Um dia você sentirá saudades de hoje
O tempo às vezes me é uma coisa engraçada. Ao mesmo tempo em que pode haver uma determinada coisa que você gostava num passado não muito longínquo e atualmente você sente total vergonha dela (pode ser um livro, uma novela, uma série, um filme, qualquer coisa) e ainda mais de si mesmo por olhar para trás ao se dar conta de que era aficionado por aquilo, pode existir algo desse passado que você odiava com "sangue nos zói" mas que hoje você lembra com certa nostalgia e apreço. Sendo seletivo, pego o âmbito das músicas. Escolhendo também o ano: 2010. Serei o exemplo aqui.
O que diabos eu fazia em 2010 nos meus plenos 15 anos? Eu ouvia coisas como: David Guetta, Black Eyed Peas, Paramore, Rihanna, Katy Perry, Chris Brown etc. Menos Bieber. Até os clipes musicais assistia. Bate uma vergonha? Sim, um pouco, só de citar. Não que eu fosse fã dos mencionados, eu achava as músicas agradáveis, mas vem o tempo e sua mania de forjar e propulsar mudanças e revisões de conceitos. A conclusão: Não há nada que se compare entre o eu de 2018 com o de 2010. Seguimento natural, a cabeça vai mudando conforme as experiências da vida moldam a sua "versão completa", a tal da cabeça formada, a cabeça de adulto não mais de um adolescente ingênuo e cheio de "por ques".
Por outro lado, paralelamente acompanhando essas musiquinhas do universo pop e eletrônico, eu tinha uma visão crítica não-influenciada do cenário musical num todo, principalmente eu mirava essa crítica na música brasileira, guardando na mente. E o que fazia sucesso estrondoso no Brasilzão em 2010? Restart, Fiuk, Cine, sertanejo universitário (ainda não dominado pela onda da sofrência) e outras atrações que eu considerava... abomináveis nessa época. Sim, existia uma forte reclamação quanto ao cenário musical brasileiro, denunciando uma decadência artística que tendia a piorar (e conseguiu, infelizmente) se apoiando no quanto a notoriedade desses artistas criticados fazia o sangue ferver.
Chega 2018. Cerca de 8 anos depois. Uma navegada comum pelo Youtube e me deparo com isto:
"O Ano de Músicas Boas" é definitivamente um título que me deixou a pensar por uns bons minutos. A ação do tempo sobre a mente das pessoas é hilária. Óbvio que a maior parte da lista do vídeo contém produções internacionais e não é estranho imaginar que foi construída baseada no gosto pessoal de quem postou. Mas não anula a reflexão que gostaria de trazer aqui. Não importa o quão ruim seja uma época na sua visão, certamente você teve lembranças felizes do que viveu nela. No meu caso, apesar do período meio sofrido da adolescência, guardo, com muito carinho, várias memórias assistindo Todo Mundo Odeia o Chris pela tarde diariamente sem ligar para as reprises intermináveis e por estar tão viciado na série naquela época tinha o bônus de me identificar com o bullying sofrido pelo Chris, momentos como esse eram basicamente um porto seguro para as aflições testemunhadas no mundo real, uma fuga que realmente valeu a pena em cada segundo. É odiar certa época por inúmeros motivos, seja pela música que você julgava ter regredido ou qualquer outra coisa, mas também reconhecendo os bons momentos, filtrando todas as coisas positivamente sentidas.
Muito se criticava a qualidade musical na época e olha como isso é lembrado por algumas pessoas. Eu sei que são vivências diferentes, mas nesse ano existia mesmo uma aversão quase generalizada por produtos da música, nacional ou internacional, acusando declínio de qualidade (claro, bastante coisa mudou: sonoridade, demanda no mercado, inspirações etc). E hoje é praticamente unânime que 2010 saiu como um ano bem lembrado no que tange ao musical. Porque o que era pior há 8 anos não é pior do que agora em 2018 e dessa comparação, partindo dela, brota essa nostalgia estranha. Se a ruindade musical de hoje vai piorar no futuro, eis que isso é um ciclo infindável. Daqui há uns 20 ou 30 anos (se eu sobreviver até lá), não vou sentir falta do quão insuportável foi a geração mimimi, com seus textões "lacradores" nas redes sociais e a tsunami do politicamente correto trazendo arrastado também polarizações políticas com feminismo, direita, esquerda, aborto, machismo, racismo e mais um bocado de polemizações e problematizações no pacote.
Sentirei falta, se um dia vier a perder fôlego, da era dos super-heróis no cinema, personagens dos quadrinhos ganhando filmes que antigamente jamais imaginávamos que seriam transpostos à tela grande. É disso que tô falando. Sabendo separar o joio do trigo. O sustentável do descartável. De um modo geral, é preciso lembrar dos tempos ruins pelo que se aproveitou de bom. Mesmo que sejam pequenos, não importa, o importante é medi-los pela intensidade com a qual se viveu, não pelo tempo que eles duraram só porque as coisas negativas foram mais predominantes.
Não existe tempo de trevas do qual não se retire um grão de luz. A nostalgia só serve para aquilo que foi vivido com plenitude. Eu, por exemplo, sentirei saudades de ter escrito esse texto em algum momento do futuro. Comparar o ruim de ontem com o de agora é pura tolice. Eu prefiro preservar o bom presente do que coloca-lo lado à lado com o mau passado.
*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: https://www.istoedinheiro.com.br/cinco-habitos-para-uma-gestao-de-tempo-eficiente/
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