Frank - O Caçador #82: "Alma do Negócio"

Paul McCloud, homem na casa dos quarenta de cabeça meio calva e barba espessa que vivia num condomínio barato, se largou na sua poltrona apenas de camisa regata branca, bermuda e meias para assistir ao seu programa favorito na televisão como descanso tão aguardado após um dia abarrotado. Pegou o controle remoto para aumentar o volume e em seguida abriu um pote que continha uma guloseima pastosa e de cor verde. Saboreou aquela peculiar sobremesa como se estivesse alimentando-se do néctar dos deuses. A cada colherada, um acréscimo abismal de fome. Levava a colher cheia à boca muito mais rápido do que quando começou, deixando as paredes assistirem à TV. Com o pote esvaziado, levantou-se rápido. 

Foi até a dispensa na sua cozinha, pegara mais dois potes voltando para a sala correndo. Assistia ao programa de stand-up rindo e se esbaldando com a geleia esverdeada, os dentes completamente sujos. Deixou cair a colher acidentalmente, mas sequer reparou. Já estava lambuzando-se comendo com a mão que enfiava no pote e botava na boca dando a impressão de que estaria para mastigar os dedos. Viu os potes secos e levantou-se depressa derrubando um que caiu quebrando-se por inteiro. Sem mais pensar na diversão do programa, Paul ficou na cozinha devorando o conteúdo dos outros dez potes que guardava numa voracidade ensandecida. Alguém batia insistentemente à sua porta naquele instante. 

Tratava-se de um entregador de encomenda chamado Wade, rapaz careca com barba bem cuidada, segurando uma caixa de papelão meio pesada. Bateu com mais afinco e intensidade quase que querendo socar a porta. Paul começou a sofrer de uma espécie de choque e caiu no chão, o rosto lambuzado de geleia verde, apertando seu peito e grunhindo em dor e agonia também se contorcendo. Com o volume alto da TV era impossível para Wade escutar os ruídos altos que Paul fazia no seu momento doloroso. O entregador tocou na maçaneta, sua paciência tendo atingido o limite. Viu que estava aberta. Entrou devagar para não sentir-se muito invasivo. Acreditou estar havendo algo na cozinha e direcionou-se para uma espiada.

O volume alto da TV diminuía um pouco chegando lá. Wade observou intrigado aquele homem caído de bruços no chão. 

- Se-senhor... Está tudo bem? - perguntou ele que logo percebera os potes quebrados e partes do piso sujas de geleia apesar da pouca luz do luar que atravessava pela janela - O que aconteceu aqui? 

Paul subitamente se reergueu grunhindo alto com uma face de olhos vermelhos e monstruosamente deformada e verde... como a coisa "saborosa" que comia descontroladamente. Wade soltara um grito apavorado ao ver aquele homem anormal e tenebroso avançar contra ele estendendo sua mão para pega-lo. 

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CAPÍTULO 82: ALMA DO NEGÓCIO

Frank subia os degraus da escada de madeira do porão após dar comida à Axel na cela especial naquele início de manhã, levando uma bandeja. Continuava detestando fazer aquilo com seu hóspede sentindo trata-lo menos que um prisioneiro. Ao chegar à sala, ouviu a campainha e fora atender a visita. Abriu a porta e Nathan veio logo entrando. 

- Ei, o que é isso? Entrar sem pedir licença no futuro é boa educação? - perguntou Frank com ar de repreensão. 

- Foi mal, mas é urgente. - disse Nathan destacando um jornal que trazia e o desdobrou. Colocou na página que indicava a notícia que despertou sua curiosidade - Temos um aparente caso de monstruosidade nova à solta pela cidade. 

- Cara, tô de saída pro trabalho, então... seja o que for, você resolve por sua conta. - disse Frank fechando a porta e aproximando-se dele. 

- O que potencialmente tem muita cara de ser algo que a Carrie vai te entregar hoje. 

- Peraí, você agora deu pra bancar o adivinhador de casos que vou investigar pra me preparar com antecedência? - perguntou Frank. O tom empregado acabou arrancando uma reação de desconforto do filho que levou o detetive a se retificar - Agora sou eu quem peço desculpas. Olha, eu ando meio estressado com a questão do confinamento do Axel, o Nero e seu plano oculto e o seu problema...

- É tão difícil pra você admitir que eu sou o problema? - questionou Nathan. Frank emudeceu, preocupado ao relembrar sua discussão com Lucy na semana anterior. 

- Nunca quis dizer isso, é você quem tá se julgando assim. - disse Frank olhando-o fixamente - Você é meu filho, não é porque você veio de um futuro distante me avisando sobre coisas terríveis que devo te tratar diferente ou com grosseria, não tô agindo como você gostaria em termos de... paternidade. Pode mandar a real, não sou à altura do que você esperava. 

Nathan virou o rosto aparentando indisposição para discutirem a relação quando seu objetivo era outro.

- Dá pra focar no que eu vim te mostrar? Não esquenta, não vou chegar aqui todo dia pra falar de uma notícia bizarra com sinais suspeitos de monstro ou fantasma pra te preparar do que você terá de investigar como se soubesse de antemão. - declarou Nathan, ainda chateado com a postura de Frank - Escuta só: Um homem foi visto pulando a janela de um apartamento e as testemunhas seguiram esse cara que saltava de prédio em prédio até que eles tiveram a sorte ou o azar de verem mais de perto. Não chegaram a filmar, mas relataram à polícia sobre o cara assustador.

- Tá, mas se eles chegaram a poucos metros do cara, o que eles viram de assustador nele?

- Disseram que ele tinha uma pele esverdeada, meio fortão, roupas rasgadas e uma cara raivosa que nem um cão brabo. 

- Acabou de descrever basicamente o incrível Hulk da minha infância. - disse Frank, um tanto curioso quanto à história. 

- Além disso, ele carregava um pote de... geleia verde. Essas duas pessoas correram assim que o viram, mas uma delas tem memória fotográfica e conseguiu captar bem os detalhes pra fornecer à polícia. 

- Bem que você falou, tem mesmo uma carinha de ser coisa que a Carrie pode me entregar como caso daqui à... - olhou no relógio de pulso - Caramba, uma hora e dez minutos. Tempo tá se esgotando, vou logo puxar o carro.  

- Me liga pra confirmar se é ou não o seu caso de hoje, quem sabe posso dar uma pequena colaborada.

- De jeito nenhum, por mais interesse nesse mistério que você tenha. Não faz nada por enquanto. Vou ligar, mas se eu confirmar que é, você promete que não vai meter o bedelho. É arriscado contar com alguém de fora dando uma de parceiro não-oficial. Eu já fiz isso uma vez quando fui afastado do DPDC e quase prejudiquei meu substituto. 

- Já foi afastado? - indagou Nathan, curioso - Trabalhou com o substituto... Quem foi?

- O seu.... meio-tio, Fred. Te falei dele num dia desses. 

- Ah sim, tinha me contado sobre a pulada de cerca do meu avô. Ainda me deve uma história completa sobre o Fred, eu sei que é longa demais considerando o tempo apertado pra chegar no horário. 

- E o pior é que vou me atrasar mais uns minutinhos. - disse Frank ficando um tanto apreensivo. 

- Ué, por que?

- Esqueci de escovar os dentes. - respondeu Frank, os ombros caindo de frustração. 

O detetive entrara no seu banheiro e logo estendeu sua mão diretamente para o armário com espelho pegando o creme dental e sua escova. Porém, logo que fechou a porta, uma figura familiar via-se pelo reflexo atrás dele fazendo-o virar-se depressa com alarme e estupefação no rosto. Frank encarou aquela presença por alguns segundos tomado de medo.

Ninguém menos que Ernest Duvemport com seu terno preto bem passado e gravata vermelha bem amarrada estava ali diante do seu melhor empregado e amigo. O ex-diretor franziu o cenho para a reação. 

- É assim que recebe a visita do seu grande amigo e saudoso chefe? 

- Pra começo de conversa, você é um fantasma e... não tem como pedir pra que eu não tome um baita susto sendo que não costumamos mais nos ver todos os dias. - disse Frank ainda meio atordoado.

- Tudo bem, desculpe. - disse Ernest ajeitando o paletó para esconder a mancha de sangue na camisa branca pelo tiro que levara numa atitude que pareceu uma tentativa de não evocar lembranças ruins. Mas Frank percebeu o movimento.

- Não adianta esconder a ferida da bala. Eu ver o senhor bem aqui na minha frente com uma boa aparência, tirando a palidez, não me ajuda a fingir que nada aconteceu. Se foi a intenção, então, com todo o perdão da palavra, foi uma tentativa ridícula. 

- Pare com isso, Frank, por favor. - disse Ernest em tom de reclamação. 

- Parar com o quê? 

- De me tratar como se ainda fosse seu chefe! Chega dessa formalidade. Não temos mais nenhum vínculo profissional, agora podemos ser amigos que tiram sarro um do outro e cair na risada. A propósito, eu devia vê-lo mais vezes... 

- Eu gostaria de saber porque veio, tô meio atrasado pro trabalho. Algum problema com os fantasmas? 

- O mundo espiritual está uma verdadeira zona. - disse Ernest andando pelo banheiro vagarosamente - Fantasmas puros se corrompendo e os impuros ainda mais insanos de raiva. Muitos como eu estão temerosos, nenhum está seguro. Há algo puxando fantasmas a uma armadilha que estaria drenando ectoplasma deles. Eu tenho agido praticamente como um espião e informante pra que seja de conhecimento geral, embora não haja uma forma de escapar dessa força que cedo ou tarde pode arrastar até mesmo eu pra esse tipo de arapuca. Há um negócio envolvendo ectoplasma de forma legal e clandestina. 

- Era só o que faltava. Tráfico de ectoplasma. - disse Frank, depreendendo a problemática - Peraí... Saquei agora, tá rolando um bafafá sobre um cara ter pulado da janela de um condomínio e teve gente que perseguiu ele descobrindo que ele trazia um pote de geleia verde. 

- Geleia esta que é o ectoplasma aditivado com alguma coisa pesada e vendido como uma droga. 

- Pelas descrições, o cara se transformou num monstro verde e furioso por se fartar de ectoplasma... 

- E talvez seja o primeiro a demonstrar efeitos de uma overdose. - conjecturou Ernest. 

- Bem pensado. Ele pulou da janela de onde morava e não cometeu invasão de domicílio como eu supus pela notícia no jornal não ter sido muito esclarecedora. - disse Frank meio pensativo.

A voz de Nathan chamou Frank do outro lado. 

- Pai, tá fazendo o quê aí? Passando fio dental? 

Ernest olhou para a porta levantando uma sobrancelha, claramente intrigado e perplexo com o que ouviu. 

- Pai?! - disse o ex-diretor para Frank - Eu me transportei pra algum universo paralelo? 

- É uma história... meio longa. - disse Frank sorrindo nervosamente para ele. 

Ernest fez um meneio positivo de cabeça dando um sorriso fechado de mais pura compreensão. 

- Conheço você o suficiente para entender o que isso significa. Vá trabalhar, Frank. Continue lutando. 

- Obrigado por me avisar desse problemão. - disse o detetive - A gente se vê... qualquer dia.

- Espere. Sugiro que fale com o chefe da agência de correspondências pra descobrir a localização do fornecedor dessa geleia fantasmagórica. Esse homem pode ter feito uma encomenda. 

Frank assentiu para ele e logo saiu do banheiro. passou por Nathan a passos acelerados. 

- Ei, tava fazendo o quê? Aliás, tava falando com quem? Ouvi você conversando com alguém... 

- Não é nada demais, vou indo pro trampo. Faz uma visitinha pro Axel, ele andou perguntando por você.

 O detetive rapidamente saíra de casa e Nathan ficou imaginando o que ele se recusou a explicar. 

- OK, vou fingir que ele tá ensaiando pra uma peça de teatro. 

                                                                                ***

Departamento Policial de Danverous City

- No seu banheiro?! - disse Carrie, levantando-se alarmada da cadeira olhando estupefata para Frank. 

- Pois é, sem dar nenhum sinal típico de fantasma, sabe... luz piscando, friozinho... - disse Frank andando pela sala da assistente - Denunciou pra mim um esquema de venda e tráfico de ectoplasma que tem ligação com o mundo espiritual se transformando numa espécie de manicômio fantasmagórico com tanta alma penada caindo numa armadilha que suga delas o ectoplasma usado pra fabricar a tal geleia. Tem peixe grande encabeçando essa mutreta, na certa. 

- Então é realmente disso que se trata isso aqui. - disse Carrie, retirando da sua bolsa um panfleto e entregando-o à Frank - Recebeu um desses na rua? 

- Não. - disse o detetive olhando o panfleto que anunciava a geleia - "Nutritiva e saborosa, conheça a geleia fitness que aumenta seu vigor e melhora o funcionamento do intestino, além de complementar resultados avançados na prática de exercícios físicos." Me deixa pasmo haver gente que se deixa fazer de trouxa pra ser engabelado por essa merda.

- Tem pessoas desesperadas por uma vida saudável com corpinho tonificado. 

- Você não comprou esse treco, né? - perguntou Frank olhando-a desconfiado. 

- Ahn... Digamos que... eu quase caí no conto do vigário. Liguei várias vezes, mas sempre dava ocupado. 

- Por isso guardou, não foi? Qualquer um jogaria fora. - disse Frank amassando o panfleto em forma de bolinha e jogando na lata de lixo. 

- Mas e quanto ao Ernest? Como ele está vivendo... Quero dizer, como ele tem passado lidando com essa condição horrível que é ser um espírito errante sem rumo e sem paz? 

- Ele não falou de si, mas... aquela pose de firmeza não me convenceu nem um pouco. Ele quis tentar parecer uma rocha diante desse sofrimento que é vagar como um fantasma nessa existência sem sentido. Mas a mim ele não engana. 

- Devíamos convence-lo a... alcançar a paz, faze-lo compreender que a passagem dele aqui no mundo se encerrou. 

- É, mas ainda tem o Hoeckler. - disse Frank, sério - Não sei como até agora ele não recebeu uma visitinha do Ernest pra um acerto de contas. E agora com essa de fantasmas sendo espremidos que nem laranjas, tenho medo dele ser uma das próximas vítimas. É jogo duro fazer um espírito se purificar de modo que alcance a paz e mais dureza ainda com espírito corrompido. 

- Bem, então torçamos pra que ele se mantenha o mais afastado possível desse fenômeno perigoso. 

- Ele disse que não tem como fugir disso, é como se os fantasmas fossem arrastados aleatoriamente. Preciso ir logo à agência de correio bater um papo com o chefe sobre o despacho das encomendas. 

- Um funcionário de lá fez uma denúncia ontem à noite. - disse Carrie olhando no monitor - Seu nome é Wade Smith. É um entregador. Informou a polícia da atividade de uma organização clandestina que fabrica e comercializa as geleias de ectoplasma. Espero que não tenha sido demitido por trair o código de sigilo sobre as mercadorias. 

- Ótimo, uma palavrinha com ele primeiro. Fui. - decidiu Frank, logo saindo da sala. 

                                                                                     ***

Axel levantava a cabeça devagar para olhar a porta da cela que se abria naquela hora. Ele deixou um leve sorriso formar-se no rosto ao ver que Nathan adentrava no seu cativeiro para visita-lo. 

- E aí, Axel? Como tem se virado nesse isolamento total? 

- Eu tô bem, de corpo e mente. Na verdade, não estaria graças ao que o Frank vem fazendo por mim em todo esse tempo. Eu fico surpreso de você ter vindo me ver... 

- Pra dizer a verdade, foi o papai quem me sugeriu, até porque não tenho nada de produtivo pra fazer, nenhum caso de monstro pra me ocupar, então... uma visitinha pra você foi uma opção válida pra evitar o tédio. 

A satisfação que Axel havia expressado com o simples ato de Nathan desapareceu da sua face. 

- Quer dizer que não veio espontaneamente? 

Nathan o encarou com seriedade pensando na resposta. 

- Não é que não me importe com sua situação, mas... 

- Você pensa que eu vou surtar a qualquer momento se o Nero invadir minha mente com a técnica assustadora dele pra me controlar e com isso ameaçar sua vida. Eu não tive mais episódios há quase um mês, eu sei, isso não garante nada...

- Axel, eu ainda não confio totalmente em você. - disse Nathan soando aborrecido - Se inesperadamente o Nero tentar de novo, desta vez mais forte e experiente, pode acabar conseguindo o que tanto quer que é o feitiço pra comandar o monstro pré-histórico que rasteja abaixo de nós, feitiço esse que apenas você sabe. E afinal, por qual fonte você soube?

- É um feitiço milenar, complexo, soube através de um bruxo especialista em magias primordiais. A ambição do Nero como caçador ia além das nossas expectativas, ele é meio... megalomaníaco. Mas queria entender porque não confia em mim. 

- Não é óbvio? Diz que tem medo do Nero, mas nada contraria a teoria de que esse medo é um disfarce pra sua lealdade.

- Eu me separei do grupo do Nero pra tentar impedir as górgonas de lançar a maldição no vilarejo, mas falhei, cheguei tarde e tudo o que me restou foi fugir... e falhei nisso também. Mas tem que acreditar no que digo, minha cumplicidade com o Nero não passava de algo profissional, ele me tratava como um faz-tudo e abusava da minha boa vontade. Jamais daria o feitiço de mão beijada pra ele. Se a possessão ficar mais forte, não será culpa minha caso ele mergulhe fundo na minha cabeça. 

- Mas você esteve treinando sua mente pra se blindar, não foi? - perguntou Nathan fitando-o com austeridade. 

- É claro, venho meditando a cada duas horas, foi pra isso que escolhi me isolar. Sinceramente, Nathan, eu achava que você agiria mais parecido com o Frank. Pelo menos, ele deposita um pouco de fé no meu esforço. 

O jovem caçador ficou em silêncio por uns segundos, confrontado pela opinião de Axel sobre as diferenças com seu pai. 

- Quer saber? Continua assim, sentado, meditando, eu vou tentar rever minha posição quanto ao que você sente pelo Nero, se é medo, raiva ou respeito.

- Tentar não, você tem que rever. Mas não tô bravo com essa sua postura desconfiada. Eu só quero me provar forte pra barrar as investidas do Nero, quero superar ele. Se não der certo e ele sair ganhando, não vai significar que eu traí o Frank. Apenas que... não me fortaleci o bastante. Compreende isso, por favor. 

Nathan estava pronto para ir embora, olhando-o com certa culpa. Pensou estar cometendo uma injustiça.

- O benefício da dúvida, claro. É todo seu. 

Axel suspirou de alívio. Nathan dirigiu-se à porta, saindo da cela sem se despedir como o hóspede de Frank esperava.

                                                                                   ***

Na agência de correspondências, Frank dobrou para um corredor onde estariam etiquetando as caixas e bateu à porta da sala de quem se encarregava da tarefa. Uma voz permitiu que ele entrasse.

- Olá, licencinha aí... - disse Frank abrindo a porta e vendo Wade preparando umas caixas naquela sala - Você é o Wade Smith?

- Depende de quem tá perguntando. - disse ele virando o rosto para Frank. 

- Frank Montgrow, agente especial do DPDC. - disse Frank mostrando seu distintivo, logo fechando a porta - Me reportaram que você fez uma denúncia contra uma empresa ilegal vendedora de um produto que anda sendo anunciado em panfletos pelos quatro cantos da cidade. Apresentou alguma prova concreta pra sustentar a acusação? 

- Não tenho o que provar, vocês da polícia que corram atrás de fechar a fábrica maluca de quem anda produzindo a gosma. 

- Algo me diz que você tem sim um embasamento. - disse Frank, pressionando-o. 

Wade parou o que estava fazendo para virar-se de frente à Frank. 

- Ser honesto demais pode colocar minha sanidade em questão. 

- Tenta comigo, sou todo ouvidos. Eu levo cada detalhe apurado em conta. Irrelevante ou não, descubro depois. 

- Tá legal, lá vai: O cara pra quem eu ia entregar mais potes da geleia tinha se entupido e... achei ele deitado no chão, parecia desacordado, mas... de repente, ele se levantou e me atacou. Não me feriu, apenas pegou a caixa, rasgou e foi abrindo os potes comendo a gororoba como se não houvesse amanhã. Eu percebi que a pele dele tava... verde. 

- O que você pensou naquele momento de terror? 

- Do jeito que ele tava furioso, achei que eu fosse sair de lá sem meu rosto, porque ele estendeu a mão diretamente pra mim como se quisesse me matar, mas... ele somente quis a droga da caixa pra se entupir de mais daquela geleia bizarra. 

- Ah, então foi a partir disso que você sacou que tinha coisa errada com a geleia. 

- Sim. Quando fui à polícia, dei meu parecer junto ao endereço da fábrica. Não sei se até agora chegaram com o pé na porta pra fechar o lugar. Mas a visão daquele cara me deu uma bela noite mal dormida. Parecia um animal ou uma coisa saída do pântanos. Essa doideira toda faz os fetos e ratos nos refrigerantes parecerem casos normais.

Frank fazia que sim com a cabeça lentamente ao ver que o relato corroborava as descrições noticiadas.

- Valeu pela atenção, Wade. Bom trabalho pra você. - disse Frank logo saindo da sala. 

O detetive via o presidente da empresa, Vincent Shelder, dobrar para aquele corredor. 

- Um detetive?! Ora, mas que surpresa. - disse Vincent, um homem no início dos 60 anos, pele bronzeada, cabelo curto e grisalho e vestindo terno cinza com gravata vermelha. 

- Olá, o senhor deve ser o chefe, né? 

- Vincent Shelder em pessoa. - disse ele apertando a mão de Frank - Já está de saída?

- O meu assunto era com o cara das encomendas. Mais precisamente... as geleias verdes que tem sido pedidas em pacotes. Ele denunciou o fabricante pra polícia. Que mal lhe pergunte... é feito algum processo de fiscalização nos conteúdos? 

- Sigo a política de confidencialidade e privacidade. O que vem lacrado sai daqui lacrado. 

- Não pedem nenhuma informação ao remetente? Deveriam pois essa geleia não tá com uma popularidade muito boa. 

- Bom que me avisou. Estudo mudar o protocolo quando chegar a próxima remessa. 

- Quantos lotes geralmente vocês recebem? 

- Em torno de 70 caixas por remessa, uma demanda acima da média a julgar pelo produto. 

- Ah sim, obrigado, Sr. Shelder. Foi um prazer. 

- Igualmente. - disse Vincent dando mais um aperto de mão em Frank. O chefe da agência de operação logística entrou bufando na sala em que Wade estava e fechou a porta com força.

- Chefe, o que faz aqui? - indagou o entregador. 

- Você tinha que delatar pras autoridades uma empresa séria e lucrativa! Com base em quê?

- E-eu posso explicar... O senhor precisa acreditar, essa empresa tá vendendo uma porcaria nociva pra saúde, eu testemunhei um cliente sofrendo por ser enganado. - disse Wade, tenso e recuando. 

- Imagino que a polícia esteja lá ordenando o fechamento, ainda mais depois do homem verde falado nos jornais. 

- Não tô entendendo... O senhor tá contra essa empresa canalha ser punida? 

- O chefe não é obrigado a dar satisfação ao empregado. - disse Vincent que logo piscou os olhos mostrando-os completamente negros. Wade reagiu com horror, afastando-se mais. O demônio ergueu a mão direita imobilizando o corpo de Wade e o fez chocar-se contra um espelho na parede ao lado. Wade caiu logo após seu rosto impactar violentamente contra o vidro. Pegando um celular do bolso, o demônio que possuía Vincent telefonou para um dos comparsas dos negócios obscuros - Temos um obstáculo removido. Mas é tarde, o infeliz deu com a língua nos dentes. Mas em compensação tem uma novidade que vai agradar a todos: Frank Montgrow está farejando nosso lance. Volto daqui à uma hora. - desligara. 

Antes de sair, o demônio deu uma última olhada de desdém para o corpo de Wade que estava com cacos do espelho cravados no rosto sangrando, inclusive um bem grande no olho direito enquanto o outro estava aberto. 

                                                                                      ***

Frank parou no seu sedã prata alguns metros próximo ao local de fabricação da geleia ectoplasmática obtendo a localização com um dos policiais que ouviu Wade em sua denúncia. Se assemelhava a um complexo industrial de baixa categoria.

O detetive bateu na porta de ferro com dois dedos. Surgiu um par de olhos pela abertura pequena e retangular. 

- Quem é? - perguntou o homem, o tom rude.

- Agente especial Frank Montgrow, DPDC. Quero falar com a pessoa que manda nessa bodega. 

- Um instante. - disse o homem friamente deixando Frank a aguardar mais do que um minuto. A porta abriu-se conferindo passagem ao detetive - O Sr. Atkinson concedeu permissão. Te acompanho até a sala dele. 

Durante a caminhada sendo guiado pelo brutamontes que lhe atendeu, Frank observava com expressão de nojo as paredes sujas e descascadas daquele corredor. 

- Lugarzinho mais xexelento hein. - comentou ele olhando para o piso que também não era nada elogiável. A sala do chefe da fábrica era a última do corredor. Frank entrara vendo um homem jovem de cabelo castanho bem penteado e elegantemente vestido com um terno azul-marinho fazendo anotações num caderno sobre sua mesa de escritório - É você quem chefia a produção da geleia fitness? 

- Oh, perdão não reparar no senhor...

- Montgrow. Frank Montgrow. Seu subalterno aqui não avisou? 

- Não me disseram que eu tinha visita. Me chamo Darius Atkinson. 

- Mas ele falou que você concedeu entrada pra mim. - disse Frank apontando para o brutamontes com o polegar. 

- Na realidade, nós permitimos. - disse o cara que havia atendido Frank, logo revelando seus olhos negros demoníacos. Um grupo de demônios teleportou-se à sala. Frank se colocou em guarda. 

- Não me façam pegar a água santa. Ninguém se mexe! 

- Água santa, então estou diante de um caçador. Frank Montgrow, né? Esse sobrenome é familiar...

- Digo o mesmo do seu. - disse Frank reparando no anel com uma pedra de esmeralda que Darius usava - Ótimo, esse anel entrega o jogo. - encarou Darius - Você é um bruxo do tal fã-clube do Merlin, né?

- Ouvi falar de você através do meu pai, o líder da sociedade secreta. - disse Darius.

- Ah, é o herdeiro do Clancy. Meus pêsames atrasados pelo seu pai, ele fez um sacrifício nobre incendiando uma cambada de ocultistas assassinos e um fantasma insano. Agora dá pra me explicar porque um bruxo tá fechado com demônios pra vender suco de fantasma? Pensava que esses palhaços andavam loucos pra encontrar um substituto pro diabo atual. 

- Sempre há dissidentes com os quais negociar. - disse Darius, altivo com um sorrisinho de canto que evocou muita suspeita em Frank - Que golpe baixo do destino fazer você, o caçador que meu pai encurralou uma vez, vir até mim na intenção de desmontar meu negócio. 

Os demônios andaram passos adiante como uma menção de cercar Frank intencionando ataca-lo.

- Esperem, não movam um dedo contra ele. Eu que mando, eu que assumo. 

Frank mantinha-se pensativo por um breve instante apesar da ameaça constante dos demônios infames.

- Aí Darius, tá afim de um trato em que você e muitos sairão ganhando? - perguntou Frank se esforçando para que seu tom soasse o mais atraente possível - Um cara que encomendou a geleia de ectoplasma se empanturrou tanto que sofreu uma transformação braba fazendo ele virar uma espécie de Hulk sedento por mais dessa gororoba viciante. 

- É o efeito do ectoplasma modificado que eu extraio de algumas almas perdidas. - disse Darius olhando Frank num misto de interesse e desconfiança - Aonde quer chegar? E o que me garante que você não teve participação na morte do meu pai?

- Eu não matei seu pai! - disse Frank, exasperado - O Clancy escolheu sacrificar a própria vida num feitiço que tornou ele uma bomba-humana pra detonar com os caras da Index. O pacto que quero fazer com você é benéfico, facilita pra nós dois.

Darius ergueu de leve a mão direita pedindo aos seus lacaios demoníacos se afastarem. 

- Sei que você montou esse comércio ilegal pra faturar uma grana gorda. 

- Não apenas comércio como também fornecimento para.... pessoas normais que você não gosta. 

- Aham, tô sabendo também. Olha, é o seguinte: Todo o carregamento que você tem agora, eu quero ele pra alimentar a coisa que tá lá fora tocando o terror em geral, saiu até nos jornais. Em troca disso, te mando um montante. 

- Esqueceu de falar que isso depende do meu preço. 

- Não, é sério, tô disposto a pagar o que você preferir.

O bruxo olhara o detetive com um sorriso sacana, mas claramente simpatizou com o acordo. 

- 850 mil dólares. É minha meta de arrecadação. E então, o que acha? Doeu no seu bolso?

Os demônios ao redor riram em escárnio. 

- Combinado. - disse Frank sem se abater com as chacotas.

- Combinado. - retribuiu Darius, confiante na forma como encarava Frank - Me diga o local e a hora para transportar o carregamento. Mas traga a quantia acordada. Um centavo a menos e os meus funcionários aqui se encarregarão de exigir o que falta da maneira mais excruciante que puder imaginar.

Frank assentiu em concordância, por fora muito seguro de si, mas internamente desesperado sem saber onde iria arranjar 850 mil dólares até a noite. O detetive imaginou fazer como Axel: entrar num cassino e descolar alguma grana fácil. 

                                                                              ***

Na cela do porão de Frank, Axel novamente surpreendia-se com mais uma visita de Nathan, tanto que levantou-se. 

- Perguntinha básica: Você passa mesmo horas sentado na sua meditação diária sem esticar as pernas? - questionou o jovem caçador. 

- Eu faço uns alongamentos. - disse Axel, intrigado com aquele retorno - Mas obviamente não foi pra matar essa curiosidade que você voltou. Pode falar sem medo o que você tanto quer de mim. No que precisar, vou te ajudar, mesmo aqui dentro.

Nathan dera um suspiro demorado pensando na melhor forma de externar sua ideia. 

 - Tudo bem, mas... sua ajuda só é possível... lá fora. 

- O que você tá querendo dizer...

- Axel, eu prometo te soltar daqui quando o papai estiver fora, não conta pra ele. - disse Nathan interrompendo-o. 

- Vai me tirar daqui?! Mas pra quê? Eu ainda nem dominei minha força mental pra impedir o Nero. 

- É, eu sei, mas vamos ter que arriscar se ainda estiver vulnerável. Não posso fazer isso sozinho. 

- E o que é? - indagou Axel olhando-o com extrema expectativa - Se passou a desconfiar menos de mim, pode contar agora. 

- É a górgona. - disse Nathan, sério - Aliás, uma delas que pretendo localizar aqui na cidade. O Nero precisa da cabeça de uma górgona pro plano-mestre dele funcionar. E aí, o que me diz? Tá dentro... ou tá fora? 

Axel viu naquele convite a oportunidade de fugir do isolamento por uma perspectiva benéfica.

- Sim. - respondeu ele, seguro - Vou ser seu parceiro nessa. 

                                                                       ***

O local marcado para o encontro de realização da troca conforme o acordo entre Frank e Darius era o espaço amplo do lado de fora de um galpão de armazenamento. Frank preparara uma cuia e derramou nela a geleia de um pote que Darius lhe ofereceu após discutirem os detalhes. Acendeu um fósforo e o jogou sobre a pasta esverdeada para criar a névoa que atrairia o homem que ingeriu a gosma além da conta. O chamariz assemelhava-se ao que o Devorador de Almas fizera na mansão em que se instalou quando usou sua foice para vaporizar todo o ectoplasma que reuniu a fim de atrair os fantasmas. 

A noite estava fria numa temperatura abaixo de 20º. De repente, um demônio teleportou-se por trás de Frank.

- Cheguei cedo demais? - perguntou ele que usava um homem caucasiano com barbicha e de gorro cinza como receptáculo. 

- Pontual. - disse Frank virando-se para ele segurando uma maleta prateada - Toma a dinheirada do teu chefe e some da minha frente.

O demônio pegara a maleta, mas a abriu para certificar-se. 

- Espera um minuto aí. - disse ele mostrando os olhos pretos demoníacos - Aqui tem só metade do valor. Não me sacaneia. 

- Avisa pra ele que pago o resto em breve, foi tudo que consegui numas jogatinas simples do cassino e sacrificando um bocado do meu salário. Palavra de caçador, eu juro que entrego em pouco tempo.

- Do jeito que o Darius falou, eu espero que você sofra pra arrumar o restante. - disse o demônio, zombeteiro - Assim vou poder te desmontar que nem um boneco. 

O demônio desapareceu em teleporte enquanto Frank não se atemorizava com a reação de Darius com o pagamento parcial. Um caminhão de carroceira grande aproximava-se dali, a luz dos faróis misturando-se com a fumaça dos bueiros e a névoa. No entanto, Frank podia notar que ele parecia estar fazendo uma meia-volta. Depois teve a certeza. E aquela era uma péssima hora do homem-ectoplasma surgir. Frank olhou para trás vendo o homem transformado rosnar furiosamente.

- Ah essa não... - disse ele, logo olhando de volta para o caminhão que seguia em partida quando nem havia chegado direito - Filhos da... - Frank depreendeu que aquilo significava um ato de traição contra Darius. O homem-ectoplasma veio tomando curta distância, os punhos cerrados e face de pura cólera. O detetive recuou rapidamente - Não é mais geleia que você quer? Tá aí ó! - chutara a cuia contra o rosto do homem sedento por ectoplasma e logo correu em disparada até seu carro para perseguir o caminhão. O homem-ectoplasma correra perseguindo-o grunhindo de fúria. 

Frank enfiou-se no sedã prata e deu partida, saindo numa arrancada que fez seus pneus cantarem. Acelerou para alcançar o caminhão, obstinado em não perde-lo de vista. Ignorou a ameaça do homem-ectoplasma focando-se unicamente na carga de potes da geleia que os demônios, pregando uma peça traiçoeira, tentavam impedir que chegasse às mãos de Frank. 

Durante o trajeto, o detetive telefonara para Carrie, ora olhando para a tela do celular, ora para o caminhão, dobrando por várias ruas, ambos a velocidades um pouco acima do permitido. 

- Carrie, deu ruim na negociação. 

- Ah, eu sabia. Talvez tivesse sido mais prático partir pra vale-tudo no momento em que o Darius e os demônios estavam intimidando. 

- Pra cair na porrada com eles eu tinha que levar a lâmina anti-demônio, mas dar cabo do Darius não ia ser moleza. Olha, os desgraçados deram uma facada nas costas do Darius, se é que me entende.

- Hum... Em se tratando de demônios, entendo sim. Mas afinal, pra qual objetivo esse filho do Clancy tá batalhando pra atingir vendendo uma geleia tóxica na maior cara de pau? 

- Ainda não faço ideia, mas tô num aperto aqui, preciso de uma ajudinha rápida. O demônio que tá dirigindo o caminhão com carregamento de ectoplasma furou com o trato. Confere aí no rastreamento da placa do meu carro pra onde eu tô indo. Tô seguindo ele agora mesmo! 

- Calma aí, só um instantinho. - disse a assistente movendo seus dedos com exímia rapidez no teclado para acessar o rastreamento de veículos via satélite, sabendo de cor o número da placa do sedã prata. 

O caminhão dobrara para uma estrada deserta ladeada por vegetação mantendo o ritmo acelerado.

- Carrie, anda logo com isso, depressa! Tô com um pressentimento ruim sobre a direção que ele quer seguir. 

- Pressentimento certeiro. - disse ela olhando nervosa para o pontinho vermelho que representava o carro de Frank - Estão indo diretamente pro lago que serve de reservatório e abastece a cidade inteira. 

- Miserável... Ele vai despejar a geleia podre pra contaminar a água, nem um bruxo da espécie do Darius ou do papai dele iria tão longe. - disse Frank, aborrecendo-se com a estratégia cruel dos demônios para agravar a situação. - viu o caminhão dobrar para uma estradinha de terra e seguiu no encalço. Quando havia passado da metade do percurso rumo ao lago, o demônio que estava ao volante arregalou os olhos negros ao ver uma figura espectral saltar para o chão barrando seu caminho. O homem-ectoplasma soltara um urro de fúria feito um ogro ao ponto de um vapor frio sair da sua boca.

Sem ter como desviar dada a velocidade, o caminhão seguiu adiante enquanto o homem-ectoplasma correu ensandecido. O monstro batera seu ombro direito contra a dianteira do caminhão que com o impacto foi destrutivamente amassada, consequentemente fazendo o caminhão tombar para o lado. Frank franziu o cenho avistando o caminhão virando ao cair com baque no solo. Parou o carro, saindo apressado com um rifle na mão municiado de balas anti-demônio. O detetive estacou ao se espantar com o homem-ectoplasma pulando sobre a carroceria e chegar às portas, em seguida abrindo-as com as duas mãos e retorcendo-as, logo as arrancando com uma força descomunal para depois joga-las como se fossem objetos leves. O homem vítima do efeito viciante da geleia adentrou no compartimento de carga para se deliciar dos inúmeros potes abertos. O demônio saía pela porta do caminhão, mas logo que viu Frank se aproximando, o encarou com temor. 

- Fica paradinho aí, desgraçado! - ordenou Frank mirando o rifle no demônio que tratou logo de despossuir aquele corpo inocente e correr até o lago. Frank disparou duas vezes, porém não acertando. O demônio mergulhou no lago, escapando de sair gravemente ferido - É assim mesmo, quando o cerco se fecha, viram uns maricas de merda. - reclamou Frank que logo voltou sua atenção para o homem-ectoplasma que se esbaldava de geleia no compartimento de carga. No entanto, a semente de um procedimento inteligente foi plantada na mente de Frank. Resolveu deixa-lo ali, em paz, se fartando com a gosma verde escuro, traçando um plano eficiente de derrota-lo. Frank se afastou cuidadoso , retornando para o carro. 

                                                                        ***

Numa sala da fábrica, Darius arremessou um demônio contra a parede usando sua telecinesia mágica. 

- Por que? Eu só gostaria de um sincero esclarecimento sobre a incompetência de não ter exigido dele o resto do dinheiro torturando até a agonia! - vociferava Darius, transtornado. O demônio, fora de sua casca após despossuí-la para fugir, se recompunha, seus dentes pontudos, brancos e salientes mexendo-se. Darius olhou para a o corpo do homem de gorro e barbicha - Ah, é verdade, havia me esquecido. São incapazes de se comunicar sem um disfarce humano. - fez uma pausa, pensando no que fazer - Dane-se, não tem justificativa que absolva um incompetente. - esticou sua mão direita, a esmeralda do seu anel brilhando. O corpo preto como ébano do demônio incendiou-se, as chamas alastrando-se pelo seu corpo. O monstro emitiu um grito agoniante até o fogo reduzi-lo à cinzas e brasas pairando no ar. 

Um grupo de demônios teleportou-se para a sala inesperadamente, mas com uma surpresa: Frank estava rendido com eles. 

- O que fazem aqui? - perguntou Darius - Estão todos despedidos! Frank?! Ah, aí está você! Chegou numa hora muito errada pra se desculpar pela sua traição. Eu mesmo vou faze-lo prometer entregar o que me deve. Mas a civilidade acabou. 

- Espera Darius, eu entendo sua raiva, você tem todo o direito de ficar fulo da vida pelo meu débito. - disse Frank segurando por um dos demônios - Mas essa raiva não tem que descontar em mim e sim neles. O demônio que dirigia o caminhão com os potes deu meia-volta quando vinha e eu o segui. Foi tudo uma estratégia pra melar nosso trato. Queriam despejar o ectoplasma no lago pra contaminar o abastecimento da cidade.

Darius passava os olhos raivosos por cada um dos demônios presentes. 

- Me respondam.... que isso é mentira. - disse o bruxo - Respondam! 

O silêncio dos demônios era a resposta suficiente. 

- Pois bem... Soltem o Frank. - ordenou Darius. O demônio que imobilizava Frank o soltou, empurrando-o. O detetive encarava o bruxo imaginando o que ele estaria prestes a fazer. Darius mordeu os lábios contendo sua ira, mas a resistência se prolongou. O bruxo gritara em fúria contra os demônios, esticando seu braço direito acionando sua magia do anel fazendo-os queimarem ainda possuindo os corpos que roubaram. 

- Valeu por me livrar, eu tava desarmado pra não ser trazido aqui feito um refém. - disse Frank.

 - Não me agradeça. - disse Darius, enfezado, andando para uma parte da sala. Puxou uma cortina de seda púrpura revelando uma área que parecia ser um banheiro pelas paredes de azulejos azuis. Frank reparou no círculo de sal grosso no centro do piso. Darius proferiu umas palavras em latim e estalou os dedos. Repentinamente, o espírito de Ernest surgia no meio do círculo, desorientado e confuso. Frank quase saltou para trás vendo o ex-chefe reaparecer diante dele - Graças a pedra do meu anel, faço uma leitura de todas as almas errantes que habitam o outro lado. São velhos conhecidos, não são?

- Darius... Para com isso, deixa ele em paz! - pediu Frank, consternado. 

- Paz?! Que paz eu posso dar a uma alma sem destino como essa? Lamento Frank, mas seu amigo aqui é a mais nova laranja que vou espremer até não sobrar uma gota. A menos, é claro, que você me prometa quitar sua dívida. 

- Frank? O que está havendo? - perguntou Ernest - Não, já sei, então é isso... Você é o responsável por perturbar os espíritos sugando fluido fantasmagórico deles. Frank, o que está esperando? Mate...

A fala de Ernest foi cortada com o movimento de Darius que começara a torcer a alma do ex-diretor do DPDC com sua magia. Ernest caiu de joelhos lacrimejando, e vomitando ectoplasma. 

- Chega, Darius! Você venceu, eu pago sim o resto da grana, mas deixa ele ir! 

Mas o bruxo parecia não lhe dar ouvidos, se deleitando com o sofrimento de Ernest. 

Frank tinha de apelar para uma medida extrema. Sacou sua arma e mirou-a em Darius.

- Você pode ser um bruxo cheio do poder, mas não tem corpo blindado pra se safar de uma bala. Deixa ele ou atiro. No três: Um.... - destravou o revólver - ... dois... 

Vendo que o detetive colocou bastante seriedade no tom, Darius resolveu baixar sua mão direita, libertando Ernest da subjugação torturante. O fantasma do ex-chefe desapareceu como uma projeção holográfica. 

- Engraçado você ter dito que eu venci, mas partiu pra ameaça. - disse o bruxo - Estava blefando, não era?

- Sim, mas você não, por isso mesmo tive que apelar. Mantenho minha promessa. O que acha de uma nova parceria já que a anterior deu errado? Pra acabarmos de uma vez com o maníaco da geleia?

Com o novo trato formado, Frank saíra da fábrica até o seu carro. Abriu o porta-malas pegando o seu lança-granadas. Uma névoa verde escapava pelas aberturas do prédio e infestava o lado de fora. Darius estava frente a alguns potes de geleia sobre uma mesa usando sua magia para esquenta-las e gerar o vapor denso. Frank carregava a arma com granadas potentes, ao menos umas quatro seriam o bastante. Darius andava pelo corredor devagar. As luzes rapidamente piscaram. A temperatura ambiente decaiu drasticamente e o bruxo expirou um hálito gelado. As lâmpadas queimaram com o pisca-pisca demasiado, mergulhando o corredor na semi-escuridão. Com a névoa já alastrada por quase toda parte, o homem-ectoplasma aparecera teleportando-se, o que explicava sua aparição repentina para barra o caminhão. 

O homem que ganhou características monstruosas e anormais com o consumo desenfreado da geleia pisava no chão deixando pegadas que rachavam os ladrilhos. 

- Você ainda é Paul McCloud, tente se lembrar de quem é. - pedia Darius que dava olhadelas para porta esperando por Frank. O homem-ectoplasma rugiu e correu para ataca-lo com suas grandes mãos verdes. Porém, Frank entrava chutando a porta o corredor com o lança-granadas pronto. 

- Olha pra cá monstrengo! - disse Frank mirando a arma. O homem-ectoplasma virou-se, seu rosto enfurecido fuzilando o detetive com o olhar. Os braços fortes com veias saltadas pareciam estar mais avantajados após a ingestão no compartimento de carga. Frank disparou uma granada, deixando-o cambaleante. Em seguida outra e mais outra. Ele aparentava estar sentindo-se bastante mal. O monstro grunhiu alto em dor. As granadas detonaram estrondosamente explodindo junto ao corpo intoxicado de Paul. Darius e Frank levaram um massivo banho de gosma verde que os encharcou. 

- Este terno foi meu pai quem deu de presente, custou quase uma fortuna. - reclamava Darius coberto de ectoplasma, seu rosto completamente melecado - Vai levar dias, talvez semanas pra tirar toda essa... porcaria. 

- Agora tá sentindo nojo, né? - perguntou Frank que logo soltou uma risadinha nem um pouco com seu sobretudo lambuzado de gosma. 

                                                                                 ***

Após se limparem com panos, Darius e Frank despediam-se fora da fábrica. 

- Tem que admitir que usar um amigo meu que morreu recentemente pra me obrigar a garantir uma promessa foi golpe muito baixo e sujo. - disse Frank próximo do seu carro - Ainda bem que você não é agiota.

- Eu sou assim, as coisas saem dos trilhos, eu enlouqueço, não tem certo nem errado. - disse Darius - Quer mesmo saber o motivo pelo qual abri essa empresa maquiavélica? 

- Desembucha. - disse Frank. 

- Além de testar meu potencial como bruxo, pretendia doar o dinheiro arrecadado pra alguns parentes que passam necessidades. Meu pai poderia ter feito isso enquanto vivo, mas... decidiu fazer vista grossa. Eu era o tesouro, o herdeiro digno das mais privilegiadas regalias da família Atkinson. Ele o rei e eu o príncipe, o futuro sucessor do trono. Que se dane a fraternidade, ele não está mais aqui pra martelar na minha cabeça como devo administrar minha vida em função de um grupinho de bruxos que se acham os mais poderosos da cidade. 

- Olha, tô realmente impressionado com esse seu altruísmo pela família. 

- Meu pai colocava a fraternidade em primeiro plano. Mas desde menor, minha visão era diferente. - disse Darius que resolveu tirar o anel de esmeralda - Há coisas mais importantes pelas quais se viver. 

Frank fez um meneio de cabeça, concordando com a decisão do bruxo em renunciar. 

- Se tá engajado honestamente em fazer a diferença pela sua família, prometo te pagar muito em breve. 

- Assim espero. Não aceito parcelas, mas leve o tempo que precisar. É o meu desconto. 

- Fechado. - disse Frank, estendendo a mão direita para o bruxo. Ambos apertaram as mãos, conciliados num acordo mais flexível. 

Paralelamente, à uns bons metros de profundidade no subterrâneo, mais precisamente em Gargóvia, um dos subalternos de Nero, anteriormente um dos membros do grupo de caçada e residente do vilarejo, vinha até ele para dar uma informação. Nero se encontrava de pé, parado diante de uma parede. 

- Má notícia, Nero. Má não, péssima. - disse o soldado de pedra portando sua lança - Fizemos a vistoria pelos túneis e... confirmamos que o Behemoth tem rastejado pelas proximidades. Em pouco tempo, a cidade pode ser devastada, provavelmente ele tem subido mais... 

- Cale-se! - bradou Nero, os olhos fechados - Estou no meio do meu treino de aperfeiçoamento. 

- Desculpe. - disse o guarda observando o governante com seus rubros olhos de gárgula. 

Nero concentrava toda sua força psicocinética para perfurar a mente de Axel como uma escavadeira sem freio ambicionando alcançar o mais profundo nível do subconsciente do seu antigo companheiro. Na cela do porão, Axel gritava de dor contorcendo-se e rolando no chão com as mãos na cabeça. O hóspede de Frank abriu os olhos num semblante de angústia.

Nero abriu os seus, sorrindo com enorme satisfação. Virando-se para o soldado, ordenou:

- Alerte a todos pra se reunirem diante do palácio. 

Perante a população da cidade, todos os antigos habitantes do vilarejo afetados pela maldição do feitiço orquestrado pelas górgonas, Nero posava-se como um líder inabalável.

- Cidadãos de Gargóvia, perdão retira-los de seus lares para comunica-los de uma boa nova que trará uma renovação de esperança à cidade. Não, irá transcender essa esperança para algo maior, algo sobre aquilo que tanto vínhamos ansiando em décadas neste exílio forçado longe da superfície. - fez uma curta pausa, olhando seus súditos - A besta Behemoth vem se aproximando. Mas não há razão para pânico. Há um meio de domar esta fera. Portanto, asseguro a todos os de que o Behemoth em breve estará a serviço da nossa prosperidade. 

Os aplausos calorosos da população massageavam o ego de Nero que finalmente extraíra da mente de Axel o milenar feitiço de controle sobre uma besta primordial. 

                                                                              -x-

*A imagem acima é propriedade seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: https://www.pexels.com/pt-br/foto/liquido-verde-em-frasco-de-vidro-transparente-com-cortica-159403/

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