Crítica - Next Gen


Conflitos internos de homem e máquina com suas devidas diferenças e semelhanças.

AVISO: A crítica abaixo contém SPOILERS.

A animação é uma produção americana e chinesa e distribuída pela Netflix desenvolvendo uma trama de cerne futurista com um toque dramático que lembra de imediato ao padrão qualitativo da Disney. Eu anteriormente havia detonado dois longas trazidos com exclusividade pela gigante do streaming que foram os terríveis live actions de Death Note e Fullmetal Alchemist, mas pela primeira vez, em relação a uma obra associada à ela, eu me permito ser favorável. Nex Gen apresenta uma cidade futurista num design tecnológico não muito exagerado, é uma realidade na qual os robôs estão fortemente inseridos mas não expõem todo um avanço que se possa dizer de um futuro evoluído nesse campo em que a humanidade deu saltos largos. Os robôs assumiram algumas funções humanas importantes como por exemplo a polícia. O longa ressalta com grande força essas implicações da tecnologia significativamente avançada dando um frescor divertido às alterações sérias do ambiente. Para maior apelo ao público infanto-juvenil nada mais apropriado que uma protagonista criança.

Nem tão criança assim provavelmente, a idade da personagem Mai não é especificada, então chuto que ela esteja na puberdade com seus 13 ou 14 anos, uma fase na qual todo pré-adolescente que se fez refém de uma postura como a da garota já sentiu na pele. A típica fase da rebeldia, da confusão e dos descobrimentos que afloram física e mentalmente. A história de Mai constrói o pano de fundo dramático e preciso da animação, se seguindo como sustentáculo para o desenvolvimento da relação com o robô protagonista para criar a dupla dinâmica principal. Mai sofreu o pão que o diabo passou na escola como vítima de bullying anos depois do abandono de seu pai que teve uma DR tensa com a mãe e simplesmente vai embora de casa para nunca mais (olha que exemplo paterno de dar orgulho :P). Além disso, ela configura uma "robofobia", passando a odiar todo e qualquer pelo simples fato de ter apanhado de alguns deles (chamado de Q-Bots) sob ordens dos seus reais algozes colegiais. Os aspectos incômodos ficam por conta da negligência - ante ao problema de Mai - da mãe que adquire robôs e passa a ser mais uma "zumbi" conectada dia e noite com a tecnologia sofisticada do mundo moderno enquanto praticamente esquece que a filha existe nem sequer dando um gesto de compreensão ou somente o amor materno. Essa "perda de humanidade" é algo bem permeante.

Mai, devido aos pesares e reveses que a vida lhe jogou, não acompanhou essa evolução do mundo, ela não age em conformidade ao que a sociedade se tornou (um conjunto de pessoas fascinadas e deslumbradas por uma tecnologia que as deixa menos empáticas). E o que acontece com alguém que não segue os "mandamentos" da sociedade rejeitando os novos padrões? Acaba discriminado, excluído, isolado e engolido pela rejeição da maioria. Assim é o bullying. O ser diferente e destoante é ser errado. Isso nas palavras de alguém que lidou com esse tipo de experiência desagradável. As sequelas e os efeitos colaterais permanecem como partes suas e em Mai isso gerou um temperamento arisco e anti-social, por assim dizer, com o ranço por robôs fechando a somatória já que estão diretamente ligados aos problemas que afetaram-a psicologicamente. O encontro com o 7723, o robô protagonista ultrassecreto da IQ Robotics (chefiada pelo vilão Justin Pin), ocorre por acidente, mas não é por mero acaso do destino até porque Mai precisava de uma coisa que aquecesse seu coração em relação à sua perspectiva geral aos robôs. Entende-se que 7723 foi na verdade um anjo a surgir na vida dela para purificar a alma ferida, perturbada e traumatizada. Dá pra se colocar no lugar do robô, a condução torna isso possível da melhor forma, quando tenta convencer Mai. Só que os dois lados apresentam seus erros e acertos. 7723 não podia ultrapassar 100% da sua memória pois reiniciaria, logo uma memória precisaria ser deletada para dar espaço (tipo nas fotos de um computador ou celular que há limite para comportar dados), mas existe um momento no segundo ato onde o robô prioriza suas memórias felizes com Mai em detrimento de uma adversidade com a mãe dela (que é sequestrada por Pin e seu mega-robô - ambos sintetizam um grande plot twist, por sinal). Ele escolhe ser pacífico e desativa a configuração de armas já que a Mai o usava como artifício para intimidar os valentões e a própria Mai tem umas atitudes inflexíveis e exageradas que dão um pouco de raiva (e consequentemente pena do coitado do robô que por mais errado que fosse sua visão não merecia o tratamento indecoroso da amiga que podia entende-lo, mas o roteirismo ataca quando convém).

Pois nessas animações de dupla dinâmica a relação precisa obrigatoriamente enfrentar os obstáculos, sem isso não tem muita graça. A raiva pela Mai ameniza quando entendemos o quão desestabilizada psicologicamente ela é. Esse contraste sobre armazenamento de memória cria uma atmosfera interessante na amizade. Os humanos adorariam selecionar memórias que gostaria de apagar enquanto as máquinas sentimentais, por vezes com um coração mais bondoso e humano, tem esse privilégio mas que encaram como desvantagem por conta da limitação. A biologia humana é permissiva para manter uma infinidade de memórias sem esquecimento voluntário e ao mesmo tempo instantâneo e as máquinas assimilam quantidades restritas de informações. E no caso de 7723 dá margem para empatia, uma preciosa joia que a chaga da tecnologia (seu pior lado) pareceu destruir, pois está em um profundo dilema que a imatura parceira demora um bocado para compreender e aceitar. No terceiro ato isso apenas melhora ganhando uma climatização tocante.

Nas partes técnica é onde se encontra a competência mais envolvente. A fluidez da animação é dotada de uma textura que faz muitas obras de estúdios consagrados parecerem obsoletas, desde à iluminação até os movimentos que atingem seu maior status nas empolgantes sequências de ação (que batalha foda entre 7723 e Ares, o robô que o vilão utiliza para concretizar seus objetivos, e olha que o parceiro da Mai, independente do seu tamanho, rivalizou bem com o grandão). Não ia me esquecer da reviravolta surpreendente sobre Ares e Justin Pin... ambos são o mesmo cérebro por trás do plano maligno de exterminação. Não o Justin Pin real, mas uma cópia cibernética criada pelo próprio Ares que assassinou o real CEO da corporação inovadora. Representando assim uma revolução das máquinas que foi impedida graças aos esforços de 7723 e Mai. De fato o clímax tem um peso de diversão sem igual, não havia sentido isso desde Os Incríveis no que se trata da ação. Das deficiências, cito que expor maior variedade robótica cairia bem, mas os conflitos psicológicos dos personagens e a agitação do enredo serviram suficientemente para taxa-lo como uma grata surpresa.

Considerações finais:

Next Gen explora um momento da humanidade que requer conscientização quanto aos avanços desenfreados da tecnologia e ainda propondo reflexão aos aprofundamentos particulares dos personagens principais, o que fez toda a diferença do início ao fim. Duas jornadas opostas mas que em grande parte tem bastante em comum e quando se cruzam geram um resultado emocionante, perdoadas as previsibilidades. Ótima pedida para quem curte ficção científica animada.

PS1: 7723 tem um sofrtware tão incrível que é capaz de decifrar a linguagem dos cães. Inclusive, a voz do Wendel Bezerra (aliás, demorou um pouco pra que eu percebesse que era uma dublagem paulista hahah) deixou o cachorrinho da Mai numa posição carismática. Palavrões censurados numa animação em CGI é novo pra mim, boa ousadia Netflix, no geral você acertou a mão com a história.

PS2: Ainda sobre a dublagem, preciso destacar a voz emprestada à Mai, porém não com bons olhos, acho que a intérprete forçou muito um tom puxado à meiguice infantil, o que se distancia do que personagem transmite nos diálogos e na sua postura, então sim, notei que a voz ficou infantil até demais a uma pré-adolescente. Por outro lado, temos o excelente trabalho de Marcelo Campo num suave e amigável timbre como 7723.

PS3: Sabe aquele filme muito bom que te divide sobre se quer sequência ou prefere tudo redondinho como está? Exatamente esse o caso.

PS4: A garota que liderava o grupinho de robôs paus-mandados e implicava com Mai se regenerou, até mesmo ajudando-a com as pessoas no meio do fogo cruzado na batalha de robôs. Ou será que foi a ameaça de 7723 que a forçou a mudar?

NOTA: 9,5 - ÓTIMO

Veria de novo? Com certeza.

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: http://www.arrobanerd.com.br/animacao-next-gen-ganha-poster-e-trailer-pela-netflix/

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