Crítica - Os Sem-Floresta
Divertida fábula contemporânea.
AVISO: A crítica abaixo contém SPOILERS.
Sendo dos mesmos criadores de Shrek, evidentemente que qualquer apreciador da história do ogro que salvou uma princesa não passaria reto por um trabalho bastante promissor à primeira vista. E já adianto, antes das considerações finais, que a animação é digna de total atenção como um divertimento imersivo que proporciona espontaneamente a diminuição da noção do passar do tempo. Mas não quero tecer comparações técnicas com a franquia Shrek, visto que o projeto é dotado de uma base narrativa muito mais comedida e tem sua própria maneira de executar o humor, apesar de que na prática não ser algo que provoque risos contínuos. O viés de fábula permeia quase todo o enredo centralizando o anti-herói do filme.
RJ é um guaxinim delinquente especializado no roubo de comida para sua sustança (curioso que é meio raro vê-lo comendo) que se envolve numa roubara ao tentar surrupiar um abundante estoque de guloseimas pertencente a um urso chamado Vincent. O assalto dá errado (é sempre muito tenso ver o personagem tentando não acordar alguém perigoso que guarda um objeto importante a ser pego enquanto ele dorme, a torcida para que ele tenha sucesso é automática, uma reação unânime, acho) e RJ encara o urso ameaçador após um descuido que faz com que ambos saiam perdendo. Como punição, RJ é obrigado a trazer uma nova pilha de comida para Vincent no prazo de uma semana até uma noite de lua cheia, senão vira picadinho. A artimanha do guaxinim coincide com o fim da hibernação dos animais de uma floresta (ou costumava ser uma) na chegada da primavera. Aquela conveniência básica para dar uma saída aos acontecimentos.
O longa adiciona mais dois antagonistas, estes desempenhando como secundários: Gladys, uma mulher desagradável que odeia animais e Dwayne, um exterminador de animais contratado por ela - decorrência de uma falha no primeiro plano de RJ que culminou num tremendo flagra - que implanta umas armadilhas bem cabulosas (pra não dizer sádicas!) na frente da casa. Ambos funcionam bem em conjunto e apresentam-se como desafios árduos para a turma da "floresta". A estrutura do longa favorece uma inversão nas figuras de RJ e Verne, a tartaruga líder dos animais engabelados pelo guaxinim desesperado na conclusão do objetivo para salvar sua pele. A desconfiança de Verne, comicamente acionada por formigamento na sua cauda sinalizando um alerta, perde força diante do carisma cativante de RJ perante aos demais, mesmo induzindo toda a galera ao crime (e na verdade nenhum deles se dava conta da natureza das ações).
Uma agradável relação antagônica, diga-se de passagem, rendendo momentos de interação marcantes. Verne acabou excedendo-se negativamente ao tentar abrir os olhos dos amigos, o que lhe custou a confiança de todos eles. Mas ao mesmo tempo RJ possuía ciência de que seus atos eram moralmente incorretos (ao ponto de objetos pessoais alheios somarem aos roubos) e além disso havia seu drama particular a respeito da ausência de uma família (não necessariamente casar e conceber filhos, até porque um bom número de amigos pode ser considerado uma família), a qual ironicamente é suprida enquanto satisfaz seu propósito egoísta. Ele já tinha tudo, conquistou uma felicidade almejada sem perceber. Um ponto interessante na relação entre Verne e RJ é uma certa "disputa" de protagonismo, mas fica óbvio que o guaxinim até então solitário é o dono dos holofotes maiores, no fim das contas. Precisou das palavras duras de seu pior inimigo, o ardiloso Vincent, para faze-lo ter uma epifania relacionada ao que realmente queria esse tempo inteiro numa altura do campeonato onde Verne e os outros corriam sérios perigos nas mãos de Dwayne por conta do fracasso do roubo final (melhor sequência, devo dizer, fiquei travado na cadeira esperando que fossem bem-sucedidos). No mais, RJ obteve sua realização pessoal para preenchimento de vazio emocional pelos métodos errados na priorização do seu maior problema.
É possível até notar uma pequena semelhança nos traços dos humanos com os vistos nos filmes de Shrek (única comparação possível e pertinente), mas simultaneamente há sim uma identidade própria que não se limita apenas à esse quesito. A criatividade afiada e atrelada ao humor tem mérito considerável, tanto para a ação quanto para as relações.
Considerações finais:
Os Sem-Floresta definitivamente se pauta num escopo de fábula colocando seu protagonista como um excelente e convincente fio condutor para toda a história. Fazer o que é certo ou o que é necessário? Eis um poderoso dilema que RJ carrega inserido num conflito interno entre o individual e o coletivo recheado de pura diversão ao espectador.
PS1: A colisão dos três antagonistas (Vincent, Gladys e Dwayne) engrandece o agitado terceiro ato.
PS2: Só não foi melhor que Hammy salvando o dia na velocidade do Flash (em câmera lenta) após beber aquilo que RJ o proibia (energético?) e veio a calhar para apanhar três coelhos numa paulada. Adorei esse esquilo hiperativo.
PS3: E para fechar o quarteto de personagens favoritos (deixei claro que RJ e Verne são os primeiros), Stella, a gambá, não ficou por menos, ganhando um papel de destaque pra enganar o gato de estimação da Gladys fingindo ser uma gata.
NOTA: 9,0 - ÓTIMO
Veria de novo? Com certeza.
*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: http://jovem.ig.com.br/cultura/filmes/2013-11-24/top-10-filmes-ecologicamente-corretos.html
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