- Não precisa falar, já sei muito bem o que você tá querendo. O mapa? Desculpa, não vai rolar.
- Que nada, relaxa. - disse ele, aproximando-se - Só vim pegar um ar puro e tentar ser seu amigo. - agilmente tentou arrancar o mapa de Frank que o segurou fortemente - Larga essa merda!
Marcus desferiu um soco em Frank, fazendo-o soltar.
- Agora fica quietinho no chão... e não conta pro Dale ou pro Tarboln. Mas não esquenta, se eu achar o tesouro, dependendo do que for, posso dividir uma parte com você. Vai me agradecer por isso.
Marcus virara as costas calmamente andando e num assovio alegre como se cantasse vitória.
Sentia a mão grossa de Frank tocar seu ombro esquerdo e vira-lo. O detetive o socara, nocauteando-o.
- Vai me agradecer por estar salvando sua vida, imbecil. - disse Frank, pegando o mapa de volta.
No treino, Carrie estava vestida com roupas especiais para confronto militar, incluindo um capacete com visor que cobria metade da sua face. Segurando uma metralhadora, a sua tensão era desmedida bem como a sua impaciência. Não sabia para qual direção já que os ataques de balas de borracha viriam de qualquer parte e ser atingido com pelo menos significava derrota.
- Por que não deixar menos pesado? Podia ser paintball. - disse ela, desanimada.
No acampamento, um dos guardas encarregados veio até Dawton trazendo-lhe más notícias.
- Não pode ser... Aquele imprudente desgraçado. - disse ele, trincando os dentes. Pegou seu rádio-transmissor - Atenção, equipe alternativa e de supervisão! Preciso que sigam na direção pela qual o agente N-51 desapareceu, Frank Montgrow está se distanciando da fronteira. Tragam-o vivo!
Enquanto os agentes se mobilizavam na caçada, Frank logo alcançou o ponto de proximidade com o vulcão no espaço exato onde se localizava o tesouro. Conferiu umas duas vezes para se certificar.
Como não trouxera uma pá, resolveu cavar à moda antiga. Seus dedos já doíam de exaustão. Demorou uns 10 minutos para descobrir o que estava abaixo. Viu algo branco. Desenterrou um osso... um osso claramente humano. O analisando friamente, parecia ser o pedaço de um tíbia. Logo após encontrou mais da ossada, inclusive a caveira.
- OK... Fui trollado. Ou o tesouro existia e alguém chegou aqui antes ou.... - parou de falar ao se ver cercado por nativos com crânios vacas e bois apontando-lhe lanças afiadas - ... ou o tesouro não existe e foram vocês que fizeram a pegadinha. - ergue as mãos, rendendo-se.
No treinamento, Carrie notava os sumiços de agentes. No entanto, um bala de borracha foi disparada contra ela, derrubando-a. Ela levantou-se, largando a arma.
- Eu odeio isso! Tudo bem, você me pegou de jeito. - disse ela, virando-se. Contudo, não era um dos agentes que havia atirado para tira-la da competição e sim um nativo usando o fuzil de algum deles - Acho que... entrei pelo cano. - falou, expressando temor. O nativo logo deu-lhe uma coronhada.
***
Frank havia sido levado à uma gruta e prendido por uma corda em apertado nó nos pulsos com os braços levantados. Como o ponto de amarro era alto, o detetive não sentia o chão sob os pés, se esforçando para desatar a corda. Estava sem camisa e pelo seu corpo pingava suor puro.
- O que diabos são vocês, afinal? - perguntou, o tom irritado - São mesmo canibais?
O chefe da tribo veio na sua direção com um gancho e fez um corte diagonal do tórax de Frank. O detetive grunhiu alto em dor.
- Ótimo... Talvez isso responda. E acho que vocês não falam minha língua.
Se surpreendeu ao ver que o chefe pegara uma vasilha e apertou o corte para fazer liberar mais sangue, fazendo Frank emitir gritos cortados de agonia. Espremia cada vez mais para enche-la.
- Se... Se quisessem mesmo me matar... já teriam arrancado minhas tripas e meu coração.
Os demais nativos vieram até o chefe e todos olhavam para o sangue na vasilha com atenção. Parecia uma decisão unânime. Mas nem todos se encontravam ali, então não era tão democrático.
O chefe decidiu então tirar a cabeça bovina e revelar seu rosto. Um homem barbudo e de cabelo curto e desgrenhado era a pessoa por trás da máscara horripilante. Ele encarou Frank por vários segundos.
- Vamos seu desgraçado! Abre essa boca pra falar!
- Você é precioso. - disse o chefe, finalmente - Não é nossa comida, mas nosso tesouro.
- Como é que é? - indagou Frank, franzindo o cenho - Do que tá falando?
- Para o vulcão continuar em seu sono profundo, é necessário sacrificarmos uma vida pura e livre de maldade. Serão mais 100 anos de paz garantidos. Ethalak deseja 100 vidas. Restam 20.
- Vinte pessoas... - disse Frank, aturdido - Essa não... - esse era o número de agentes no treinamento... o que incluía Carrie, obviamente.
- Nos diga em que parte estão. Senão... - disse o chefe, olhando para o anel mágico de Frank - ... este anel não servirá mais de nada. Eu sei o que é. Não imagino que tenha escolha.
Paralelamente à conversa, dois nativos carregavam Carrie pelos braços. A assistente despertava lentamente, a visão enturvada e a cabeça doída. Ouvia os nativos nos dois lados gritarem um cântico selvagem e não demorou para os olhos abrirem-se melhor e vê-los empolgados mostrando suas lanças enquanto ela era trazida para o local de sacrifício.
- Me larguem! Me larguem, seus monstros!
Frank escutara a voz antes que respondesse.
- Carrie. Por favor, poupe a vida dela. Não há somente 20 pessoas nos acampamentos, é verdade...
- Vamos comprovar se nos disser onde fica.
- Espera aí... Os seus homens mataram vários agentes em lugares muito próximos de lá. Como pode dizer que não sabe?
- Porque também preciso ser agraciado com as bençãos de Ethalak agindo em devoção.
- Que papo é esse? É alguma entidade que vocês adoram? Não tô vendo nenhum altar, estátua...
- Está logo ali. - disse o chefe, apontando para um poço profundo que ficava no centro da área aberta da gruta - A divindade das forças naturais. Nos punimos os invasores que profanam suas terras, somos guardiões fiéis e eternos adoradores. Escolheram o lugar errado para colonizar.
- Colonizar? Escuta só, líder da tribo....
- Yudanuh. - disse ele, revelando seu nome.
- OK... Sr. Yudanuh. O Havaí inteiro é solo americano, pra sua informação. Sei que tem suas crenças, mas... nós temos nossas vidas e fomos ignorantes. Não podemos apenas... aceitar as diferenças?
Carrie chegara e fora empurrada com violência ao chão pelos nativos.
- Frank! Pegaram você também?! Eu nunca antes nessa vida quis tanto estar certa!
- Você, mulher. - disse Yudanuh, autoritário - Será morta antes dele. Pensem em como estarão salvando nossas vidas.
- Nossa, é muita bondade sua dizer isso. - disse Frank, forçando a corda para desfazer o nó.
- Diga-me agora: Onde estão os sacrifícios restantes?
- Estão a uma milha daqui. - disparou Carrie para o espanto absoluto de Frank.
- Fico grato. - disse Yudanuh. Gesticulou aos outros cinco para irem - Levem os outros com vocês.
- Ué, você não falou que ia acompanha-los? - perguntou Frank.
- Subestima minha inteligência por ser natural de uma selva esquecida. Desenvolvemos nossas próprias estratégias por anos. Mas eu fui diferente. O conhecimento dos impuros me foi valioso.
- A fazenda. - disse Frank, ligando os pontos - Não foi? Você liderou a chacina. Por isso as cabeças de gado. E tudo isso por causa de uma deusa pagã que mora no fundo do poço?
- Não blasfeme nossa patrona! - vociferou Yudanuh agarrando o rosto de Frank - Nunca aceitaremos impuros piscando na terra sagrada de Ethalak. Sobraram poucos de nós há 100 anos. Como prova da nossa gratidão genuína... ela precisa ser alimentada. Está faminta. - olhou para o poço - Eu sinto.
- Vocês são doentes insanos. - disse Carrie, sem coragem para se levantar.
- Carrie, não piora as coisas... - repreendeu Frank, falando baixinho.
Alguns nativos chegavam na gruta trazendo corações humanos... precisamente doa agentes mortos.
Carrie virou o rosto, enojada e abalada. Frank somente olhava com os dentes trincados.
Os corações eram jogados no poço um por um.
- Recolheram de todos? Bem, vamos começar a cerimônia. - disse Yudanuh - Pelo nosso destino.
- Frank... - disse Carrie, chorando - Não te contei antes... Eu tentei fazer o diretor mudar de ideia...
- Termos vindo pra cá? Ninguém sabia, Carrie. Esses caras não passavam lenda pra todo mundo.
Os nativos vinham na direção dela com suas lanças. A pegaram pelo cabelo, prendendo-a, e um deles apontou a lança ao peito esquerdo a fim de remover o coração.
- Não... Deixem ela em paz! - disse Frank, enfurecido. Olhava para as cordas e o nó estava firme - Merda! - sua expressão era de total desespero. - Não! Carrie!
- A-Adeus... dizia ela, derramando lágrimas - Adeus... Frank. Fim de jogo pra nós. - apertou os olhos.
Para surpresa geral, uma luz surgira. Não literalmente. Ela adveio piscando do cano de uma arma.
Um dos nativos que segurava Carrie tomara um tiro e caiu. Os outros começaram a ser abatidos, até mesmo o que estava prestes a ceifar a vida de Carrie. Frank pôde ver melhor a figura nos meio das sombras e quando ela se apresentou à luz esboçou um sorriso suprimido.
Dawton usava duas pistolas e disparava contra os nativos. Mirou em Yudanuh e atirara na barriga.
- Comandante!? - disse Carrie - Graças a deus. O senhor... é mesmo um anjo.
- Ah, agora sou todo elogios né? - indagou ele, indo desamarrar Frank. Deu um tiro na corda deixando Frank cair - Não reclame. Sou conhecido por ser pragmático.
- Valeu comandante Herber. - disse Frank, sentindo o quadril doer pela queda. Porém, notara algo ruim - Puta merda, comandante atrás do senhor!
Dawton se virar para ver não foi mais rápido do que o movimento de Yudanuh com um facão decapitando com extrema habilidade a cabeça do comandante de operações táticas.
Carrie reprimiu um grito de horror tapando a boca, horrorizada. A cabeça de Dawton rolou pelo chão e o corpo simplesmente combaliu. Antes que o chefe da tribo atacasse Frank, foi a vez de Carrie executar sua função de salvadora definitiva. A assistente pegara a arma de Dawton e efetuou um único tiro diretamente na lateral da cabeça de Yudanuh que caíra instantaneamente. Carrie tomou mais fôlego após tanto ofegar e amparar Frank que estava com um profundo corte abaixo do pescoço.
***
Ambos corriam frenéticos de volta ao acampamento fugindo de possíveis nativos remanescentes que vinham em retaliação ao saberem dos outros companheiros sumariamente massacrados.
Ao chegarem, o detetive procurou nas coisas de Dawton mais armamento pesado. Porém, encontrar um sinalizador lhe deu uma excelente ideia e logo saiu da barraca.
- Ei, Carrie. Achei isso aqui. Melhor a gente contactar o pessoal do resgate.
- Tá legal. - disse Carrie, logo achando um rádio-transmissor no meio da bagunça. Ligara-o, mas só ouvia-se estática. - Ah que droga... - batera no aparelho - Funciona direito, vai, não é possível...
Frank avistou nativos, um numeroso exército, vindo de uma certa distância e tratou de apressa-la.
- Carrie... agiliza logo isso aí, eles estão vindo.
- Chamando unidade de resgate! Unidade de resgate, por favor! Somos do programa Força Tática Renovada! Estamos sob ataque... de nativos furiosos querendo devorar nossas cabeças! Venham logo!
- Também não precisava ser rude. - disse Frank - Quanto tempo até virem?
O vento soprou ainda mais forte acima deles. De repente, acima das árvores irrompeu um truculento helicóptero preto com hélices longas e girando velozmente.
- Esses miseráveis... já estavam há poucos quilômetros daqui! - disse Carrie - Vambora!
Frank largara o sinalizador e olhou para à sua direita temendo a aproximação dos nativos coléricos.
Uma escada foi jogada do helicóptero e subiram rapidamente. Dentro da aeronave, Frank fitava os homens com crânios bovinos jogando suas lanças ingenuamente esperando que fossem atingi-los.
- Tem uma coisa me incomodando. - disse Carrie, pensativa - O líder da tribo... levou um tiro na barriga e caiu duro feito uma pedra, um dano fatal. Se levantou como se nada tivesse acontecido.
O detetive ao seu lado apenas suspirou. Reflexões passavam na sua mente a cada minuto.
- Esse é o grande mistério. Talvez... a fé tenha o deixado mais forte. - disse ele, virando o rosto para a janela. Carrie o fitou desconfiada, mas voltou aos seus próprios pensamentos.
Na gruta tudo estava no mais puro e absoluto silêncio com os corpos ainda espalhados.
Um leve e rápido tremor de terra fez cair poeira e pedrinhas do teto.
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*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: http://www.dicionariodeexpressoes.com.br/busca.do?expressao=Enterro%20dos%20ossos
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