Emprego vitalício


Há cerca de três semanas, recebi um envelope de cor parda que encontrei em meio aqueles que já estou mais que acostumado a encarar semana após semana. Aliás, antes disso eu tinha recebido uma ligação um tanto misteriosa de uma pessoa cujo nome ela se recusou a revelar. Seu anonimato não foi mais visto por mim como um problema depois da proposta ofertada. Ele (ou ela, não sabia bem ao certo, a voz claramente estava distorcida por algum sintetizador) interagiu comigo de modo amigável e natural, então retribuí na mesma medida. E o mais interessante: Não era necessário sair de sua casa para apresentar documentação completa para selar o contrato diante do proprietário da empresa, tampouco duma testemunha. Feliz da vida por uma oportunidade daquelas, confiei todo meu entusiasmo no trabalho que eu iria exercer, seja lá qual fosse. Bem, nesse ponto da questão, eu não fui informado de todos os detalhes, ele foi bem rigoroso nesta parte dizendo que os pormenores do contrato não deveriam ser discutidos por telefone e sim pessoalmente... em uma entrevista com o contratante.

Até aí tudo bem. Mas só me intrigava o fato de meu nome estar incluído no banco de dados da empresa. O cara(?) no telefone sabia meu nome, o endereço da minha casa, os nomes dos meus familiares, o número da placa do meu carro, o número do meu celular e do telefone fixo (obviamente), a minha idade,  a data do meu nascimento, minha senha de login para minhas redes sociais, entre muitas outras coisas, eles sabiam tudo sobre mim relacionado à nomes e números, estava tudo arquivado no banco de dados.

Como a conversa havia atingido um pico de seriedade e tensão, achei melhor não questionar. Perguntas demais poderiam deixa-lo impaciente e fazê-lo mudar de ideia. Mas ele não revelou nada a respeito do tal emprego. Nem o nome da empresa. Foi a única pergunta que me senti obrigado a fazer. Ele justificou como sigilo seguro, pois a atuação da empresa e o reconhecimento dela ainda não estavam totalmente formados, então, de sete em sete anos, eles recrutam novos membros para manter a estabilidade sempre visando um crescimento equilibrado. Deduzi ser uma grande corporação tecnológica ou uma rede de telemarketing.

Eu disse sim. Não sei... eu me deixei levar por aquele jeito de falar, o cara(?) tinha lábia, um poder de convencimento fora do comum, mas bastante motivador. Era hora de tirar o atraso e seguir em frente com foco em algo mais produtivo. O tom de voz, mesmo meio artificial, me fez enxergar uma nova razão para continuar vivendo, de acordar e ver a luz do dia com novos olhos. Aceitei o anonimato dele e sua necessidade em manter os detalhes ocultados até o dia da entrevista, que ocorreria dois dias depois.

Desejei que estes dois dias passassem voando, tamanha era minha expectativa. É difícil explicar em palavras, aquela ligação inesperada mexeu comigo.

O prédio era praticamente um arranha-céu. Me admirava não ser reconhecida, mas quem levaria em conta o tamanho da localização se o serviço ainda não tinha alcançado a popularidade esperada? Estacionei meu carro em uma vaga que foi gentilmente reservada à mim, me senti importante de alguma forma.

O interior era bastante cinzento, sofisticado, luxuoso... meio futurista até, além de ser lotado de funcionários. Um dos recepcionista me acompanhou até o elevador. A entrevista estava marcada para as 08 da manhã no oitavo andar. Um cara alto, careca e sério me esperava ao lado do elevador. Não lembro de ter ouvido que eu precisava de um acompanhante, mas fiquei numa boa, não questionei a presença dele. Entramos juntos no elevador, e ele se encarregou de apertar os botões.

Só de relembrar me vem o frio na barriga que senti naquela hora. Seria uma volta triunfal ao trabalho prometida por pessoas desconhecidas. Em nenhum momento me passou pela cabeça a hipótese de eu estar sendo alvo de uma armação. Fiquei parado feito uma estátua, meio acanhado eu diria. O careca ficou do meu lado direito, na mesma posição que eu, encarando a porta enquanto o elevador subia.

Para quebrar o silêncio desconfortante, tentei puxar conversa com ele. Comecei perguntando há quanto tempo ele trabalhava por lá. Ele olhou para mim respondendo que já está lá desde o início.

Muito vago, não acha? Com todo aquele jeito travado, pensei que ele não era muito de socializar. Não sou bom em lidar com monossilábicos, se é incômodo interagir pra eles imagine com eles.

Dei uma olhada no relógio. Tinham se passado 5 minutos. E ainda estávamos no 5º andar.

Estranhei, lógico. Muito pouco tempo para termos avançado 5 andares. Foi então que, para minha surpresa, ele se virou para mim, sem mudar de expressão e começou a fazer algumas revelações meio... perturbadoras.

Disse que era tanto o contratante quanto a testemunha. Perguntei se era com ele que eu estava falando no telefone. Ele negou, dizendo que era o chefe quem se encarregava de oferecer a proposta. Ele somente selava os contratos ali mesmo. Eu comecei a tremer de nervosismo... ele me olhava de uma maneira tão séria que me amedrontava.

Eu precisava dizer sim novamente após o fim da "entrevista". Ele me disse que o contrato duraria minha vida inteira, mas que, a partir daquele momento, eu teria um emprego alternativo para que eu pudesse caminhar entre os mortais. Eu reagi quase gargalhando. Impossível aquilo ser real. Perguntei se era algum tipo de pegadinha ou coisa parecida, mas ele não respondeu e só ficou me encarando.

Olhei de relance para os botões. Quase engasguei com a própria saliva. O botão do 8º andar piscava incessantemente, tínhamos alcançado o limite do prédio... mas o mais perturbador era que o elevador continuava subindo mesmo assim.

Virei meu rosto para o careca, a partir dali já tremendo de pavor. Perguntei que merda era aquela e para onde eu estava indo. Corri para a porta e tentei força-la com as duas mãos para abrir. Ele disse que era inútil e me pediu para que eu recompusesse a calma. Falou também que o emprego para o qual eu realmente daria minha alma e meu sangue em total dedicação seria aquele mesmo que o chefe propôs e o alternativo seria apenas uma fachada para enganar os desinformados.

Eu perguntei: "Desinformados de quê?". Ele, com muita frieza, respondeu: "Da verdade".

Insisti: "Qual verdade?"

Ele fechou os olhos por uns segundos e depois a porta do elevador se abriu. Ele me explicou que aquele prédio era simplesmente visto pelos outros como sendo uma rede de telemarketing (como suspeito no começo), com uma aparência totalmente diferente e da qual ninguém estava interessado e todos acreditavam que iria falir logo logo. A cada sete anos a fachada muda na visão dos "desinformados" assim que novos membros são adicionados. Outra coisa que ele disse depois: Existem filiais espalhadas pelo mundo inteiro. Todas aparentam ser arranha-céus de mega-corporações que ninguém põe a mínima fé no sucesso, mas com fachadas diferentes e propostas iguais.

Eu achava intrigante aquele prédio ser tão ignorado. Qualquer desempregado que passasse por ali, acredito que se interessaria em conhecer, por mais que a fachada fosse precária demais para um edifício de 08 andares.

O outro lado da porta mostrava uma sequência de eventos trágicos. Uma sequência de cenas de assassinatos brutais cometidos pela piores mentes insanas do mundo. Me recostei na parede metálica e fria do elevador, horrorizado com aquilo. "Mas como?", me perguntei. Aqueles gritos de dor, aquelas imagens de agonia... me incapacitaram de perguntar como ele fazia aquilo.

Depois vieram cenas de acidentes fatais. Cada pessoa morrendo das maneiras mais grotescas que se possa imaginar. Um trem em alta velocidade esmagando um pobre coitado. Uma viga caindo por cima de um homem. Enfim... não quero citar mais por conta da minha vontade de esquecer tais imagens.

O contratante me falou que aquele era o trabalho. Eu estremeci quase gritando com ele: "O quê? Causar acidentes? É isso que vou ter que fazer? Vou ajudar a matar pessoas?"

Ele me respondeu negando. Fechou os olhos e as portas se fecharam. Depois abriram de novo. O que vi foi... ai, minha nossa, nem vou me mergulhar fundo numa descrição que seja convincente. Só posso dizer que vi esferas transparentes flutuando num espaço escuro e vazio, todas muito bem enfileiradas. Dentro delas residiam esferas menores, nas cores preto e branco, também flutuando. As esferas brancas "voavam" calmas, enquanto as pretas se movimentavam rápido, num jeito frenético, querendo sair daqueles casulos redondos.

Novamente perguntei que merda era aquela. O contratante me explicou, apontando para cada esfera, que ali se encontra a fonte geradora que mantém a relação de ordem e caos estável. Que ali estava a dualidade da essência humana na forma mais crua e que elas seriam usadas futuramente.

Então as portas fecharam-se de novo... depois se abriram, mostrando um avião caído e incendiando.

Ele me entregou uma foice média, apropriada para iniciantes como eu. Me disse para usa-la com cuidado e com controle... e que muitos ainda estavam agonizando naquele avião destruído, então eu tinha que apressar.

Eu estaria invisível para eles. Peguei aquela lâmina gelada, me rendendo ao meu destino. Mas antes de sair... fiz uma última pergunta:

"O que acontecerá depois que eu morrer?"

Ele deu uma piscadela pra mim, depois olhando de relance para o espelho do elevador.

Também olhei para o espelho. E compreendi perfeitamente.

O reflexo do contratante faria os monstros mais horripilantes imaginados por seres humanos parecerem criaturinhas fofas.

O significado de medo se perdeu em mim naquele instante. Legal ele ter tido a sensatez de me mostrar seu verdadeiro eu bem no fim da "entrevista".

O emprego alternativo seria revelado após meu primeiro serviço. Mas quer saber? Não estou interessado, pouco me importa se vou estar enganando meus amigos e familiares.

Aquele trabalho valeria por mil. E ganho em um só dia... nem sei o quão satisfeito estou.

Finalmente havia encontrado um ofício no qual eu me destacaria, apesar dos pesares.

Pensando bem, acho que até será divertido. 

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Este conto foi escrito e publicado exclusivamente para o Universo Leitura. Caso o encontre em algum outro site com créditos e fonte ausentes, não hesite em avisar!



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