Crítica - Hancock
É um pássaro? É um avião? Não! É Hancock, o Super Foda-se!
AVISO: A crítica abaixo contém SPOILERS.
Em uma época de limiar do maior universo compartilhado de super-heróis de uma maiores marcas do gênero, além da explosão do fenômeno cinematográfico do morcego de Gotham, surgia um exemplar no mínimo atípico que definitivamente não contém um personagem que possamos incluir numa lista de melhores heróis do cinema. Seu nome é John Hancock, um super-herói alcoólatra, irresponsável e indiferente com o mundo, combatendo crimes e salvando pessoas por pura obrigação social (na primeira cena isto é cristalino com o garoto encontrando ele dormindo - numa ressaca das brabas - num banco de praça enquanto rola uma perseguição de polícia contra bandidos armados, e o "herói" simplesmente voa após olhar filmagens do tiroteio numa TV naquela boa vontade gratificante...). Não dá nem pra reclamar do fato dele ser completamente clichê e genérico, pois é em cima desse perfil que a proposta de cerne o concebe e constrói, aliado à uma personalidade descomprometida com o bem maior, o que é um detalhe explicativo para sua natureza transgressora das características que formam um herói respeitoso. Hancock não tem boas nem más intenções, ele apenas pratica heroísmo para mero exibicionismo e o uso inconsequente dos seus superpoderes acaba por afetar a economia da cidade de Los Angeles.
Um perfeito exemplo de anti-herói, do tipo que não liga pra merda nenhuma e utiliza seus poderes para acrescentar significado à sua vida vazia (tão vazia quanto a trama). Mas eis que aparece o herói para salvar sua popularidade arruinada, o especialista em relações públicas Ray Embrey (Jason Bateman), que se empenha para moldar uma nova imagem super-heroica à Hancock que de cara não aprova muito a ideia, porém logo vai criando afinidade com o ajudante chegando a conhecer sua esposa, Mary (Charlize Theron) e seu filho, Aaron (um pirralho que é fã alucinado dele). Só que antes de mudar sua conduta, Hancock precisa pagar sua dívida com a sociedade que o escorraça, muitos passando a chama-lo de otário. E é exatamente isso que Hancock é: um otário (um sinônimo para babaca, não aplicada na definição mais usada que se refere à uma pessoa que é feita de trouxa e se desilude com muita frequência, o otário aqui é o cara escroto e mané, vulgo cuzão). Will Smith está incrivelmente compenetrado na atuação, desenvolvendo seu personagem espontaneamente como ele deve ser exposto na faceta anti-heroica difícil de simpatizar pelo absurdismo dos seus salvamentos (o que escancara sua nula experiência). A personagem de Charlize Theron logo de início não vai com a cara de Hancock, antipatia que vai desnudando sua razão aos poucos. Hancock cumpre um período de reclusão numa penitenciária, um ambiente que dá um prato cheio para o alcoólatra amnésico demonstrar toda a sua ousadia, especialmente contra os caras durões e tatuados que estão a fim de lhe dar uma coça (ou são loucos ou são imbecis) peitando um cara com força descomunal - rendendo um momento cômico (bem bizarro) de rachar o bico com o principal desafiante de Hancock tendo a cabeça de um colega de prisão enfiada no seu orifício rugoso. O "herói" tem sua liberdade decretada assim que as taxas de criminalidade sobem astronomicamente.
Na comédia o enredo não decepciona tanto quanto na sua virada brusca, ainda que tenham reservado poucos momentos realmente funcionais (o garoto loiro e cabeludo sendo arremessado pelo Hancock até provavelmente ao espaço depois de chama-lo de otário). Foi nessa virada que perdi todo o entusiasmo com o restante do filme, culpada de muitos cochilos involuntários (assisti das dez da noite às onze e quarenta, meu corpo e mente pedindo por descanso) tamanho foi meu desinteresse em continuar rumo ao final. Numa ceninha de beijo inevitável entre Hancock e Mary, a verdade se revela: a esposa de Ray (a segunda e que não é mãe biológica do Aaron) tem os mesmos superpoderes que ele, o jogando na parede (haveria momento mais inapropriado pra isso?)! E daí começa um lenga-lenga de seres imortais e superpoderosos que viveram por 3 mil anos, sendo Hancock e Mary os últimos desta espécie (numa hora ela diz que foram irmãos, noutra já fala que lembra-se dele como seu marido, então obviamente quis dizer que foram irmãos de espécie), o que é uma coincidência perturbadora Hancock receber auxílio do cara que salvou de ser arrastado dentro do carro por um trem e este mesmo cara ser marido da sua antiga companheira de imortalidade. A única lembrança que Hancock tem de seu passado distante é de ter acordado num hospital já sem memória em 1931 e nessa época adotou o pseudônimo de John Hancock. A amnésia de Hancock decorreu-se de um golpe na cabeça há 80 anos no mesmo tempo em que ele e Mary estiveram juntos pela última vez. Toda essa narrativa de "almas gêmeas" que o destino reuniu e remanescentes de uma espécie sobre-humana milenar fragmentou a premissa geral de Hancock estar direcionado à correção de sua irresponsabilidade dos poderes como herói.
Na sequência do hospital no terceiro ato (após Hancock ser baleado na tentativa de impedir um assalto) o longa perde a emanação daquele clima de não ter compromisso algum com a seriedade, haja vista que é considerado uma comédia de ação, descambando para um drama tortuoso envolvendo Hancock e Mary alvejados por Red Baker e seus comparsas que confrontaram a polícia num assalto ao banco (melhor cena de ação do filme, por sinal, pois ali vimos um Hancock no caminho da sua melhora e finalmente reconhecido - apesar do esforço ridículo de passar boa impressão repetindo "bom trabalho" pros policiais), saem da cadeia e retornam vingativos. Como os imortais, conforme esclarecido por Mary, perdem seus poderes gradualmente depois que ficam juntos, tornando-se mortais, Hancock é fragilizado no combate aos bandidos e quase não sai vitorioso. Para garantir a recuperação de Mary, ele se distancia, voando até a lua (cuja superfície foi enfeitada com um coração, cortesia do próprio Hancock - suspenda a descrença, é a única forma de encarar com naturalidade). Ação e efeitos se delineiam bem apoiados pela ótima fotografia, mas dentre as prioridades de composição, o roteiro se desconjuntou feio apelando para um background superficial e maculando com a oportunidade de focar nas nuances de um herói que recusa ser "virado do avesso" a princípio, mas que logo vai aceitando a existência de um potencial heroico para evitar danos colaterais.
Considerações finais:
Dirigido por Peter Berg, Hancock é a síntese de um verdadeiro anti-herói que está pouco se lixando para a satisfação que pode causar pelos seus atos generosos e corajosos (de um jeito nada convencional, mas sim) e quer mais é tomar uma pinga voando solitário pelos céus de Los Angeles. Porém, se autossabota forçando uma trama para justificar os poderes de Hancock quando nem era tão necessário.
PS1: Super-herói de roupinha colada e multicolor é muita "viadagem" para o Hancock. Imagine se ele visse o Nicolas Cage trajado de Superman para aquele filme cancelado do Tim Burton...
PS2: Achei que aquela nuvem de tempestade fosse um supervilão se aproximando, mas não... era só uma tempestade "comum" com tornados e raios que apareceu e foi embora numa velocidade digna de uma boa suspensão de descrença.
PS3: Hancock 2 é somente um devaneio de quem assistiu cagando pro roteiro da mesma forma que o protagonista caga pra sociedade, não é? Não posso aceitar "não" como resposta...
NOTA: 6,0 - REGULAR
Veria de novo? Provavelmente não.
*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: https://entreterse.com.br/globo-exibe-hancock-08-06-28748/
Comentários
Postar um comentário
Críticas? Elogios? Sugestões? Comente! Seu feedback é sempre bem-vindo, desde que tenha relação com a postagem e não possua ofensas, spams ou links que redirecionem a sites pornográficos. Construtividade é fundamental.