Crítica - Kim Possible


Qual é o problema? TUDO! (ou quase).

AVISO: A crítica abaixo contém SPOILERS.

A série animada de 2002 é lembrada com bastante afeto por um bom número de fãs (comigo incluso que a acompanhei lá em idos de 2005 na Globo, creio que a maioria dos brasileiros que curtem a ruivinha tiveram esse primeiro contato - afinal o desenho vem de uma época em que TV à cabo ainda era "coisa de rico") e a Disney, se aproveitando deste sentimento que é uma isca descomplicada de angariação de público, resolveu resgatar a personagem, que ficou no "limbo" por mais de uma década, praticamente esquecida, para aquilo que satisfaria muitos apreciadores. Contudo, pude comprovar (com vontade de chorar e desligar o PC T_T) que não fizeram corretamente para que o fator nostalgia evocasse o alento que a produção intentava proporcionar (ou pelo menos aparentou querer). Foi pra isso que serviu tirar a personagem do semi-ostracismo?

Propor uma adaptação em live-action de uma história com certo tempo desde sua finalização original tem seu valor no que se refere à apresenta-la para a nova geração. Mas ao mesmo tempo mirar no público mais velho que assistiu ao desenho é atirar no escuro. As ambientações do filme casam com o que a série animada esbanjava, o clima de high school e seus adereços, além do terreno da ação que coloca os personagens em cenários até que convincentes e bem montados para sabermos que ali transcorre uma missão para deter um criminoso que ameaça o mundo com um plano mirabolante (é clichê ao cubo, mas estamos falando de algo saído de um desenho infantil, então não é lá tão criticável assim). O cômodo formato de telefilme é o que mata a empolgação (o básico de se esperar são efeitos baratinhos e ordinários). Desde as primeiras imagens liberadas dos atores que uma sensação ruim avisava de que muita coisa estava errada. Conferindo integralmente, a predição acertou.

Do time principal, apenas o garoto Wade, ajudante de Kim que manja de tecnologia e se formou na faculdade com 10 anos, se mostra num desempenho suportável. Ron, parceiro de Kim nas aventuras, é abobalhado e irritante pelas caras e bocas do ator. Eu particularmente não lembro desse jeitinho de menininha entusiasmada da Kim (a incompatível dublagem BR na protagonista acentuou esse comportamento). Aliás, pensei em rever o desenho antes do filme, porém devido à baixíssima expectativa e a quase certeza de que produziram uma bomba H de adaptação, mudei de ideia, o que me livrou de uma decepção ainda maior. Explico: Normal ver novamente o desenho como preparação, isto quando não há preocupação na espera, mas do contrário o aconselhável é ver primeiro o filme e em seguida o produto que o originou para "lavar a visão", pois se bate a decepção é a única vontade que atiça. Sadie Stanley é um rostinho bonito que infelizmente não incorporou uma Kim Possible simpatizável à altura e suas feições em nada lembram a heroína, por isso a escolha de um rosto relativamente menos redondo seria melhor, o que aparentemente diz que a produção teve zero de critério no casting. O texto forçado provoca vergonha alheia em alguns momentos, muitos deles vindos de Ron e a personagem exclusiva Athena.

Sobre a nova integrante em questão (interpretada por Ciara Riley Wilson), uma fã da Kim Possible que de uma hora pra outra vira parceira da heroína, o seu propósito de execução na trama de início não expõe nada mais que o óbvio - a sua inserção na equipe -, mas no mais tardar, no instante certo, ocorre uma reviravolta até fácil de presumir, no caso a sua ligação com Dr. Drakken que a sequestra na escola deixando Kim numa saia justa com todo mundo que presenciou o ataque por conta de invejinha da amiga ter ganhado os holofotes numa missão bem-sucedida (o que consequentemente a ofusca - se quer brilhar sozinho, faça seu trabalho sozinho). O vínculo dramático de Kim e Athena não tem desenvolvimento além da superfície e tudo fica só no "ain, quero ser sua amiga, não importa se você é um robô criado pra me desestabilizar, fica comigo!". A fragilidade heroica de Kim, se bem explorada, evidenciaria um amadurecimento sob medida, dada à fase vivenciada pela personagem (o ensino médio e suas inseguranças). A presença da avó de Kim, Nana, como mentora para afagar o coração frustrado da garota pouco ajuda, embora renda uma interação que não causa sonolência (como nos eventos do terceiro ato, foi uma luta sofrida para manter os olhos abertos - acho que a carinha de tédio e enjoada da atriz que faz a Shego me contagiou).

Drakken está com um visual de fidelidade aceitável e trejeitos identitários ao personagem, mas que tornam-se exagerados hora ou outra, a exceção da falta de uma maquiagem azul na sua pele ou um cinza-azulado. Em vez disso, enfiaram umas veias saltadas (x_x) pra lá de malfeitas. E com relação à Shego, só expresso meu lamento, a grande oponente de Kim Possible reduzida à uma capangazinha de meia tigela com uniforme de confecção questionável e dos detalhes estéticos insatisfatórios também está o cabelo (custava Taylor Ortega dar uma passadinha no salão e fazer uma cabeleira o mais próxima possível da contraparte animada?). E do que lembro da Shego, ela era mais ameaçadora e dava trabalho para Kim. Pra fechar essa trinca desapontante, temos a toupeirinha Rufus, extremamente fiel mas com CGI tão paupérrimo quanto os efeitos. Por essas e outras que já disse e reafirmo: Elementos cartunescos demais NÃO funcionam no live-action.

Considerações finais:

Kim Possible é uma produção bem ao nível do que o Disney Channel é capaz de oferecer, sem atuações marcantes, roteiros primorosos ou arranjos técnicos dignos de nota. O acabamento final o coloca no rol de aberrações disfarçadas de "tributo" à obras das quais se baseiam. Um telefilme preguiçoso e que só motiva o espectador a re-assistir o desenho com justa intenção de esquecer que essa fanfarrice aconteceu. Me contentaria com um episódio especial em animação.

PS1: O fato de não terem mudado a etnia da personagem-título já é um imenso consolo. Com a Disney hoje não se brinca.

PS2: Drakken foi vítima do seu próprio plano, regrediu à infância e Shego virou sua "mamãe" (ou babá). Seu plano dali em diante é perseguir Kim Possible matriculando-se na mesma escola que ela a fim de derrota-la. É o tipo de desfecho que ficaria mais cômico no desenho. Aliás, o enredo no geral. Típico em live-actions assim. Não é o primeiro caso e nem será o último.

PS3: Aquela garra que é disparada pra alcançar lugares altos parece ser a única ferramenta útil da Kim na ação.

PS4: Rolou dosezinhas de drama, como no diálogo entre Kim e Athena no momento em que a ciborgue insiste em ficar para desligar a fonte de energia da máquina prestes a explodir. Era pra emocionar? O sono não deixou.

PS5: A abertura naquele estilo não foi necessária. Parece que o canal tava indeciso se queria fazer uma série ou um filme.

NOTA: 3,0 - RUIM

Veria de novo? Não. 

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: https://www.rottentomatoes.com/m/kim_possible_2019/pictures/

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