De onde vem esse barulho?

Não fazia muitos meses desde que realizei a compra da casa cuja mobília foi custeada graças ao suado dinheiro dos meus amigos de faculdade, sou eternamente a força que me deram pra batalhar rumo a essa conquista e finalmente dar adeus à vida sob o teto dos pais. Eu sempre esqueço de que às vezes devo aceitar que por mais que as coisas deem certo sempre haverá um problema pendente que posso demorar pra perceber logo de cara. O sofá maior da sala tinha um rasgão imenso no tecido que revestia a parte de baixo, o que pro meu transtorno era porta de entrada para as baratas acharem um novo lar e se reproduzirem no escurinho do que jeito que elas adoram. Mandei pra um cara dar uma repaginada total nele.

Enquanto eu me livrava de um problema, tinha que solucionar imediatamente o que veio como resultado dele: adquirir um outro sofá de igual tamanho porque não me contentava apenas com o menor que eu geralmente achava mais apropriado para as visitas, não que elas não pudessem sentar no sofá que egoistamente eu chamava de meu, mas digamos que eu fixava o lugar pra me sentar.  Coisa de louco pra alguns, mas pra mim importava reservar meu cantinho pra sentir o conforto que os demais lugares não proporcionavam. Eu iria pegar costume com um novo caso a renovação do anterior não saísse tão cedo. Então acordei cedo num sábado pra ir ao brechó indicado por um dos meus colegas e lá pude escolher o substituto ideal embora temporário. Sinceramente não fazia ideia que móveis de segunda mão eram vendidos nesses locais.

Elegi meu favorito por influência do cara que estava do meu lado dizendo ser o proprietário original e que havia decidido largar o sofá por um incômodo que ele não sabia explicar com detalhes. Sei lá, acho que ele foi evasivo à toa, podia ter falado sem ficar de receio. O que ele escondia? Não perdi tempo com paranoia e comprei logo o sofá de couro preto em perfeito estado. O problema começou a ser reparado nos cochilos à tarde e não sei se depois disso ainda podia chamar assim visto que já era impossível pregar o olho com aqueles ruídos estranhos de uma coisa roçando na outra. Parecia uma mistura de rangido de madeira e algum objeto raspando. Olhava pra todos os lados caçando a origem desse som bizarro e não me satisfazia, não era razoável que minha mente produzia aquilo "assombrada" com o que o antigo dono de um sofá lindo desses falou sendo que ele não disse nada que me impressionasse. Não estava esquizofrênico, minha saúde mental é blindada, o barulho era planamente real e bem audível, diga-se de passagem. E se seguiu dessa forma por uns bons dias.

No meu último cochilo, o único desde a descoberta da coisa que roçava sabe lá de que canto dessa casa, senti relaxamento nos músculos, a respiração baixa levava vagarosamente ao sono que tanto desejei retomar nas minhas tardes antes de voltar ao trabalho como redator de um site jornalístico. É uma pena deixar meus leitores na mão. Incrivelmente não ofereci resistência aos dois toques gelados de pontas dos dedos nas minhas têmporas. Agora consigo suportar o cheio de carne podre que infesta essa carcaça degradada onde as baratas passeiam desorientadas. Escrevo isso num celular desconhecido que achei dentro do sofá quando acordei e que pertence à pessoa que acabou de se levantar do sofá.

Se vai pro lixo ou de volta pro brechó ou ser vendido, não ligo. Sei exatamente o que fazer para voltar ao mundo exterior.

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Este conto foi escrito e publicado exclusivamente para o Universo Leitura. A reprodução parcial ou total do mesmo está devidamente proibida. 

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: https://www.ehow.com.br/dicas-reparacao-sofas-tecido-info_102557/