Frank - O Caçador #85: "Com a Melhor das Intenções"


Uma viatura de polícia encontrava numa rua um tanto deserta da área residencial na qual estavam dois policiais. Um deles, no banco do carona, ouvia rock pesado com fones nos ouvidos, imitando movimentos de um tocador de bateria. Já o policial motorista comia um hambúrguer robusto quando recebeu uma chamada. Atendeu sem pestanejar. 

- Divisão B-2 do Departamento Policial de Danverous City, com quem eu falo?  

- Por favor, venham depressa! - clamava a voz jovial de uma mulher em desespero - Minha casa tá sendo invadida, eles entraram agora há pouco, estão saqueando minha sala de estar. Me escondi no banheiro sem coragem de enfrenta-los, talvez estejam armados. Vocês precisam vir rápido, não vão ficar apenas na sala, tenho medo de me descobrirem aqui.

- Tente se acalmar até que cheguemos. Qual o endereço, por favor?

Ouviu atentamente enquanto anotava num bloco de papel. 

- OK, estamos à caminho. Nem pense em sair de onde está na hipótese dos bandidos estarem armados.

Desligara, logo cutucando o parceiro que continuava imerso no seu transe musical. 

- Ei, Burke, temos uma emergência. - chamou o motorista que logo enfezou franzindo o cenho. Pegou o celular dele olhando na tela o ícone do volume do som. Deslizou seu dedo subindo, ou seja, aumentando a música, o que rapidamente fez Burke se sacudir todo retirando os fones de imediato com a música aumentada bruscamente estrondando os seus tímpanos. 

- Cara, você interrompeu na melhor parte do solo. Que merda... - reclamou Burke, desligando o celular.

- O sonho de baterista acabou, camarada. Bem-vindo de volta à realidade do mundo-cão. 

- Qual é a nova da vez? 

- Invasão de domicílio. 

- Mais do mesmo. - disse Burke, a cara amarrada - Tá bom, pisa fundo aí. 

A viatura saiu cantando pneus numa arrancada veloz. Chegaram ao endereço indicado, logo saindo do veículo às pressas com armas em punho. Entraram na residência que estava mergulhada nas trevas, exceto por uns pontos iluminados pelas luzes dos postes. Ambos correram os olhos pela sala com ligeiro estranhamento. Burke coçou a cabeça, intrigado.

- Isso tá me cheirando a trote. - disse ele para o parceiro - Doug, vamos cair fora. 

- Nada. - disse Doug em sua varredura - Nenhum mínimo vestígio de invasão, tudo aparentemente no devido lugar. A moça falou que estavam na sala... 

Burke focou sua visão num canto opaco, mirando a arma. 

- Quem está aí? Apareça e se identifique. - ordenou ele. 

Uma figura misteriosa usando um capuz cinzento de seda veio das trevas. Doug também mirou sua arma. No entanto, a pessoa desapareceu. 

- Que bruxaria foi essa? - perguntou Burke - Você viu? Sumiu que nem um fantasma. 

A encapuzada reapareceu perto de um grande vaso com uma planta à poucos metros de Doug que começou a sentir arrepios na espinha. A pessoa sob o capuz aparecia e desaparecia em diversos cantos, obrigando-os a dispararem. 

Os tiros em nada se efetivavam para acerta-la. Uma bala atingiu um vaso que despedaçou completo. 

- Já chega! Pode ir parando com esse showzinho de mágica! A gente não veio pra brincadeira! - disse Doug, por fora austero, mas por dentro tremendo na base diante daquele fenômeno de ilusionismo.

A pessoa misteriosa repentinamente apareceu bem próxima de Burke soprando uma espécie de pó esverdeado no rosto do policial. Doug mirou a arma, mas antes que apertar o gatilho, a encapuzada apareceu na sua frente numa curtíssima distância soprando o resto do pó direto na face dele. Os policiais ficaram cambaleantes pelas sala, suas visões bloqueadas. 

Não demorou para a ardilosa se revelar ao baixar o capuz. Uma bela e jovem mulher morena de cabelos pretos ondulados, lábios carnudos e olhos claros. Os observou com um sorriso fechado de triunfo, baixando os olhos. 

Burke e Doug haviam se metamorfoseado em cães que mostravam suas línguas olhando para ela. A mulher pegou seu celular de dentro do vestido azul e discou um número, não tirando o sorrisinho. 

- Aqui é a Jocelyn, a mais nova fornecedora. Consegui mais dois pra encaminhar à vocês. 

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CAPÍTULO 85: COM A MELHOR DAS INTENÇÕES

A descida lenta pela escada denotava o estado de baixo astral de Frank. Na verdade, estampava-se na sua face. A solidão provocada pelas ausências de Axel e Nathan causava apertos no coração do detetive, ainda mais tormentosos quando recordava-se do da bronca severa dada ao filho pelo desleixo em libertar Axel da cela quando ele ainda estaria vulnerável à possessão psicocinética de Nero. Parou na sala, olhando o ambiente à volta tristemente. 

Retirou de um bolso do sobretudo seu celular e telefonar para Lucy. No entanto, caiu na caixa postal. 

- Mas que droga, Lucy, já tá assim desde não sei quantos dias. - disse ele, frustrado. Tentou o número de Nathan - Vamos lá, garotão, me dá uma chance pra se desculpar. - porém, a chamada foi recusada - Putz... 

O detetive enfim chegava ao DPDC, entrando na sua sala particular. Largou na cadeira, não muito disposto emocionalmente para trabalhar naquele dia. Nem mesmo lembrou de abrir a janelas atrás de si.

Carrie adentrou no recinto com uma pasta em mãos e imediatamente notou a cara de poucos amigos de Frank.

- Seria muita intromissão da minha parte perguntar... a razão dessa cara de quem adora uma segunda-feira? 

- Nathan e eu brigamos feio ontem. - respondeu Frank, exalando preocupação - Aliás, eu briguei, ele apenas ficou na defensiva. Agora tô aqui, amargamente arrependido por ter sido um babaca. 

- Primeiro estremece sua relação com a Lucy, agora o Nathan. - disse Carrie aproximando-se curiosa quanto ao caso.

- Ele soltou o Axel sem minha permissão, agiu pelas minhas costas pra torna-lo um parceiro de caçada e arrancar a cabeça de uma górgona. 

- As górgonas estão de volta à cidade?! Como ele descobriu? Será que ele trouxe uma invenção do futuro, tipo um detector de monstros com mais precisão que aquele engenhoca que você usa?

- Não faço a menor ideia. Mas parece absurdo demais existir um aparelho específico pra detectar górgonas. Nem em um milhão de anos inventariam um negócio desses. Não mesmo, as górgonas são seres bem mais silenciosos, sorrateiros e camuflados na fachada de mulheres gostosonas. - fez uma pausa, baixando a cabeça - A pior parte nem é essa.

- O que houve pra gerar essa rusga toda? 

- Enquanto voltavam, o Axel... foi sequestrado pelos capangas do Nero. Provavelmente aqueles mesmos que espancaram a galera do motoclube no bar. Com isso o Nero praticamente tá com a vitória na mão. Pra mim já deu. 

- Quer dizer que... está considerando desistir? - questionou Carrie olhando-o como se não estivesse o reconhecendo - Não... - balançou a cabeça - Nada disso, não pode jogar a toalha logo agora! Endoidou? Entregar os pontos tão fácil?

- E se já for tarde pra salvar o futuro do Nathan? - perguntou Frank soando exaltado com a assistente - Ele não retorna nem atende minhas ligações, a Lucy também continua me dando o maior gelo. Cheguei a pensar que... eu devia ter matado o Axel naquele dia em que iria busca-lo pra levar até o Nero. E começo a achar que ele concordaria em morrer pelas minhas mãos, se achava um peso na minha vida, mas por bondade e um pouco de pena eu resolvi abriga-lo na minha casa. Quem talvez faça isso é o Nero depois que conseguir o que quer dele. A merda do feitiço pra domar a fera dos tempos bíblicos. 

- Mas o que disse ao Nathan pra deixa-lo tão magoado? 

- Falei pra ele se mandar. - disse Frank levantando-se para abrir as persianas da janela - De volta pro tempo dele. - a sala encheu-se de luz natural num instante - Depois pesou forte na consciência, mas quando voltei... ele já tinha saído. - voltou-se para Carrie - Eu ia chama-lo pra morar comigo uns dias até que bolássemos uma ideia pra resgatar o Axel. 

- Se perder as esperanças, vai estar perdendo a confiança do Nathan. Ele não tomou a iniciativa corajosa de voltar no tempo, com o peso do mundo nas costas, pra acreditar no sucesso dessa missão sozinho. É claro que erros e imprevistos aconteceriam no meio do caminho, ele não é um vidente. E se ele tiver ido embora mesmo? Ele queria somar forças com você. A recusa das ligações prova que ele ficou bem desapontado com essa postura de pai carrasco que não mede palavras.

- É, realmente... peguei pesado e pisei feio na bola. - disse Frank, pensativo - Se ele decidiu partir, tudo o que me sobra é reatar meu romance com a Lucy... 

- E aí a história do futuro em que o Nathan cresceu vai se repetir. Com você morrendo sabe-se lá como no fim das contas.

O detetive passou a mão no rosto, estafando-se com aquela situação tão árdua de se lidar. 

- Vamos parar com esse assunto por aqui, tá? Manda aí a bomba de hoje. 

- Tá revigorado? Bom, tomara que sim, embora não sei se a problemática da vez estimulará seu ânimo.

Frank pegara a pasta e deu uma rápida olhada nas páginas de relatórios, o cenho franzindo-se lentamente.

- É sério isso, Carrie? Desaparecimentos de supostos agressores de cães. Muitos indícios sobrenaturais aqui, estão saltando aos meus olhos... 

- Ah, para, foi o melhor que o Giuseppe encontrou. Se ler com atenção, verá uns detalhes misteriosos. 

- Hum, deixa eu ver... - disse Frank em sua leitura - Encontraram um cão abandonado numa casa em que vivia um cara anteriormente denunciado várias vezes. O cachorro já foi adotado, mas tem gente alegando que o viu na casa desse sujeito, só que ele não criava cães de raça e sim vira-latas. 

- É uma fofura, né? Tem a fotinha dele anexada. - disse Carrie, não escondendo seu amor por cães. 

Frank olhou para a fotografia do cachorro da raça Schanauzer de olhos pretos bem redondos. 

- Ele não tem sinais de agressão, mas a pessoa tá especulando que ele foi adquirido no mesmo dia em que se escafedeu. O cãozinho foi achado, mas depois fugiu, logo mais alguém achou na rua e pegou pra criar. Caso muito estimulante. 

- Não somente esses vermes desnaturados que foram os alvos, gente inocente também anda sumindo. O que não dá pra saber é se tais desaparecimentos estão inclusos no mesmo pacote. Dois policiais do DPDC desapareceram sem mais nem menos. Mas uma ocorrência foi registrada ao banco de dados de denúncias pelo policial Doug Masters. Invasão de domicílio. Uma mulher ligou desesperada avisando que sua estava sob invasão de bandidos. Eu pus o endereço da casa no final.

- Primeira parada: o garoto que adotou o cãozinho. Nunca se sabe o que um caso desses pode reservar. - disse Frank andando para sair - Por mais tedioso que pareça. 

                                                                                  ***

Muitos metros de profundidade no subterrâneo, Axel via-se largado numa cela de pedra. Havia saído de uma masmorra apenas para cair em outra. Ele se endireitou na postura do corpo ao ver um guarda passar.

- Ei, carcereiro. - chamou ele indo até as grades - Chega mais aqui. 

- Se é pra pedir liberdade, desista. - disse o guarda gárgula com sua lança - O Nero não facilita sua vida enquanto continuar recusando-se a dizer as palavrinhas mágicas que ele tanto quer arrancar da sua boca.

- Facilitar minha vida ou acabar com ela? 

- Não sei bem ao certo, pra ser honesto, mas quem sabe ele te dispensa vivo se for um bom menino. 

Um outro guarda veio até a cela de Axel batendo a ponta de sua lança nas grades para chamar a atenção dele. 

- Nero está o chamando. Definitivamente ele não vai mais tolerar resistência. Então é bom cooperar dessa vez. 

O outro guarda que viera primeiro destrancou a cela. Axel saiu devagar, um tanto hesitante dada a imprevisibilidade das decisões de Nero se ele entregasse as palavras que o governante de Gargóvia tanto deseja ouvir e pronunciar. 

Na área mas espaçosa do palácio de Nero, Axel era trazido segurado nos braços pelos dois subalternos. 

- Larguem-no. - ordenou Nero virando-se de frente à eles. Os guardas soltaram Axel com agressividade, praticamente empurrando-o - Essa será minha última tentativa, portanto escolha sabiamente, Axel. Sua vida depende de sua resposta.

Axel fitava seu velho amigo com sinais claros de nojo na face. 

- Querem saber o que eu acho? Vocês todos estão... horríveis, acabados, decadentes... É essa vida precária que você quis forçar goela abaixo em todos os que você arrebanhou pro seu êxodo? Não adianta vir com desculpa de sobrevivência... 

Nero andou a passos largos, bufando de raiva, em direção ao ex-companheiro de caçadas sobrenaturais.

- Eu não o chamei pra que desse palpites nas minhas intenções! - disse Nero, o rosto bem próximo ao de Axel. 

- Teria sido melhor mesmo que todos ficassem na cidade naquela hora e não fugissem! - rebateu Axel, tomando mais proximidade.

- E sofrer o destino cruel de ser reduzido a uma pedra imóvel e sem vida? 

- Antes aceitar esse destino do que submeter nossos amigos e as pessoas do vilarejo à sua atitude covarde! 

Num impulso, Nero pegara a parte inferior do rosto de Axel, agarrando o queixo, e o jogara ao chão como um boneco. Axel rolou no chão de pedra, tossindo um pouco. Nero mantinha sua posição altiva, encarando o prisioneiro com desprezo. 

- Não cabe você julgar se o que fiz foi certo ou errado. Era uma questão de sobrevivência sim. Além do mais, Medusa havia me avisado de antemão sobre os resultados da magia que utilizou no feitiço de petrificação em massa. 

Axel levantava-se, limpando as calças. 

- Só falta você falar que fechou um acordo com ela em troca de sexo barato. 

- Nossa relação foi bem mais profunda do que imagina. Mas nada de conchavos. Eu nunca trairia meu povo selando pacto com aquela víbora traiçoeira. Eu não tentei mata-la quando se revelou uma górgona diante de mim, pelo contrário, procurei entendê-la. O amor que eu sentia por ela me permitiu isso. Ela me contou uma história de tempos remotos. Uma pequena cidade grega petrificada, mas com o tempo um enorme terremoto a soterrou entre os escombros. O ato que obrigou os antigos deuses a banirem-nas. Falou que usaram uma magia poderosa e antiga para se vingarem dos cidadãos que as hostilizavam. Quando estávamos saindo rumo a Vanderville, fomos atingidos por uma onda de energia mística que petrificava nossas peles pouco à pouco. Daí compreendi meu erro em declarar minha confiança incondicional àquela maldita criatura. Avisei que fomos amaldiçoados, sabendo muito bem do que se tratava. Agora diga-me: Onde você estava, Axel? 

O hóspede de Frank ficara imerso em pensamentos por uns segundos, logo se dispondo a falar. 

- Eu tentei impedi-las. - disse ele, o tom mais ameno - Mas era tarde demais e... corri pra avisa-los. Lembre-se que eu não iria pra essa caçada exatamente pra investiga-las, até mesmo a Esteno. Medusa falou do feitiço, mas não disse como o havia feito. Aquele busto de pedra que ela te deu como presente era uma cilada. Eu não tive tempo de alcançar vocês. Mas caso contrário não estariam aqui vivendo essa flagelação que vocês chamam de vida. 

- O que nos tornamos de lá pra cá elevou nossas consciências a um outro nível. - disse Nero - Somos uma nova raça, Axel. O que éramos naquela época se consumiu dentro de nossas almas. Por outro lado, a maldição nos trouxe a perspectiva de uma benção. E você foi o único que restou alheio à essa evolução. Logo você, a chave pra que tracemos o caminho da transcendência! 

- Você tá totalmente obcecado, Nero. - disse Axel - Transmitiu essa loucura pra todos, você é bom nisso. Mas sua lábia não me pega. Posso até não dizer um "a" sobre o feitiço pra controlar uma besta como o Behemoth, mas em compensação posso te dar algo valioso pro seu grande plano. A Medusa. 

Nero avançou até Axel o pegando pela gola da camisa branca. 

- Não faça promessas fora do seu alcance. 

- E não me dê uma surra até minha humanidade ir embora pra que eu entregue o feitiço. 

- Era o que eu devia ter feito desde o início da sua custódia. Mas sua ideia foi tentadora, parabéns. 

- A cabeça da Medusa... Vou acha-la e entrego diretamente nas suas mãos, eu faço questão. Em troca disso, não possua mais minha mente nem meu corpo.

- Justo. - disse Nero, soltando-o - Mas me traga em dois dias. Não temos mais uma década de espera. 

Axel engoliu a saliva, temeroso com o prazo estipulado. Ficou a pensar, fitando o ex-amigo, em qual local estaria situada secretamente a lendária cabeça de Medusa.

                                                                                ***

Frank se dirigia a um parquinho onde avistou um garoto sentado no balanço solitariamente observando as demais crianças brincarem. O detetive pisava na areia andando até o balanço à esquerda do garoto e sentou-se. 

- Quem é você? - perguntou o menino de cabelos lisos estilo "tigelinha" com uma franja na testa. 

- O cara que pretende resolver a parada envolvendo o cachorro que você adotou. - disse Frank. 

- Você é um policial? - indagou o garoto, estranhando. 

- Sou, mas não do tipo que atira primeiro e pergunta depois. Só em alguns casos. Como se chama?

- Ray. Por que tá trabalhando nisso? Digo, sobre o meu cão? 

- Prazer, Ray. Sou o Frank. A questão é o seguinte: Tem um lance misterioso por trás do seu cão. Um mistério que preciso desvendar senão as coisas podem se complicar pra mim. Pode confiar? 

- Sim. - disse Ryan acenando com a cabeça - Mas o problema é que tem gente querendo ele de volta pelo que eu soube. Achado não é roubado, né? Eu não fiz nada de errado! Achei ele sem coleira, então é como se não tivesse dono. 

- Fica tranquilo, o cachorro é todo seu. Por que não tá brincando com as outras crianças?

- Briguei com meus pais. Não querem confusão com a pessoa que diz ser vizinha do verdadeiro dono do Puggy, esse é nome  que eu dei à ele. 

- Eu também não ando bem das relações. - disse Frank olhando as crianças brincando com os olhos semicerrados devidos ao sol forte que fazia - Mas uma hora as coisas se acertam. Ahn... Ray, será que você podia me mostrar seu cachorro?

- Pra quê? - indagou ele, curioso. 

- Quero fazer uma pequena avaliação. Vou te esclarecer tudo, dependendo do resultado. 

- Tá legal, você quem manda. - disse Ray descendo do balanço - Vem comigo. 

Ray trouxe Frank à sua casa para uma olhadinha em Puggy que rapidamente correu ao encontro de seu dono, mas ao invés de pular em cima dele para dar lambidas, o cãozinho rosnava com os dentes à mostra. 

- Esse é o Puggy, ele não é muito amigável. - disse Ray - O que é mais um motivo pros meus pais não quererem, pensam que ele pode me passar raiva ou outra doença qualquer. Tenha cuidado, ele já tentou me morder. 

- Não entendo de raças de cães, mas... acredito que ele pertença a uma bem dócil. - disse Frank, hesitante.

Puggy sentou-se olhando-os fixamente. Frank foi se aproximando e agachou-se frente ao animal. 

- Calma, não vou te machucar... - disse ele, sentindo-se ridículo ao falar daquela forma com um cão. "Aonde foi que eu meti, cacete?", pensou ele, entediado com aquele caso - Você costuma conversar com ele, Ray? 

- Tem momentos que... ele parece realmente entender o que digo. É sério, não tô brincando. Uma vez eu mandei ele parar de latir e ele avançou contra mim latindo mais alto ainda. Nem a meus pais ele obedece. Que cão não obedece adultos?

- Então... Façamos um teste de inteligência: Puggy, pra cada pergunta que eu fizer responda "sim" dando a patinha ou "não"... rosnando que nem um cão brabo querendo rasgar meu couro. Vamos nessa: Você conhece a pessoa que é vizinha do seu dono?

Puggy deu a patinha direita na mão de Frank. 

- Caramba... - disse o detetive, surpreendido - E não é que ele entende mesmo. Próxima pergunta: Alguém invadiu sua casa? 

Novamente Puggy dera sua patinha. 

- Você foi o último cão adotado pelo homem que morava na sua casa? 

Desta vez, Puggy rosnou mostrando seus presas de cima. 

- A pessoa que invadiu sua casa era um homem? 

Mais um rosnado como resposta negativa. 

- Era uma mulher? - indagou Frank. Puggy deu sua patinha ao detetive - Você sempre morou na zona norte?

Outra vez o cão ergueu sua pata. 

- Você sabia que o homem da casa pra onde você foi tinha fama de maltratar cães? 

Novamente, Puggy ofereceu a patinha. 

- Ótimo, aqui temos uma incongruência. Se ele foi o último cão adotado pelo cara, então como sabia que ele era conhecido por agredir os que tinha? E o mais incrível disso tudo: Como ele entende perfeitamente nossa linguagem e o contexto? 

- O que aconteceu na casa do tal homem?

- Levaram os cães dele embora, mas ninguém sabe nem viu quem foi. Coincidentemente ele também desapareceu... Peraí. - disse Frank, voltando-se para o cão com o olhar desconfiado. Puggy latiu alto para o detetive - Quer dizer mais alguma coisa? - perguntou ele ao que o cão respondeu com a patinha dada - Você não foi adotado, certo? - mais uma vez a patinha - O homem da casa sumiu? 

Naquela pergunta, Puggy teve de rosnar e com ferocidade do que as outras vezes. Frank ficara de pé.

- E aí, o que descobriu? O que as respostas do Puggy querem dizer? 

- Querem dizer que... o Puggy é o dono dos cães. - disparou Frank fazendo Ray arquear as sobrancelhas perplexo. O cachorro, ou o homem, mostrava sua língua como uma espécie de demonstração de felicidade. 

                                                                                   ***

Jocelyn Backhall estava pintando suas unhas das mãos no sofá quando ouviu a campainha soar. 

- Está aberta, entre. - disse Jocelyn sem desconfiar de quem estivesse do outro lado. A visita adentrou à vontade, alegrando Jocelyn - Finalmente resolveu valorizar minhas chamadas de urgência. Bem-vinda de volta, sumida.

A visitante não era ninguém menos que Lisbell, a bruxa que outrora foi filiada à facção de bruxos que cultuavam a figura de Merlin. Ela largou sua bolsa numa cadeira. 

- Você usou a isca certa pra me atrair: novidades bombásticas. - disse a bruxa meio ruiva andando em direção à amiga.

- Não vai acreditar na minha mais nova empreitada. - disse Jocelyn guardando o esmalte na caixinha sobre a mesinha.

- Voltou a ser striper? Claro, com a diferença de ser agenciada. - disse Lisbell sentando-se no sofá ao lado dela.

- Não, muito mais rentável. - disse Jocelyn com um sorriso de satisfação - Me uni a um centro de adoção de cães. 

- Puxa, que emocionante. - ironizou Lisbell - É algum tipo de redenção pelos atos malvados de bruxa?

- Eu esperava que dissesse "Nossa, parabéns, você não mudou nada mesmo, continua louca por cachorros". - disse Jocelyn aparentando chateação - E não, não se trata de nenhuma tentativa de se redimir. Não há arrependimento que salve uma bruxa da condenação do fogo eterno do inferno. Mas pra compensar os meus erros, estou fazendo justiça pelos animais indefesos que sofrem nas mãos de agressores. 

- O que uma coisa tem a ver com a outra? - perguntou Lisbell franzindo a testa.

- Só entre nós duas, OK? - Jocelyn inclinou-se para perto dela e falou baixinho - Venho transformando aqueles que destratam cães em.... cães. Pra que sintam na pele o que eles suportam. O programa de adoção me dá um bom retorno financeiro.

- De fato, você não mudou mesmo. É pelo amor aos animais ou ambição de faturamento?

- Uma mistura dos dois. O que posso fazer? Preciso da minha geladeira cheia todo final do mês. 

- Na certa os desaparecidos estão na mira do polícia... E você também. Que mágica usa pra isso?

- Desenvolvi um soro à base de amostras sanguíneas de várias raças. A fórmula em geral é segredo. - disse Jocelyn, levantando o queixo para posar-se de superior - Ficou interessada? 

- Não sei no que me seria útil transformar pessoas em animais. Isso é um dos maiores clichês de bruxa. Mas é melhor ser cautelosa, Jo. O que tem feito é bonitinho e fofo, mas... não podemos abusar das nossas artes ocultas. O feitiço pode virar contra o feiticeiro. Não que eu esteja pensando em te desencorajar. - o celular da bruxa vibrara tocando no modo silencioso. 

Lisbell verificou o nome e o número da chamada e seu semblante foi de um contido espanto. Frank ligava para a bruxa naquele instante, recorrendo à ela para uma colaboração no caso. 

- Eu posso ir no banheiro rapidinho? Tem alguém me ligando... É muito particular. 

- Ótimo, vou preparar uns drinks pra nós duas e matarmos a saudade das nossas festinhas em dupla. - disse Jocelyn levantando-se do sofá. Lisbell foi até o banheiro, o celular vibrando sem parar na sua mão direita. Um dos cachorros de Jocelyn, este da raça Shih-tzu, veio até ela - Oh, vem cá pra mamãe, vem. - o pegou no colo - Tá com fominha? 

Entrando no banheiro às pressas, Lisbell atendeu a ligação do detetive, colando o aparelho ao ouvido.

- Você não devia estar morto? Ou no mínimo vivendo como uma aberração de outro mundo?

- Eu escapei fedendo de virar um monstrengo horripilante, me livrei daquela marca desgraçada. - contou Frank, fora da casa de Ray - O papo agora é outro: Será que podia me falar de um feitiço que possibilite pessoas a conversarem com animais? Não é querendo bancar o Dr. Dolittle, é pra um caso de pessoas virando bicho por algum invasor misterioso que tem dado chá de sumiço em agressores de cães. Acabei de fazer um teste com um cara que foi vítima, mas ele não desapareceu, só fugiu de casa depois que o invasor levou embora os cães que ele criava e maltratava. É uma mulher, única coisa que sei.

- Ora, veja só, em que mundo mais pequeno vivemos. - disse Lisbell, levantando uma sobrancelha - Estou agora mesmo na casa da mulher responsável por essa cachorrada.

- O quê? Conhece ela? 

- É minha amiga de longa data, Jocelyn Backhall. Ela é praticamente como eu, uma bruxa egoísta que quer desfrutar de luxos e riquezas. A diferença é que eu quero um patrimônio milionário pra morar em Paris e ela... virar uma socialite metida à besta. Me desculpa, mas dessa vez não dá pra sermos uma dupla dinâmica como naquele caso do Gierfrass. Jocelyn não tá cometendo exatamente um crime. Ela sempre foi alinhada à causa dos animais e tem punido agressores.

- E você quer que eu fique de boas com essa palhaçada quando inocentes estão sendo vitimados também? Vai acobertar porque é sua amiguinha do peito? Não vem falar que é mentira, eu tenho nomes dos desaparecidos, alguns não tem denúncias de agressão à cães na ficha. Ela tá atirando aleatoriamente seja lá o que for. No fundo você concorda que ela perdeu a razão, se é que tem agido pela razão antes, por mais escrotos que sejam os caras que maltratam os totós. 

Lisbell não podia negar a si mesma que via uma boa ponta de razoabilidade no argumento de Frank. 

- Está bem, mas vou me limitar apenas ao feitiço. 

Jocelyn esperava a amiga com duas taças de drinques sobre a mesinha. Lisbell voltava do banheiro numa postura de insegurança perante à ela. As duas se entreolharam silenciosas. Jocelyn sorridente e Lisbell mais séria e dura.

- Eu tenho que ir, Jo. - disse Lisbell, andando rapidamente até a cadeira onde deixou sua bolsa. A pegara e foi logo tocando na maçaneta da porta - A gente se vê noutro dia, prometo que atendo as ligações. 

- Espera, Lis. - disse Jocelyn levantando-se e virando-se para ela com uma expressão claramente repreensiva destacada pelo olhar - Como achei muito estranho você preferir atender o celular no banheiro e não na minha frente, resolvi usar meu truque favorito de espionagem auditiva. Você sabe bem qual é. Até usaria o corpo de vidro, mas já está muito defasado.

Lisbell tremeu os lábios ante à esperteza de Jocelyn. 

- Conhece esse cara? Quem é ele? - perguntou a bruxa apaixonadas por cães. 

- É um detetive paranormal, trabalhamos juntos uma vez, mas não temos nenhum vínculo profundo.

- Responda com sinceridade se for mesmo minha amiga: Quer mesmo ajudar esse cara que tá arriscando ferrar com meu nobre propósito de castigar agressores e ao mesmo tempo dar um lar decente aos cães? 

- Eu só estava fingindo concordar. Vou encontra-lo só pra ele largar do meu pé. 

- Assim é melhor. Mas quero que prove sua lealdade com um favor: Use a magia de transmorfismo animal nele e o traga a mim hoje à noite. Fica mais um pouco, vou te ensinar como se usa a substância que criei. 

Sem poder se utilizar de subterfúgios, Lisbell jogou novamente sua bolsa na cadeira, disposta a conhecer a magia de Jocelyn. 

                                                                                ***

Frank aguardava ansiosamente a vinda de Lisbell debaixo de uma árvore que fazia uma boa sombra para ele e seu sedã prata numa calçada no outro lado da rua da casa de Ray. Um carro vermelho encostou atrás do dele. 

O detetive suspirou pela boca, aliviando a impaciência, ao ver a bruxa sair do veículo, não deixando de admirar, no âmago do seu ser, a beleza estonteante dela quando tirava seus óculos escuros. Lisbell lançou um sorrisinho simpático pra ele. 

- A casa do menino que adotou o cachorro é essa daí. - disse Frank apontando para a residência de Ray - Vamos entrando?

- Não tem necessidade de enfeitiçar o cão. - afirmou Lisbell - E, sabe, pessoas normais se cumprimentam num encontro.

- Até parece que somos... amigos. - disse o detetive, não fazendo uma cara de quem estava gostando - Não confunde as coisas. A gente se ajudou pra escaparmos daquela dimensão maluca e pra acabar com o vampiro do resfriado. Mas ainda não tô muito confiante em contar com sua experiência, ainda mais agora que uma amiguinha sua tá metida no rolo. 

- Então por que me ligou? O pior é que ela ouviu nossa conversa. Me obrigou a usar a mágica de transmorfismo em você pra representar uma prova de que estou ao lado dela e apoiando-a na causa de adoção dos cães.

- E vai escolher o quê? Ferrar com a maracutaia dela ou me transformar num cachorro sarnento? 

- Eu pensei a fundo e... - disse Lisbell olhando-o fixamente - ... decidi me abnegar... por você. O que eu tenho em mente é engana-la com um cachorro qualquer dizendo ser você. Qual raça combina com seu estilo? Estive pensando em São Bernardo. Ou você quer que seja um Pinscher? Meu favorito, por sinal. 

-  Olha, vamos parar de brincadeira. Nós vamos sim testar o feitiço no cachorro do Ray. Digo, no cara que foi transformado. 

- A Jocelyn usa uma substância que converteu em pó mágico pra soprar na cara dos seus alvos. 

- É o que veremos. - disse Frank, andando em direção à casa de Ray.

- Qual é? Depois de tudo que passamos, ainda não confia em mim? - perguntou Lisbell, seguindo-o.

- Confiar até confio. Mas uma parte, uma pequena parte de mim, confia desconfiando. - respondeu Frank atravessando a rua. 

Ray deixara-os entrar, mas avisando que os pais dele voltariam em breve do mercado. O menino não tirava os olhos de Lisbell que se aprontava para realizar o feitiço de igualar a comunicação animal com a humana. 

- Muito bem, está feito. - disse Lisbell, agachada diante de Puggy, removendo sua mão sobre a cabeça dele - Pode falar, amorzinho. Somos todo ouvidos, não se acanhe. 

- Amorzinho o cacete, sua peituda estranha. - disse Puggy, dando um leve susto em Frank e Ray que se entreolharam pasmados. A ideia de ver um cão abrindo sua boca para emular perfeitamente a fala humana lhe perturbava. 

- Ele é um doce. - disse Lisbell, sarcástica, ficando de pé. 

- Uau, ela... fez mesmo o Puggy falar. - disse Ray ainda estupefato - É uma bruxa? 

- Shhh, não conta pra ninguém. - disse ela para o garoto. 

- Como você se chama? - perguntou Frank ao cão. 

- Marley. Eu nunca maltratei meus cães, é tudo balela da vizinhança invejosa. - disse o "cachorro" olhando para Frank - Eu tinha voltado do trabalho quando uma mulher de capuz soprou um pó verde na minha fuça, acho até que fiquei cego por um tempo. Depois acabei no corpo de um cão... ou virei um, sei lá. 

- Viu só? Eis a verdade corroborada. - disse Lisbell para Frank - A substância da Jocelyn é verde. 

- Bem, Marley, tenho evidências concretas de que seus cães eram sim maltratados. Vi fotos enviadas por vizinhos à polícia. Você tinha cinco cães, todos com marcas de feridas no corpo e bem magros. Quando dermos um jeito nisso...

- O feitiço de transmorfismo é irreversível. - declarou Lisbell - Conheço bem a Jocelyn, ela nunca se limitaria a algo tão simples como uma mera troca de corpos. Se ela investe num plano que traga benefícios em troca, ela vai fundo. 

- Eu vou ficar nessa forma de cachorro pulguento pra sempre?! - reclamou Marley, atordoado. 

- Você pode seguir com a vida... tendo o garoto aqui pra te acompanhar. Talvez a convivência com ele te faça menos babaca. - disse Frank. 

- Vai se ferrar, ô detetive de merda. - xingou Marley mostrando seus dentes pontudos - Eu que não vou ser capacho desse moleque chato. Eu vou é me mandar, deixar um caminhão passar por cima de mim.

- Não, não faz isso, por favor. - disse Ray colocando-se à frente de Frank e Lisbell - Você tem ainda uma chance de ser amado. Fica conosco, por favor.

Marley ficara silencioso por um tempo, gerando expectativa por sua decisão. 

- Tá, eu fico, pra você não ficar enchendo meu saco. Quem tava mentindo era eu. Sentindo como um cachorro é de corpo e alma, percebi que fui um tremendo irresponsável.  

- Isso é pouco pra definir quem maltrata animais indefesos com tamanha violência. - disse Frank. 

- Se você diz que se sente como um cachorro é de verdade... pode me dizer porque odeiam os gatos? - perguntou Ray. 

- É um negócio meio difícil de explicar, mas vou tentar resumir pra não explodir sua cabeça. É que... 

De repente, a fala humana de Marley foi interrompida por latidos, indicando que a validade do feitiço expirara. 

- E a droga do feitiço acaba justo quando um dos maiores mistérios do mundo seria revelado. - disse Frank, meio frustrado - Bem, pelo menos, sabemos do necessário pra arruinar a festinha da bruxa picareta. 

O detetive voltou sua olhar para Lisbell que retribuiu com um sorriso que aparentemente transmitia um sentido dúbio. 

                                                                         ***

Axel permanecia na cela por sua recusa em falar o que Nero lhe mandava. Pela última ordem do governante de Gargóvia, ele ficaria aprisionado até o dia seguinte num horário determinado. Mas Axel não se contentava nem um pouco em ter de esperar o amanhecer. Na verdade, sequer sabia se era dia ou noite. Uma imersão de pensamentos o trouxe de volta à lembrança do final de sua conversa com Nero. Especificamente uma informação relevante dada que sanava uma pertinente dúvida. 

                                                                         ***

- É trato feito. - disse Axel - Mas esse número de dias que você deu... não é como se eu soubesse onde está. 

- Encare isso como um desafio. - disse Nero, sorrindo cinicamente - Será interessante vê-lo tentar. 

Axel fechou brevemente os olhos dando um sorriso fechado de ironia. 

- Você se tornou um cara bem mais durão que antigamente. Não me refiro a apenas por fora, claro. 

- Está dispensado. Volte pra sua cela. Amanhã de manhã será liberto pra que corra contra o relógio em busca de Medusa. - disse Nero virando as costas friamente para o ex-amigo. 

- Espera. - disse Axel - Como você consegue fazer aquilo? A possessão. Por que logo você tem esse privilégio de poder quando todos estavam no mesmo barco indo parar nessa terra onde o sol não bate?

Nero não se virou e ficara em silêncio por alguns segundos. 

- Uma cobra me picou no braço. Rastejou até minha casa e deu seu bote quando estava ocupado afiando uma lâmina. Mas o veneno não me matou até o anoitecer como eu presumia. Provavelmente Medusa me enfeitiçou quando me embriagou com seu charme diabólico. 

- Uma cobra... A Esteno perdeu as cobras da sua cabeça por um feitiço de Medusa depois que ela descobriu meu relacionamento com a irmã dela. A Medusa planejou tudo desde o início. Até mesmo esses poderes que vocês tem. Como você, tão persuasivo e conquistador, pôde cair tão fácil nas mentiras de um monstro? Hein, Desmond?

Nero repentinamente voltou-se para Axel dando-lhe um forte soco no rosto, derrubando-o. 

- Nunca... Nunca mais me chame por esse nome outra vez. - avisou ele, contendo sua fúria. 

                                                                             ***

A passagem de um guarda arrancou-o de volta ao tempo presente. Uma súbita ideia clareou na mente.

- Ai, ai... Ei, vem aqui, por favor. - disse Axel, fingindo uma dor de barriga. O guarda aproximou-se das grades - Eu tô passando mal, não comi nada desde que cheguei. Eu tô te implorando... 

- Nossa comida não é do seu gosto. - disse o guarda - Na sua condição, ela pode até mata-lo intoxicado. 

- Tem que haver algo... - disse Axel chegando perto das grades - Eu preciso, minhas tripas estão dando um nó.... - pegara a cabeça do guarda e batera-a contra as grades violentamente. Pegou as chaves no cordão que ele levava e enfiou uma delas na fechadura. O guarda cambaleou desorientado pelas pancadas, mas logo se recuperava pela dureza de sua pele pedregosa. A cela abriu e Axel saiu depressa. O guarda correu para alardear à Nero e os demais sobre a fuga inesperada.

Uma tropa de soldados saiu pelos corredores do palácio para servirem de obstáculos e fechar cada passagem. Axel topava com alguns deles no meio do caminho sem saber onde ficava a saída. Lutou contra eles com seus punhos sem medo das recaídas da maldição de gárgula. Passou pelos guardas, correndo mais rápido, mas logo um se colocou à frente dele apontando sua lança. Axel segurou a arma e a quebrou ao meio logo dando um soco forte contra o lacaio de Nero que resistiu contra-atacando do mesmo modo, mas Axel revidou com mais peso com dois socos potentes que o derrubou. Os olhos de Axel se avermelharam, fazendo ele pôr as mãos na cabeça em meio a um esforço de resistência. Fechou-os por um breve instante, logo voltando a si para prosseguir na sua escapatória. Pegou uma tocha para iluminar o corredor escuro pelo qual entrara. A chama iluminou uma porta envelhecida de tão descascada. A abriu girando a maçaneta, mas olhou por cima do ombro vendo dois soldados surgirem com seus olhos escarlates reluzindo nas trevas como quatro faróis macabros. 

Axel viu uma escada que subia e tratou de soprar a tocha, apagando o fogo fazendo assim o corredor mergulhar-se numa absoluta escuridão. Saiu por uma abertura semelhante a um alçapão próxima de uma cabana em meio a uma floresta cheia. Mas como já havia anoitecido, seria uma presa facilmente capturada pelos lacaios de Nero. Fechou as portas, trancando-as com um pedaço de tábua que passou entre os puxadores. Saiu pela floresta procurando chegar a tempo na casa de Frank. 

                                                                              ***

Jocelyn foi atender quem estava tocando sua campainha àquela hora, no aguardo de que fosse Lisbell. 

- Eu nunca duvidei da sua palavra. - disse a bruxa maníaca por cães sorrindo ao ver a amiga com um cão de pelo amarelo no colo - Esse é o detetive que andava me investigando.... 

Lisbell entrou na casa não dizendo nada a respeito. Jocelyn inclinou-se para o cão. 

- Um vira-lata. Deve combinar com a personalidade dele. E então, o que tá achando? Você perdeu, idiota. 

Lisbell revirou os olhos julgando a atitude da amiga estúpida. 

- Faça bom proveito. - disse ela pondo o cachorro no chão, mas foi recuando, levantando dúvida em Jocelyn.

- É só isso? Não vamos nos abraçar e celebrar a nossa amizade inabalável? 

- Claro, mas deixa eu adicionar mais um convidado à nossa festa. - disse Lisbell que estalou os dedos. Os olhos do cão vira-lata brilharam em vermelho e o mesmo mostrara suas presas, depois sofrendo uma metamorfose assombrosa, aumentando sua massa corporal bem como a mandíbula e as garras. Jocelyn encarava horrorizada a transformação do cão infernal trazido por Lisbell como artifício de uma farsa bem montada - Curte essa raça? 

- Undo Disciplinam! - disse Jocelyn esticando sua mão direita apontada para o cão infernal que parou de rosnar assumindo uma postura dócil - Imperium Inferunt. Carne fresca bem aí atrás de você.

O cão do Inferno virou-se para Lisbell emitindo seu rosnado feroz e monstruoso e andou alguns passos na direção. Jocelyn sorria quase que querendo rir histericamente.

- O que foi, Lis? Que cara é essa? Pensou que fosse a única a dominar magia de submissão a criaturas do submundo? Tanto tempo de intimidade e eu estava alcançando você bem debaixo do seu nariz. Sinto muito, mas vai ter que acabar assim.

Lisbell recuava amedrontada, certa de que não seria rápida o bastante para reverter o feitiço e reposicionar o cão infernal ao seu lado antes que Jocelyn gritasse para que atacasse a amiga.

- O meu amigo detetive me contou que estava enfeitiçando inocentes... 

- E daí? Não é você quem define os meus limites morais pro uso da bruxaria! - rebateu Jocelyn, furiosa - Chega, já tô bem decepcionada com essa sua traição. Cansei de você, Lis. Pega ela! 

O cão infernal correu e pulara sobre Lisbell selvagemente afundando suas presas na carne da bruxa. Um espirro denso de sangue respingou na parede e Jocelyn assistia tranquilamente ao monstro mastigar sua ex-amiga enquanto ela gritava em agonia extrema. Alguns minutos depois, o sedã prata de Frank parava em frente à casa da bruxa. O detetive saíra do veículo apressadamente, munindo-se de sua arma. Ao ver que o interior da casa estava um breu, pegou sua lanterna e seguiu adentrando, a lanterna na mão esquerda e a arma na direita. Apontando o facho da lanterna, parou para analisar a estante de Jocelyn, principalmente na parte em que se guardavam os DVDs de filmes.

- Só tem filme de cachorro. - disse ele franzindo o cenho. Seguiu adiante e a luz da lanterna iluminou uma visão dantesca - Lisbell! 

A bruxa encontrava-se no chão, o corpo encharcado de sangue com diversos ferimentos profundos, além de partes das entranhas expostas. Frank recuou uns dois passos,, enojado e abalado pela descoberta. Porém, uma voz familiar se exprimiu atrás dele. 

- Frank. - disse Lisbell, viva e de pé para o detetive que franziu a testa de tão confuso que estava. 

- Lisbell, você... - disse Frank que balançou a cabeça rapidamente com os olhos fechados - Não, só pode ser um fantasma. 

- Se enganou feio. Pode vir me tocar se quiser. Eu forjei minha morte pra Jocelyn. Essa carcaça aí não passa de mera ilusão. 

- O que aconteceu aqui pra terminar dessa forma? Mandei umas três mensagens, você não deu retorno, daí imaginei que tivesse acontecido uma merda das grandes com você ou com o plano. Cadê a Jocelyn?

- Bem atrás de você. - disse Lisbell que revelou-se a verdadeira ilusão ao desaparecer. Jocelyn abordou Frank por trás tapando seus olhos. 

- Adivinha quem é. - disse ela que ardilosamente usou a imagem do cadáver mutilado de Lisbell como disfarce. Frank sentiu ter adormecido por horas. Acordou num quarto estando amarrado pelos pulsos numa cadeira sem braços. Jocelyn o observava despertar dando um sorrisinho infame - Eu iria te dar um tempinho pra se despedir da Lis, mas a emoção de testar logo o estado líquido da minha fórmula ultrassecreta falou mais alto. - ela olhou para cima e Frank acompanhou. 

Uma esfera média de vidro estava pendurada no teto contendo uma versão gosmenta da substância. 

- Por isso não me soprou o pozinho mágico. 

- Não me agradeça, somente atrasei o inevitável. 

- Me fala onde tá a Lisbell, cachorra. - exigiu Frank olhando-a com raiva e tentando afrouxar os nós. 

- O cãozinho endiabrado que ela trouxe...a devorou até roer os ossos. Desculpa se dei uma falsa esperança. Muito bem, você será minha cobaia pra segunda fase do plano. 

- Meu faro de detetive não me sacaneia nunca, tinha mesmo dedo podre de bruxaria nessa parada como suspeitava. - disse Frank conseguindo afrouxar as cordas - O que você tem feito é de uma covardia tremenda. Apanhar uns agressores de cães tudo bem, mas descontar isso em gente com ficha limpa... 

- Ninguém é ficha limpa. - interrompeu Jocelyn - De qualquer forma, eu lutei por uma boa causa. O que vai ser agora? Uma lição de moral? Eu devotei minha vida ao amor por esses animais, nunca os abandonaria. Mas as pessoas? O que tem de valor? 

Frank olhou para a esfera de vidro que trincava em ritmo acelerado prestes a estilhaçar-se. 

- Não vem com esse papo furado de que prefere os cães às pessoas, sua vadia, tá mais do que na cara que você... tá lutando apenas pra encher teu bolso de grana destruindo vidas de pessoas que nada tem a ver com sua cruzada de vingança contra agressores. A Lisbell tinha uma coisa que você não tem.

- Ah, é? E o que seria? - indagou Jocelyn, altiva. 

- Bom senso, cadela. - disse Frank dando um sorriso de canto e mostrando estar com os pulsos desamarrados. Jocelyn arregalou os olhos e Frank levantou-se agilmente agarrando-a pelos braços e a empurrando na cadeira. A esfera de vidro estourou com seu conteúdo melequento caindo sobre ela como um banho de tinta verde. 

O detetive viu a bruxa metamorfosear-se em um cão, expressando ojeriza com as mudanças físicas. Contudo, a raça do cão em que Jocelyn transformou-se assemelhava-se a uma mistura de pitbull e rotweiller. A luz da lâmpada do quarto piscou tremeluzindo até apagar-se. O robusto cão bravo encarou Frank ameaçadoramente e como se isso não bastasse seus olhos emitiram um brilho verde enquanto mostrava suas presas. Por instinto natural, Frank disparou para fora do quarto. 

O cão avançou em perseguição derrubando a porta chegando a parti-la ao meio. Frank deu uma olhadinha para trás vendo o animal enraivecido correr até ele como se estivesse perseguindo um ônibus. ou um carteiro. O detetive saiu da casa pela porta do quintal que dava para uma área arborizada. Deparou-se, entre as árvores, com vários pares de pontos brilhantes esverdeados, obrigando-o a parar.  Vários clones de Jocelyn na forma canina surgiram da escuridão cercando Frank aos poucos. Mas antes que avançassem como monstros famintos ele entreviu uma brecha, correndo o mais rápido que suas pernas de quase 50 anos aguentavam. A rota o levou à uma estrada asfaltada que atravessou quase aos pulos. 

O cão vinha ao seu encalço não usufruindo mais de magia para cópias. Porém, avizinhava-se um grande caminhão de carga que buzinou alto. O cão estava atravessando quando o veículo batera contra ele o lançando para alguns metros longe. Frank correu até lá ao mesmo tempo em que o caminhão parava e o motorista descia com aflição no rosto. Jocelyn não se movia, tendo morrido na hora com o forte impacto do atropelamento. 

- Esse cachorro é seu? - perguntou o motorista. 

- Não. - disse Frank logo voltando seus olhos para Jocelyn morta - É um cão sem dono. 

                                                                               ***

Frank retornava à sua casa com as pernas exauridas da corrida pela sobrevivência que culminou na trágica morte da bruxa. Mas algo o esperava para surpreende-lo.

- Oi, Frank. - disse Axel acendendo a luz do abajur e acenando. 

- Axel?! - disse Frank, espantado, indo até ele - Ma-mas... Não tinha sido sequestrado pelos comparsas do Nero? 

- Eu fui. Mas consegui me salvar, achei uma passagem que dá acesso mais rápido até lá assim como também pra fugir. 

- Você quase me mata de susto aparecendo assim... - disse Frank dando sua mão direita à dele para um aperto amigável - Muita sorte sua escapar vivo do Nero. Não chegou a sair na mão com ele, né?

- Não, mas eu bem que queria. Pra te alegrar, eu não dei um pio sobre o feitiço pra domar o Behemoth. Mas... 

- Mas o quê, Axel? - perguntou Frank com mau pressentimento. 

- Negociei minha liberdade pela cabeça da Medusa. Me deu dois dias pra acha-la e entregar nas mãos dele prometendo não me possuir mais. O Nathan me falou que... 

- Sim, Nero precisa da cabeça de uma górgona pro plano mirabolante dele. 

- Exato. - disse Axel parecendo tenso - Plano esse que... envolve repetir o que as górgonas fizeram. 

Frank compreendera a grande ambição de Nero em relação à superfície. 

- Ele simplesmente quer petrificar a cidade inteira, Frank. - disse Axel gerando um calafrio no detetive que já pensava numa maneira de se reaproximar de Nathan... torcendo para que ele ainda esteja no presente. 

                                                                                  -x-

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.

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