Contos do Corvo #27


O tão esperado retorno, enfim, ocorrera naquela noite. O corvo, sobre uma lápide, a olhava parado, observando seu caminhar tranquilo e, ao mesmo tempo, empolgado. O coveiro, por sua vez, não aparentava reagir de uma maneira que fosse explícita, embora o corvo desconfiasse de uma certa felicidade interna pela decisão tomada pelos autoritários e rígidos tios da garota em mante-la na cidade até que uma decisão menos desconfortável fosse tomada.

- Pare de me olhar assim. - disse ela, aproximando-se da lápide ao se dirigir ao corvo. - Até parece que faz séculos que andei sumida. - falou, dando uma risadinha em seguida e olhando para o coveiro. - Não teria conseguido se não fosse pelo senhor.

- Como é que é?! - soltou o corvo, perplexo, voltando sua atenção ao velho homem á sua direita. - Dou meu incentivo, minha energia positiva e não sou o herói do dia?!

- Nem mesmo o próprio diabo quer essa sua "energia positiva". - disparou o coveiro, provocativo.

- Só pra constar: Eu conheço o mal verdadeiro e é bem pior do que vocês podem imaginar. - ressaltou o corvo, parecendo indignado por se sentir ofendido. - E também não estou ligado à presságios de morte, mau agouro ou coisa do tipo, como suas invencionices idiotas dizem. Sou um espírito naturalmente iluminado, mas amaldiçoado injustamente. Deu pra entender ou vou ter de desenhar?

Um instante de silêncio pareceram minutos.

- Não sei não... - disse a menina, estreitando os olhos ao estudar o corvo. - Lembro de você ter dito que era uma alma aprisionada no corpo de um animal por causa de uma magia...

- Eu disse foi? - perguntou o corvo, entortando a cabeça ao, aparentemente, fingir não se recordar.

- Larga de ser mentiroso. - recriminou o coveiro, insultando-o. - Afinal, você quase nunca fala disso. Por que hein?

- Podemos pular para a história de hoje? - perguntou o corvo, desconversando. - Não quero estragar a volta da minha fã número 1 falando da minha origem. Se não quero que saibam agora, é porque não quero e pronto. - falara, com certo tom de irritação.

- Está bem... Nervosinho. - retrucou o coveiro, cravando a pá no solo.

- Preparada? - perguntou o corvo, virando-se para a menina e ignorando a presença do coveiro.

- Sempre. - respondera ela, concentrando-se totalmente no que a ave falante estaria prestes a dizer.

- Coisas fofinhas, peludas e inofensivas nem sempre aparentam ser o que são...

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                                                                       BOLINHA DE PELO

Há, precisamente, quatro anos, eu voltei a participar de bandos, tentando me reajustar numa vida mais interativa e aceitando, ainda que aos poucos, meu rejeitado instinto coletivo. Não me lembro bem da cidade, mas ocorreu em uma área não muito populosa, numa grande casa um tanto isolada e próxima de uma reserva florestal. Acho que uns 50% do meu bando sentiu-se atraído, de um dia para o outro, por aquela casa. Muitos estavam por lá... se alimentando de cadáveres expostos no quintal e pareciam haver mais dentro de uma casinha onde geralmente se guardam porcarias usuais, como cortadores de grama por exemplo.

Passei a vigiar, desde então, a rotina de uma garota de 16 anos chamada Bonnie.

O primeiro acontecimento em destaque que presenciei foi uma pequena discussão envolvendo ela e o irmão mais novo. Foi no mesmo dia em que a polícia foi solicitada pelos pais da garota para averiguar a casa e os arredores, logo pela manhã. Mais de 40 corpos foram contabilizados e, posteriormente, recolhidos. Sobre a briguinha entre Bonnie e o caçula... Bem, o pirralho queria emprestada a bolinha peluda que Bonnie tratava como se fosse seu primeiro filho. Uma bola - do tamanho de uma usada no tênis - coberta com uma pelagem negra e macia. Bonnie a armazenava em um pequeno pote de vidro e perdi as contas de quantos "Não" ela gritou ao irmão.

A pergunta era: Como diabos os corpos foram parar lá?

Bonnie e seus pais não escaparam de um bom interrogatório. O irmão, obviamente, foi descartado da lista de suspeitos. Os pais, sobretudo, pareciam estarrecidos demais ao terem de se deparar, no início de uma manhã, com uma pilha de corpos fedorentos espalhada pelo quintal.

Nem preciso fazer suspense sobre a quem direcionei minha suspeita, certo?

Bonnie e sua pequena coisinha peluda... e misteriosa. Nem seus próprios pais saberiam dizer a razão pela qual a primogênita adorava tanto ter aquele objeto aparentemente inanimado como sua mais desfrutada companhia na maior do dia. Testemunhei uma conversa entre ela e o casal sobre o tal "bichinho de estimação". Aconselhavam ela a larga-lo um pouco somente para se dedicar em encontrar novos amigos. Nem sequer associaram a tal criaturinha com a aparição dos cadáveres, tampouco mencionaram o caso.

Toda a reunião foi em prol do desenvolvimento social da filha inocentada. O que me revoltou, tamanha era a superproteção e a supervalorização para aquela vadiazinha. Pena eu não ter condições físicas para segurar uma câmera. Só me bastou observar naquela noite.

A "filhinha protegida" foi pega conversando com seu amiguinho peludo preservado dentro do pote. Como tenho memória eidética, me prontifiquei a gravar cada palavra dita: "Aquela primeira vez já ultrapassou os limites. Será que consegue me ouvir apenas quando eu te toco? Por favor, me responda, sem mais apelar para aquele lance de controle mental. Juro por meus pais, por minha vida, não quero mais fazer isso. Você me entende não é? Eu preciso seguir um outro caminho. E você, infelizmente, não está nele. Você irá partir, mas saiba que sempre eu vou.."

Neste momento a fala de Bonnie foi interrompida pela bolinha, que começou a se mover no pote com certa agressividade... como se quisesse escapar daquela prisão... e realizar seus planos por sua própria conta. Ele reagiu com revolta ao discurso da garota. Duas coisas ficaram claras: A) Bonnie não matou aquelas pessoas por vontade, mas sim foi induzida a fazê-lo... ao apenas tocar na bolinha. B) Com partir ela quis dizer morte. Em outras palavras, a criatura necessita de corpos humanos mortos para estabilizar seu metabolismo.

Ela disse mais: "Tudo bem, já entendi. Você está bravo. Eu entendo... mas não posso. Não mais. Vou sentir sua falta. Jamais vou esquecê-lo. Sentirei saudade da sua voz, mesmo me mandando fazer coisas horríveis."

O bichinho ficou ainda mais enfurecido, desejando quebrar o pote de vidro. Ela viu-se sem saída, sem escolha. E então... ela cedeu.

"Tudo bem... Fica calmo. Só dessa vez. O.K? Mas precisa confiar em mim. Não quero trazê-los aqui de novo. Vai me causar problemas. E você também vai sair perdendo. Mas agora eu prometo... que vou deixa-lo comer."

Assim que ela o tirou de dentro do pote, suas feições mudaram. Ela claramente estava em transe. Os pais de Bonnie seguiam uma regra fixa: Nunca perturbar a filha à noite. Ela deixava um papel grudado na porta dizendo: "Não venham encher meu saco. Estou estudando!". Afinal, era o horário em que ela mais se comunicava com aquela coisa peluda.

As últimas palavras ditas por ela antes de sair pela janela do quarto foram: "Sangue humano".

Conforme os dias foram passando, mais cadáveres iam sendo achados em locais relativamente discretos. Aliás, o que sobrava deles.

Não deu outra: Bonnie se ferrou bonitinho (para minha alegria, eu não fui com a cara dela desde o início). Encontraram suas digitais em um braço decepado, o suficiente para autua-la como a estripadora (serial killer) daquelas pessoas. Lembro do momento em que era conduzida ao carro policial, gritando o mais alto que podia ao negar as acusações, mesmo com provas explícitas e incriminatórias.

Os pais ingênuos da garota assistiam à vergonhosa cena, abraçados e lamentando em puro desgosto.

Na nova averiguação - desta vez no quarto de Bonnie - a polícia encontrou seringas contendo resíduos de sangue humano. Um dos policiais se lembrou de algo falado por Bonnie enquanto a mesma era levada para dentro da viatura: "Estava em fase de crescimento!"

Ela falara aquilo rápido demais. Intencionalmente rápido, aliás. O bichinho se encontrava num estágio em que necessitava de boa quantidade de comida para evoluir em um curto período de tempo. Talvez 5 dias após aquela noite ele já não cabia mais no pote. E o sangue humano injetado servia basicamente como um soro "rejuvenescedor", inibindo os efeitos primordiais da abstinência. Um dia sem se alimentar parecia o equivalente a um ano.

Eles ficaram sem entender a existência das seringas, já que a suspeita passava longe de recair sobre um simples "brinquedinho peludo de uma adolescente".

Não sei por quantos anos em regime fechado Bonnie foi condenada, mas acredito numa sentença mais severa... tipo, prisão perpétua.

A polícia seguiu um rastro estranho, iniciado do quintal da família. O qual dava até uma grande instalação de concreto bem reforçado, isolada em meio à uma vegetação.

Conta-se que um dos policiais saiu de lá apavorado, tremendo de tanto medo. A investigação foi, temporariamente, suspensa devido ao caso. O policial, não-identificado nas notícias, sofreu alguns danos cerebrais, mas conseguia proferir algumas frases coerentes. Seu relato mais copioso foi de que, logo ao entrar na instalação - aparentemente um galpão abandonado há anos - pensou ter sentido algo atrás de si... uma respiração pesada de algo com pelos e certamente maior do que ele. Correu dali sem olhar para trás, sentindo arrepios intensos pelo corpo inteiro. 

Puseram aquelas faixas amarelas de "Não ultrapasse" nos arredores do galpão e o local foi interditado a mando de uma organização secreta que possuía os culhões para lidar com aquela criatura e transferi-la. Com luvas, é claro

Chega-se à seguinte conclusão; O bichinho de estimação de Bonnie não passava de um monstrinho sedento por carne humana. Quanto mais corpos ele consumia, maior era seu crescimento. 

Qual será seu limite? O quão grande ele pode se tornar? 






*As imagens acima são propriedades de seus respectivos autores e foram usadas para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos ou intenções relativas a ferir direitos autorais. 

*Fontes das imagens: http://www.revistaestante.fnac.pt/o-corvo/
                                        http://www.perros.com/foros/general/accesorios-para-perros/material-peluqueria-caniche-/1.html



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