Capuz Vermelho #74: "Pecado Mortal"


CAPÍTULO 74: PECADO MORTAL

Entre os caçadores mobilizados e Hector, Pandora, Êmina e Lester, o último mago do tempo detalhava o que podia a respeito da premonição de Alexia que se resumia em Rosie e Belphegor.

- Na visão estava Rosie com uma espada de formato meio peculiar...

- A Arkanon. - interrompeu Pandora - A forjei para que fosse a única arma que eliminasse Belphegor. Ninguém mais além de Rosie é digno de usa-la. E pensar que por conta desse fardo quase que tudo se pôs a perder. Culpa toda minha, aliás.

- Como assim? Até onde o Hector resumiu pra nós que ficamos por fora, você concedeu à Rosie uma responsabilidade heroica de matar esse demônio. O que tiver acontecido pra sabotar isso, não foi porque você interferiu. - disse Êmina.

- Sou a culpada desde o início, estão diante da mulher que liberou um mal sem precedentes no mundo. Cada mazela que existe... fome, guerras, doenças... tudo isso foi por minha causa e nada mais. Se nem eu me perdoo, ninguém mais pode.

- Olha, nenhum problema você ter jogado isso pra cima da Rosie. - disse Lester - Ela tem um poder que é necessário. A gente tá bem acostumado com consequências depois de tanto que aprendemos nos últimos anos.

- Viu só? Isso prova que o fato de você estar conosco a redime do seu passado. - afirmou Hector, olhando-a compreensivo.

- Posso prosseguir agora? - perguntou Charlie - Bem, é uma honra pra mim conhecer pessoalmente a filha de Zeus.

- E fico honrada e surpresa por conhecer um mago do tempo remanescente. Acreditava que estavam todos extintos. Desculpa ter te interrompido, continua. Como essa visão termina exatamente?

- Pra encurtar a história... Rosie cai numa cratera enorme e fervente, como um vulcão em erupção, de onde sai um monte de espíritos malignos, almas vindas do inferno. Alexia não conseguiu visualizar bem o ambiente.

- Mas tem alguns pequenos detalhes? Qualquer coisa de repente pode servir muito. - disse Pandora.

- Acho que Rosie está num espaço ao ar livre... - disse Charlie, pensando para recordar-se - ... e há umas rochas grandes, algo assim... A visão em si foi muito rápida, não foi possível gravar na memória detalhes como esses.

Rosie e Adam chegaram de inesperado. A dupla ficou estupefata ao ver Êmina, Lester e Charlie.

- Rosie. - disse Êmina indo abraça-la - Caramba, achei que fosse apenas ouvir sua voz no telefone e alguma coisa ia surgir pra estragar nosso encontro. Na verdade, pensei que viesse com o Hector, vocês não passaram a se desgrudar com muita frequência, se é que me entende.

- Feliz te rever também. - disse Rosie, sorrindo - Ahn... Aconteceram mesmo algumas coisas...

- E aí, Êmina? - disse Adam, abraçando a amiga - Lester. - dera um aperto de mão - Charlie - acenou com a cabeça e o mago do tempo retribuiu igualmente - Cadê a Alexia? Em casa estudando?

- Estudando e lidando com uns probleminhas particulares que estão afetando um pouco a vida de universitária dela. - disse o mago do tempo - Ah, inclusive, Rosie, ela voltou a ter contato com sua avó recentemente.

- Minha avó? A Alexia e ela voltaram a se falar? Se bem me lembro, a vovó chegou a ensinar magia pra ela.

- Eis o nome do problema: Magia. Do que eu sei, sua avó tem passado por situações difíceis lutando contra bruxas inimigas. Só não concordo no envolvimento da Alexia, faz parecer que ela está sendo usada por ser uma profetisa.

- Charlie, entendo sua desconfiança, também não reagi muito bem quando soube que tinha uma avó bruxa, como se minha vida não estivesse louca e estranha o suficiente, mas... na última vez que a vi, percebi que aquela mulher rejuvenescida tinha aprendido com seus erros, mesmo amargurada ela não se rendeu ao mal. A magia não corrompeu seu espírito. Acho que fui uma espécie de âncora que não permitiu que ela caísse nas sombras. Não tem magia negra que corrompa um bom coração.

Pandora sentiu-se identificada com a declaração serena de sua pupila. Implicitamente, Rosie direcionava à ela também.

- De onde vocês vieram? - perguntou Lester - Deu pra notar vocês meio... abalados.

- O que importa dizer é o que vimos antes de pegar um táxi acelerado pra cá. - disse Adam - Um bando de pessoas armadas até os dentes começou uma balbúrdia nas ruas, atirando contra policiais, jogando bombas, gritando palavras de ordem...

- Saímos de lá tensos, por sorte nos esgueiramos pelos becos sem dificuldade. - informou Rosie - Aquela gente toda parecia bem irada pra lançar um ataque tão agressivo. Mais do que isso, pareciam imbatíveis, enfrentando de peito aberto.

- É obra do Belphegor, sem nenhuma dúvida. - disse Pandora - Ele já mobilizou o exército de cobaias que foram testadas no amplificador biológico. Não armaria uma guerra civil despropositada. A menos que seja cortina de fumaça e das boas.

- Em que lugar isso tá acontecendo? - perguntou um dos caçadores.

- Canterbury, mas se tratando do Belphegor seria muita inocência acharmos que ele mandou as cobaias pra uma só cidade. - disse Rosie - Londres com certeza é o alvo central. A maior concentração desse exército pode estar na capital.

- O que foram fazer em Canterbury? - perguntou Êmina.

- Testar a espada. - disse Rosie, omitindo sobre sua temporária virada para o lado sombrio - Acabei atraindo uns demônios.

- Então essa é a Arkanon. Pra uma arma milenar, até que foi bem conservada. - disse a caçadora - Museu pra quê né?

- Muito bem pessoal, hora de agirmos. Vou ouvir no carro o sinal de rádio da polícia. - disse Adam - Quantos temos aqui?

- Somos apenas 12. - disse um caçador - Tirando os membros da Legião.

- Teremos que ligar pro CDC e pedir reforços pras outras localidades. - sugeriu Êmina, determinada.

A espada abruptamente descarregou uma energia em Rosie que a pôs num transe que lhe revelava uma visão que exibia imagens do paradeiro de Belphegor. O estado de "fora do ar" dela foi percebido pelos outros.

- Rosie. Rosie? - chamava Êmina. Pandora também expressava dúvida. A caçadora estalou os dedos na frente do rosto da amiga - Destravou agora? Tava com a cabeça nas nuvens...

- Não foi nada demais, é que... - disse Rosie, logo olhando para a espada intrigada - Eu acabei de ter um tipo de visão... mostrando Belphegor andando por um campo gramado até um conjunto de pedras erguidas...

- Stonehenge? - arriscou Lester.

- Sim... - respondeu Rosie - Só não lembrava o nome. É exatamente que lá que ele está.

- Dessa vez você acertou. - disse Êmina para o caçador, recordando-o de quando ele especulou um dos possíveis locais em que a cripta de Abamanu estaria situada.

- Na visão de Alexia havia uma cratera de fogo onde Rosie caía mas ao mesmo tempo espíritos malignos, o que se presume serem demônios, emergiam... - disse Hector - Uma porta para o Tártaro?

- Alexia profetizou sobre mim? - perguntou Rosie à Charlie.

- Sim, há cerca de uma semana. Rosie, de acordo com essa visão... são baixas as chances de vencer.

- Eu obtive o controle da magia da espada, finalmente harmonizei com a energia divina. Tudo que preciso pra evitar esse futuro.

- Tem certeza? - perguntou Pandora - Você fez aquilo que eu pedi pro Adam te convencer de fazer?

- Pandora, estou bem, agradeço a preocupação, mas te garanto... que estou completamente pronta.

A única luz da sala iniciou um pisca-pisca tremido deixando todos alertados. O recinto ficou às escuras por uns 5 segundos para a lâmpada novamente reacender-se. Os coletores, sempre engravatados e de ternos bem passados, apareciam presunçosos. O que aparentava liderar aquele grupo, com suas costeletas elegantes, se destacou sorrindo confiante

- Não pode ser! O que vocês fazem aqui? - questionou Charlie, encarando-os com raiva.

- Era só o que faltava... - disse Rosie, abismada.

Os caçadores prontamente sacaram suas armas mirando-as nos intrometidos.

- Podem esquecer a missão de suas vidas, não vai ser hoje que o Charlie será a carne fresca de vocês. - disse Hector, tomando a frente. O coletor líder demonstrou zombar silencioso da postura do caçador.

- Perfeitamente o contrário. Gostaria de propor algo e sei que resposta darão. Me chamo Felix. E queremos Belphegor morto.

                                                                              ***

Paralelamente à organização dos caçadores por Adam que os liderava a pedido de Hector, Pandora tentava manter-se "escondida" dos coletores. A semideusa chamara Hector para uma conversa particular num corredor da velha casa, a mesma na qual Charlie morou com seus pais e se abrigou como refúgio contra os monstros que desejavam mata-lo.

- É bom que seja importante. Charlie está desprotegido, eles podem tirar proveito dos caçadores distraídos com os preparativos pro contra-ataque nas ruas. - disse Hector, indisposto à pretensão dela.

- Como se você fosse o maior escudo pra defende-lo. Eu conheço bem essas aberrações, eles te jantariam numa só mordida. Mas por via das dúvidas é bom manterem ele o mais distante possível. Embora eles não pareçam querer acerto de contas.

- O que garante isso? Sugerir aliança contra um inimigo em comum não deve ser interpretado como fazer as pazes.

- Não acho que ficaram pacíficos, o que eles pretendem é usar a derrota de Belphegor como alavanca. Tenho um palpite, um palpite quase pendendo para a certeza absoluta. Estão ajudando a me convencer disso. Agora vem a parte importante.

- O que quer me contar? Seja breve pra que não saiamos em cima da hora. - deu uma conferida no relógio de pulso.

- Tá, não exatamente a parte importante agora, mas não é seguro falar aqui, eles tem olhos e ouvidos por toda parte. Por isso que o Tártaro é o local mais reservado e bloqueado de sondagens psíquicas.

- Ir até o Tártaro com você outra vez? Mas de que forma? Todas as portas foram seladas, exceto a que Belphegor vai acessar e eu estou certo disso já que Rosie vem recebendo constantemente visões da espada. Ele não está tão longe.

- Então vou manda-la logo pra Stonehenge e depois você ficará sabendo em primeira mão coisas que você nem imaginava sobre os coletores. Não é enrolação, não é preparando terreno pra um plano traiçoeiro... Só quero que saiba toda a verdade.

A visão periférica do caçador detectou a presença de um coletor olhando-o desconfiado.

- Se não falarmos demais, talvez aquele ali pare de tentar nos espionar.

- Você topa? Com um feitiço que testei há poucos dias, destrancar portas é inútil. Feitiço indolor, eu juro.

- Está bem. - aquiesceu Hector - Vamos lá pra fora, vou chamar Rosie.

Num beco ao lado da casa, Pandora aprontava o feitiço teleportador para enviar Rosie.

- A sua cara tá me dizendo que não vê o quanto estou capacitada pra atravessa-lo com essa espada. - disse Rosie.

- Não é bem por aí, eu diria que não está totalmente pronta. Mas não leva a sério. É como preocupação exagerada de uma mãe que amarra os sapatos do filho e teme que o laço desate no meio do caminho. Estaremos torcendo, especialmente eu.

- Ahn, e vocês? - indagou Rosie - Hector não vai se juntar à luta pois deixou o Adam no comando...

- Ficaremos vigiando o Charlie. - disse Hector, inventando uma boa desculpa.

Pandora o olhou de relance como quem não achava o pretexto suficientemente bom.

- Mas os coletores estarão ocupados cumprindo a parte deles, não? - perguntou a semideusa.

- Eles não foram muito claros. Além disso, podem deixar alguns de reserva para um atentado contra Charlie. - retrucou ele.

- OK, é uma hipótese válida, não dá pra bobear com aqueles monstros. - disse Pandora - Vamos lá? Alibi Migrare, Alibi Migrare, Alibi Migrare...

O círculo de luz vermelha com o sigilo desenhou-se sobre os pés de Rosie naquele chão molhado.

Rosie acenou positivamente com a cabeça para Hector dando um sorriso tímido, o que o caçador correspondeu. A luz engoliu a jovem até fazê-la desparecer completamente. Pandora notou no semblante de Hector uma certa frustração.

- Pensou meio tarde em dar um beijo de despedida? - conjecturou ela.

                                                                                   ***

Stonehenge

Um ponto luminoso avermelhado refulgiu num ponto da extensa área, mas à vários metros distantes de onde Belphegor podia ser avistado rumando para a estrutura. Rosie via-se no espaço aberto iluminado pela lua cheia envolta por nuvens cheias.

A Arkanon reagiu imediatamente, puxando sua portadora a fim de conduzi-la.

- Ei, calma aí! Pra quê tanta pressa? - perguntou ela, sentindo como se a espada tivesse adquirido vida - Que estranho...

O demônio adentrava por entre as rochas, tirando seu terno cinza, depois a gravata e a camisa branca.

- Vai sair me arrastando até lá? Admito que também tô ansiosa, mas não quero correr. - disse Rosie.

Belphegor alongava o pescoço visualizando o centro da construção pré-histórica.

- Hora de esvaziar a casa. - disse ele, referindo-se à horda incontável de demônios que libertaria.

Enquanto isso, na antiga casa de Charlie, alguns coletores procuravam por Hector e Pandora.

- Viram aquela semideusa e o caçador saírem? - perguntou um deles a outros dois - Eles tratavam de um plano secreto...

- O único plano de que sabemos é o que estávamos discutindo com Felix agora há pouco.

- Droga, isso nos distraiu, eu acabei não falando antes. Um de nós podia ter seguido os passos deles.

- E o que te interessa nos assuntos particulares de uma semideusa tão eminente? - perguntou um coletor de óculos.

- Parecia que ela tinha intenção de elucidar fatos intimamente para o caçador. Ela sabe muito sobre nós do que sabemos uns dos outros. Não é a toa ela ser a primogênita de Zeus que lançou a pior das maldições nesse mundinho medíocre.

- Mas reconheça que devemos um agradecimento à ela. - rebateu o de óculos.

O coletor que respondera à pergunta fechou os olhos rastreando a localização atual da dupla.

- Sumiram do mapa. - disse ele, convicto - Não estão aqui... não nesta dimensão.

O espionador bufou raivoso, mal suportando sua ânsia de querer intervir no que Pandora fizesse.

                                                                                 ***

Londres

A polícia britânica prosseguia nos atos de repressão contra o grupo armado de manifestantes que parecia avolumar-se a todo instante. Adam e o time de caçadores, somado aos reforços solicitados, se reuniram antes de lançarem-se ao ataque.

- Temos autorização formal do governo pra conter essa calamidade. - disse ele, provando que sua compostura de líder não se perdeu com o tempo - Isso graças a um apelo do alto escalão do CDC já que o exército está com as divisões ocupadas.

- E como estamos lidando com oponentes em condições especiais, não usar força letal é praticamente suicídio. - disse Êmina - Todos eles estão sob efeito de um transe que potencializa suas capacidades humanas a níveis sobrenaturais. Infelizmente não vai se desfazer tão cedo pra que o número de mortos fique abaixo de cem e obviamente não vamos esperar nada.

- Pode ser doloroso pra alguns de vocês... - disse Adam, firme - ... apontar essas armas e atirar contra civis inocentes que foram vítimas de um plano macabro e diabólico... literalmente diabólico. Mas sabemos a configuração de uma guerra. Nesse caso, não vamos recuar, mesmo que isso exija medidas radicais como único meio de restabelecer a ordem. Entendido?

Os caçadores ergueram suas armas pesadas simbolizando concordância com brados de guerra.

- Ao meu sinal! - disse Adam, virando-se para a direção do confronto. Lester estava à sua esquerda com seu sub-metralhadora e Êmina à direita com um rifle - Avante! - gritou o caçador, correndo na linha de frente. Os caçadores vieram logo atrás contagiados pela efervescência combativa. Os marcados pelo ferrete os receberam com saraivada de tiros.

Adam disparou contra um direto na cabeça com a pistola que segurava na mão esquerda e noutro com a que segurava na direita. Pegara sua metralhadora e municiando-a com uns cartuchos do seu cinto diagonal e correu por entre fogo e escombros disparando a esmo contra qualquer desordeiro controlado pela magia demoníaca do ferrete do diabo.

                                                                                 ***

Todos os integrantes da Caosfera que sobreviveram ao massacre de Mollock agruparam-se no salão da sede para prestarem suas homenagens à Hamilton Marshall. Oito magos carregavam o caixão com o corpo pálido do comandante da fraternidade para ser velado. O depositaram sobre uma plataforma elevada, basicamente um altar, feita de cerâmica. Um minuto de silêncio foi feito em respeito e depois um mago viera até o caixão para deixar no peito de Hamilton um broche prateado no formato da estrela do caos. Não haviam lágrimas que expressassem tristeza inconformável, apenas reconhecimento e honra.

Um som de palmas ouviu-se da entrada do salão e boa parte dos magos virou-se desconfiada.

- É tocante. - disse Felix, zombando da cerimônia de luto, batendo palmas lentamente - Devem estar se sentindo dignificados por prestarem esse belo serviço de gratidão pelo homem que os escravizou. O que ele quis provar tirando a própria vida?

- Não acho que seja da sua conta, demônio. - retrucou um mago.

- Não, esperem, ainda não terminei. E não, não sou demônio, na verdade sou bem mais que isso. Incrível vocês não me reconhecerem. Vocês perderam mesmo os colhões depois que esse velhote bateu as botas. Digo, já não tinha antes, agora realmente as coisas pioraram. "O nosso querido papai se foi, o que será de nós daqui pra frente?" - disse num tom de voz infantil como deboche, rindo com escárnio - Bem, senhores, não vim a mando de Belphegor, sou uma criatura autônoma.

- Nos agrega muito saber disso. Agora saia se não quiser que te demos uma lição. - ameaçou outro mago - Estamos nos despedindo do homem que nos criou como sempre estivemos destinados a ser! Ele foi mesmo um pai para todos nós.

- Você falou que não te reconhecemos. - disse um mago, intrigado - Por que deveríamos lembrar de um insolente como você?

- Ah, vocês lembrarão. Por um bom tempo. - disse Felix, sério. Os magos se mobilizaram para ataca-lo com um feitiço mortífero, recitando em sincronia - Por que não inventam um cântico em latim para reverenciar seu patrono?

- A magia não tá surtindo efeito algum nele, não é um demônio! - disse o mago que perguntara antes.

- De fato, não. Algo próximo de um deus, mais apropriado. - disse Felix, orgulhoso e confiante quanto ao sonho dos coletores de ascenderem ao patamar divino. Os demais coletores apareceram em teleporte crescendo suas enormes garras negras e transpassando cada um dos magos indefesos, empalando-os como carne num espeto. Felix assistia ao assombroso golpe com um sorriso fechado de vitória. Caminhou em direção ao corpo de Hamilton, ignorando a carnificina ao seu redor.

Parou para olhar o cadáver com desprezo absoluto. Era uma delícia para o coletor observar um inimigo naquele estado.

- Você teve uma longa vida para nos oferecer o devido valor que merecíamos. E agora tem uma eternidade para se arrepender de trocar o certo pelo duvidoso. Apodreça no Tártaro, Marshall. - disse, logo cuspindo na cara de Hamilton.

Um dos coletores veio trazendo o ferrete para Felix.

- Mais um pra coleção. - disse ele.

- Interessante. - disse Felix, pegando-o - Os humanos não sabem que destruindo essa coisa o controle mental é eliminado.

- Avisamos à eles?

- Não. Deixem eles lá bem ocupados guerreando inutilmente. Temos preocupações maiores agora.

                                                                              ***

Dentro de um táxi, Hector e Pandora estavam calados e um tanto afastados nos bancos de trás.

- Pra conseguirmos acessar o lugar seguro... - disse Hector quebrando o silêncio - ... é necessário outro lugar seguro.

- Ah é, esqueci de contar pra você que estamos indo pro meu antigo esconderijo. - respondeu ela, tirando os olhos da janela.

- E se os coletores estiverem nos rastreando nesse exato momento?

Pandora deu uma olhadela para o motorista tomando cuidado para não falar alto demais.

- Eu aproveitei que você se distraía com o ofuscante brilho do portal com aquele olhar de adeus para a Rosie e pus um bloqueador místico no seu bolso. Também levo um comigo. - disse a semideusa, quase aos sussurros.

- Mas não descarto a hipótese deles terem forjado uma aliança com a Caosfera, minha superaudição, enquanto discutíamos sua ideia, captou conversações suspeitas acerca da sede dos magos do caos, talvez pra eliminar todos eles. Só que é difícil prestar atenção em duas coisas simultaneamente. Eles sabem como burlar essa mágica. Não seria uma parceria estranha.

- Eles mal sabem que os coletores existem, apesar de ser provável que a invasão seja um plano de fachada, mas não importa. Você é um licantropo com magia correndo no seu sangue e eu uma bruxa híbrida de deus e mortal. Temos um ao outro a partir de agora. A Caosfera é uma brisa leve e refrescante comparada ao furacão em que Rosie tá metida. - disse Pandora que repentinamente avistou um grupo de pessoas com placas comemorando e gritando o nome de Ephram.

- Ih, amigos, ao que parece nosso passeio vai desacelerar um pouquinho. - disse o motorista. Hector inclinou-se para a abertura na proteção de vidro perguntando sobre o que exatamente significavam aquelas manifestações - Bem... Ele ganhou.

- O quê?! - disseram Pandora e Hector em uníssono, absortos com a notícia.

- Surpresos por que? Ele liderava disparado nas pequisas, não tinha pra ninguém. Inclusive, votei nele.

- Não é bem isso, queremos entender porque o elegeram antes da data marcada para o segundo turno. - disse Pandora.

- Anteciparam por conta da falcatrua do desgraçado do adversário dele que foi preso nessa noite.

- Que tipo de falcatrua? - perguntou Hector.

- Sabem como é, a lei prevê, a lei opera. A justiça determinou que o Lankester foi legitimamente eleito vendo que a baderna em Londres foi vinculada ao Bill Houscoe, daí a polícia invadiu a casa dele e acharam na garagem protótipos daquela geringonça que faz as pessoas ganharem força absurda. Ou seja, ele copiou o projeto do Lankester na cara dura e coagiu um monte de gente a sair quebrando tudo e atirando a esmo. Vai responder por plágio e perturbação da ordem pública.

O caçador e a semideusa se entreolharam praticamente incrédulos com a audácia de Belphegor.

- Nem devíamos ficar assombrados, o sistema judiciário também não escapou do aparelhamento. - disse Pandora.

- Uma farsa muito estratégica pra conquistar uma vitória fácil. - disse Hector - Não é melhor seguirmos a pé?

- Essa multidão tá atrapalhando, mas nosso tempo curto é bem gasto aqui. - respondeu ela - Falta uma hora, eu acho.

                                                                             ***

Stonehenge

Com o braço direito esticado e a mão aberta direcionada ao ponto fixo, Belphegor recitava o feitiço de abertura da sexta e última porta para o Tártaro. Rosie, eficientemente sorrateira e observadora, aproximava-se a passos cautelosos.

- Infernae Conscendunt Universi Creaturae 

Um buraco na terra foi abrindo-se gradativamente e parecia que magma vulcânico seria expelido. Belphegor foi acertado por algo atrás da cabeça, algo que foi arremessado habilmente e bateu forte.

O demônio virou-se enfurecido, já sem seu disfarce humano. Rosie, como fênix apoteótica, pegava de volta seu disco solar que jogara para bater nas pedras até atingir Belphegor que sorriu maliciosamente para a jovem.

- Jeito indelicado de cumprimentar seu opositor. - disse ele.

- É meu jeito de dizer "olá" pra quem não vou demorar a dizer "tchauzinho". - disse Rosie - Se é que me entende. - destacou a espada cuja lâmina reluzia com a luz alaranjada que vinha da cratera que aumentava de tamanho - Tenho uma exigência.

Belphegor caiu numa risada escarniante.

- Ser orientada por uma semideusa filha do ilustre e inquestionável Zeus deixou seu ego desmedido.

- De alguma forma, ela me tornou mais confiante. Mas pra garantir que nada saía dos conformes, ativei meu poder divino, foi o que purificou minha alma. A sua hora chegou. Vamos lutar fora do círculo. - disse ela, logo virando-se para sair da estrutura, porém foi impedida por uma barreira invisível. Rosie forçou-se para tentar sair, mas não adiantava.

- Lamento, mas estabelecer os limites é obrigação minha. - disse Belphegor, sua aparência demoníaca se evidenciando com o fogo - A sua é tentar me apunhalar com essa coisa repulsiva a tempo da abertura não cobrir todo esse espaço delimitado.

Vendo-se sem nenhuma outra escolha, Rosie grunhira furiosa partindo com bravura contra o demônio, desferindo chutes habilidosos dos quais ele defendia-se com os braços. Belphegor revidou com um soco ao qual Rosie barrou com a espada e o demônio rapidamente afastou a mão que ardia ao encostar no irídio poderoso. Rosie deslizou no solo gramado para fazer um corte na perna esquerda de Belphegor e em seguida levantou-se concentrando energia divina para lançar rajadas oculares que abateram sobre o demônio o derrubando contra uma das pedras erigidas. Sem dar-se por vencido, Belphegor disparou uma onda vibratória com as mãos, mas Rosie criou um campo defensivo e arriscou um arremesso da espada mirando no peito do demônio que a deslocou telecineticamente para lança-la à cratera. Mas Rosie a recuperou atraindo-a de volta. Belphegor criara chicotes de fogo, atacando Rosie que esquivava-se mas também ganhando proximidade.

- A sua vantagem divina não faria a menor diferença mesmo que eu não me fortalecesse no amplificador! - alegou Belphegor, os chicotes flamejantes deixando marcas profundas no solo. Depois juntou seus punhos fechados lado à lado para disparar uma rajada de fogo infernal que conseguia empurrar Rosie com seu campo de força. Belphegor potencializou seu poder de fogo.

- Então foi isso.... - disse Rosie, sentindo dificuldade em manter o escudo contra o fogo avassalador. Sangue começava a gotejar de seu nariz devido ao esforço - Aumentou seu poder graças a sua invenção! Ficou desesperado, não foi?

- Calada. Meu nível se provou insuperável pra você. A sua ignorância me diverte. Nunca ouviu falar da grande hierarquia? Ficou cega pela crença de que os demônios são inferiores aos deuses imaginando que baseado nisso poderia me destronar facilmente?! Quanta tolice! Sabe o que precedeu aos deuses na antiguidade mais imemorial? Os titãs! Eu fui um deles!

- Não... Não pode ser...  - disse Rosie, os dentes cerrados na luta para estabilizar a proteção.

- Sim! Na minha antiga vida me chamavam de Epimeteu, irmão do condenado Prometeu! A essência original não se perdeu quando caí. Uma vez titã, sempre titã, independente de luz ou trevas guiando os princípios morais!

Rosie dera um urro explodindo sua energia, o que dispersou o fogo de Belphegor para todos os lados. Ambos caíram praticamente exaustos. Mas Rosie ainda conservava alguma disposição para levantar.

                                                                                  ***

Londres

Adam travava um embate difícil contra um marcado com o mesmo porte físico que o seu. O caçador foi jogado contra a janela de uma residência desocupada horas antes por ordens das autoridades, seu corpo estilhaçando o vidro inteiro. O brutamontes arrombou a porta com um chute, despedaçando-a. Com baixa munição, o caçador pegou uma mesinha de madeira, a primeira coisa que viu e considerou que usasse como arma improvisada, e jogara contra o homenzarrão. Porém, ele a partiu em duas com suas próprias mãos como se rasgasse papel e avançou contra Adam golpeando-o com vários socos não dando-lhe chance de defesa ou revide. Aplicou uma joelhada forte na barriga e depois uma cabeçada bem no meio da testa, derrubando o caçador facilmente. Mas ainda assim não satisfazia-se, logo o pegando pelo pescoço contra a parede.

Um brilho alaranjado tomou contra dos olhos do "gigante" agressor que apertava o pescoço de Adam ao ponto de estar prestes a fraturar uns ossos. O rosto do caçador se avermelhava de sufoco, sua tentativa de se libertar mostrando-se em vão. Um tiro foi disparado nas costas do marcado que reduziu sua força esmagadora em Adam. Caiu com uma bala nas costas, respirando com dificuldade. Adam formava um sorriso de alívio à medida que sua visão desenturvava olhando para a porta.

- Tá tudo bem aí? Adam! - disse Lester vindo ajuda-lo. Olhou para o marcado, intencionando atirar novamente.

- Não, chega, ele vai agonizar com esse tiro. - disse Adam, piedoso - Como andam as coisas lá fora?

- Da minha perspectiva, essa batalha tá desproporcional, apesar de não ter visto ninguém do nosso time morrer.

- Mas eu sim - disse Êmina, vindo até eles - As provisões estão esgotando, eu sabia que nem os reforços iam bastar.

- Quantos perdemos? - perguntou Adam.

- Acho que cerca de uns oito. O restante tá entrincheirado se munindo com o pouco que ainda tem. O que custava arregimentar todos os mais de 60 caçadores espalhados só na capital? Isso foi um erro do diretor, é uma calamidade pública e ele devia ao menos reconhecer que somos boas tropas armadas pra substituir o exército nesse cenário. - reclamou Êmina.

- Olha, talvez o esquema tenha mudado. - disse Lester, reparando em carros do exército britânico passando pela rua - Acho que alguém fez um apelo e os fardados atenderam. Vamos nessa.

Os três saíram da casa para verem quantos do pelotão militar foram enviados. Um dos carros estacionou na esquina e um soldado desceu para vir diretamente aos membros da Legião.

- Os outros seguiram em frente e aquele ali... tá vindo na nossa direção pra quê? Nos dar um recado? - questionou Lester.

O soldado vinha com um semblante inconfundível de tristeza.

- O general Holt quer falar com quem está no comando da armada de caçadores.

- Sou eu. - disse Adam - A cidade tá em chamas, não temos tempo pra conversa. O que ele quer falar numa hora dessas?

- As últimas palavras dele. - disse o soldado, entregando um rádio-transmissor.

No prédio onde localizava-se o gabinete de Ephram Lankester como advogado, Holt e nove de seus homens preparavam um equipamento de frequência sonora numa sala com vista panorâmica. O general estava agachado com o rádio-transmissor aproximado à boca. O aparelho para emitir o som seguia sendo calibrado pelos soldados encorajados.

- General, estou na escuta. Aqui é o Adam... Que história é essa de que decidiu jogar sua vida fora? No que tá pensando?

- Chame do que quiser: jogar fora, descartar feito lixo, desconsiderar como algo sem valor... É a chance que preferi agarrar para morrer por esta cidade e por este país com o que me resta de dignidade. A divisão terá um substituto à altura, eu sei.

- Não... Não pode fazer isso, é insanidade, o senhor não tem porque se sacrificar. Onde o senhor está?

- No edifício em que o demônio que desgraçou muitas vidas trabalhava. Peço encarecidamente que não se atreva a interferir, isso é uma ordem. Meus homens estão terminando de ajustar uma máquina de emissão sonora regulada numa frequência adequada para atrair os rebeldes desordeiros pra cá, todos eles. E depois... aciono os explosivos e levamos eles conosco.

Êmina e Lester ficaram mexidos ao ouvirem tais palavras. O soldado que os acompanhava estava em prantos.

- Não! - disse Adam, emocionado e aborrecido - General, por favor, pelo que é mais sagrado, nós estamos controlando a situação, embora tenhamos contado algumas baixas, mas...

- Tarde demais, Bolton. Acabamos de ligar o equipamento. A antena que instalamos vai emitir a frequência...

O som agudo ressoava num alcance expandido para a zona crítica onde os marcados pelo ferrete e aprimorados pelo amplificador biológico se posicionavam. A maioria foi atraída pelo zumbido, caminhando rumo ao prédio à poucos quilômetros dali. O grandalhão que Adam havia enfrentado saía da casa após resistir ao tiro, ignorando a dor da ferida nas costas e seguindo para aonde o som o levava. Holt segurava o detonador com sua suada mão direita, o polegar tocando no botão.

- Desista dessa loucura, tô implorando! - apelava Adam, abalado.

- Não há mais nada a ser feito. - disse o soldado - É o meio mais prático e rápido que ele pensou pra dar um fim nesse inferno. Sempre foi um sonho morrer na sua cidade natal. E a ocasião perfeita pra isso é esta.

- Incrível... - disse Êmina - Nesse volume baixo o som consegue afeta-los, gerando uma hipnose coletiva... Ideia de gênio.

Pouco mais de cinco minutos se passaram e então o estrondo de uma explosão assustara-os. A nuvem de fogo e fumaça que subia foi avistada numa distância não muito considerável.

- Adeus... General Holt. - disse Adam, desolado, deixando cair o rádio no chão. Êmina o tocou no ombro para consola-lo.

Lester deu um abraço no soldado que debulhava-se em lágrimas.

Aquela guerra estava findada. E como toda guerra... com sacrifícios inevitáveis.

                                                                                ***

- Enfim, chegamos. - disse Pandora, adentrando na sua cabana junto com Hector - De volta a um dos meus não tão doces lares. - fez uma pausa, respirando fundo - As proteções mágicas continuam funcionando, eu sabia que uma hora ou outra eu voltaria. Bem, um pequeno atraso, mas pelo menos viemos sem percalços mais graves.

- Me mostra agora esse feitiço que garantiu não provocar danos. Soa perfeito demais. - disse Hector.

- Os únicos danos que verá são externos. Vento forte, tremor de leve, janelas quebradas... OK, vamos pular logo pro Tártaro.

Pandora retirou uma faquinha do bolso de sua calça, traçando um corte na palma esquerda. Afastou a sujeira poeirenta do chão para desenhar um sigilo místico com o sangue.

Com o recitamento do feitiço, um pontinho luminoso, amarelado e tremeluzente, surgia no ar e se esticava verticalmente formando uma linha reta parecendo uma fissura na realidade. Os efeitos mencionados pela semideusa ocorriam ao mesmo tempo. Hector se tensionava, mas conteve sua ansiedade. O portal logo estava criado.

- Primeiro as damas. - disse Pandora, passando pela fresta dimensional

Um tanto receoso, o caçador aproximava-se do portal, o que era mais façanha impressionante da magia do caos para ele.

- Por que estou com a sensação de que vou me arrepender disso? - perguntou, logo dando um passo largo para entrar.

                                                                         ***

Em Stonehenge, Rosie tomava socos contínuos de Belphegor que esforçava-se para impedi-la de executar um movimento com a espada se não podia tira-la de seu poder. A jovem cambaleava, sangrando pelos hematomas no rosto e de uma ferida na cabeça quando bateu numa pedra após a explosão pulsante que os repeliu. Contra-atacou disparando mais raios oculares com toda intensidade.

Rosie deu passos adiante gritando ferozmente contra o algoz que defendia-se das rajadas amarelas.

Com a espada mirada, pôde contar com a aproximação. Belphegor dividia seu foco com a cratera e o confronto, perdendo sua resistência a carga elevada das rajadas. Quando deu por si, sentiu algo introduzir-se em sua barriga e desceu os braços olhando para baixo. A primeira ponta da Arkanon fincava sua carne que golfava sangue quente. Rosie, cansada, deu um fraco sorriso irônico.

- Maldição! - berrou o demônio.

- Isso que dá se distrair. Se eu soubesse, teria feito desde o início - sua forma de fênix apoteótica desfizera - Até que durou mais que o normal... - fez uma pausa, fitando-o com ódio - Essa ponta... foi por despedaçar minha alma. - cravou mais forte e mais fundo - Esta daqui foi por ter a colocado naqueles demônios. - cravou a terceira e última ponta - E esta... foi por ter torturado aquelas pessoas.

A última visão do soberano infernal foi um desvio de olhar angustiado e desamparado para a cratera que retrocedia fechando-se no mesmo ritmo. Uma lágrima brotou de um dos seus olhos. A Arkanon brilhou intensamente dentro do corpo de Belphegor que irradiava uma luz freneticamente trêmula.

No horizonte via-se uma linha rosada indicando a alvorada. Rosie descravou a espada, mas um detalhe a deixou estupefata. Ao ver Belphegor, percebeu que ele sua pele vermelha retornava ao tom humano. Na verdade, a aparência dele se alterava para a fisionomia humana de Ephram Lankester ao invés de reduzir-se em cinzas como o esperado.

Rosie balançava a cabeça em negação, extremamente confusa.

- Que merda significa isso? - questionou ela, começando a acreditar que Pandora não fora honesta.

                                                                             ***

O Tártaro subitamente tivera seu clima havia se modificado. Hector e Pandora olhavam para o céu.

- De repente o céu... mudou. - disse Hector, estranhando o vermelho anterior ser trocado por um preto-azulado.

- Não é um fenômeno comum. Só pode indicar uma coisa. - disse Pandora, de costas - Rosie conseguiu. Um dos feitiços entalhados na Arkanon extermina todos os demônios. A influência deles predominava aqui. O Tártaro não será mais o mesmo.

- E o segundo feitiço liquidava com Belphegor. - disse Hector a encarando desconfiado - Ou me trouxe pra se desmentir?

- Não, isso é verdade, mas... a interpretação quanto a matar é diferente. - afirmou a semideusa, virando-se para o caçador - Eu fui amada por um homem magnífico e grandioso em todos os sentidos. Esse homem me daria tudo o que sempre quis, minha felicidade com ele era indestrutível. Mas foi abrindo aquela caixa que nossos sonhos desmoronaram. Por causa disso ele adoeceu, depois se curvou ao mal, serviu a um deus perverso como se não tivesse mais nada a perder. Ele se chamava... Epimeteu. - disse ela, os olhos marejados. Hector ligava os pontos - Durante nosso casamento ele já estava dominado pelo mal... foi quando nos relacionamos sexualmente e tivemos nossa filha, Laverna, a qual anos depois ele matou, voltou à cidade onde vivemos só para isso. Não posso consertar tudo, é irreparável. Mas tive que dar à ele uma nova chance.

- Pandora... O que está querendo dizer com nova chance? - perguntou Hector, abismado.

- Com matar Belphegor eu me referia à algo mais simbólico. Haviam, na verdade, três feitiços. O que varria todos os demônios da face da Terra e do Tártaro compreende também anular a magia negra da caixa que corrompeu o espírito de Epimeteu, já que ele também foi atingido pela escuridão que saiu dela, e facilitou Hades a torcer a alma dele pra demoniza-lo.

- Não posso acreditar... - disse Hector, o assombro estampado na cara - Por que... Por que escondeu isso de todos nós?

- Porque eu tive medo! Eu tinha acabado de conquistar a confiança da Rosie, confiança essa que realmente eu não mereço, mas lutei por ela pra que a única pessoa capaz de manejar a Arkanon pudesse ficar ciente do seu destino pois foi esse destino que o profeta daqueles tempos previu. Acha que revelando isso pra ela tranquilamente as coisas se manteriam bem? Seria odiada por guardar segredos até então inconfessáveis. Ela iria sentir o mesmo golpe de desilusão que teve com você.

- Creio que não. Acreditou que ela conseguiria potencial pra utilizar a espada plenamente, mas subestimou a capacidade que ela encontrou de perdoar. Ela tem demonstrado isso desde que se entregou pra mim declarando seu amor. Ainda que isso tenha se esfriado, ela continua disposta a seguir em frente ao meu lado independente de não esquecer o passado.

- Imagino as milhares de perguntas que estão passando na cabeça dela nesse momento... - disse Pandora, inquieta.

- E sobre o terceiro feitiço? - indagou Hector - Não, melhor irmos direto pro verdadeiro motivo que me convenceu a voltar aqui: as estranhas boas intenções dos coletores. Não íamos falar mal deles pelas costas? Conjeturar sobre o que podem estar tramando?

- Não exatamente conjeturar, o que eu pensava dizer... era uma confirmação absoluta. Foi uma aliança meramente estratégica, o interesse na morte de Belphegor tem relação com a ambição deles de governarem o Tártaro. Eles não passam de apoiadores de ocasião, é claro que aquela pose amigável e cordial não podia ser espontânea vinda de sociopatas que só lutam por uma causa quando enxergam algum benefício. Mas minha filha não era assim.

- O que sua filha tem a ver com os coletores? Não, espera aí... - disse Hector, conectando as peças.

- Você é bem sagaz, Hector. A sua expressão não me engana. É isso mesmo que você tá concluindo. Presumo que Charlie informou muita coisa sobre os coletores à você e aos outros, mas nunca conheceu a origem deles. - fez uma pausa, mordendo os lábios em nervosismo - Se deuses e mortais geram semideuses... Demônios e humanos geram coletores.

Hector engoliu a saliva, não desviando o olhar atônito.

- Eu protegia minha filha como meu maior tesouro. Fiz tudo pra que não se tornasse uma aberração selvagem que matava por esporte e sadismo. Mas veio seu próprio pai pra romper nosso elo. Já nem sei mais quanto séculos passei fantasiando com o dia que finalmente a abraçaria de novo. Por isso adicionei um feitiço extra na espada... para trazê-la de volta.

O portal se instabilizou, diminuindo numa velocidade que alertou Pandora.

- Ah não, isso não tá acontecendo. - disse ela, aproximando do portal.

- Qual é o problema? - perguntou Hector, franzindo o cenho.

- Não era pro portal alcançar o limite agora, o feitiço leva em conta a dilatação do tempo no plano terreno. Ainda restam 5 minutos dos 15 originais. Tem uma intervenção do outro lado! Alguém tá tentando nos deixar presos aqui! Vem, vamos...

Pandora virou-se para Hector, mas viu o caçador sendo puxado pelas pernas por uma figura truculenta e monstruosa.

- Que sorte abençoada reencontra-los. - disse Mollock, mostrando as presas no seu sorriso lupino - Olá, Hector. O que acha de resolvermos nosso assunto inacabado? Não finja que esqueceu não ter movido um dedo pra impedir aqueles miseráveis!

- Pandora, vá! - disse Hector, tentando se desvencilhar suas pernas da mão pesada do híbrido - Descubra quem é!

- Não vou te largar aqui! - retrucou ela. Mas no instante em que pretendia atacar Mollock, deu uma olhada no portal cada vez mais se apequenando. O desespero tomou conta do seu semblante. Pandora fechou os olhos apertadamente cerrando os dentes, contendo uma raiva frustrante e intensiva que não sentia há tempos - Mas que droga!

A semideusa pulou no portal que logo se comprimiu e desapareceu. Num lapso de piedade, Mollock soltara Hector. O caçador levantou-se rápido, fitando o híbrido com puro ódio.

- Não pude ignorar sua conversa com a bruxa. - disse Mollock - Então quer dizer que o trono desse lugar está vago?

Antes que Hector respondesse, barulhos simultâneas vinham de toda parte. Ambos visualizaram ao redor.

- O que é isso? - perguntou Hector.

- Os nativos e suas boas-vindas calorosas. - respondeu Mollock. Uma numerosa horda composta pelos seres contaminados pela água do lago da perdição, os quais Leo nomeou de bastardos, desciam a ladeira de um morro. Rapidamente cercaram Hector e Mollock que, de costas um para o outro, se aproximavam para ficarem juntos no combate contra aquelas criaturas hostis e incansáveis. Enquanto isso, no mundo terreno, num local escuro, um caixão de madeira tivera sua tampa destruída por uma mão raivosa de dentro. Uma mulher de pele morena e cabelos pretos assanhados levantava-se com ódio.

                                           CONTINUA... (NÃO MAIS POR AQUI E SIM NO NYAH! FANFICTION 😉)

                                                                               FIM DA 5ª TEMPORADA

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.

*Imagem retirada de: https://www.jornalinformal.com.br/index.php?m=news&a=detail&id=6982

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