Crítica - Ma
O gatilho da psicopatia na forma de carência de aceitação.
AVISO: A crítica abaixo contém SPOILERS.
É fato consumado a busca inerente do ser humano por pertencimento. Mas a completa falta de empatia dos que exercem papéis de forças disruptivas contra essa natureza pode desencadear reações adversas na saúde mental do indivíduo, o que nunca deixará de ser variável. A personagem (muito bem) interpretada por Octavia Spencer é o retrato de um desses tipos de vítimas de flagelação social que lutam por meios de se encontrarem nos grupos de certa popularidade, embora não ocultando uma fragilidade emocional que por vezes é bem contrastante e leva a atitudes malignas de ambos os lados, mas sempre começa de um para deflagrar mais tarde o efeito resultante no outro (assim é o bullying, basicamente). Eu não sou o guru da psicologia, mas uma análise dessa protagonista vale um aprofundamento reflexivo, principalmente de quem já vivenciou uma espécie de rejeição e chegou a generalizar comportamentos com base num estereótipo (só nunca guardei uma mágoa tão intensa a ponto de levar à cabo planos de vingança contra pessoas enquadradas nesse perfil generalizado). Sue Ann é uma assessora veterinária que mora com sua filha em Ohio e seu caminho cruza com o de jovens menores de idade desimpedidos que estão ansiosos para uma noitada repleta de álcool e à revelia dos pais vão pedir para adultos lhe comprarem bebidas. Como gentileza gera gentileza, os adolescentes aceitam o convite da mulher que os chamam para beber no porão de sua casa. No entanto, toda essa liberdade oferecida incorre num preço caríssimo: a subjugação (o ápice dela está na imagem).
Inicialmente o longa não foca diretamente em Sue Ann e sim em Maggie, integrante do grupo de jovens beberrões, que se muda para Ohio com sua mãe, Erica, após a mesma separar-se de seu pai, e na sua turma do ensino médio é influenciada por amigos (Andy, Haley, Darrell e Chaz) a se juntarem na empreitada ilícita e daí conhece a mulher boazinha e prestativa que cede o espaço para festejarem à vontade (ou quase). Sue Ann recebe o apelido mais aleatório possível (Ma), mas creio que haja um significado (não imagino qual). A dona de casa não demora a sinalizar sua instabilidade comportamental ao sentir o mínimo de intimidação por parte de Chaz (claramente um babaca), o ameaçar com uma arma (provavelmente de brinquedo) e constrange-lo o forçando a se despir - nessa situação, Maggie já demonstra que é a única mente sensata detre os amigos por não achar nenhuma brincadeira no que Sue Ann havia feito, aliás ela segue como a mais resistente à fixação obsessiva dela que age feito um stalker xeretando a vida de todos pelas redes sociais (tão populares que são facilmente acháveis no Instagram) num indício óbvio de necessidade afetiva que se desdobra em impulso perseguidor. Os flashbacks mostrando a jovem Sue Ann casam com os momentos que os antecedem na montagem. O insuficiente está na rapidez dos acontecimentos, é um ritmo apressado que não proporciona uma boa gradualidade da psicopatia de Sue Ann (que deveria seguir níveis bem determinados de agravamento à medida que tornava-se mais aberta aos jovens) para ser apresentada em conformidade com a tensão que é deliciosamente constante, porém, no frigir dos ovos, nada recompensadora. Quando assisto um filme de psicopata, fico na esperança e curiosidade de vê-lo alcançar seu limite de crueldade, até onde ele pode ser capaz de saciar suas vontades. No caso de Sue Ann, aparentemente ela morreu tentando. Ou pelo menos deveria explicitamente visto que a facada de Maggie, para salvar Genie (filha de Ma) da própria mãe, bem nas costas não pareceu feri-la gravemente (foi um tanto bizarro a Ma observar suas vítimas serem resgatadas como se nada tivesse acontecido ou estivesse acontecendo - um incêndio acidental). O psicopata pode ter essa "invencibilidade", mas não precisava forçar.
E o que dizer das coincidências relacionadas ao passado de Sue Ann? Erica, a mãe de Maggie, e Ben, pai de Andy (par romântico de Maggie, o casal que ganha destaque na tortura que envolve coleiras, drogas, ferro de passar quente na barriga, costura de boca e pintura da cara de um rapaz negro - Darrell - com tinta branca), estão intimamente ligados ao período colegial onde uma insegura Sue Ann foi alvo de uma situação vexatória que a induziu ao erro e gerou uma humilhação da galerinha popular que ela tanto passou a odiar (como já disse acima, generalizando tal arquétipo comum nos ambientes escolares). É uma conveniência de roteiro pouco inteligente e que se em falta nada interferiria. Já no quesito violência, o longa refreia bastante, sobretudo na cena em que Ma ameaçava cortar o bigulim de Ben amarrado seminu na cama e recebendo sangue extraído de um doador involuntário (Louie, o cachorro da Maggie O_O), mas por outro lado acerta casualmente como no atropelamento súbito de Mercedes, namorada de Ben (outra coincidente vítima da vingança de Ma pelos destemperos do colegial), enquanto fazia caminhada. A questão racial não ficou nem em segundo plano e, sinceramente, não tinha nada que ser a prioridade de conflito da personagem que tem suas vulnerabilidades bem exploradas ao mesmo tempo que se divide entre aceitar sua popularidade (mesmo conseguida de maneira muito errada) e executar sua retaliação desproporcional numa guerra onde todos os "inimigos" são julgados por uma mera tipificação, não importa quem.
Considerações finais:
Ma vale o nervosismo que proporciona com os ares sinistros de sua personagem principal cujo transtorno, contudo, não a leva para um aguardado auge de insanidade total e selvagem (por isso a atuação da Octavia Spencer pecou na intensidade) e o seu desfecho que transparece uma rendição frouxa não parece natural de uma psicopata vingativa que iria até as últimas consequências para provar seu valor pela sua honra ferida. Ao menos houve ausência de maniqueísmo forçado.
PS1: Se torcer pela Ma, acha justificável as ações dela. Maggie e seus amigos nem são tão vítimas assim, são jovens que se entregam ao vício em álcool muito cedo, mentem pros pais e ainda voltam à casa da Ma mesmo desconfiando das intenções dela, o que é muita falta de vergonha na cara (tirando a Maggie que apenas voltou na última vez para procurar o Andy).
PS2: Annie Wilkes (de Louca Obsessão, brilhantemente encarnada por Kathy Bates) continua firme e forte no seu trono de rainha da psicopatia, frieza e calculismo dentre personagens femininas.
PS3: Vamos lá, Sue Ann/Ma, além de dona de casa e assessora veterinária, é: aliciadora, psicopata, assassina, pedófila (obrigou Andy a beija-la), racista, atropeladora, mal-educada (quem suporta gente que assiste vídeo no celular no último volume fora a própria pessoa que o faz?) e uma péssima mãe (usando a filha para limpar sua sujeira, que feio). Tudo isso não bastou para torna-la digna de figurar um ranking de piores psicopatas (no sentido de maldade), mas a atriz entregou o que pôde (acho que ela é novata nesse gênero, então se for o caso foi um bom início, não aquela sorte grande de iniciante).
NOTA: 7,0 - BOM
Veria de novo? Provavelmente sim.
*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2019/02/13/octavia-spencer-e-a-sinistra-ma-em-novo-filme-de-terror-veja-trailer.htm
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