Frank - O Caçador #38: "Uma Boa Fria Vingança"


Dennis, o vigilante de uma indústria frigorífica, vivenciava um momento de apreensão no seu turno. Estava ao telefone, saindo do ponto onde deveria estar, o qual era próximo da cerca de arame em formato losangular. 

- É o que venho tentando te falar, não seja tão cético! - disse ele numa conversa tensa com um amigo - Ela tá aqui... - disse olhando ao redor com os olhos arregalados na face angustiada - Delírio o escambau, Matt! Se eu não posso te provar agora, não quer dizer que tô vendo coisas. Drogas? Tá maluco? Não tem graça...

Tirou o boné que pertencia ao seu uniforme de trabalho e adentrou na área após destrancar a cerca. 

- Antes meu salário descontado do que agonizar no corredor da morte num hospital. - afirmou Dennis, andando para trás, atento para ver se não detectava nada relacionado ao que pensou ter visto - É isso mesmo cara, vou me esconder, não quero morrer. - seu andar acelerou mais, agora para frente e em direção ao depósito de carnes, um recinto que necessitava de acesso restrito a pessoal autorizado. Dennis pegara um cartão de acesso que clonara de um dos funcionários para no caso de avistar a tal aparição novamente - Foi um truque imundo, eu sei, podia até ser preso, mas não tô nem aí... É a minha vida que tá em jogo. o que acha que vou escolher? Além do mais, é o único lugar seguro pra um reles vigia. - o acesso foi permitido - Não acredito... Funcionou. - entrara, fechando a pesada porta de aço com sua maçaneta gigante que destravava sempre que o cartão desbloqueava - Eu não devia estar aqui... Mas o que você teria feito no meu lugar?

O espaço se preenchia somente pelo zumbido dos geradores do sistema de refrigeração. Dennis sentia-se claustrofóbico no ambiente em meio às caixas repletas de pedaços de gado. Ainda prosseguia sua chamada com Matt. 

- Não sei por quanto tempo vou aguentar esse frio... Será que fui burro de me trancar aqui? Não tenho coragem de sair pra ver se a barra tá limpa... Matt? - indagou, o desespero se elevando - Matt? Matt, diz alguma coisa! Matt! - tirou o celular do ouvido esquerdo e viu uma fina camada de gelo rapidamente se espalhar pela tela, congelando o aparelho - Não... Isso não tá acontecendo. - disse, balançando a cabeça em negação. Deixara o celular cair no chão gélido. O frio que sentia parecia intensificar-se. Foi voltando-se para o termostato digital, já batendo o queixo e esfregando as mãos nos braços, que tivera a certeza arrebatadora - Ma-mas... Na-não... Po-po... pode... se-ser... - a temperatura decaía vários graus num ritmo veloz até chegar a graus negativos. Dennis caiu no chão, os lábios congelados, a pele dormente e pálida e os sinais vitais a cada redução de temperatura falindo. Quando o termostato chegou a -2º C, o vigilante não esboçava mais nenhuma reação. 

Uma moça de vestido branco e brilhoso, calçando sapatos parecidos com o da Cinderela, aproximava-se do cadáver congelado de Dennis cujos olhos estavam abertos para o vazio. Agachou-se colocando nele uma máscara branca com detalhes sinuosos de glitter dourado. Ficou de pé, observando-o por uns segundos. Seu rosto de caráter monstruoso, aparentando ser um zumbi de face decrépita e horrível, era emoldurado por belos cabeços loiros ondulados. 

Deu um sorriso de confiança, satisfeita pelo seu ato. 

- Agora sim, bem melhor. - disse ela, a voz soturna e rouca. 

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CAPÍTULO 38: UMA BOA FRIA VINGANÇA

Departamento Policial de Danverous City

No seu primeiro dia desde que fora afastado do cargo, Frank esbanjava um ar incomum de felicidade sua rotina. A sensação de normalidade o excitava para destrinchar mais novos casos. O que ficava ainda melhor com os cumprimentos e saudações que recebia dos funcionários. Uma sucessão de "Bom dia" que dava o frescor de que havia dado a volta por cima. Mas no fundo sabia que aquilo tinha carecido de uma dificuldade que o fizesse ter mais orgulho daquela vitória. E a razão de tal facilidade havia esbarrado no seu caminho para o mais completo desprazer. 

Hoeckler vinha dobrando o mesmo corredor para o qual Frank seguiria. Ambos pararam, encarando-se. 

- Bom dia, Frank. - disse Hoeckler, fingido - Surpresa encontra-lo em rota de colisão... É tão raro. 

- Tão raro que nesse momento parece coincidência surreal. - retrucou Frank, o bom-humor no seu semblante reduzindo drasticamente - O quê que é? Tá na escuta com seus comparsas te orientando sobre cada passo que eu dou? 

- Está equivocado. - disse o chefe, sorrindo de canto - Mas você até que propôs uma boa ideia. 

- Nem tenta. Eu só não jogo a merda no ventilador porque ia respingar em mim também. 

- Vá para sua sala, agente Montgrow. - mandou Hoeckler, adotando sisudez - O tom da nossa conversa pode atrair atenções indesejadas se a estendermos. - finalizou, passando por Frank retomando sua andança. 

Frank fechou os olhos por uns segundos, cerrando os punhos como se quisesse manter seu estado de humor em perfeito equilíbrio ao máximo que podia. Dirigiu-se à sua sala, inspirando fortemente o ar e soltando-o num suspiro alivioso ao ver absolutamente tudo no seu devido lugar. O computador, a mesa, as cadeiras, o frigobar, os quadros e a placa de carro vermelha com seu nome. 

Sentou-se na cadeira confortável, recostando bem suas costas. A aparição de Carrie o tirou dos seus devaneios, quase o assustando. 

- Hum, vejo que tô interrompendo a sua catarse emocional. Volto daqui a uns... trinta minutos. 

- Não, não, voltei pro mundo real, tava com a cabeça noutra dimensão. - disse Frank, levantando-se depressa - Eu esperava louco de ansiedade pra você vir trazendo um caso novinho. 

- Tá, desculpa ter te tirado do seu paraíso particular. Você tem por merecer pelo tempo que ficou... abstento. - disse Carrie vendo que o detetive necessitava de um momento como aquele. 

- Pois é, voltei agora pra ficar porque aqui é meu lugar. Espero não sofrer mais com nenhuma situação que me faça voltar ao pesadelo que é levar fama de desertor. A terceira vez não vai rolar. - olhou para a papelada que a assistente trazia - Essas folhas aí não me enganam. O que temos pra hoje?

- Se queria um desafio pra reiniciar como agente do DPDC com força total, é melhor não se animar muito. - disse ela, pondo os papéis na mesa - Uma coisa inédita e jamais caçada? Pode esquecer. 

- Facilita se você disser logo o que é. - disse Frank, impaciente - Ou o que você acredita ser. 

- Duas pessoas morreram de hipotermia em ambientes geralmente amenos ou quentes. - disse ela, puxando as fichas - Cordelia Nebraska: seu corpo foi encontrado completamente gelado na sua sala de estar, parecendo que tinha sido jogado no oceano ártico. Trevor Miles: achado dentro do seu carro, o corpo duro que nem gelo... literalmente. E por fim, Dennis Stanford: é vigilante noturno num frigorífico, foi achado congelado dentro do depósito de onde teve acesso por meio de um cartão clonado. O termostato estava desajustado a -2º C. O amigo dele, Matt, foi interrogado, negou qualquer envolvimento numa tentativa de assassinato e muito menos o próprio Dennis tinha antecedentes ilícitos.

- Essa gente toda virando picolé assim "do nada"... - fez aspas com os dedos - ... é meio óbvio que guardem conexões com o fantasma vingativo. 

- Não tá frustrado por ser um fantasma? Tá satisfeito com mais do mesmo? - questionou Carrie.

- Carrie, se o caso tem ou não a ver com uma causa repetida, não importa, o que mais quero é descer a porrada no monstro depois de cavucar bem fundo na investigação. Cada caso é um caso, sempre tem um diferencial por mais igual que pareça como um todo. 

- Mas especialmente nesse não consigo ver diferença para com outros casos de fantasma. É por isso que achei que você ia se desestimular logo agora que você retornou. 

- Não, meu instinto diz que esse caso tem novidade. - disse Frank, pensativo. 

- É um indício padrão nas aparições fantasmagóricas a temperatura sofrer uma queda. 

- Isso vem com a maioria dos fantasmas junto com outros sinais. Mas não neste. Pelo menos, não tão intenso a ponto de matar as vítimas. Ele potencializa um sinal como se fosse sua maior arma. 

- Parece que sua mente voltou com polimento de luxo. - disse Carrie - Esse antídoto pra amnésico que o superintendente deu à você te deixou mais aguçado. 

- Shh. - disse Frank, pedindo silêncio com o dedo indicado direito na frente da boca - Depois do que descobri ontem, tudo que falarmos a respeito de casos sobrenaturais vai direto pro ouvido do superintendente. Se é que já não foi assim desde sempre. 

- Ah claro, estamos reféns de um dissimulado canalha que nos enganou com uma vida dupla. E ainda por cima quis criticar você. Hipocrisia pouca é bobagem. - disparou Carrie sem pudor. 

- Carrie. - disse Frank, severo - Em boca fechada não entra mosca. 

- OK, sem mais. - disse Carrie, fingindo fechar um zíper na boca - De volta ao caso, é melhor você ir na casa do Dennis, a esposa não foi ouvida por enquanto. Aqui o endereço. - entregou um papelzinho à Frank. 

- Ótimo, vou nessa. Tem que haver alguma conexão com o nosso espírito congelante. 

- Isso mesmo. Console a viúva. Quebre o gelo. - disse Carrie que logo deu-se conta da piada infame que fez. Recebeu um olhar desaprovador de Frank - Foi mal. Ai caramba, isso faz me sentir tão horrível... 

- Não, para disso, foi ato falho. - mas Frank estava em dúvida - Ou você quis mesmo fazer uma piada?

- É, eu tenho muito que amadurecer. Agora vai antes que ela aceite depor em outro departamento. 

- Não faz mais isso hein. - disse Frank saindo da sala. 

                                                                                  ***

Victoria, a esposa de Dennis, recebera Frank educadamente apesar da dor insuportável do luto que a privou de sono e banho nas últimas horas. Ela sentou-se no sofá, mexendo nos cabelos pretos e passara as mãos no rosto tentando controlar seu choro. Frank analisou o estado deprimido dela e perguntou:

- Olha, se você quiser, posso pegar um copo d'água. Tá com cara de que precisa de um calmante. 

- Agradeço a gentileza, detetive, mas... Só vou reaver minha calma quando olhar nos olhos do assassino do Dennis. Ele tem que ser pego, deve ser... um colega que escondia ódio, inveja, sei lá... - sua voz tornava-se chorosa - Tínhamos uma série de planos pra realizar. - balançou a cabeça negativamente, mordendo os lábios, a face de pranto - Agora acabou. Estou sozinha. 

- Não, tá enganada, você tem a mim, tem as autoridades ao seu dispor pra solucionar esse caso. Victoria, quero que me diga: Seu marido tinha desafetos, seja no trabalho ou fora dele?

- Não até onde eu sei. Mas... ele se queixava de uma coisa que nunca levei bem a sério. 

- O quê exatamente? 

- Dennis acreditava ter visto uma garota de vestido branco o perseguindo. Essa garota... ele disse que a conhecia dos tempos do colegial. Presenciou um acidente que a matou durante um evento, mas nunca quis falar detalhadamente disso, acho que é um trauma. Até parece que andava vendo o fantasma dessa menina. Ele mesmo queria dizer que era de fato um fantasma. 

"Errado ele não tava.", pensou Frank. 

- Ele não utilizava nenhum narcótico ou qualquer substância, né?

- Claro que não. - disse Victoria, baixando a cabeça - Arrisco dizer que ele foi a pessoa mais sóbria e lúcida que já conheci. Dias antes da morte dele, senti que estava dizendo a verdade. 

- Como assim? Foi tipo... uma epifania? 

- Não, uma descoberta de material que talvez comprove o que ele viu. Pode vir comigo? 

Victoria se levantou, guiando Frank em direção ao quarto do casal. A mulher foi logo até as gavetas do criado-mudo remexendo, parecendo não lembrar onde teria guardado a tal prova robusta que corroborava a visão paranormal de Dennis. Frank esperou paciente e aproveitou para mencionar uma outra prova achada na cena do crime. 

- Ahn... Victoria, suponho que você não chegou a ver o corpo do seu marido após o recolhimento da perícia, certo?

- Só o verei quando marcarmos o dia do funeral, pelo visto. 

- É que ele, assim como as outras vítimas, estava com uma máscara no rosto, daquelas típicas de bailes escolares. Quem pôs essa máscara certamente sabia da ligação dele com o tal incidente do passado e voltou pra se vingar. 

- Está insinuando que Dennis foi responsável por um assassinato na festa? Pra quê? Pra prejudicar uma garota que ele mal conhecia direito? - questionou Victoria, o tom aborrecido. Ela finalmente encontrara o material que era um volume de fotos - Apesar de não serem próximos, ele a conhecia, na verdade queria conhecê-la... até demais - mostrou as fotografias à Frank que olhou surpreso. Nas imagens estava a garota loira no banheiro, seminua e recolhida num canto perto do vaso sanitário aparentemente chorando e pedindo para que parassem de fotografa-la em vista das mãos esticadas que tentavam ocultar seu rosto - Eu não faço ideia de com quem ele tinha conseguido essas cópias, mas esclarecem muita coisa. 

- Dennis manteve isso secreto desde aquela época, não foi? 

- Creio que sim. Ele pode ter feito parte dessa brincadeira de mau gosto, mas... A ponto de mata-la? 

Não existiam dúvidas para Frank: aquilo era mais um novo caso de vingança motivada por bullying escolar. 

                                                                                ***

Uma comemoração ocorria na sala do diretor Duvemport reunindo um grupo de funcionários que estavam desocupados no instante que foram chamados. A razão eram as boas-vindas dadas à mais nova contratada do departamento policial, mais precisamente a substituta de Eileen Grant na medicina legal. Ela se aproximou do centro da sala para discursar. 

- Esteja à vontade, você tem a minha concessão para dizer o quanto está empolgada. - disse Ernest, contente. 

- Obrigada. - disse ela, um pouco retraída - Bom, primeiramente quero dizer que é uma honra receber todo essa simpatia imediata de tantas pessoas, é muito gratificante... Desculpa se isso tiver soado clichê pra vocês, sou novata também nessa de discursos, mas totalmente inexperiente. 

Os presentes responderam com risadas. Menos Carrie que apenas sorriu forçadamente, observando os trejeitos e a linguagem de expressão da nova contratada. O sorriso foi se desfazendo lentamente. 

- Os motivos que levaram à minha antecessora a se demitir não me dizem respeito. No que posso garantir sobre mim, seja lá que razão apareça pra que eu peça as contas... eu darei uma justificativa clara. Espero que isso não aconteça tão cedo porque eu já me sinto em casa. Vou fazer o possível pra revelar histórias que os homens mortos, e até vivos, não podem contar. 

Carrie estreitou os olhos ao ouvir a última frase. Tudo o que pensava era em contar à Frank e rápido.

- Uma salva de palmas para Lilian! - pediu Ernest. Carrie aplaudiu num ritmo desacelerado comparado aos demais. 

Lilian possuía cabelos pretos ondulados caindo aos ombros, um rosto branco como a neve, com maçãs altas e lábios vermelhos expressivos. Exatamente a fisionomia da aparência humana de Lilith.

                                                                                   ***

Atravessando uma rua dentro do seu sedã prata, Frank tinha a Danverous High School como seu próximo destino após a elucidativa amostra probatória fornecida por Victoria que associou Dennis à suposta tentativa de assassinato à garota fotografada por possíveis garotos que a desejavam sexualmente. Decidiu fazer uma ligação para Carrie. 

- E aí, nenhum avanço do abominável fantasma das neves? 

- Frank, você ligou em boa hora. Quer saber da nova do pedaço? Não sei se é uma boa nova ou não. 

- Notícia boa, por favor. De coisa ruim já bastam as que eu caço. 

- O diretor pegou todo mundo de surpresa fechando contrato com uma legista e não é estagiária.

- Demorou pra achar uma substituta. 

- Tô começando a sentir falta da Eileen. Por que aquela maluca teve que sair?

- Só pra constar, a Eileen pediu pra sair depois daquele rolo com o cupido que nos enfeitiçou e... você sabe, ela não ia muito com a sua cara. Mas por que esse ranço à primeira vista com a novata?

- Ela me inspirou algo ruim. Não foi mera antipatia, má impressão... A minha intuição disparou como nunca. 

- Lá vem você de novo com essa cisma. Antes foi com a Megan, que por sinal você tinha toda razão...

- E se eu estiver certa de novo? Não é paranoia, neurose ou o diabo a quatro, essa mulher tem um quê estranho. Me conhece bem, sabe que sou minuciosamente analítica. 

- O que é uma habilidade que você devia restringir só ao trabalho. Já se perguntou se pode estar errada?

- Olha, chega, não vou te enfiar goela abaixo, temos que ganhar tempo com nosso caso atual. Fiquei vasculhando na internet à procura da tal máscara que eu deduzi ser de um baile escolar. E os resultados deram justamente sobre os assassinatos e outra tragédia datada de 2001. O que a viúva disse?

- Ela me mostrou umas fotos de uma garota seminua no banheiro que o Dennis guardava em segredo. Garota essa que ele dizia persegui-lo pouco tempo antes de ser morto, como se fosse um... adivinha.

- Aham. E vendo agora sobre a tragédia de 18 anos atrás, fica ainda mais claro. Uma garota chamada Melissa Gainer foi coroada rainha do baile de inverno, mas após a cerimônia, pouco antes do discurso, o palco de gelo poucos metros ao redor se despedaçou e cedeu com o que pareciam ser tiros. Quem pôde testemunhar não saindo correndo com medo dos estampidos viu ela cair e colocar a mão para fora da água como se quisesse ser salva de um afogamento. 

- Por que ninguém se deu ao trabalho de mergulhar e salvar a coitada? - perguntou Frank indignado.

- Foi tudo muito rápido, segundo contam. Numa fração de segundos e todos os alunos estavam desesperados correndo e a garota submergindo na água cuja temperatura levaria alguém à uma hipotermia fatal. Os tiros continuaram e vindos de cima. A polícia comprovou serem de projéteis autênticos. Muitos pensaram que Melissa foi alvejada pelos tiros, mas não encontraram nenhum resíduo de sangue na água, apenas o corpo dela. Acessei a lista de chamada da escola. 

- É pra lá que eu tava indo agorinha saber mais detalhes do baile. Mas valeu pela agilidade. 

- Disponha. Não quer fazer uma paradinha e vir aqui pra que falemos da nova queridinha do diretor?

- Não, pensando bem, vou em casa pesquisar mais a fundo sobre esse baile desastroso. 

- Você pesquisando? Voltou mais refinado. - disse ela com sarcasmo. 

- É, quem sabe eu encontre algo que você ainda não descobriu. - disse Frank fingindo competir com Carrie - Até mais, me liga depois. Tchau. - encerrara a chamada e logo deu meia-volta com o carro.

                                                                                    ***

Em casa, Frank sentava-se na mesa da cozinha e abria seu laptop garimpando pelo site do sub-departamento que investigou o caso. Encontrou uma versão atualizada para ocorrências arquivadas e clicou num diretório específico ao caso de Melissa. Nele estava contido um vídeo com uma gravação recuperadas de uma câmera confiscada, de acordo com a descrição abaixo do vídeo. Apertou no play e assistira à filmagem de baixa qualidade - em contrapartida, boa para a época que foi realizada. Apoiou o cotovelo direito na mesa pondo a mão no queixo enquanto assistia. Avançou mais minutos até o momento em que os estudantes se dispersam com o barulho dos tiros. A câmera caiu no chão de lado, abandonada pelo seu dono. Mas ficara numa distância suficiente para focalizar o palco de gelo. Mais minutos foram pulados, mas Frank quase chegava ao final quando percebeu ter ultrapassado uma parte. Retrocedeu dez minutos e viu alguém, parecendo um vulto borrado, subir no palco. Este alguém tinha traços corporais femininos e parou bem no ponto Melissa havia caído. Dois minutos depois correu.

- Quem é essa garota? - perguntou-se Frank pausando na moça de vestido branco ou cinza parada. 

                                                                                 ***

Rebecca constava na lista de chamadas da turma do 1º ano do Ensino Médio da Danverous High School. Naquela noite ela reservou um tempo para se refrescar sozinha na sua piscina, usando um maiô verde. Fez uns alongamentos antes de dar o mergulho. Assim que pulou na água, seu cabelo castanho se desprendeu, desfazendo o longo rabo de cavalo. Saíra para tomar um suco de laranja que sua empregada deixara na mesinha. Mas logo que saiu da água, um frio acometeu-a. Esfregou as mãos nos braços, estranhando a queda brusca da temperatura ambiente. 

De repente, ela foi empurrada de volta para a piscina dando um grito cortado. A água vagarosamente se solidificava em gelo puro e Rebecca pusera a cabeça para fora vendo a camada se aproximar de onde estava. Aterrorizada, nadou o mais rápido que conseguiria até a borda da piscina. 

Porém, a velocidade literalmente sobrenatural do gelo superou seu esforço físico. Rebecca foi engolida pelo congelamento que assumiu toda a piscina, encontrando ali seu fim. 

                                                                                  ***

Solicitado pela polícia para que informações fossem compartilhadas, Frank viera à casa de Rebecca analisar o cenário da morte. O detetive deparou-se com uma equipe de bombeiros tentando quebrar o gelo da piscina para remover o corpo e se aproximou de um policial. 

- Circunstância estranha, não?

- Nem me fale. - disse o policial aparentando estar bem espantado - Vão precisar de uma britadeira pra romper todo esse gelo ou um lança-chamas pra derrete-lo. Será que algum personagem com poderes de congelar saiu de uma historinha em quadrinhos pra dominar o mundo aqui? 

- Nada disso, é alguém muito mais real do que você imagina. Mais do que qualquer um pode imaginar. 

O policial virou a cara para Frank, o cenho franzido. 

- Que tipo de suspeita você tem? 

- Sei lá, vai ver essa moça tinha ligações com alguém aficionado por criogenia. 

- De qualquer forma, vamos averiguar. Só queríamos que soubesse pra passar adiante. Está se tornando um caso bizarro demais pra um só departamento resolver. Uma vez que ficar fora de controle, podemos marcar uma reunião. Juntar todas as evidências e montar uma estratégia pra pegar esse congelador. A parte fácil é que todas as vítimas estão conectadas. 

- E a difícil é não saber qual será a próxima. Supor uma ordem de assassinatos é bem arriscado. 

- Concordo. Se quiser, pode assumir a averiguação. Vamos falar com a irmã dela. 

- OK. - disse Frank, assentindo. O celular do detetive tocara neste mesmo instante quando o policial se afastara - Fala aí, Carrie. 

- Liguei pro sub-departamento do bairro da escola e me deram de presente um dossiê digital com transcrições de depoimentos de 3 alunos tomados como suspeitos potenciais da morte da Melissa.

- Mais outra pessoa também foi pro freezer. Tô bem aqui no local do crime. O nome dela é Rebecca, foi congelada na piscina enquanto nadava, talvez pra escapar. Mas me conta desses depoimentos primeiro.

- Obviamente que mais pessoas foram ouvidas, mas estes 3 alunos em especial foram apontados como supostos autores do crime. Ryan, Jack e Taylor, considerada uma das maiores perseguidoras de Melissa por quem já testemunhou até uma briga de puxão de cabelo delas. 

- Peraí... - disse Frank, parando de andar entorno da piscina olhando os bombeiros prosseguirem no trabalho - Essa Taylor pode ser ela. 

- Ela quem, Frank? 

- A garota que vi no vídeo que encontrei no arquivo. Na época eles apreenderam um vídeo que estava sendo feito do baile e a câmera foi largada quando os tiros rolavam. 

- Descobriu isso... sem minha ajuda. Parabéns. - disse Carrie, meio sem graça. 

- Eu disse que ia pesquisar, não disse? Pois bem, a garota parou no palco, no exato ponto onde Melissa caiu. Deve ser ela, não? Tem que ser. 

- Bisbilhotando no banco de dados... deixa eu ver... Taylor Rand mora em frente à uma loja de conveniência na rua 1896. No depoimento ela confessou o plano de sabotagem, mas negou intenção de matar. Ryan e Jack já foram riscados da lista hoje à tarde, falta ela. Melissa está matando todos que conhecia e estiveram no baile. Vai rápido, Taylor pode ser a próxima vítima. 

- Será que ela morre negando? - perguntou Frank, decidido a colocar Taylor contra a parede - Enfim, aconteça o que acontecer, vou me deparar com o fantasma da Melissa e enfrenta-la de uma forma que ao menos a deixe próxima de largar da vingança.

- O que você espera com uma abordagem pacífica? É desvantajoso. Ela não vai chegar pra você cantando "Livre Estou".

- Se a Taylor for uma boa menina, a gente combina de montar um plano pra colocarmos nossas vidas em jogo visando somente a purificação da Melissa. Acho que não custa botar uma pressão daquelas pra faze-la cooperar. - disse o detetive com os próximos passos a seguir definidos. 

                                                                                 ***

Ao chegar na casa de Taylor, Frank deu uma bisbilhotada rápida pelo buraco da fechadura. Notou que as luzes estavam acesas, o que não podia ser possível visto de longe pelas janelas muito bem cobertas pelas cortinas azuis. Tocou a campainha duas vezes. Taylor o atendera, mas expressou um incômodo ao inferir que estava diante de um agente federal. Não fez como quaisquer culpados em potencial fechando a porta depressa para "fugir" de um interrogatório ou intimação. A mulher de cabelos castanhos escuros e lisos, com mechas caindo sobre um lado da testa, e rosto jovial e bonito com olhos verdes e lábios pequenos fitou-o desconfiada. 

- Você é Taylor Rand? 

- Depende de quem tá perguntando. 

- Pela sua cara sei muito bem que você sabe quem tá perguntando. Sim, eu sou bom nessas leituras. 

Taylor engoliu em seco, um tanto temerosa. Ainda assim permitiu Frank a entrar. Os dois foram para a cozinha discutirem sobre Melissa.

- Nunca duvidei que mais cedo ou mais tarde um cara com pinta de durão ia bater na minha porta pela segunda vez. Dezoito anos depois aqui estou eu, novamente sob o olhar acusador de um policial. O passado sempre volta pra nos assombrar. 

- Se tá reclamando, é porque reitera sua culpa no cartório. Agora abre o jogo: Por que quis matar Melissa Gainer? 

- Eu não tinha confessado homicídio doloso quando depus.  

- Tá confessando agora então. - disse Frank com os braços cruzados encostado na parede perto da dispensa - Fala pra mim qual foi a motivação pra acabar com a vida de uma menina inocente. 

- A Melissa e eu éramos arqui-rivais do pior tipo. Esnobes, mimadas, vaidosas, tínhamos algumas semelhanças que não foram suficientes pra nos afeiçoar uma com a outra. Ela grudou chiclete no meu cabelo, falava mal de mim pelas costas, espalhava boatos horríveis da minha pessoa... Eu até tentei, juro pra você, me acertar com ela, mas parecia impossível. A gota d'água foi laçar o George, meu namorado na época.

- Laçar? Claro, afinal garotas desse tipo sempre são paqueradas por cornos em potencial. O gado e a vaqueira.

- Será que não entende meu ponto? Eu fui a vítima. Pelo menos até Melissa jogar sujo pra tornar o George o seu par no baile de inverno. 

- Daí você contratou o seu sniper de elite pra na hora da coroação meter bala no palco de gelo e fazer a garota afundar. 

- Antes fiz um pacto com uns garotos pervertidos pra fotografa-la no banheiro depois da aula de natação. Humilhar uma rival em troca de... um ménage a trois. - revelou Taylor, corroendo-se de vergonha.

- Francamente, você é um va...- retrucou Frank, indignado, logo interrompendo-se - E o que aconteceu com o George? Deixou a Melissa ir com ele pro baile? 

- Apagamos o George antes dele entrar na pista pra Melissa pensar que tomou um bolo. Mas não era o bastante pra mim, meu ciúme doentio não estava saciado. Então, usando minha influência no grêmio estudantil que elegia a rainha do baile, ou, no caso, a rainha do gelo, manipulei os votos pra que melissa fosse escolhida. Fim da história. - disse Taylor, derramando uma lágrima. 

Frank se aproximou dela, deixando-a mais tensa.

- Você foi pro palco ver se ela estava viva, não foi?

- Na verdade, eu queria que ela estivesse viva. Sabe o que o arrependimento súbito faz com a gente quando nos damos conta de um erro terrível, inconsertável e imperdoável, né? 

- Olha Taylor, independente da gravidade do seu crime, eu preciso te manter viva. 

- Por que mereço viver? Sim, eu sei das pessoas que morreram congeladas, conhecia todas. 

- Você tem um filho pequeno que tá dormindo, né? 

- Eu o crio sozinha desde que ele nasceu. Por que vai me proteger? Deixa ela fazer picolé de mim. 

- Pensa no seu filho. Pensa na sua vida. Jogar essas coisas fora não vai te levar à salvação. 

Taylor refletiu profundamente nas suas escolhas, suas lágrimas escorrendo com mais abundância. 

- Vamos à escola. A gente arromba a porta e vai pro ginásio onde o baile aconteceu. O único jeito de me redimir é ficando cara à cara com ela. É minha redenção ou minha morte. O que acha?

Frank a encarava sério, depois assentindo positivamente. 

                                                                                   ***

Danverous High School

A luzes do ginásio estavam todas apagadas. Frank e Taylor puderam adentrar com o manjado truque do grampo nas portas. O espaço estava imerso na quase total escuridão. Frank tentava achar um interruptor.

- Onde é que ligam as luzes?

- Não sei... - disse Taylor, apreensiva, andando sem rumo pela quadra. Passou por um ponto iluminado pela luz da lua e virou-se - Continua tentando, deve estar por aí... - se virou novamente para o ponto iluminado, mas tomara um susto. Melissa estava à sua frente e deu um grito monstruoso que deixou sua face horripilante ainda mais repulsiva. Taylor gritou de horror tão alto quanto. Melissa a empurrou com a força da mente para longe. 

- Taylor! - disse Frank, correndo. Melissa o atacara da mesma forma, jogando-o contra a cerca da quadra. 

- Frank, me deixa falar com ela, não faz nada! - disse Taylor, no chão, recuando sentada. 

- A única coisa que quero ver saindo da sua boca, querida Taylor, é um grande vapor de ar frio. - disse Melissa, a voz demonicamente distorcida - Não... Tenho um plano melhor. - olhou para Frank - Você!

Arrastou o detetive pelo chão com telecinesia puxando a gola do sobretudo e o levantou. 

- Você me dará a noite que eu tanto sonhei. 

- Não sou de furunfar com fantasmas, ainda mais se for menor de idade. - disse Frank. 

- Me refiro a... nossa dança. - disse Melissa, aproximando-se do detetive com certa suavidade - Aceita ser meu par para o baile? - estendeu sua mão direita coberta por uma luva cintilante. 

Taylor fez que sim com a cabeça quando Frank a olhou, mesmo incerta do que Melissa realmente pretendia.

- Só uma dança? - indagou ele, incrédulo. Tocou sua mão a de Melissa devagar. O espaço ao redor se modificou. Parecia que haviam voltado no tempo, mas na verdade era outra coisa que Frank lembrou de ter experimentado - Caramba... Isso deve ser o lance de memória fantasmagórica que parece viagem no tempo sempre que se toca num espírito. Você projetou suas memórias do baile... - disse ele, olhando em volta os estudantes dançando uma baladinha tranquila com muitas luzes zanzando pela pista de gelo.

- Eu fui a única a não usar patins. Não queria passar vergonha. - disse Melissa com sua voz original - Mas agora finalmente tenho o meu momento de felicidade. Nada mais importa.

- Óbvio que não, você tá morta. O seu negócio pendente não era apenas vingança contra os seus odiadores... Era principalmente ter essa oportunidade. - disse Frank, dançando com mais vontade - Nem você e nem a Taylor são meninas completamente malvadas - girou-a conforme os demais faziam - Eu vim com ela pra pedir perdão. 

- Foi pra isso que veio? Me convencer de que ela é boazinha e eu um monstro? - perguntou, sua voz infernal retornando. 

- Não, Melissa, você entendeu muito errado. É meio difícil conviver com o rancor alcançando a purificação. Mas basta que você elimine esse ódio, o que importa é esse momento. Você merece. 

Os olhos de Melissa marejaram e aos poucos sua face adquiria uma tonalidade mais humana. O lindo rosto dela esclareceu-se sorridente.

- E devo dizer que você é muito linda. - disse Frank, enrubescido por quase nunca elogiar uma mulher - O George não sabe o que perdeu.

Melissa sorriu mais abertamente. 

- Como se chama?

- Frank. - fizera um último passo com ela, inclinando-a para perto do chão, o rosto quase tocando o dela.

- Frank, obrigada. Eu não quis falar de início, mas... planejava desistir de mata-la se você me satisfizesse. Parabéns, você conseguiu fazer uma garota feliz... mesmo que tenha idade pra ser meu pai.

Frank deu uma risadinha bem-humorada. O espírito de Melissa criou uma centelha de luz, a alçando rumo à Eternidade. 

- Diga à Taylor que... um dia vamos nos reencontrar. Mas desta vez... como amigas. Adeus, Frank. 

A luz incandesceu fortemente. Taylor protegeu seus olhos com os braços até que claridade sumiu. 

- Está tudo bem. - disse Frank, abraçando Melissa que chorava copiosamente após ouvir as palavras carinhosas de Melissa que esperava um dia revê-la para desfazer todo o ressentimento. 

                                                                              ***

No DPDC, a legista Lilian... ou, na verdade, Lilith... entrava no necrotério para seu primeiro expediente. Puxou uma gaveta aleatória. O cadáver armazenado tinha uma sutura longa no peitoral ao abdômen. Retirou um objeto negro, parecido com uma pedra, e abrira o corpo, enfiando por entre as linhas de costura. 

- Quando o despertador tocar... Será a sua grande hora. - disse ela, entusiasmada, dando um sorriso extremamente maquiavélico fechando a sutura com seu poder de regeneração. 

                                                                           -x- 

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.


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