Crítica - Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível
Jamais deixe a sua criança interior morrer.
AVISO: A crítica abaixo contém SPOILERS.
Não apenas um reencontro interno, mas externo também, afinal este que vos escreve passou vários anos sem apreciar nada que seja relacionado à turma do Ursinho Pooh, praticamente na beirada do limbo profundo do esquecimento e olha que foi tema da festinha de aniversário de 9 anos que por sinal é a única lembrança viva e relativamente mais fresca que tenho desses personagens. Nessa era de live-actions de clássicos da Disney (leia-se: histórias que o estúdio requenta sob novas roupagens para entupir seus cofres) não é surpresa alguma que ela atire para todos os lados e em 2018 foi a vez de Pooh, Tigrão, Ió e Leitão ganharem as telonas numa produção adequada à fórmula.
Qualquer um fazendo pesquisas aprofundadas pelas interwebs toma uma ciência de que a Disney possui um aspecto um tanto ambíguo, nem todas as suas produções exaltam o lado fofinho, mágico e colorido o qual é a principal marca de associação ao estúdio quando se trata dele. A característica-mor não é desvalorizada, nada segue na contramão. Do que eu conheço do tom de Ursinho Pooh e por extensão lembro do que vi nos filmes animados, eram historinhas bem leves de animais falantes interagindo em pequenas tramas no inconfundível Bosque dos Cem Acres (só pra constar, meu favorito é e sempre foi o Tigrão, sempre com aquele jeito serelepe e hiperativo, o que faz dele o segundo elo mais forte do grupo de amigos porque não é ele o protagonista). O longa dota-se realmente de uma tonalidade melancólica, uma paleta mais fria, porém cabível ao contexto. Vi crítica taxando-o de sombrio. Os desvios de clima que a história toma em relação ao original são poucos, levando em conta que o cerne gira em torno de um homem que praticamente esqueceu-se da infância.
A montagem é eficiente em ser organizada quando se inicia com o passado de Christopher Robin ainda criança numa última vez junto aos seus amigos gerando uma despedida emocionante (e quando digo isso não é no sentido de provocar choros copiosos, mas de tocar lá no fundo da alma e proporcionar empatia ou tristeza branda pelo que ocorre) para em seguida saltarmos no tempo com o personagem já em sua fase de adulto atribulado e sem tempo algum para momentos em família (indo até mesmo pra guerra quando anos atrás "enfrentava" o temido Efalante). Facilmente perceptível como o enredo insiste em nos convencer de que a apresentação vai muito além de um mero live-action do Ursinho Pooh para encantar adultos e crianças. Na verdade, é justamente no contraste de fases da vida que o longa encontra sua centralidade. A decisão foi acertada em não seguir na mesmice ou criar um Winnie The Pooh em live-action. Para tudo existe a sua época definida para começar e terminar. Mas independente do passado ser bom ou ruim, ele ainda pode nos perseguir.
Pooh, com sua nada discordável liderança, é quem recebe o maior doce do roteiro conseguindo ser o primeiro a cruzar a fronteira ao mundo do seu amigo humano após anos de espera (meio doloroso, lembra o Hach aguardando seu dono em plena chuva de neve) e a condução do reencontro de destaque é boa o suficiente para guardar na memória pela divertida incredulidade do Christopher e a inocência pura de Pooh sabendo que ele mudara fisicamente mas acreditava haver lá dentro o antigo eu reprimido e deixado para trás por conta das obrigações e responsabilidades da vida adulta. A interação de ambos promove sorrisos e risadas leves, dá um tom agradável em meio à (mal-julgada) climatização gélida do Bosque dos Cem Acres durante a procura pelos outros. O mistério do Efalante ganha força ao longo do natural redescobrimento de Christopher ao seu espírito de criança como num processo inconsciente que sofreu um empurrãozinho graças ao retorno de Pooh à sua vida. O terceiro ato se firma bem resolvido e engatilhado tendo Tigrão como propulsor por ter ingenuamente trocado o conteúdo da maleta de Christopher na qual deveriam estar papéis importantes a serem entregues à empresa onde ele trabalha (com um chefe que não vale o chão que pisa) e que está sofrendo com uma crise, deflagrando uma corrida contra o tempo para impedir que ele seja tratado como louco ou, pior, demitido. Madeline Robin, filha de Christopher, assume uma das direções de considerável relevância no ato final na busca de salvar o pai da demissão juntamente aos bichinhos de pelúcia falantes que não medem atitudes e palavras para não evitarem de ser descobertos pelas pessoas nas ruas. Creio que muitos não entenderam o "fazer nada" da questão geral. Será que ninguém ouviu falar em ócio produtivo?
Considerações finais:
Christopher Robin - Um Reencontro Inesquecível se faz necessário e desnecessário ao mesmo tempo e por dois diferentes motivos: 1) Ursinho Pooh faz muito mais bonito nos desenhos pelo que depreendi, pessoalmente, na comparação já que a expressividade ou carisma não iguala no resultado, portanto o cinema ao formato live-action não é a mídia que garanta uma paridade de execuções, diferenças assim sempre vão existir, obviamente. 2) A mensagem carregada é trabalhada e transmitida de modo enfático e não acho de todo ruim, de vez em quando adultos podem se desvencilhar por um tempo dos padrões de vida como a dedicação intensiva ao trabalho e se abrir mais ao lado da vida que ofereça mais frescor, diversão e descanso para que os bons momentos ainda possam valer a pena mesmo que os bons tempos de criança tenham se findado. Nunca é tarde para se permitir reviver a criança que permaneceu "morta" dentro de si por influência do crescimento.
PS1: O Bosque dos Cem Acres seria o quê? Uma dimensão paralela? Dane-se, são todos uns fofos apesar de pouco remeterem às suas encarnações em 2D (abro uma exceção à Can e Guru).
PS2: Evelyn Robin é a gêmea britânica de Peggy Carter que escolhe ser recatada e do lar.
PS3: A cena do abraço apertado entre Christopher e Pooh se configura como a mais singela e bela.
PS4: Ficou estranho os papéis do Christopher voarem tão alto daquele jeito. Fuck verossimilhança.
PS5: Intérprete da Madeline tem feições similares à da Matilda, não sei se mais alguém lembrou...
NOTA: 8,0 - BOM
Veria de novo? Sim.
*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: https://observatoriodocinema.bol.uol.com.br/filmes/2018/08/christopher-robin-um-reencontro-inesquecivel-filme-e-banido-na-china
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