Capuz Vermelho #62: "Ponto de Ruptura"


Uma já conhecida sensação era percebida por Hector poucos antes de despertar completamente. Os braços imóveis. As pernas travadas, mas não acorrentadas. O corpo querendo balançar de frente para trás. Sua visão rapidamente foi definindo a área. Uma gruta. As pálpebras iam levantando devagar...

- Onde estou? - perguntou, entrevendo um vulto passar na sua frente. Viu os braços presos à correntes. Em seguida, notou gotas de sangue próximas. Uma nova pingou da sua cabeça. Estava com um ferimento que por um breve instante não recordava do que havia causado. Olhou para sua companhia, numa vista melhor desta vez - Então foi você, certo? Pra quê me tornar cativo? Ao que sou útil? - sua memória reorganizou-se - Ah, é claro... Está afim de me transformar num dos seus monstros de estimação. Talvez não funcione. Digo isso pois... corre uma maldição no meu sangue. Eu não sou uma alma viva comum. Sendo assim... é perda de tempo o que está planejando.

O minotauro voltou-se à ele, mantendo a postura muda. Ele voltara a afiar o machado numa pedra média. Hector forçava as correntes, mas eram largas o bastante para que seus braços, num esforço meramente humano, cansassem-se em pouco tempo. A criatura terminara, pondo sua arma de volta ao cinto no lado esquerdo. A criatura pegara uma grande ampulheta cujo o compartimento superior abrigava um coração visivelmente não-humano. Tirara o minúsculo objeto que bloqueava a passagem do conteúdo que chegaria ao compartimento inferior. O coração iniciou um bombeamento de sangue.

Hector observava o processo. Os primeiros milímetros caíam conforme o órgão pulsava.

                                                                               ***

Algumas horas atrás

Hector acordara de súbito no momento em que o minotauro o arrastava pelos pés como um animal que acabou de ser caçado. Após várias tentativas falhas de libertar-se das vigorosas mãos da criatura, tocou na ferida do rosto pelo soco apagador que levou. O nariz ainda sangrava bastante. Alguns bastardos se reuniam ao redor da nova presa de seu líder, seguindo-o, soltando seus grunhidos e rosnados como se quisessem assustar Hector. O caçador os encarava furioso. 

Até que um dos monstros dera um chute no seu rosto, novamente levando-o a inconsciência. 

  _____________________________________________________________________________

CAPÍTULO 62: PONTO DE RUPTURA

Rosie não entendia bem como refugiar-se numa caverna ajudaria a mante-los seguros da ameaça constante dos bastardos, mas preferiu não expressar reclamação. Leo olhava o lado de fora ainda na incerteza de que as criaturas não estavam mais à espreita. A caverna tinha estalactites bastante pontiagudas gotejando água e como não dava para ouvir os trovões infindáveis, o silêncio era sentido para escutar cada som de gotas caindo nas poças.

- Tá legal, você achou o melhor lugar discreto pra conversamos sem interrupções. - disse Rosie, meio incomodada com a semi-escuridão da caverna - Bem, seja breve ou escreva na parede com qualquer pedaço de graveto queimado que estiver por aí, assim quem sabe a gente evita chamar atenção...

- Não, a zona tá limpa, tudo perfeitamente fora de risco. - disse Leo, assegurador, indo até ela - Não existe lugar totalmente seguro aqui, desculpa não ter falado logo...

- Você esqueceu de avisar no meio dessa loucura toda, eu entendo. Com quê mais devemos nos preocupar estando aqui além dos bastardos de energia ilimitada? Ops, minha voz tá muito alta.

- Estamos dentro no território deles, mas por alguma razão não apreciam cavernas úmidas e escuras, gostam de aterrorizar ao ar livre. - disse o profeta, dando olhadelas pro lado de fora - OK, retomando de onde nós paramos. Você... queria saber...

- Tivemos uma discussão inútil. - disparou ela - Depois você me seguiu... e naturalmente fomos voltando ao entrosamento normal. Estabilizando nossos espíritos, aliás. - disse Rosie, andando devagar - Eu só gostaria de entender como parece ter conhecimento sobre... demônios, magia negra e rituais. Não caiu aqui sem ter experimentado um gostinho do sobrenatural, ainda mais sendo um profeta.

- É, está certa. Tive uma vida ligada à esse tipo de coisa. - disse Leo, aparentando estar amargurado - Na nossa aldeia... havia uma seita cultuando uma entidade, preservavam um livro, grimório...

- O Goétia? - indagou Rosie, mesmo numa certeza praticamente provada.

- Sim, era esse o nome. O meu irmão mais velho guardava segredo dos meus pais e todos os dias me vinha com ameaças acreditando que eu pudesse levar à tona o que faziam nas noites de lua cheia.

- Seitas marcadas em noites de lua cheia... Que familiar. - disse Rosie, tendo más lembranças.

- O pior tinha que acontecer. - disse Leo - Quando uma evidência de bruxaria veio a público, meu irmão foi logo me acusando e mais tarde... descobri uma prova implantada no meu quarto, não deu tempo de esconder antes que ele visse. Era uma pena suja de tinta preta usada na carta anônima mandada para o chefe da aldeia. Sempre desconfiei que forjaram isso pra... me usarem como sacrifício ao demônio que veneravam como um deus.

Rosie sentiu uma identificação bater fortemente e o enxergou preenchida de sensibilidade.

- Bem-vindo ao clube.

                                                                                   ***

Na capela de São Miguel, um grupo de cerca de 12 magos do caos estavam reunidos numa das salas de reza. Marjorie preparava a mesa redonda colocando um pano de cor púrpura contendo símbolos místicos nos quais seriam pingadas as gotas de sangue. Mas a dúvida cruel era como fariam isso se o sangue na adaga Órion encontrava-se seco. Em seguida, a bruxa acendeu umas velas.

- Prontos, rapazes? - perguntou Marjorie, olhando-os - Isso que pus aqui é mais do que um item decorativo, esses ideogramas mágicos uma vez em contato com o sangue do alvo inteligam-se ao feitiço e juntos são capazes de desfazer o bloqueio. Mas nada entregue de bandeja, temos que ficar compenetrados no rastreio. Podemos começar ou falta mais alguém que resolveu tirar água do joelho?

- Que piada. - zombou um dos magos - Pensa que está no comando? Reconheça sua posição.

- Sem mim não há feitiço e sem feitiço não teriam como resolver seus problemas. Acham que eu ligo pra destaque ou tirar algum proveito disso pedindo algo que está fora da minha posição? Vocês agora servem à minha utilidade, querendo ou não. Melhorem essas caras e vamos iniciar logo.

Derek chegara trazendo a adaga consigo.

- Já não era sem tempo. - disse Marjorie, focando sua atenção na adaga - O sangue está aí? Mas...

- Otimismo, por favor. - disse Derek, interrompendo-a - Com o sangue seco, obviamente o feitiço é inviável. - exibiu a ponta da adaga - No entanto, posso contorna-lo. Vai gastar energia, mas não tenho escolha. - segurou-a firme e fechou os olhos. Naquele instante, o sangue voltava a ser líquido.

- Rápido, me dê a adaga. - disse Marjorie, indo pingar as gotas nos símbolos - Muito bem, rendeu pra todos. Posso adivinhar que isso foi uma magia de reversão de estado ou estou enganada.

- O sangue se liquefez, mas perceba... está voltando a ser uma casquinha seca, usei o básico de magia para dar tempo de usar cada gota necessária. - disse Derek, juntando-se aos colegas.

- Deem as mãos. - disse Marjorie, a face de alguém comprometido e determinado - Fechem os olhos.

- Viramos seus cães adestrados? - reclamou um mago, um descendente de asiáticos.

- Oh, vejo que não preciso dizer, foram bem instruídos. - disse ela, logo olhando de relance para Derek que a encarou com um sorriso fechado e discreto - Vamos lá. - tocou nos ombros os que estavam à sua direita e esquerda - Undo locus pestifer tegit velamen. Undo locus pestifer tegit velamen. Undo locus pestifer tegit velamen.

O recitamento teria de ser prolongado até o final. Todos os magos recebiam visões de inúmeros locais como uma viagem mental em alta velocidade. Os símbolos do pano queimavam um por um. Quando enfim o ponto fora achado, Marjorie abriu seus olhos brilhando em branco e posteriormente os magos do caos o fizeram no mesmo jeito. O último ideograma fora consumido pelas brasas. Ao fim do procedimento, todos saíram do encanto baixando os ombros devido ao cansaço proporcionado.

- Conseguimos. - disse Marjorie, respirando com dificuldade.

- Estão todos bem? - perguntou Derek e os demais assentiram - Ótimo. Quero três de vocês indo à maldita cabana agora. Não, melhor: Seis. Resolvam como quiserem, não me importo.

Sem que ele notasse, um mago de semblante desconfiado saíra imperceptivelmente da sala e caminhou atravessando alguns corredores, longe da direção pela qual os designados à missão foram.

Ele abrira a porta de um dos quartos. Hamilton estava nele e surpreendeu-se com a visita.

- O que faz aqui? Eu podia estalar os dedos e queima-lo vivo por invadir minha privacidade. - disse ele, largando seu livro de feitiços - Não autorizei ninguém para reportar fatos, tudo está sob controle, a menos que seja em última instância.

- Desculpe senhor, mil perdões, mas a situação urge. - disse o mago - É o Derek. Quebrou o protocolo definido pelo senhor. Não fui conivente, fiquei apenas observando. Mobilizou seis para se livrarem do corpo de Rosie Campbell. O detectaram com a ajuda de uma bruxa que Derek contratou ontem. Adoraria acabar com ela, se me der a permissão.

- Negativo. - disse o chefe britânico da Caosfera - Isso permanece entre mim e aquele degenerado. Não perde por esperar.

Hamilton parecia querer espumar pela boca de decepção e fúria canalizada para castigar o filho ao invés de sabotar o plano.

                                                                                   ***

Os ombros de Hector atingiam a dormência aguda, como se não bastasse toda a exaustão provocada pela imobilização que também afetava as pernas. A visão direcionada à ampulheta ficava turva. O silêncio intenso da caverna auxiliou para que o caçador ouvisse ruídos de passos cuidadosos.

Uma figura vinha se aproximando. Hector piscou para desembaçar a vista e tentou concentrar-se.

- Hector... - a voz era conhecida, mas parecia distante e ecoante. - Hector, ainda bem que está vivo. Vou tira-lo daqui, não fica nervoso. - disse ela, baixinho.

- Pandora? É você mesmo?

- Ele te dopou ou coisa parecida? - indagou ela, visualizando as correntes - Ao que parece, você tá numa debilitação típica de quem exagerou nos entorpecentes. O que ele fez pra deixa-lo assim?

- Talvez seja... o fato de não estar mais acostumado a limites humanos de resistência física. Sem minha licantropia, todo o meu corpo passa a exigir condições normais. E pelo que dá pra ver... enferrujei.

A bruxa reparara na ampulheta e não conteve a suspicácia.

- Ele me carregou até aqui feito um homem das cavernas levando sua comida. - continuou Hector - É um homem com cabeça bovina... Similar a de um touro.

- O minotauro. - disse Pandora - Tenha certeza disso. Além do mais, é sabido que nas lendas mitológicas existe apenas um. O que lutou contra Teseu no labirinto e morreu. Outras criaturas tão famosas quanto também podem estar aqui. Digo, no Tártaro, não exatamente nessa caverna.

- Vá, se esconda. Antes que ele volte... - disse o caçador, a voz fraca - Não sei o que ele planeja... com essa ampulheta enchida de sangue. Ele a pôs sem dizer uma palavra.

- A irracionalidade dele não chega a tanto, mas as cordas vocais só servem pra grunhidos. Essa ampulheta... não é um marcador de tempo, literalmente serve para completar a parte de baixo. Isso é um coração de demônio. - constatou ela, olhando fixamente para o objeto dando uns passos à frente - Tá na cara que é um artefato mágico cuja principal função é revitalizar órgãos. O sangue demoníaco deve ser uma experiência que ele pretende testar no seu organismo. Pra uma criatura insana que só quer decepar cabeças, ele até que tem criatividade.

- Está bem, ele é perigosamente incrível, mas agora que mudei de ideia já pode me libertar.

- Não tinha concordado com isso quando entrei e faria mesmo assim. - disse ela, retirando a algema ferrosa do pulso esquerdo - Enquanto perdemos tempo, Derek ganha mais para ficar um passo adiante. Não era pra ter fugido.

- Foi você quem me despachou pra dar conta dos bastardos sozinha. - disse Hector - Mas devo ter ido longe e acabei pego na emboscada facilmente. O líder da gangue nunca fica ausente num ataque.

- Tá insinuando uma relação entre o minotauro e os bastardos? - questionou Pandora removendo a segunda algema - Parecem nômades bárbaros, embora não me admirasse que ele conseguiria doma-los de alguma forma. Pronto, vamos depressa. - colocou o braço direito do caçador sobre sua nuca - Ou tem disposição sobrando pra caminhar só?

- Agradeço ser protegido como um soldado ferido. - disse ele, sorrindo leve - Vai passar em breve, vamos.

A bruxa ajudava a leva-lo caminhando por onde havia entrado. No entanto, toparam com a figura do minotauro envolta pela semi-escuridão cavernosa na metade do percurso. Os olhos negros e frios da criatura os mirava diretamente. Com o machado em punho, preparou-se para ataca-los de vez.

- Minha estamina normalizou, só precisava de movimentos. - disse Hector, alarmado - Deixe que eu vá, o mantenha ocupado.

- Menos mal. E obrigado chefe, era exatamente esse o meu plano B. - retrucou Pandora, acatando o pedido. Hector correra para um lado aproveitando-se dos cantos escuros. O minotauro pretendia segui-lo, mas Pandora criou uma barreira invisível fazendo-o bater.

- Sua briga é comigo. - disse ela, prontificada - Pode vir com tudo. Terminaria isso de olhos fechados.

O minotauro, estimulado, avançara contra ela intencionando dar uma machadada. A bruxa o freou incutindo sua magia sobre o corpo dele. A lâmina do machado esquentara à uma temperatura ideal de quando saiu da forja e se desprendeu do cabo numa subida ao teto que a cravou.

- Fractiones! - disse ela, aplicando magia de fratura de ossos dos braços e das pernas - Um peixe pequeno como você não é muito digno de esforço. Se pudesse falar, essa tortura faria valer um interrogatório sobre suas intenções com o sangue de demônio. Até tenho uma curiosidade mórbida quanto aos efeitos num corpo humano, mas pela promessa que fiz não ia esperar pra descobrir. - fechou o punho esquerdo, derrubando-o. Um som alto de estralo ósseo ressoou na caverna - Ignis carceris. - Um grande círculo de fogo cercara o minotauro combalido. - Hector! - disse Pandora, correndo ao encontro do caçador e confiando que a eficácia do feitiço os daria tempo suficiente.

                                                                                  ***

- O reconfortante disso tudo é dividir isso com alguém em comum. - disse Leo, sentado numa rocha e jogando umas pedrinhas pra quicarem na água empoçada - Muitas vezes... faz você sentir pena de si.

- Alguém importante, a quem meu pai confiou totalmente, surgiu pra me ajudar a suportar o peso de carregar uma maldição de família. - disse Rosie - Deve estar nessa hora desesperadamente tentando arranjar uma maneira de salvar minha alma. Era um dilema, um lado tinha que ceder. O mais fraco.

- Se acha fraca por sacrificar sua vida em nome da lealdade aos seus amigos? Eu diria que fez a escolha certa. - declarou Leo, serenamente - Teria me entregado para salvar meus pais da represália dos membros da seita. A diferença entre nossas histórias é que pra mim tinha uma terceira via.

- O que te forçaram a escolher? Olha, eu vou entender se não quiser continuar nesse assunto...

- Tá, então chega de remoer nossas vidas desgraçadas. É meio que auto-flagelação, não acha?

- Realmente. - concordou ela, sorrindo fracamente - O destino quis assim, podemos aceitar.

- O destino pode ser alterado. Mas também cumprido, de acordo com o que um profeta vê. Por isso te encontrei. As premonições são um fardo necessário. Eu vi você chegar talvez muito antes da sua morte. E quanto mais a visão insistia, mais persistente ficava pra responder essa questão.

- Me encontrou se guiando pelas visões?! Quer dizer que profetas podem ter várias visões sobre uma mesma coisa? - perguntou Rosie, aproximando-se dele, a curiosidade acentuada.

- Sim e até mesmo do passado, mas isto depende de hipnose, o que chamam de regressão, dizem que é como voltar no tempo. Meu povo dizia que era pura lenda.

- Alexia, sua sucessora, é a prova viva de que isso é fato. A minha avó é bruxa e durante um tempo se dedicou a ajuda-la a enfrentar o medo que as visões causavam, ela recorreu a hipnose. - disse Rosie, sentando-se numa outra rocha de frente à Leo - Ela previa coisas horríveis que nunca contava.

- Rosie, mudando de assunto... - disse Leo, meio pensativo - Quem é a pessoa que você tem tanta estima e que seu pai confiou pra te proteger dos inimigos que queriam a cabeça dele?

- O nome dele é Hector. Descobrimos uma conspiração no Exército Britânico envolvendo os magos do caos e uma bruxa expulsa da organização nos ajudou, mas como Hector estava sozinho... presumo que ela o traiu, pois queria muito recuperar um objeto valioso que estava em poder deles, uma mão lavaria a outra. - fez uma pausa, imaginando - Aquela desgraçada... Deixou Hector na mão e fugiu.

- Ouvi esse nome na minha visão. - disse Leo, abismado.

- Espera aí, que outra visão foi essa?

- Falei que estava sendo procurada por duas almas vivas, só que não acerto sempre. Agora que falou... Faz sentido, Rosie. Eles já estão aqui pra salva-la. Qual o nome da bruxa?

- Pandora. - respondeu ela.

- Esse mesmo! Numa visão discutiam, mas tem palavras e frases que ficam inaudíveis. Viu só? Ainda há salvação pra você. Eles se reconciliaram, arrisco dizer que nem houve traição por parte da Pandora.

- É o que saberemos assim que os encontrarmos. Quantas visões teve deles?

- Não sei, umas dez ou pouco menos. Tá sugerindo que...

- Se você lembra perfeitamente de cada ponto que eles cruzaram, vamos usar as visões como um guia. - disse Rosie, decididamente - Você tá comigo?

- Sim. - confirmou Leo, assentindo - A última que tive foi deles passando pelo território dos bastardos. Sem me dar conta, te conduzia até eles. - tocara gentilmente na mão da jovem - Podemos estar muito mais próximos do que imagina. Eu quero que sua história continue. Diferente de mim, você merece uma nova chance.

Rosie lançou um olhar de estranheza comedida à ele, sem entender direito a auto-desconsideração.

Enquanto isso, a fuga inicialmente segura de Hector e Pandora tinha acabado de ser estragada com a aparição dos bastardos. A dupla parou ao mesmo tempo, permanecendo bastante juntos.

- Droga, nos cercaram. - disse Hector, cogitando lutar - Odeio admitir, mas... acho que só depende de você agora.

- Eles não vão nos atacar uma vez que não fizermos um movimento brusco primeiro. - disse a bruxa - O que de certa forma é favorável. - fechara os punhos firmemente e ergueu de leve os antebraços - Creare altum vorago! - um tremor de terra logo foi desencadeado, aumento a intensidade de modo que os bastardos se desorientassem ou perdessem o equilíbrio. Rachaduras no solo surgiram soltando um vapor quente e conectaram-se, imediatamente levando ao ceder das pedras deixando o caçador e a bruxa ilhados. Os bastardos sucumbiram ao fogo infernal abaixo da crosta.

- Estamos acima do quê? Um vulcão? - indagou Hector, temeroso - A propósito, boa jogada.

- Obrigada. E não. Esse fogo subterrâneo incinera almas e matérias, deu trabalho pra canalizar e permitir que só eles caíssem. - disse Pandora, seu rosto iluminado pelo fogo. - Não me pergunte como saímos daqui.

- Ei! Hector! - chamara uma voz extremamente familiar.

O caçador virou o rosto e o calor escaldante não o impediu de enxergar duas pessoas correndo até eles. Um sorriso como há muito tempo não esboçava desenhou-se no seu rosto.

- Não tô acreditando... Rosie! Aqui! - gritara, levantando os braços.

- Quê? É ela mesma?! - disse Pandora, surpreendida.

A jovem e o profeta pararam no limite, quase na borda da cratera que ameaçava expelir fogo.

- Hector... - disse ela, mal reprimindo uma lágrima - Leo, então essa foi sua visão? Está correto?

- Sim. - disse ele, porém sério - Exceto por um detalhe. - olhou para Rosie - No final da profecia, o minotauro retaliava contra eles. Os matando com duas lanças. Temos que fazer alguma coisa... criar uma ponte, sei lá, antes que ele venha.

- Pandora! - chamou Rosie - Será que consegue usar sua magia pra levantar pedras e fazer uma ponte? A não ser que arrisquem pular, o que eu não ia sugerir, mas tô com medo de ser o seu plano.

- Sua intuição acertou em cheio. - respondeu ela - Não tem outra maneira. Além do mais, se o minotauro está vindo nos matar, construir uma ponte de pedra ia ser coisa de 5 minutos e não temos esse tempo pra escaparmos ilesos. OK, você primeiro Hector. - pediu ela. O caçador relutantemente preparou-se ao pulo - Você ainda é licantropo. Imagine-se pulando como se estivesse transformado.

- Vem, Hector! - disse Rosie, estendendo a mão.

- Não tenho certeza... - disse ele, piscando excessivamente devido ao nervosismo.

- Você como bruxa devia arranjar um meio de tira-los daí. - disse Leo.

- E você como profeta podia nos revelar qual meio seria ideal, mas já que interferiram na visão não podemos mais pensar nisso. Para de ser mesquinho e diz logo como a gente sai dessa, eu sei que profetas tem visões de muitas possibilidades num mesmo acontecimento. Por acaso, omitiu isso da Rosie?

- Não fale como se me conhecesse. - disse ele, aborrecendo-se.

- Eu sei quem você é. Não há tempo pra discutir, pula de uma vez Hector.

O caçador respirou fundo e deu os passos. Impulsionou o pé esquerdo no pulo. A distância não cabia a um esforço humano num salto preciso. Hector abraçou o conselho de Pandora. Seu pulo fora alto o bastante para ao menos firmar um dos pés no solo. O outro escorregou na beirada quase puxando-o para baixo. Rosie prontamente o segurou pelo braço direito. Leo ajudara também.

Pandora pulara logo em seguida, usufruindo os benefícios de ser uma bruxa do caos.

- Por que não resolveu ir primeiro? - perguntou Hector, um tanto impressionado com a flexibilidade atlética da bruxa.

- E deixar o mais difícil por último? - retrucou ela. O minotauro vinha correndo trazendo duas lanças para arremessar contra seus alvos. No entanto, parou bem na borda da cratera e bufara raivoso vendo as vítimas no outro lado. Não tinha como dar a volta, pois as rochas maiores praticamente impediam.

Jogou as lanças mesmo assim. Pandora as repeliu com telecinesia, fazendo-as cair na cratera. Entorpecido pela fúria, o minotauro acabou por desequilibrar-se. Rosie pegara uma pedra e jogara-a, acertando a cabeça dele. As chamas engoliram o minotauro que balançava os braços na queda, inconformado pela derrota.

                                                                                   ***

Se afastaram do limiar do território dos bastardos que passariam a não serem mais comandados e tornariam-se genuinamente selvagens. A urgência os estimulou à rapidez.

- Esteve no covil do minotauro e não pegou o chifre que ele usava como berrante pra reunir os bastardos? - perguntou Leo para Pandora.

- Ocupada demais salvando meu parceiro. - rebateu a bruxa, arqueando as sobrancelhas.

- Como Pavlov e seus cães? - disse Hector. Leo expressou confusão.

- O Leo não teve chance de pegar essa parte e entender a referência. - disse Rosie.

- Ah sim, esqueci que é um profeta. O predecessor de Alexia? Údon nunca nos falou sobre.

- Não faço ideia de quem está falando. - retrucou o profeta. - A gente não tem muito tempo, preciso que me escutem, é importante... é sobre a Rosie.

- Segure minhas mãos, Rosie. - disse Pandora - Hora do feitiço de reconexão espiritual.

- Prometa que na volta me contará das suas viradas imprevisíveis. - disse ela, em tom irônico.

- Sem ressentimentos. Prepare-se. Mantive seu corpo plenamente seguro, pode me agradecer depois.

- Espere aí, me deixa falar. - interviu Leo - Tem algo sobre o espírito da Rosie que deve ser ressaltado. Profetas são capazes de ler almas... e Rosie cometeu um grave erro. Durante a luta dela contra o minotauro tive uma visão, Rosie estava se corrompendo, dominada pelo ódio, como se sua sede por agressividade nunca saciasse. Eu temo que o processo vai se completar a qualquer hora.

- Ter enfrentado o minotauro foi um caminho sem volta? - perguntou Rosie.

- Sinto muito. - disse Leo - Toda alma de essência pura que acaba vindo parar aqui... está entregue a própria sorte. É lutar infinitamente pra evitar ser comido pelas trevas. Eu sinto muito mesmo.

- Não fiquei assim, Leo. - disse Hector, consolador - Passamos pelo mesmo tormento na vida. A dificuldade, o sofrimento... não são diferentes. E se está aqui há muito tempo... por algum pecado coagido e manteve sua integridade até esse momento... significa que é um vencedor.

- Eu faria tudo pra ressuscita-lo. - disse Rosie - Podemos achar seu corpo, a Pandora...

- Não, Rosie, não se desgastem comigo. Dá pra ver que vocês tem problemas demais... lá em cima. - deu uma risadinha nervosa.

- Ele tem razão. - disse Pandora, com o feitiço na ponta da língua - Vamos começar. Olhos fechados. Só existe a minha voz e nada mais. Anima corpori coniunctas perpetuum... 

Na Terra, os magos do caos, um grupo de sete, finalmente haviam chegado à cabana de Pandora. Um deles chutara a porta, adentrando e vasculhando o interior. Viu uma tábua apoiada por caixas com algo coberto por um pano velho. Ao tira-lo, constatou ser o cadáver de Rosie. O resto entrava juntamente à Marjorie que veio depressa para ver.

- O que tá esperando? Manda brasa. - disse ela, ansiosa - Quero contemplar o sucesso antes da recompensa chegar fresquinha na minha mão. E diga-se de passagem... ela é bem bonita. Que desperdício.

- Aproveite e dê um beijo de despedida. - disse o magos encarregado de queimar o corpo.

- Não beijo cadáveres e não jogo no outro time. Meu coração palpita mais por homens como o Derek.

- Chega de conversa mole. - disse ele, estalando os dedos na direção do corpo. O fogo envolveu-o completamente, entretanto se apagou num segundo. Tentara novamente. O corpo era invulnerável. Outra vez e nada da pele indicar estar queimando. Naquele instante, Marjorie tomou dimensão.

- Parece que temos um probleminha. Ou a tal da Pandora inseriu uma barreira mágica no corpo, o imunizando à combustão e outros feitiços destrutivos, ou algo está interceptando de longe.

- Chama isso de probleminha? - redarguiu um mago - Você é perita tanto quanto nós, então vá logo...

- Um sacrifício. - disse ela, elevando o tom. Uma tristeza lhe apertou no peito - É isso. Acontece que certos feitiços do caos exigem uma vida sacrificada para quebra-los. - virou-se à eles em lágrimas - Eu me ofereço, se é que vocês discordam. Falem pro Derek... que ele foi a melhor noite que eu nunca tive. - um sorriso desajeitado pela emoção foi dado. A bruxa aceitara seu destino sem ouvir queixas.

Em algum lugar da Grande Londres, mais precisamente num beco de chão molhado, uma fenda luminosa vertical abria-se na parede de tijolos vermelhos. Hector e Pandora saíram dela como se tivessem sido jogados. O feitiço fora bem-sucedido.

- Por que não voltamos à caverna onde fica a porta do Tártaro? - perguntou Hector, levantando.

- Não partimos do mesmo ponto que entramos. - disse Pandora, meio exausta - Vou usar o teleporte, temos que chegar à cabana imediatamente, Rosie tá desprotegida. Alibi migrare, alibi migrare... - a luz escarlate acendeu sob ambos.

Na cabana, Marjorie caíra desfalecida, nos seus últimos suspiros, corroborando suas palavras e animando os magos.

- Finalmente. Recolham esse lixo, eu cuido do mais importante. - disse um mago, pronto para infligir combustão no corpo. Mas para o seu súbito espanto, Rosie despertou pegando seu braço direito e apertando-o. Os olhos mordazes da jovem desviaram para ele. Girou o braço, quebrando os ossos. O mago urrou para o assombro dos demais. Rosie sacou uma das suas adagas, perfurando o peito dele.

- Aquela maldita da Pandora conseguiu. - disse um deles, estupefato com a ressurreição de Rosie - Mas como ela...

- O bloqueio foi removido tarde demais. - explicou outro.

O mago esfaqueado caiu já morto. Rosie levantou-se, pouco intimidada com a presença da Caosfera.

- Um, dois, três... quatro, cinco, seis... sete. - disse ela, encarando cada um dos magos de maneira audaz - É pouco pra tirar o atraso. Mas o que eu posso fazer? Quero um retorno triunfal.

Uns minutos depois, Hector e Pandora corriam afoitados para chegarem à cabana. A preocupação disparou assim que a porta foi vista derrubada para dentro.

- Ah não pode ser... - disse Pandora, horrorizada. Hector veio logo atrás e reagiu como quem observa uma tragédia. Os magos do caos espalhados pela cabana, todos brutalmente estripados. Nas paredes e no chão, respingos grossos e poças de sangue, respectivamente. Rosie estava de pé, lambendo os dedos encharcados de sangue, deliciando-se alegremente com a carnificina.

- Rosie, por que? - perguntou Hector, tristemente abismado.

                                                                                   CONTINUA...

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: http://sociedadedospoetasporvir.blogspot.com/2012/12/mesmo-sangrando-vou-levando-vivendo.html

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