Frank - O Caçador #67: "Mato com Cachorro"

Amazônia, Brasil

No meio da floresta amazônica, a viagem de exploração de um grupo composto por cinco pessoas havia se tornado um pesadelo em realidade quando se aguardava uma bem-sucedida missão de estudos e agregações de conhecimento sobre a fauna brasileira em geral. Brody percorria a mata correndo o mais rápido que suas pernas já tão cansadas e doídas poderiam. Estava sofrendo com um misto de culpa e medo. Culpa por fugir sozinho em vez de manter todos os colegas juntos para fugirem da fera selvagem que os perseguiu e matou naquela noite. Medo por ser a última vítima caçada sabendo que o animal espreitava em qualquer área de proximidade. A sensação de que a criatura se multiplicou parecendo estar rondando por toda parte atormentava o explorador que começava a julgar sua corrida um esforço vão de sobrevivência. 

Olhar para trás foi tido como um erro que ele não ousaria cometer naquela altura, mas acabou fazendo-o.

Tropeçou num galho, caindo de uma parte íngreme do solo e rolou pela terra até parar numa árvore robusta batendo seu corpo com impacto. Levantou-se ofegando e com dores, roçando suas costas na árvore para se apoiar e retomar o fôlego. Tirou seu celular do bolso do colete e ligara a câmera frontal. 

- Aqui é o Brody... da equipe de exploração zoológica... Se estiverem vendo essa gravação significa que virei jantar de um lobo-guará que misteriosamente desenvolveu um apetite voraz por carne humana. Fui o único sobrevivente... até agora. E um covarde, eu escolhi fugir por mim mesmo. Parece que sou idiota de me entregar assim quando podia estar correndo pra me salvar sem olhar pra trás, né? Mas não, eu tô aqui, gravando vídeo como se fosse uma vítima de um assassino psicótico de filme de terror e com a certeza de que vou ser beijado pela morte em questão de poucos minutos. 

Olhos que brilhavam em amarelo surgiram da escuridão à direita de Brody e logo em seguida uma boca com presas brilhando na mesma cor abriu-se. Brody continuava a falar e os passos da criatura seguiam convenientemente silenciosos para um ataque. O monstro carniceiro o fizera finalmente perceber sua presença. Brody soltou um grito de horror, logo tendo seu rosto abocanhado pelas presas bioluminescentes da criatura. 

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CAPÍTULO 67: MATO COM CACHORRO

Cerca de um mês antes, o novo diretor do DPDC, Giuseppe Aristone, oficializou a criação de um novo PTT - Programa de Treinamento Tático - visando não somente treinar novos e talentosos agentes federais como também para inserir Frank numa linha que o fizessem seguir no ofício sem que hajam rupturas causadas por atos condenatórios e injustificados. 

Navegando pelo rio Amazonas a bordo de um barco alugado, a equipe se preparava emocionalmente para os novos testes pesados e mais exigentes que estavam reservados. 

Giuseppe olhou para Frank que estava quase na ponta do barco contemplando a natureza e se via meio distante do grupo composto por 12 soldados. O novo diretor se aproximou dele com intenções claras. 

- Não tá curtindo o passeio? Essa cara me diz que você parece um tanto quanto enjoado. 

- Tranquilo, eu só... tô divagando aqui nas minhas ideias. É a primeira vez que venho ao Brasil e... não era nessa circunstância que eu esperava. - disse Frank mostrando-se descontente - Eu ainda me atrevo a contestar minha inclusão nisso aqui. 

- Frank, inscrevi você pra realizar um dos meus maiores desejos que tive assim que fui cotado como substituto do Ernest. - disse Giuseppe fazendo o estômago de Frank revirar - O qual é aprimora-lo. Como eu disse quando nos conhecemos: Bota-lo na linha. Erros serão cometidos, lógico, mas com firmeza, tenacidade e o direcionamento correto, não terão obstáculos que te façam se desviar da disciplina seguida à risca, é isso que estimulo aos meus homens, não será diferente com você. 

- Peraí, o senhor tá querendo me convencer de que não recebi o direcionamento certo na gestão anterior? - perguntou Frank olhando-o com certa reprovação - Eu senti uma alfinetada pro diretor Ernest ou eu interpretei mal? 

- Frank, você é inacreditável. - disse Giuseppe praticamente rindo - Só você mesmo pra supor que de alguma forma quero superar o Ernest e ainda por cima mandando indiretas. Evidente que não. Eu o respeitava muito, senti a morte dele.

- Não sei, pra mim deu a entender que o diretor Ernest não me pôs na linha como o senhor pretende fazer comigo. Ou que ele me desvirtuou e é o senhor quem vai endireitar. Com todo o respeito... Já é muita pretensão, não acha?

- Você quer mesmo saber minha opinião pessoal a respeito dele? 

Frank ficara em silêncio, virando o rosto para olhar o verde da vegetação que ladeava o rio. 

Giuseppe ficara sério de um modo desanimado. 

- Tudo bem, quem sabe noutra hora. Estamos perto de chegar à margem da selva. 

                                                                             ***

Após aportarem na floresta, o grupo caminhou adentrando na Amazônia em toda sua essência. Fachos de luz solar atravessavam entre as folhagens das altas árvores incrementando à paisagem selvática. 

Frank seguia junto de Giuseppe e os demais agentes andavam mais atrás. Foram todos surpreendidos com a aparição inesperada de um jovem forte de de pele parda, cabelo preto estilo tigelinha e vestindo camisa cinza e bermuda preta. O grupo cessou a andança e um clima de suspeita pairava no ar. 

- Sinto muito, mas... parece que terão que dar meia volta. - disse o rapaz - Me chamo Kayke, moro no vilarejo à alguns quilômetros, boa parte da minha tribo vive por lá. Mas não vim só me apresentar, vim avisa-los sobre essa área da floresta. 

- Jovem, por favor, saia do caminho. Somos de uma corporação policial dos Estados Unidos, não viemos com intenções de trazer danos ambientais. - disse Giuseppe - Será que, por gentileza, poderia nos deixar prosseguir? 

- Calminha aí, diretor. - interviu Frank ganhando olhares de reprimenda de alguns agentes - Eu sei muito bem como lidar, deixa comigo. - disse ele aproximando de Kayke - Olá, eu sou Frank Montgrow. A gente tá aqui pra fazer uns treinamentos práticos, mas eu não posso viver com essa curiosidade... 

- Mas é melhor viver com ela do que morrer satisfazendo. - interrompeu Kayke. 

- Ahn, bem... O que seria esse aviso exatamente? Animais ferozes rondando nessas bandas? 

- Não qualquer animal feroz. - salientou o índio - É o Uaiuara. 

- Uai o quê? - indagou Frank fazendo expressão de confuso - Nunca ouvi falar desse bicho e olha que já vi um catálogo com todos os animais que só existem aqui no Brasil, principalmente na Amazônia. 

- Já disse que não é qualquer animal, muito menos é comum. O Uaiuara é um espírito maligno dessa floresta que tem feito muitas vítimas, não deixando nem as sobras pras onças. - disse Kayke. 

Os agentes caíram na risada tirando sarro. 

- Desculpe rapaz, mas não vamos cancelar nossa missão dando credibilidade a uma lenda indígena. - disse Giuseppe - Vamos, todos nós, em frente. - gesticulou com a mão esquerda chamando os agentes. 

Frank foi o único a permanecer diante de Kayke. 

- Vocês vão passar a noite aqui? - perguntou o índio. 

- Ficaremos uns 5 dias fazendo uns treininhos básicos. Mas me diz uma coisa: Esse Uai... Uaui... Uau...

- Uai... uara. - disse Kayke praticamente soletrando. 

- Sim, pois é, sobre esse bicho feroz aí: É realmente uma criatura vinda de uma crença da sua tribo?

- De muitas tribos. Mas é real e é um espírito que tem mais a ver com a minha família. 

- Frank, se não vier você sai do programa com 50% do seu salário cortado! - disse Giuseppe - Venha! 

- O meu patrão vai ser uma pedrinha no sapato pra destrinchar esse caso, pelo que eu tô vendo. 

- Olha isso aqui. - disse Kayke tirando do bolso da bermuda um celular.

- Sabe mexer num celular desses? 

- Você não é daqueles que pensa que os índios daqui são um bando de selvagens canibais, né?

- Não, eu só... não sabia que havia índio com tanto acesso à tecnologias. É bom ver essa evolução. 

- Esse celular nem é meu. - disse Kayke logo mostrando o vídeo que Brody, o explorador, gravara minutos antes de virar comida de Uaiuara - Essa gravação de vídeo foi feita por alguém que tentou escapar do Uaiuara, mas acabou sendo comido. - Frank assistira ao vídeo com paciência. Brody falava de sua família poucos segundos antes da imagem balançar e tudo virar borrões com o berro gutural do explorador de fundo. Na fração de segundos, Frank pôde notar pontinhos amarelos brilhantes, ou seja, Brody filmou a criatura de relance enquanto sua carne era mordida - E então, o que achou? Acredita em mim agora?

- Não tenho razões pra duvidar de você, Kayke. - disse Frank - Esse vídeo é a prova cabal. Deu pra ver brilhos amarelos... 

- São os olhos do Uaiuara. A diferença entre o brilho dos olhos de um lobo-guará e os de um Uaiuara no escuro é muito nítida. - disse Kayke - Você vai contar pros seus amigos, né? Eles tem que acreditar. 

- Olha, isso será difícil, mas quero muito resolver essa parada com você. - disse Frank, empolgado.

- Pra dizer a verdade, eu tenho como resolver sozinho, mas não sei se é fantasioso demais pra você acreditar.

- Não existe nada fantasioso que eu não possa acreditar. - afirmou Frank tocando-o no ombro - Agora deixa eu ir porque senti um tom de ameaça real quando meu chefe falou em corte de salário. Falou, Kayke, a gente ainda vai trocar umas ideias. 

                                                                                 ***

No teste de tiro ao alvo, Frank disparava habilidoso contra os alvos pregados nas árvores com duas pistolas de diferentes calibres e modelos, chegando a troca-las de mão num movimento rápido. 

Giuseppe vinha por trás dele, impressionado com o manuseio incrível do detetive. 

- Parabéns, Frank. - disse ele colocando-se à esquerda dele - Você por enquanto é 50% do que me disseram. 

- Tenha certeza que os outros 50% não são tão dignos de orgulho e respeito. 

- Pare com esse exagero, está tentando se boicotar por não admitir que posso ser um bom diretor. 

- Pelo contrário, tô mandando a real. Existe um lado meu que o senhor odiaria conhecer. - disse Frank iniciando uma caminhada pela mata e Giuseppe o acompanhara - É o meu lado sombrio de detetive. Muito além das deserções. 

- Todos nós temos facetas das quais nos envergonhamos. Mostramos apenas aquelas que o mundo nos permite. - disse Giuseppe - Alguns segredos podem se perpetuar se estiverem guardados por uma boa razão. 

- Muito sábio isso que o senhor falou. - disse Frank olhando-o - E eu sei que não ajuda eu falar que tenho uma faceta obscura, não adianta falar sem que o senhor não fique se roendo de curiosidade. 

- Bem, não tiro sua razão. - disse Giuseppe bem-humorado - Por falar em curiosidade, o que você e aquele índio tanto confabulavam? Ah sim, claro, é sobre o tal espírito carniceiro da floresta. Me espanta você ter sido o único a escuta-lo. 

- Ele tinha uma prova e me mostrou. Tem mesmo um bicho solto nessa mata muito mais faminto que uma onça-pintada. - disse Frank, logo pisando em algo que sentiu não se tratar de uma pedra. 

O detetive parou e verificou no que tinha pisado com o pé direito. Entre o mato estava um antebraço decepado. Giuseppe virou o rosto com a mão esquerda quase cobrindo a boca. 

Indo mais à frente, outros restos mortais de vítimas do Uaiuara foram encontrados, desde membros com ossos expostos à orelhas.

- Parece que o Uaiuira andou deixando a comida cair no chão. - disse Frank. Giuseppe permanecia cético.

- É uma onça, sem nenhuma dúvida. Vamos voltar, Frank. O intervalo acabou. - disse o diretor. 

Frank, antes de ir acompanha-lo no retorno, ficou a observar aqueles restos pensando na extensão a que estariam espalhados. 

                                                                             ***

Às escondidas ao driblar a atenção de Giuseppe sobre ele, Frank fora ao vilarejo indígena perguntando para residentes onde ficava a casa de Kayke. Depois que tomou a informação de uma índia amamentando seu filho, o detetive direcionou-se à porta da casa e logo bateu. Kayke abrira e ficou um tanto surpreso por reencontrar Frank naquele mesmo dia. 

- Você por aqui? 

- É, Kayke, não vou desistir de prestar algum apoio à você nessa luta pra eliminar esse monstro. 

- Te falei que era um espírito maligno. Tem possuído os lobos-guarás, os poucos que restam. 

- Se tiver algo pra me contar, não omita. - aconselhou Frank - Tô nessa com você e não abro mão.

- Nem pelo seu chefe? Você pode perder o emprego ou ter seu salário cortado por minha causa.

- Não esquenta, eu me resolvo com ele. Mas, por favor, me deixa ser seu companheiro de caça.

Kayke o encarou com certa relutância, mas admitia que estava começando a respeitar o pedido daquele detetive com uma fixação extrema por desvendar mistérios paranormais. O índio abrira um pouco mais a porta., sinalizando permissão. 

- Entra aí. - disse Kayke virando-se para ir ao quarto onde cuidava do curandeiro enfermo.

- Mora só você aqui? Ou com seus pais? - perguntou Frank. 

- A minha mãe foi pra cidade grande. Decidi ficar pra tratar da doença que acometeu o curandeiro da nossa tribo. - disse ele passando pela cortina e chegando ao quarto onde o curandeiro, um senhor de idade bem avançada, estava prostrado numa cama - A febre dele não baixa e não sei mais o que tentar. Acho que Tupã levará a alma dele em poucos dias. 

- Tenha um pouco mais de fé. - disse Frank - Ele vai sair dessa. Por mais irônico que seja um curandeiro doente. Eu pensava que os índios dessa arte mexiam com magia pura pra curar os doentes e os feridos. 

- E é verdade. Mas não quer dizer que sejam imunes. - disse Kayke - Eu venho de uma linhagem que conserva um herança mística, nenhum descendente nasce sem ela. Meu avô foi curandeiro passando o legado para o meu pai, mas ele acabou competindo com meu tio pelo título de cacique da tribo. 

- Esse lance de legado... quando se trata de algo sobrenatural é uma benção e uma maldição. - disse Frank. 

- Eu tinha 10 anos quando eles travaram uma luta violenta. - contou Kayke, emocionado - Essa luta custou as vidas deles. Meu tio tinha ciúmes da reputação do meu pai perante à tribo. Toda essa inveja e todo o ódio... corromperam a alma dele pra desafiar meu pai a um duelo até a morte. Ninguém viu o que aconteceu durante esse tempo, eles combinaram de lutar em segredo. Assim que todos se deram conta do sumiço deles, procuraram pela mata inteira e... acharam o corpo do meu tio.

- E quanto ao seu pai? - indagou Frank, curioso. 

Kayke fizera que não com a cabeça, enxugando uma lágrima. 

- Já fazem muitos anos, ele não desapareceu. Mas o espírito do meu tio ainda vive. 

- Sob a forma do Uaiuara, já entendi. - disse Frank - Ah, agora falei certinho. Mas vem cá, por que possuir lobos-guarás? 

- Um animal em perigo de extinção que ele jurou proteger de caçadores que matam por esporte. O Uaiuara é o espírito corrompido de um herdeiro do poder místico e... eu tô com medo de despertar esse poder através do ódio, o poder puro e iluminado que destrói a escuridão da alma do Uaiuara. Não quero me tornar como ele depois que morrer. 

O curandeiro de repente tossira, acordando de seu sono. 

- Kayke... - falou fracamente - Você está aí? 

- Sim, senhor. Precisa de alguma coisa? Quer que eu vá buscar mais ervas? 

Frank escutara uma voz alterada do lado de fora. Ouvindo melhor, constatou que chamava por ele. 

- Montgrow! - gritava um agente no meio do vilarejo. 

- Kayke, vou indo nessa, tem alguém me chamando ali. - avisou o detetive - A gente se vê ainda hoje?

- Talvez. - disse o índio - Vá logo, deve ser um dos seus colegas de trabalho. 

- Montgrow! - continuou gritando o agente careca com barba por fazer. Virou-se para a casa de Kayke ao ver Frank saindo de lá - Olha só, quem tá vivo sempre aparece! O que deu em você? Desobedecendo as ordens do diretor?! 

- Vim visitar o amigo indígena. E daí? Não posso vê-lo? - perguntou Frank indiferente a resposta ao querer passar por ele. O agente, porém, o barrou com a mão direita no peito do detetive que o encarou.

- O mesmo índio que tentou nos barrar hoje cedo? 

- Não é da sua conta. 

- Posso ir agora informar o diretor que você tá se desviando do foco. Ele te colocou como prioridade pra melhorar seu desempenho, não pra ficar passeando por aí. Além disso, ele reuniu todo mundo pra anunciar um teste prático à noite e não é paintball. Só você não tava presente. O que vai dizer à ele? 

- Um teste como esse pra hoje à noite?! - disse Frank meio surpreso. Pensou a fundo na vantagem que aquilo poderia conferir em relação à caçada ao Uaiuara - Vou dizer que vou participar, é lógico. 

- Se disser que visitou o índio que nos mandou dar meia volta com um papinho furado de espírito, assombração ou o diabo a quatro nessa floresta, é quase certo que ele decreta sua suspensão. 

- Desculpas não vão me tornar um agente melhor. - argumentou Frank. 

- Você quem sabe. - disse o agente - Anda, vem, tá na hora do rango. 

Antes de segui-lo, Frank deu uma olhada rápida para a casa de Kayke e em seguida virou-se para acompanhar o agente em retorno ao acampamento. Sequer notou que o índio observava por uma fresta na janela. 

                                                                             ***

À noite, os 12 agentes mobilizavam-se pela floresta para executarem o teste que consistia em se esgueirar na mata com o objetivo de atirar uma bala de borracha em algum alvo ao mesmo tempo que deveria ser cauteloso em não se tornar um alvo fácil. Um agente andava sozinho, praticamente querendo se agachar com a metralhadora em riste entre as folhagens.

Mas estacou logo que ouviu um "crec" muito próximo. Apontou a arma para a direção de onde vinha o ruído, mas nada parecia espreitar na escuridão. Foi para uma área lamacenta afundando os pés no barro molhado mantendo-se em posição inclinada para frente. Pegou o óculos de visão noturna para visualizar se havia uma presa oculta nas sombras. Ao dar mais um passo, acabou por atolar-se na lama. Tentou forçar para tirar o pé direito, mas parecia grudado. Os óculos detectaram uma presença vindo na sua direção, mas não de um agente que fosse atirar nele e desclassifica-lo da prova. 

Assemelhava-se a um lobo, caminhando na parte terrosa, exibindo olhos brilhantes em amarelo. 

Retirou os óculos e finalmente via à sua frente a fera de olhos e presas que brilhavam em amarelo partir para cima dele num pulo selvagem. Em paralelo, Frank estava na barraca numa discussão acalorada com Giuseppe sobre o Uaiuara.

- Eu realmente não devia tirar os olhos de você nem por um segundo! - disse Giuseppe.

- Desculpa contar isso só agora, mas o senhor também não perguntou por onde eu tinha andado. - retrucou Frank. 

- Negativo, você esperou anoitecer pra finalmente me revelar já que isso seria conveniente, afinal o teste já estaria começando e seria um pouco tarde pra desclassifica-lo. - rebateu Giuseppe - Perdeu pontos no teste, perdeu pontos comigo. 

- Mas ainda tô aqui, se quiser me botar pra escanteio, tudo bem, não vou reclamar. Na verdade, o senhor deveria retirar todos que se embrenharam nessa mata. Tem uma coisa mais faminta que uma onça ou um jacaré que vai jantar eles. 

- De novo não... - disse Giuseppe sentindo-se cansado do assunto - O que vimos hoje de manhã não foi prova suficiente. 

- Não foi prova suficiente?! É claro que foi! São muitos corpos espalhados, uma onça não se fartaria de um banquete tão grande numa noite apenas. A fome dela tem um limite, a do Uaiuara não. 

- Chega! - disse Giuseppe visivelmente irritado - Lhe dou uma escolha, Frank: Ou o teste... ou o índio. 

Frank fez um gesto de concordância com a cabeça numa expressão com olhos estreitados. 

- Beleza. - disse ele, andando para sair da barraca. 

- Aonde pensa que vai? Leve seu equipamento. Uma arma, pelo menos. 

- Eu tô confiando no potencial do Kayke, a gente vai encarar o bicho como uma dupla dinâmica. 

O detetive saíra da barraca a passos firmes e largos. Giuseppe fechou os olhos por uns segundos, preocupando-se com a atitude dele que lhe soava inconsequente demais. Vestira o colete à prova de balas e muniu-se de algumas armas, saindo da barraca para analisar a situação do grupo. Usando um capacete com uma lanterna presa e segurando uma metralhadora carregada com balas reais, o diretor adentrou na mata à espera de não acabar encontrando pedaços de seus homens. 

Porém, conforme seguia, uma atmosfera de insegurança se evidenciava. 

Giuseppe tentava pressentir de onde viria o perigo que ele sabia estar o rondando. Mas rendeu-se à dificuldade. A luz da lanterna começou a piscar incessantemente. O diretor a ajustou, mas nada resolvia, decidindo por tirar o capacete para verificar o defeito. A luz apagou-se em definitivo. Giuseppe ouvira um rosnado por trás dele e virou-se na ânsia de descobrir. 

Um lobo-guará com olhos brilhando em amarelo salivava para ele. No corpo do animal podiam-se os ossos da costela irradiando a mesma luz amarela que fazia brilhar seus olhos, dentes e garras. Giuseppe foi recuando devagar, tardiamente arrependido de duvidar de Kayke e de Frank. Em resposta, o Uaiuara andou adiante no mesmo ritmo, sua saliva pingando pegajosa. Num pulo ágil, atacou Giuseppe mordendo seu ombro direito com toda a força de sua mandíbula fazendo-o cair e soltar um grito de dor. 

Alguns tiros no solo foram disparados por agentes que vinham correndo ao socorro de Giuseppe. O Uaiuara, intimidado com os estampidos, soltara sua presa e fugira correndo com suas longas patas. 

- Diretor! - disse um dos agentes levantando-o - Vamos chamar a emergência e caçar essa fera! 

- Não... Não sigam esse animal... - orientou Giuseppe, fragilizado. 

- Ele tá sangrando pra caramba! - disse o outro agente, alarmado - A equipe de emergência vai levar horas pra chegar, talvez só amanhã de manhã, não estamos à poucos quilômetros de Danverous City! Vamos ter que segurar as pontas! 

Ambos o carregaram segurando seus braços na direção que levava à barraca. Não muito longe dali, Frank encontrou Kayke sentando no galho de uma árvore. Reparou num detalhe chamativo: Kayke estava usando um colar de penas azuis. 

- Ei, Kayke, aqui embaixo! - chamou Frank. O índio descera da árvore - Tá fazendo o quê aí? 

- Esperando o Uaiuara aparecer, é por essa zona que ele mais costuma caçar. - disse Kayke logo dando um colar de penas igual ao seu à Frank - Toma. O curandeiro enfeitiçou esses colares pra proteger todos os moradores da aldeia. 

- Proteger como? Serve como um repelente? Ele não vai nem chegar perto de nós?

- Vai nos deixar invisíveis pra ele. - disse Kayke, direto. 

Eis que o Uaiuara ressurgia após escapar dos tiros disparados pelos agentes. A escuta no ouvido de Frank apitou. 

- Montgrow, está na escuta? - perguntou um agente - Cadê você? 

- Oi, ainda tô vivo. - disse Frank não tirando os olhos da fera - Mas com um probleminha aqui... 

- Então vê se resolve e vem logo pra cá! O diretor tá ferido, perdendo muito sangue! Um bicho estranho atacou ele com tudo. Tenta não ter o azar de trombar com esse monstro por aí! 

- Tá legal, pode ter certeza que a sorte tá ao meu favor. - disse ele, não tão certo disso. 

- Frank, pega! - disse Kayke oferecendo o colar - Acredita, ele só tá vendo você. 

Frank pegou o colar, pondo-o. O Uaiuara ficou confuso olhando para os lados. 

- Será que funcionou? - perguntou Frank. 

- Ele tá farejando... Melhor nós corrermos. - disse Kayke, saindo em disparada. 

- Ei, espera por mim! - disse Frank também correndo. Guiado pelo seu olfato aprimorado, o Uaiuara os perseguiu freneticamente pela floresta. O detetive e o índio corriam ao máximo passando por folhas e galhos e desviando de árvores robustas. Encontraram uma cabana abandonada e lá se instalaram, mas sabiam que não haviam despistado a fera. 

- Uma cabana no meio da floresta. Que sorte a nossa. - disse Frank esquadrinhando o interior. Nessa visualização acabou descobrindo mais cadáveres de exploradores, contabilizando três - Tá, eu retiro o que disse. Kayke, olha isso. 

- Pois é, os exploradores se refugiaram aqui pra escapar do Uaiuara... ou se arrastaram até aqui pra morrerem. 

Os rosnados do Uaiuara foram ouvidos e Frank se moveu até a porta para fecha-la usando seu próprio corpo. A fera pulou contra a porta dando uma cabeçada forte. Frank suportava cada batida usando sua força ao limite para impedi-lo de entrar. 

- Kayke, é sua chance! Desperta o poder! - disse Frank, instigando-o - Você só tem que provar isso a si mesmo e pra mais ninguém, nem pra mim! Você consegue, rapaz! Todo esse tempo dependeu apenas de você. 

A última cabeçada do Uaiuara derrubou a porta com Frank junto num impacto estremecedor. 

Frank tirou a porta de cima dele se arrastando deitando para trás à mercê da criatura. Ainda se afastasse, o odor exalado do seu suor que molhava sua camisa branca era um chamariz para o faro apurado do Uaiuara. Kayke se distanciava para não pego e tomou uma medida drástica. O índio retirou o colar de penas, tornando-se visível à criatura que logo virou-se para ele. 

- Eu sei que está aí dentro, tio. - disse Kayke - E vou fazer com que se arrependa do que fez. 

Kayke tirou a blusa, mostrando um corpo repleto de tatuagens tribais que começaram a brilhar numa luz branca juntamente com os olhos do índio. Frank protegeu seus olhos da intensa claridade que parecia aumentar interminavelmente. O lobo-guará foi despossuído pelo espírito que se manifestou numa sombra tomando a forma de um lobo desafiando o poder emanado por Kayke. Porém, o índio brilhara ainda mais, esticando sua mão esquerda, mal dando para ver as tatuagens de tão reluzente que estavam. A sombra dera um grito cavernoso explodindo em minúsculos fragmentos que dissiparam-se. O brilho de Kayke foi reduzindo rapidamente e Frank destapava os olhos assim que a claridade diminuiu mais. 

O lobo-guará correu para fora da cabana assustado. Kayke veio prontamente ajudar Frank a levantar.

- Você tá bem? 

- Melhor agora que você mandou o espírito do seu tio pro quinto dos infernos. Tatuagens legais hein. 

- Elas simbolizam a canalização do poder no corpo, na alma e no espírito. Tenho elas desde os 8 anos. E obrigado. 

- Obrigado pelo quê? Eu não fiz quase nada. 

- Ah fez sim. - disse Kayke sorrindo timidamente - Você me encorajou. 

Frank não escondia sua grande satisfação pelo reconhecimento. Mas logo lembrou de Giuseppe.  

                                                                              ***

Na barraca, os agentes tentavam conter o sangramento no ombro direito de Giuseppe. 

Frank veio junto de Kayke e ambos entraram. Alguns agentes torceram o nariz para a presença do índio.

- Ei, o que esse moleque tá fazendo aqui? - perguntou um deles - Não foi ele que falou pra gente ir embora por causa da coisa maligna na floresta? Por que só mandou a gente vazar sem contar nos mínimos detalhes? 

- Porque vocês, babacas, não abriram suas mentes pra dar um voto de confiança nele. - devolveu Frank - E acreditem ou não, ele pode salvar a vida do diretor a tempo. Ou vão querer esperar a equipe de emergência vir buscar o corpo dele? 

Um silêncio tomou conta do ambiente. Giuseppe tossiu querendo exprimir umas palavras. 

- Eu... autorizo. - disse ele para seus soldados. 

- Mas senhor... - contestou um dos agentes que logo sentiu-se forçado a ceder - Está bem, vamos arriscar. 

- Arriscar não, confiar. - disse Frank - Vamos lá, levem ele pro carro, eu dirijo. 

O carro era um jipe branco que Frank dirigiu até o vilarejo indígena trazendo Giuseppe e Kayke. 

O índio e o detetive colocaram ele sobre o sofá. 

- Acho melhor você descansar, prometo que amanhã ele vai estar recuperado. - disse Kayke. 

- OK, mas... - olhou em volta - Onde é que vou dormir? 

- Tem umas redes ali naquele cesto. Fica à vontade. - disse o índio logo olhando para o ferimento no ombro de Giuseppe - Foi uma mordida muito profunda. Pode demorar uns dias pra erva cicatrizar. 

- Contanto que ele fique a salvo, não importa o tempo de recuperação. - disse Frank sentindo um medo de perder mais um chefe. 

                                                                               ***

Após o amanhecer, os agentes visitaram Giuseppe que apresentava melhoras. 

No quarto do curandeiro, Frank se uniu à Kayke para observar o estado dele. 

- Chegou a hora dele. - disse o índio vendo o curandeiro ofegar quase sem ar - Eu falhei. 

- Não, para com essa autopiedade. A doença dele provavelmente não tinha remédio... e tô começando a achar que... 

- Curandeiro... - disse Kayke, segurando a mão esquerda do velho homem - Não parta, por favor.

O curandeiro dera seu último suspiro. Kayke derramou lágrimas consciente de que fracassou. 

- Lembra de ontem à noite contra o Uaiuara. Você é motivo de orgulho pra toda sua tribo. - disse Frank, tocando-o no ombro. 

Horas mais tarde, Frank e Giuseppe despediam-se de Kayke e do vilarejo. 

- Jovem, me perdoe. - disse o diretor - De tanto que duvidei, chego a pensar que nem merecia ser curado.

- Ah, não vem com essa. - disse Frank - Nem eu ou o Kayke deixaria o senhor pra ser jantado. 

- Eu quem agradeço. - disse Kayke - Principalmente a você, Frank. 

Os dois apertaram as mãos. 

- Ainda pretendo voltar, não só pra Amazônia, quero conhecer cada canto desse país. - disse Frank - Quem sabe nas minhas próximas férias.

- Que não virão tão cedo quanto pensa. - disse Giuseppe desanimando Frank - Vamos indo? 

- Qual a próxima parada de vocês? - perguntou Kayke. 

- Uma outra área mais alguns quilômetros à frente de onde estávamos. - disse Frank - Adeus, Kayke.

O detetive e o diretor seguiram juntos e preparados para uma nova fase de treinamentos. 

- Frank, me sane uma dúvida e seja integralmente honesto: Acreditava tanto assim na existência desse monstro que me atacou? Encarei ele diretamente, olho no olho, parecia possuído pelo próprio demônio. 

O detetive engoliu a saliva, nervoso. 

- O senhor quer saber se eu acreditei piamente sem nenhuma sombra de dúvida? 

- Exato. O que me diz? Nenhuma ponta de descrença? Acredita mesmo em... forças sobrenaturais? 

- Sim, senhor. - respondeu Frank - Acredito em Deus, em anjos, em demônios... Bom, ao menos sei que existe um Deus. De resto, tem umas coisas que me deixam com o pé atrás. Eu não posso provar que não existem, até porque não dá pra provar. 

- Eu vivi cético esse tempo inteiro. - disse Giuseppe - Mas me deparar pessoalmente com algo fora da minha compreensão me mostrou um outro lado do mundo em que vivemos. O lado mais obscuro que existe. 

Frank o fitou controlando seus nervos. "Ele não sabe nem a metade.", pensou ele. "E é bom que continue assim."

                                                                              -x-

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: https://sanguecervejadoritos.wordpress.com/2011/06/20/o-lobo-guara/

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