Monstro no final do livro (parte IV)


Parte IV

Meu pai nunca havia me falado sobre uma tal de Morgana. Relação no passado... sorte era a dele minha mãe estar desavisada disso. Mas isto não vinha ao caso. Era chegada a hora de partimos e encontrar alguma forma de me livrar desse tormento e não acabar como Ellen e John. Me sentia mal por eles. Não, não era aquele destino que eu merecia. Mesmo não tendo conhecido Ellen, eu me sacrificaria por ela se caso eu perdesse essa batalha. Quanto à John... é uma pena, pois seríamos ótimos parceiros para resolver casos relacionados ao livro. Enfim, naquele momento, lamentar por essas perdas já era tarde. Minha maior dúvida, crescente como uma bola de neve, era sobre a origem daquele livro.

Arrumadas algumas coisas na minha mochila, aproveitei para comer algo, antes de adentrar no carro de meu pai. Entretanto, logo quando estávamos prestes a sair por aquela porta, minha mãe se aproximou de nós e estranhou estarmos saindo.

- Ei, aonde pensam que vão?

Eu e meu pai ficamos em silêncio, nos entreolhando. Tentei pensar rápido em uma resposta que soasse convincente, já que meu pai estava apressado demais para tal coisa.

- Olha mãe, nós estamos indo visitar o tio Michael. A empregada nos ligou e nos disse que ele precisa de um apoio... pois o cachorro dele morreu e ele está deprimido. Então, pensamos em passar uns dias lá.

- E quanto à sua prova? Ela é tão importante pra você quanto pra mim.

- Eu sei, mãe, mas só que... é o tio Michael, sabe. Não quero deixa-lo na mão. Desculpa, mas vou ter que abandonar a prova.

Meu pai pareceu perceber que o clima de desconfiança esquentaria naquele exato momento e me ordenou a entrar no carro logo.

- Bem... melhor você entrar no carro, filho. Não vamos nos atrasar.

- Por favor, me digam... o que realmente está acontecendo? - minha mãe era insistente por natureza, mas aquilo não nos impediu de seguir.

- Eu é quem peço "por favor". É um caso de vida ou morte. Não se preocupe conosco, vamos ficar bem. Voltaremos dentro de três dias. - disse meu pai, dando as costas para minha mãe, deixando-a visivelmente confusa.

Não sei se me sentia confortável ou péssimo ao mentir para ela daquele jeito, mas certamente era necessário. Levei comigo o livro original e a cópia, para no caso da tal Morgana querer fazer uma análise. Seguimos por uma longa estrada, passamos por sol e chuva, até chegarmos ao nosso destino. Jamais saí da cidade, então foi uma experiência até que agradável. Durante o caminho, contei ao meu pai sobre Ellen e seu envolvimento com o mistério do livro. Demonstrei, na maior parte da viagem, meu medo constante e incontrolável, principalmente quando fiquei sozinho no carro enquanto meu pai procurava por um posto de gasolina. Meu pai me exigia calma quando fôssemos descobrir a verdade.

Enfim, havíamos chegado à casa daquela mulher, após cerca de duas horas e meia na estrada. Um vento gélido soprava na minha nuca toda vez que pensava no perigo que eu estava correndo. Claramente eu estava temeroso sobre aquela criatura voltar a me atacar.

Morgana nos atendeu gentilmente. Aquele sorriso doce me conquistou logo de primeira. Ela parecia ser um pouco mais nova que minha mãe, mais era irrelevante focar-me naquilo. Confiantemente, meu pai interagiu com ela, pareciam ser amigos de longa data - como ele insistia em me convencer dentro do carro.

- Há quanto tempo Morgana. Fico feliz em vê-la. E desculpe visita-la assim, sem ter ligado antes.

- Ah, sem problemas. Vejo que não mudou muito, desde o último dia que nos vimos.

- Digo o mesmo sobre você. Bem, este é meu filho, Thomas. Viemos para um caso bastante grave. - meu pai mudou bruscamente de expressão ao fitar minha mochila, na qual estavam os livros.

- Pois bem, sentem-se. Me contem o que está havendo.

Eu tomei liberdade para descrever a situação, enquanto meu pai aquietou sua voz para me ouvir.

- É uma prazer conhece-la Morgana. Creio que não sabia sobre mim. Mas, indo direto ao ponto... eu estou correndo um sério risco de morte por causa de um livro, que, dizem as lendas, amaldiçoa quem o lê.

Morgana cerrou os punhos amassando a toalha da mesa, em claro sinal de preocupação. Seu olhar ficou mais focado em mim após a menção sobre o livro.

- Você chegou a ler alguns trechos, mesmo que poucas palavras?

- Sim... eu li. Pra falar a verdade, nós temos dois livros. Um é o original, que eu consegui em uma biblioteca qualquer, e o outro é uma cópia que encontrei na biblioteca da escola. Eu sempre ouvia rumores sobre esse livro. Uma amiga minha foi morta por ter lido somente três páginas. - eu não precisava dar detalhes sobre John e minha investigação.

Tirei da minha mochila os dois exemplares e entreguei-os à ela. Colocou-os lado a lado para fazer uma comparação quanto às capas.

- Bem, Thomas... eu sinto muito pela sua amiga. Quanto aos livros, eu confesso estar chocada. Seria exagero dizer que apenas o ato de tocar no livro já torna a pessoa a próxima da fila da morte, mas... a verdade é que não se sabe o que de fato dá início ao tormento. Mas, ao meu ver, abri-lo já torna iminente a ameaça deles.

- Eles? Fala das figuras no livro, certo? - comecei a tremer minhas mãos, ao me lembrar da coisa que me atacou.

- Sim. Chegou a ser vítima de uma delas?

- Pior que sim. Ela tinha uma mão negra, que tentava me agarrar... senti um medo tão profundo...

- Sim, sim, eu entendo perfeitamente. Esta cópia possui uma textura diferente na capa em relação ao original, que, logo quando o toquei, percebi ser o verdadeiro. Sei disso, pois já o li todo.

Meu coração disparou ao ouvir aquela frase. Aliás, até meu pai se surpreendera, o que deixou claro que ele não sabia de muitos segredos que Morgana guardava, mesmo com a forte amizade.

- M-mas... como, afinal? Por que continua viva? - meu pai tirou as palavras de minha boca.

- Vejam isto. - ela mostrou o braço esquerdo para nós dois... e esclareceu convincentemente.

Ela possuía uma marca, uma espécie de tatuagem que a impedia de ser atormentada por qualquer criatura do livro. Isto a possibilitou ser uma das poucas pessoas que sabem a história que o livro narra.

- Onde e como conseguiu, Morgana? - papai estava afoito e sedento por revelações.

- Não querendo desanima-los, mas aquele que me concedeu esta marca já não está mais entre nós. Se ele estivesse, certamente eu os levaria até ele para que ficassem protegidos.

- Então, já que não podemos ler o livro por inteiro, pode, pelo menos, nos dizer uma sinopse da trama? - só um pequeno resumo já me seria suficiente.

- Bom, tudo o que sei acerca do que se trata o livro tem a ver com seus personagens. As primeiras criaturas do inferno: Ashuras. No livro, listam-se 15 capítulos, cada um contendo uma criatura. São bestas infernais, conseguem ser mais fortes que demônios comuns, e são bem mais hostis.

Todo aquele esclarecimento já me satisfazia. Só precisava de mais detalhes e, assim, pôr um fim nesse mistério.

- E o que fala sobre eles no livro? - perguntou meu pai, mais uma vez não me dando oportunidade de perguntar.

- Não lembro bem, pois já faz muito tempo que o li, e só o li apenas uma única vez. Mas sei que fala sobre como os Ashuras exercem influência e poder neste mundo. Lembro-me dos nomes, os quinze que pertencem ao alto escalão: O Opressor, o Observador, o Executor, o Sanguinolento, o Libidinoso, o Desbravador, entre outros, os quais não me disseram os nomes, me desculpem.

- Não, tudo bem, só com esta informação já nos ajudou muito. - me mostrei contentado.

- Thomas, eu acredito que sua amiga tenha sido morta pelo Ashura Sanguinolento. É um dos mais conhecidos e seu capítulo é, se não me engano, o penúltimo, mas seu poder é desconhecido..

Aquilo não poderia ficar ainda mais melhor, em um sentindo de facilitar as coisas para mim. Ellen, bem antes de morrer, certamente foi induzida por ele a escrever os trechos do capítulo na parede de seu quarto, provavelmente teria se cortado e escreveu com seu sangue. Não teve erro. Era exatamente a conclusão perfeita.

Morgana nos ofereceu alguns sucos, enquanto continuávamos a conversa na sala de estar.

- O vento está meio frio hoje... não acha? - perguntei à ela, antes de tomar o primeiro gole.

- Sim, está mesmo. Mas não se apavore. Não tem nada a ver com um Ashura à espreita. - ela tentou me confortar, mas senti um indício de mentira no seu tom.

- Como tem tanta certeza? - cerrei meus olhos para prestar atenção no que ela diria.

- Ora, o clima por aqui tem andado meio estranho ultimamente.

Fiz aquela mesma cara que meu pai utilizava quando via que uma resposta não o satisfazia.

Antes que eu pudesse questiona-la a respeito, meu pai me impediu de prolongar o diálogo, o que não foi nenhuma surpresa.

- Bem, Morgana, eu sinto muito que não tenha como nos ajudar.

- Eu é quem sinto muito. Um jovem como seu filho não merece um destino cruel nas mãos de criaturas como aquelas. Eu os aconselho a agirem rápido, pois após as 24 horas...

- O que acontece após esse tempo? - perguntei em um tom que fez meu pai olhar para mim com as sobrancelhas franzidas.

- Calma aí, Thomas. Não foi essa a educação que lhe dei. Por que interrompeu?

- Calma aí, o senhor, na verdade. Eu sou a vítima, eu quem devo saber.

- Tudo bem, tudo bem. Nada de atrito entre os dois. Rapaz, após as 24 horas eu creio que você já estará morto. - ela foi bem direta, para algo tão grave. - Ashuras perseguem suas vítimas até não restar mais nada.

- Estranho. Um amigo meu me disse que aqueles que leem o livro são escravizados por toda a eternidade. Mas não me disse como, se antes ou depois da hora da morte.

- Ele, obviamente, se deixou influenciar pelas lendas e boatos espalhados. Sobre a cópia, podem existir duas ou até mais delas. Segundo o que me diziam, alguns ocultistas e conhecedores do sobrenatural criavam cópias perfeitas deste livro, na intenção de fazer a "lenda" ser vista como real, mas havia uma desvantagem: a fechadura. Jamais conseguiram criar uma que fosse igual à do original.

- Interessante. Então, o destino final para cada portador do livro é somente a morte. - soou muito estranho eu dizer "interessante", mas ficou com um duplo sentido.

- Ah, Thomas, antes que eu me esqueça, percebi que no livro original estão faltando quatro páginas.

- Sim, eu já sabia disso, mas pra mim não eram quatro, mas sim três. - eu confrontava diretamente algumas observações que ela fazia.

- Talvez não tenha olhado direito... por estar apressado ou desesperado. Você tem as quatro páginas? - ela começou a me olhar de modo um tanto maldoso, mas fingi não perceber.

- Não... só possuo três das quatro. Acredito que a última possa estar escondida em algum lugar.

- Na cópia também, não há a última página. Eu lembro perfeitamente como ela era... a figura nela contida era aterradora. O Ashura-Alfa.

Repentinamente, Morgana teve um desmaio. Não foi uma coincidência. Eu estava partilhando meu perigo com meu pai e com ela, logo eles morreriam junto comigo. Morgana dormiu durante o dia inteiro, meu pai ficou cuidando dela.

Eu só precisava encontrar a última página, pois já tinha em mente o que fazer. Se o jeito certo não estava ao nosso alcance, seria do meu jeito. Por volta das 20 horas, não consegui grudar os olhos. Sentia um calafrio imenso. Me levantei e fui beber um pouco de água. Logo quando voltei, o espelho do quarto estava mal posicionado, meio torto. Não estava daquele jeito. O deixei reto e voltei para a cama.

Somente tentei relaxar, pois dormir já não me era mais possível naquele horário. Fiquei de bruços uma boa parte do tempo. Até que, de imediato, fui surpreendido por alguns barulhos que vinham do espelho. Como se algo estivesse estralando. A luz do abajur não funcionava mais.

Fui até o espelho e aproximei lentamente meu rosto ao meu reflexo, que eu mal podia ver devido à escuridão, claro. Os barulhos aumentavam à medida que meu rosto chegava mais perto.

Fixei meus olhos na minha face escurecida. Permaneci assim por uns dois minutos. Tempo demais para fazer aquela loucura. Vi dois olhos vermelhos surgirem naquele reflexo sombrio. Me afastei subitamente, porém, vi nos meus braços se formarem cortes. O sangue pingava de modo estranho... eu ainda não consigo explicar que loucura foi aquela.

Fiquei encarando, sem ação, aquele olhar penetrante avermelhado. Para piorar, apareceram dentes, aparentemente formando um sorriso. Não tive escolha. Seria aquilo somente uma ilusão? Claro que não. Peguei as chaves do carro do meu pai, enquanto eu tentava estancar o sangramento.

Ele estava dormindo no sofá, mas acabou não acordando quando saí da casa. Já não bastava Morgana parecer estar escondendo algo de mim, depois eu teria que suportar mentiras de meu pai!? Não, aquilo tinha que acabar, não importando como.

Eu não sabia dirigir muito bem, mas o pouco que aprendi serviu e muito para pelo menos chegar ao meu bairro. Não importava quanto tempo duraria. Eu já estava sem tempo. Meu pai e eu combinamos de sair as 21 horas para encontrar um modo de me livrar daquele inferno.

Não, era um tempo curto demais. Segui pela estrada escura, levando minha mochila com os dois livros dentro. Em dado momento, me deparei com aqueles mesmos olhos vermelhos em volta daquela escuridão. Tentei atropelar a coisa, mas foi inútil. Senti como se ela se teletransportasse, sumisse diante de mim.

Já estava à beira da insanidade, não aguentava mais. Eu, definitivamente, estava dirigindo feito um louco. Acabei parando em uma área completamente deserta e tenebrosa. Era um campo com bastante mato, mas deu pra encarar os mosquitos. Olhei à minha volta para me certificar de que não havia nenhum daqueles Ashuras por perto. Confirmada minha segurança, tirei da minha mochila uma caixa de fósforos e os dois livros.

Antes que pudesse fazer o que tinha de ser feito, senti minha respiração enfraquecer. Mas tudo ficou bem novamente, acabei recuperando o fôlego. Joguei os dois livros e as três páginas naquele solo e risquei o fósforo.

Ao meu ver, estava tudo acabado. O desespero deu lugar ao prazer de ver aquelas chamas consumirem aqueles objetos infernais. "Eu venci", pensei.

Meu celular tocou, o que quebrou o clima da aparente salvação.

- Alô?

- Filho!? Onde você tá? Traga meu carro de volta, já!

- Desculpe, pai. Vou descobrir onde ela está e vou queima-la. Eu sei o que está escondendo.

Desliguei o celular e voltei para o carro, rumo à cidade onde eu morava. Pisei fundo e acelerei o máximo permitido. Eu estranhei nada ter ocorrido à mim quando cheguei na cidade em pleno começo da manhã. O sol estava nascendo e eu me mantinha confiante por ainda estar vivo. O tempo-limite foi ultrapassado e nada parecia querer me impedir de parar aquela tormenta.

Chegando em casa, fiz bastante barulho ao arrombar a porta da frente. Corri diretamente para o porão, e ouvi minha mãe descer as escadas perguntando o que estava havendo. Aquela droga de porta estava trancada e usei minha perna esquerda para arromba-la. O chute foi tão impactante que a destruiu por completo.

Aprimorei meu olfato e acabei sentindo uma forte podridão. Ela vinha direto do armário. Meu celular não parava de tocar e aquilo me irritou bastante. O parti ao meio, jogando-o para a pilha de coisas velhas daquele porão imundo.

Tampei minhas narinas, enquanto abria a porta do armário.

Era só mais uma surpresa desagradável anunciando mais um dia ruim.

Naquele armário, vi o corpo de meu pai apodrecendo! 


CONTINUA... 

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